I – O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos.
II – O procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação.
RECURSO DE REVISTA | 3200/22.9T8OER-A.L1.S1 |
RECORRENTES | – AA;
– BB. |
RECORRIDA | CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A. |
SUMÁRIO1 I – O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos. II – O procedimento PERSI deve ser repetido sempre que ocorra futuro e sucessivo incumprimento: quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação. |
AA e BB, deduziram embargos de executado à execução que lhes foi instaurada por CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., pedindo que a execução seja declarada extinta, bem como a condenação da exequente/embargada como litigante de má-fé.
Foi proferido saneador-sentença em 1ª instância que julgou improcedentes os embargos de executado e, em consequência, determinou a prossecução da ação executiva.
Os embargantes/executados interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.
Inconformados, vieram os embargantes/executados interpor recurso de revista (excecional) deste acórdão, tendo extraído das alegações3,4 que apresentaram as seguintes
termos dos artigos 671.º, n.º 1 e 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao abrigo do disposto nos artigos 675.º e 676.º do CPC.
B) A atribuição do efeito suspensivo ao recurso de revista reveste carácter excecional, e balizado a questões sobre o estado de pessoas.
C) Contudo, não podem os Recorrentes deixar de alegar as circunstâncias específicas do caso concreto que o devem determinar, até por estar intimamente relacionado com o fundamento excecional da presente revista – “Estejam em causa interesses de particular relevância social “ (vide alínea b), do n.º 1 do artigo 672 do CPC).
D) No caso em apreço, ao estar em causa um contrato de crédito que financiou a
aquisição da casa de habitação dos Recorrentes, na qual residem permanentemente 3 pessoas idosas, uma delas com 95 anos, doente oncológica como decorre de relatório médico que, excecionalmente, se junta como documento n.º 1.
E) Estando o interesse da Recorrida dupla e devidamente acautelado – seja pela
hipoteca registada a seu favor, seja pela penhora, não se afere qual o prejuízo que decorrerá para a mesma de atribuir ao presente recurso um efeito suspensivo.
F) No caso em concreto, sendo o valor da dívida exequenda de apenas € 180.213,74, tendo sido estabelecido como valor base de venda do Imóvel € 350.000,00, nunca podendo este ser vendido por valor abaixo dos € 297.000,00,
G) Ou seja, acautelar a utilidade prática deste recurso, que sendo procedente
determinará revogação da decisão do Tribunal da 1-ª Instância e do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de respetiva prossecução dos autos de execução e consequente venda do imóvel.
H) Apesar de não se encontrar preenchido strico sensu o conceito do estado das
pessoas, a verdade, é que o estado dos Recorrentes (e seu agregado familiar) sairá alterado e irreversivelmente prejudicado caso ao presente recurso não seja atribuído efeito suspensivo.
I) O Tribunal da 1.ª Instância entendendo que se encontrava suficientemente
debatido os termos do litígio em apreço, uma vez que a decisão da causa depende apenas da aplicação e da interpretação de normas jurídicas decidir, mediante Saneador-Sentença,
- Improcedentes os embargos de executado deduzidos e, em consequência, determinar a prossecução da ação executiva;
- Improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé deduzido pelos Embargantes/ Executados, com consequente absolvição da Embargada/Exequente do pedido indemnizatório no valor de € 912,00 (novecentos e doze euros),
J) Inconformados com tal Saneador-Sentença, os Recorrentes, entendendo que o mesmo assentava em pressupostos e conclusões que não têm qualquer correspondência à realidade ou aos factos levados ao conhecimento do Tribunal, apresentaram competente recurso de Apelação, o qual manteve na íntegra o Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal da 1.ª Instância.
K) Salvo devido respeito, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez uma interpretação algo descabida do diploma que estabelece o regime PERSI - DL. nº 227/2012, de 25.10, quando considerou que “…tendo os executados pleno conhecimento do referido “atraso” no cumprimento das suas obrigações, com as execuções anteriormente instauradas, situação que não se alterou, afigura-se-nos que não era exigível que a exequente lhes desse “conhecimento” do mesmo (art. 13º), antes sendo exigível que os integrasse no PERSI, alcançando os objetivos que o decreto lei visa (a composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento), em face da manutenção desta situação. E é por referência ao incumprimento ocorrido em 2020/2021 que a exequente enviou comunicações de integração dos executados no PERSI (o que não se confunde com a dívida exequenda fruto da resolução posterior do contrato).”
L) Concluindo que “A entender-se como pretendem os apelantes, a exequente não mais conseguiria cumprir os normativos do DL. nº 227/2012, de 25.10 (por referência a 2017), nem poderia reclamar os seus créditos, ainda que o incumprimento contratual se mantenha, passando a condição de admissibilidade de ação a ser uma causa de extinção de créditos.”
M) Se os Recorrentes sabem, e é já o entendimento da jurisprudência, que à Recorrida era possível lançar mão do mecanismo de PERSI diversas vezes, não pode fazê-lo sem respeito pelos prazos que tal diploma estabelece.
N) O próprio Tribunal da Relação reconhece “Atendendo ao teor das cartas a que se alude em 6 da fundamentação de facto, juntas com o RE, verifica-se que a comunicação de integração no PERSI se reporta a incumprimentos ocorridos entre dezembro de 2020 e junho de 2021 (relativamente aos mútuos em causa), mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no nº 1 do art. 14º do DL nº 227/2012, de 25.10, em relação aos últimos incumprimentos ocorridos em maio e junho de 2021 (ainda que tal prazo tenha sido ultrapassado relativamente aos restantes incumprimentos elencados).”.
O) O mesmo Tribunal da Relação concluiu que não assiste razão aos Recorrentes, exigindo-lhes “…um comportamento ativo, perante o recebimento das cartas em momento posterior ao que lhes tinha sido fixado para apresentarem documentação, contactando a respetiva agência bancária ou gestor, conforme indicado nas comunicações, dando conta da situação e requerendo novo prazo para responder ao solicitado.”, ignorando que a Recorrida sempre teria de atuar de acordo com elevado nível de competência técnica, conforme determinados nos artigos 73º e ss. do RGICSF.
P) Não se percebendo, por isso, como pode o Tribunal a quo formar e expressar a sua convicção de que “… as entidades bancárias proceder com elevados níveis de competência técnica, nos termos gerais previstos no RGICSF (art. 73º e ss.), que no caso não se mostram adequadamente cumpridos …” ou ainda que “verifica-se que a comunicação de integração no PERSI se reporta a incumprimentos ocorridos entre dezembro de 2020 e junho de 2021 (relativamente aos mútuos em causa), mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no nº 1 do art. 14º do DL nº 227/2012, de 25.10, em relação aos últimos incumprimentos ocorridos em maio e junho de 2021 (ainda que tal prazo tenha sido ultrapassado relativamente aos restantes incumprimentos elencados).”.
Q) Estas conclusões preenchem precisamente um dos casos previstos no artigo 672.º do CPC, n.º 1, al. a), ou seja, uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
R) Se é facto que estamos perante um crédito habitação diluído no tempo, situação em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos, e em que as circunstâncias subjacentes a cada umas das faltas de pagamento podem ser diferentes, isso não significa, nem pode significar, que em relação a cada incumprimento possam ser ignorados os prazos.
S) As cartas de integração em PERSI dos Recorrentes no caso em concreto, datadas de 14/07/2021, reportam-se a prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021, sendo manifesto que a Recorrida não iniciou o PERSI corretamente, ao não integrar os Recorrentes em PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º do DL n.º 227/2012),
T) Pelo menos no que diz respeito a 5 das prestações indicadas, facto esse que o Tribunal da Relação reconhece expressamente, não se retirando desse facto provado e demonstrado a necessária consequência.
U) Aliás, nem tão-pouco se percebe o que acontece aos valores vencidos e não pagos mas não integrados corretamente em PERSI desde o início do incumprimento que remonta a 2017.
V) A verdade é que a manterem-se as decisões da 1.ª instância e o Acórdão ora recorrido, sai premiada uma atuação contra legis da Recorrida que não só não permitiu a integração em PERSI em 2017, como o fez, conscientemente, em relação às prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021.
W) A argumentação de que “… tendo os executados pleno conhecimento do referido “atraso” no cumprimento das suas obrigações, com as execuções anteriormente instauradas, situação que não se alterou, afigura-se-nos que não era exigível que a exequente lhes desse “conhecimento” do mesmo (art. 13º), antes sendo exigível que os integrasse no PERSI, alcançando os objetivos que o decreto lei visa (a composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento), em face da manutenção desta situação.” não só é parca como sem correspondência no diploma legal aplicável.
X) É falso que os Recorrentes tenham sido integrados corretamente no PERSI, uma vez que é a própria Recorrida quem indica que o saldo devedor que considera e peticiona desta vez se verifica desde 15.12.2020, em relação aos empréstimos identificados nas comunicações de integração em PERSI, confissão essa que se aceita, para não mais ser retirada nos termos e efeitos do artigo 465.º do CPC.
Y) Dúvidas não subsistem que à Recorrida, cabia promover as diligências necessárias à implementação do PERSI, como impõe o art.º 12.º do DL n.º 227/2012, o que não logrou fazer, sobretudo depois ter falhado o mesmo procedimento no passado em relação aos mesmos clientes.
Z) É obrigatório que se analisem as comunicações que a Recorrida afirma ter remetido aos Recorrentes “… em 29/07/2021, comunicando a abertura do PERSI e efetivamente recebidas pelos executados em 02/08/2021”, sobretudo porque o vencimento das obrigações em apreço, não ocorreu na data de 14-07-2021, conforme pretende fazer valer a Recorrida, com o envio da referida missiva.
AA) Acresce que, resulta dessa mesma missiva que pretendia iniciar o PERSI, que os Recorrentes deveriam “… para a resolução da sua situação de incumprimento e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2021-07-24, apresentando…”.
BB) Esta afirmação, aparentemente correta e inócua, encerra em si mesma mais uma irregularidade cometida pela Recorrida no cumprimento das suas obrigações legais, e que o Tribunal a quo decidiu interpretar que os Recorrentes “…nada fizeram após a receção das cartas de integração no PERSI, com vista à resolução da situação de incumprimento junto da Exequente no âmbito do aludido regime, impedindo a instituição bancária de proceder à avaliação que a lei lhe comete e consequentemente, justificou a extinção do PERSI ao abrigo da alínea d) do artigo 17º do DL 227/12.”
CC) Ambos os tribunais que se debruçaram sobre estes factos, ignoraram a relevância destas discrepâncias.
DD) A carta datada de 14/07/2021, e por via da qual se concedia um prazo final para os Recorrentes entregar documentos até 24/07/2021, apenas foi expedida pela Recorrida em 29/07/2021, conforme resulta demonstrado pela consulta efetuada junto dos CTT que se juntaram aos embargos.
EE) A Recorrida não conseguiu indicar o valor correto em dívida, cumprir os prazos de acionamento de um regime especial obrigatório e à data das comunicações juntas em vigor há mais de 8 anos,
FF) Não considerando / respeitando os deveres a observar pelas instituições de crédito no âmbito da prevenção e da regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, constantes do artigo 7.º, n.º 1, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, de 04/12/2012, em vigor ao tempo das comunicações efetuadas pela Recorrida aos Recorrentes, disponível no site do Banco de Portugal.
GG) Apesar de posteriormente revogado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, de 07-12-2021, a verdade é que tal obrigação de clareza e rigor nas informações a prestar aos clientes manteve-se - artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021.
HH) Não cabe aos Recorrentes vir suprir essa irregularidade / incumprimento como defende o Tribunal a quo e o próprio Tribunal da Relação de Lisboa, que apesar de ter percebido da fragilidade da posição da Recorrida, preferiu manter a decisão do Tribunal da 1.ª Instância.
II) Em virtude do exposto, inevitável é concluir pela verificação dos pressupostos do recurso de revista previstos no n.º 1, alínea a) do artigo 672.º do CPC, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue demonstrado o incumprimento da Recorrida no cumprimento do procedimento PERSI, ordenando a absolvição dos Recorrentes.
Assim decidindo, V. Exªs. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!
Caso não considere este tribunal estar preenchido o referido no n.º 1, alínea a) do artigo 672.º do CPC,
JJ) Sempre entendem os Recorrentes que pode estar preenchido o previsto no n.º 1, alínea b) do artigo 672.º do CPC, estão em causa interesses de particular relevância social.
KK) Na densificação do conceito indeterminado “interesses de particular relevância social” – cláusula bastante vaga, que permite grande flexibilidade e elevado grau de discricionariedade, devem atender-se ao caso em específico.
LL) No caso em apreço, não persistem dúvidas acerca da existência de um interesse de particular relevância social, uma vez que o que está em causa, é em primeira linha, a defesa da célula fundamental da sociedade – a família, bem como a tão amplamente protegida casa de morada de família.
MM) O direito à habitação se consubstancia num Direito Fundamental constitucionalmente reconhecido, sendo que a consequência da decisão proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância e confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação, será necessariamente a destruição desse núcleo essencial sobre o qual se erige a sociedade, o que provocará forçosamente efeitos colaterais nocivos quer para os Recorrentes e respetivo agregado familiar.
NN) Sem prejuízo de repetição do anteriormente mencionado, se os Recorrentes bem sabem que à Recorrida era possível lançar mão do mecanismo de PERSI diversas vezes, não pode fazê-lo sem respeito pelos prazos que tal diploma estabelece, aliás como o próprio Tribunal da Relação reconhece
OO) O próprio Tribunal da Relação reconhece “Atendendo ao teor das cartas a que se alude em 6 da fundamentação de facto, juntas com o RE, verifica-se que a comunicação de integração no PERSI se reporta a incumprimentos ocorridos entre dezembro de 2020 e junho de 2021 (relativamente aos mútuos em causa), mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no nº 1 do art. 14º do DL nº 227/2012, de 25.10, em relação aos últimos incumprimentos ocorridos em maio e junho de 2021 (ainda que tal prazo tenha sido ultrapassado relativamente aos restantes incumprimentos elencados).”.
PP) O mesmo Tribunal da Relação concluiu que não assiste razão aos Recorrentes, exigindo-lhes “…um comportamento ativo, perante o recebimento das cartas em momento posterior ao que lhes tinha sido fixado para apresentarem documentação, contactando a respetiva agência bancária ou gestor, conforme indicado nas comunicações, dando conta da situação e requerendo novo prazo para responder ao solicitado.”, ignorando que a Recorrida sempre teria de atuar de acordo com elevado nível de competência técnica, conforme determinados nos artigos 73º e ss. do RGICSF.
QQ) Não se percebendo, por isso, como pode o Tribunal a quo formar e expressar a sua convicção de que “… as entidades bancárias proceder com elevados níveis de competência técnica, nos termos gerais previstos no RGICSF (art. 73º e ss.), que no caso não se mostram adequadamente cumpridos …” ou ainda que “verifica-se que a comunicação de integração no PERSI se reporta a incumprimentos ocorridos entre dezembro de 2020 e junho de 2021 (relativamente aos mútuos em causa), mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no nº 1 do art. 14º do DL nº 227/2012, de 25.10, em relação aos últimos incumprimentos ocorridos em maio e junho de 2021 (ainda que tal prazo tenha sido ultrapassado relativamente aos restantes incumprimentos elencados).”.
RR) Estas conclusões preenchem precisamente um dos casos previstos no artigo 672.º do CPC, n.º 1, al. a), ou seja, uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
SS) Se é facto que estamos perante um crédito habitação diluído no tempo, situação em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos, e em que as circunstâncias subjacentes a cada umas das faltas de pagamento podem ser diferentes, isso não significa, nem pode significar, que em relação a cada incumprimento possam ser ignorados os prazos.
TT) As cartas de integração em PERSI dos Recorrentes no caso em concreto, datadas de 14/07/2021, reportam-se a prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021, sendo manifesto que a Recorrida não iniciou o PERSI corretamente, ao não integrar os Recorrentes em PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º do DL n.º 227/2012),
UU) Pelo menos no que diz respeito a 5 das prestações indicadas, facto esse que o Tribunal da Relação reconhece expressamente, não se retirando desse facto provado e demonstrado a necessária consequência.
VV) Aliás, nem tão-pouco se percebe o que acontece aos valores vencidos e não pagos mas não integrados corretamente em PERSI desde o início do incumprimento que remonta a 2017.
WW) A verdade é que a manterem-se as decisões da 1.ª instância e o Acórdão ora recorrido, sai premiada uma atuação contra legis da Recorrida que não só não permitiu a integração em PERSI em 2017, como o fez, conscientemente, em relação às prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021.
XX) A argumentação de que “… tendo os executados pleno conhecimento do referido “atraso” no cumprimento das suas obrigações, com as execuções anteriormente instauradas, situação que não se alterou, afigura-se-nos que não era exigível que a exequente lhes desse “conhecimento” do mesmo (art. 13º), antes sendo exigível que os integrasse no PERSI, alcançando os objetivos que o decreto lei visa (a composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento), em face da manutenção desta situação.” não só é parca como sem correspondência no diploma legal aplicável.
YY) É falso que os Recorrentes tenham sido integrados corretamente no PERSI, uma vez que é a própria Recorrida quem indica que o saldo devedor que considera e peticiona desta vez se verifica desde 15.12.2020, em relação aos empréstimos identificados nas comunicações de integração em PERSI, confissão essa que se aceita, para não mais ser retirada nos termos e efeitos do artigo 465.º do CPC.
ZZ) Dúvidas não subsistem que à Recorrida, cabia promover as diligências necessárias à implementação do PERSI, como impõe o art.º 12.º do DL n.º 227/2012, o que não logrou fazer, sobretudo depois ter falhado o mesmo procedimento no passado em relação aos mesmos clientes.
AAA) É obrigatório que se analisem as comunicações que a Recorrida afirma ter remetido aos Recorrentes “… em 29/07/2021, comunicando a abertura do PERSI e efetivamente recebidas pelos executados em 02/08/2021”, sobretudo porque o vencimento das obrigações em apreço, não ocorreu na data de 14-07-2021, conforme pretende fazer valer a Recorrida, com o envio da referida missiva.
BBB) Acresce que, resulta dessa mesma missiva que pretendia iniciar o PERSI, que os Recorrentes deveriam “… para a resolução da sua situação de incumprimento e para beneficiar dos direitos consignados no referido Dec-Lei, deverá dirigir-se a uma Agência da Caixa Geral de Depósitos, até ao dia 2021-07-24, apresentando…”.
CCC) Esta afirmação, aparentemente correta e inócua, encerra em si mesma mais uma irregularidade cometida pela Recorrida no cumprimento das suas obrigações legais, e que o Tribunal a quo decidiu interpretar que os Recorrentes “…nada fizeram após a receção das cartas de integração no PERSI, com vista à resolução da situação de incumprimento junto da Exequente no âmbito do aludido regime, impedindo a instituição bancária de proceder à avaliação que a lei lhe comete e consequentemente, justificou a extinção do PERSI ao abrigo da alínea d) do artigo 17º do DL 227/12.”
DDD) Ambos os tribunais que se debruçaram sobre estes factos, ignoraram a relevância destas discrepâncias.
EEE) A carta datada de 14/07/2021, e por via da qual se concedia um prazo final para os Recorrentes entregar documentos até 24/07/2021, apenas foi expedida pela Recorrida em 29/07/2021, conforme resulta demonstrado pela consulta efetuada junto dos CTT que se juntaram aos embargos.
FFF) A Recorrida não conseguiu indicar o valor correto em dívida, cumprir os prazos de acionamento de um regime especial obrigatório e à data das comunicações juntas em vigor há mais de 8 anos,
GGG) Não considerando / respeitando os deveres a observar pelas instituições de crédito no âmbito da prevenção e da regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, constantes do artigo 7.º, n.º 1, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012, de 04/12/2012, em vigor ao tempo das comunicações efetuadas pela Recorrida aos Recorrentes, disponível no site do Banco de Portugal.
HHH) Apesar de posteriormente revogado pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, de 07-12-2021, a verdade é que tal obrigação de clareza e rigor nas informações a prestar aos clientes manteve-se - artigo 8.º do Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021.
III) Não cabe aos Recorrentes vir suprir essa irregularidade / incumprimento como defende o Tribunal a quo e o próprio Tribunal da Relação de Lisboa, que apesar de ter percebido da fragilidade da posição da Recorrida, preferiu manter a decisão do Tribunal da 1.ª Instância.
JJJ) Em virtude do exposto, inevitável é concluir pela verificação dos pressupostos do recurso de revista previstos no n.º 1, alínea b) do artigo 672.º do CPC, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue demonstrado o incumprimento da Recorrida no cumprimento do procedimento PERSI, ordenando a absolvição dos Recorrentes6.
O recorrido contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista e a manutenção do acórdão recorrido.
Pela Formação a que alude o art. 672º/3, do CPCivil, foi proferido acórdão que admitiu o recurso de revista (excecional) interposto pelos recorrentes/embargantes.
Colhidos os vistos7, cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO
Emerge das conclusões de recurso (excecional) apresentadas por AA e BB, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se os executados foram integrados no PERSI ou, se houve incumprimento quanto ao prazo para o efeito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª E 2ª INSTÂNCIA
1. A Exequente celebrou com os Executados os seguintes contratos de mútuo:
a. contrato ...85, celebrado em 21-11-2011, pelo qual mutuou aos Executados a quantia de € 63 000,00;
b. contrato ...85, celebrado em 21-11-2011, pelo qual mutuou a quantia de € 45 516,06.
c. contrato ...85, celebrado em 24-11-2015, pelo qual mutuou aos Executados a quantia de € 5 000,00.
2. Para garantia das quantias de capital mutuado, respetivos juros e despesas, de cada um destes contratos foi constituída hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra T. correspondente ao 5º Dto. do prédio urbano sito em Av. ..., freguesia de ... , concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob a ficha n.º ...46, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo ...65.
3. Hipoteca esta que foi registada através das Ap. ...80 de 21-11-2011, Ap. ...81, de 21-11-2011 e Ap. ...96 de 24-11-2015, todas a favor da Exequente, na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ..46/20080505.
4. Os Executados deixaram de proceder ao pagamento das prestações previstas nos contratos referidos em a. e b. em 15-03-2017, e do contrato referido em c. em 24-03-2017.
5. A Exequente instaurou a execução sumária de que os presentes constituem apenso, em 09-08-2022, reclamando o pagamento da quantia de € 180.213,74, correspondendo:
a. € 53 256,28 ao capital em dívida, €13.299,18 de juros e € 1.080,11 de despesas referentes ao contrato ...85;
b. € 37 891,18 ao capital em dívida, € 8.455,01 de juros e € 890,50 de despesas referentes ao contrato ...85;
c. € 53 685,82 € ao capital em dívida, € 10.640,53 de juros e € 249,93 de despesas referentes ao contrato ...85.
6. A Exequente/Embargada enviou em 29.07.2021 aos Executados e estes receberam em 02.08.2021, as cartas datadas de 14-07-2021, cujas cópias, juntou ao requerimento executivo, contendo comunicação relativa ao incumprimento dos contratos e à abertura de PERSI.
7. Na mencionada carta constava, para além do mais que:
8. A Exequente/Embargada enviou em 30.12.2021 ao Executado e este recebeu em 31.12.2021, a carta datada de 23-12-2021, onde comunica a extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento nos seguintes termos:
9. A Exequente/Embargada enviou em 09.02.2022 à Executada e esta recebeu em 10.02.2022, a carta datada de 23-12-2021, onde comunica a extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento nos seguintes termos:
10. A Exequente/Embargada enviou aos Executados e estes receberam em 21.02.2022, as cartas datadas de 15.02.2022, cujas cópias, juntou ao requerimento executivo, contendo interpelação para pagamento, sob pena de perda do benefício do prazo.
11. A Exequente/Embargada enviou aos Executados e estes receberam em 01.04.2022 e 04.04.2022, as cartas datadas de 22.03.2022, cujas cópias, juntou ao requerimento executivo, comunicando o vencimento imediato e integral da dívida.
12. No RI apresentado na ação executiva de que os presentes autos são apenso, a exequente elencou os seguintes factos, para além da factualidade já dada com provada:
“14 - Os executados entraram em incumprimento conforme resulta da liquidação infra, deixando de liquidar as prestações vencidas desde 24-03-2017.
15 - A aqui exequente já instaurou execução para cobrança dos créditos em causa, que correu termos sob o nº 582/20.0..., a qual veio a ser extinta por não ter ficado demonstrada a integração dos executados no Persi.
Nessa sequência,
16 - A exequente expediu cartas registadas com AR em 29/07/2021, comunicando a abertura do Persi e efetivamente recebidas pelos executados em 02-08-2021”.
13. Com o RI dos presentes embargos de executado, os executados juntaram:
- cópia da sentença proferida, em 5.11.2018, no P. nº 2412/18.4..., que julgou procedentes os embargos de executado, e declarou extinta a execução, com o fundamento de não ter a exequente procedido à integração dos embargantes no PERSI, tendo nesta execução a exequente apresentado, como títulos executivos, três escrituras públicas de contratos de mútuo com hipotecas, dois deles celebrados em 21.11.2011 e o outro em 24.11.2015, dadas à execução no processo de que os presentes embargos são apenso;
- cópia da sentença proferida, em 23.6.2021, no P. nº 582/20.0..., que julgou procedentes os embargos de executado, e declarou extinta a execução, com o fundamento de não ter sido feita prova cabal do envio e da receção das comunicações de integração dos
Executados (ambos) no PERSI e da extinção deste procedimento (não sendo possível concluir que a Exequente deu cumprimento às obrigações que sobre si impendiam, nos termos do DL nº 227/2012, de 25.10), tendo nesta execução a exequente apresentado, como títulos executivos, três escrituras públicas de contratos de mútuo com hipotecas, dois deles celebrados em 21.11.2011 e o outro em 24.11.2015, dadas à execução no processo de que os presentes embargos são apenso.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso8 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE OS EXECUTADOS FORAM INTEGRADOS NO PERSI OU, SE HOUVE INCUMPRIMENTO QUANTO AO PRAZO PARA O EFEITO.
Os recorrentes/embargantes alegaram que “As cartas de integração em PERSI, datadas de 14/07/2021, reportam-se a prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021, sendo manifesto que a recorrida não iniciou o PERSI corretamente, ao não os integrar entre o 31º dia e o 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa, pelo menos, no que diz respeito a 5 das prestações”.
Mais alegaram que “a manterem-se as decisões da 1.ª instância e o Acórdão ora recorrido, sai premiada uma atuação contra legis da recorrida que não só não permitiu a integração em PERSI em 2017, como o fez, conscientemente, em relação às prestações vencidas entre dezembro de 2020 e junho de 2021”.
Assim, concluíram que “não foram integrados pelo recorrida no procedimento PERSI”.
Vejamos a questão.
As instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), «no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor» (preâmbulo do DL nº 272/2012) 12.
Assim, relativamente a clientes bancários que se encontrem em situação de mora por não cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, a instituição bancária, no prazo máximo de quinze dias depois do vencimento da obrigação não liquidada, deve adotar o seguinte procedimento: - Informar o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida; - Desenvolver diligências no sentido de apurar as razões do incumprimento (art. 14º); - Caso se mantenha o incumprimento deve integrar o cliente no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação (art. 14º).
Verificando-se os pressupostos do PERSI, é obrigatória a integração do cliente bancário nesse regime, caso em que a ação judicial destinada a satisfazer o crédito só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (art. 18º/1/b), do DL nº 227/2012), sendo que a omissão da informação ou a falta de integração do devedor no PERSI, pela instituição de crédito, constitui violação de normas de carácter imperativo, que configura, também, exceção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da ação13,14,15.
Ou seja, tendo lugar a falta de pagamento das prestações devidas pelo devedor, a integração do devedor em mora no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) é obrigatória (art. 12° e 14°/1) e a execução apenas pode ser instaurada após a extinção daquele procedimento (art. 18º/1/b), como tem sido assinalado pela jurisprudência, de modo que se nos afigura pacífico16.
No caso, tendo os recorrentes/embargados deixado de pagar as prestações a que se obrigaram nos contratos de mútuo em 2017, tinha a exequente de observar o disposto no DL nº 227/2012, de 25.10, primeiro, dando-lhes conhecimento do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, diligenciando no sentido de apurar as razões subjacentes àquele e, depois, mantendo-se o incumprimento das obrigações, integrando-os no PERSI, nos prazos constantes dos arts. 13º e 14º do referido decreto lei.
Para tal, a recorrida/embargada expediu para a morada dos recorrentes/embargantes, que as receberam, comunicação de integração de cada um deles no regime do PERSI (por referência ao incumprimento ocorrido em 2020/2021)17.
Essa comunicação, foi feita mediante o envio de cartas registadas com avisos de receção e por reporte às prestações vencidas desde 24.12.2020 e 15.12.2020 até 24.06.2021 e 15.06.2021.
Ora, os recorrentes/embargantes por força das ações executivas anteriormente intentadas, tinham perfeito conhecimento da situação de incumprimento dos contratos, com início em 15-03-2017 e 24-03-2017, respetivamente.
Conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “tendo os executados pleno conhecimento do referido “atraso” no cumprimento das suas obrigações, com as execuções anteriormente instauradas, situação que não se alterou, afigura-se-nos que não era exigível que a exequente lhes desse “conhecimento” do mesmo (art. 13º), antes sendo exigível que os integrasse no PERSI, alcançando os objetivos que o decreto lei visa (a composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento), em face da manutenção desta situação” (sub. nosso).
Temos, pois, que estando os recorrentes/embargantes em mora no pagamento das prestações devidas pelos contratos de financiamento (os quais tinham pleno conhecimento), a recorrida/embargada estava legalmente obrigada a integrá-los no PERSI, o que se verificou, conforme comunicações que lhes foram feitas.
Conforme entendimento do tribunal a quo, “verifica-se que a comunicação de integração no PERSI se reporta a incumprimentos ocorridos entre dezembro de 2020 e junho de 2021 (relativamente aos mútuos em causa), mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no nº 1 do art. 14º do DL nº 227/2012, de 25.10, em relação aos últimos incumprimentos ocorridos em maio e junho de 2021 (ainda que tal prazo tenha sido ultrapassado relativamente aos restantes incumprimentos elencados)”.
Alegam, no entanto, os recorrentes/embargantes que, não foram integrados no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento das obrigações, em relação aos incumprimentos ocorridos em 2017.
Será relevante tal alegação?
Pensamos que não.
Por um lado, não é relativamente a esse incumprimento que tem de ser apreciado, na presente ação, o incumprimento ou não dos mencionados preceitos legais.
Mas se o for, quer a letra da lei, quer o espírito que preside ao DL nº 272/2012, não dão sustento à interpretação que limita a um único PERSI o incumprimento pelo mutuário num contrato de mútuo em que se convencionou o reembolso do capital e juros em prestações mensais, em contratos em que o mutuário fica vinculado a reembolsar o empréstimo por períodos largos de tempo, que podem atingir as dezenas de anos, como sucede nos casos de empréstimos para a habitação18.
Conforme entendimento do tribunal a quo, “perante novos incumprimentos, ainda que no âmbito do mesmo contrato, a entidade bancária deve iniciar o PERSI, com vista a alcançar o objetivo visado no mencionado diploma legal - a composição extrajudicial, e por mútuo acordo, da situação de incumprimento, com as inerentes vantagens para o cliente bancário”19.
Pelo facto de relativamente aos incumprimentos ocorridos em 2017, não terem os recorrentes/embargados sido integrados no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação, não preclude o facto de poderem ser integrados para além deste prazo.
O que importava, era que os devedores fossem integrados no PERSI, independentemente da ultrapassagem de tal prazo de modo a puderem usufruir dos direitos aí consignados para resolução dos seus créditos.
Situação diferente, seria se os devedores devendo ser integrados no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação, e não o tendo sido, pudessem ter sido prejudicados nos seus direitos, o que não se mostra alegado.
O não terem os recorrentes/embargantes sido integrados no PERSI, entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação, relativamente aos incumprimentos ocorridos em 2017, não lhes retirou direitos, nem lhes reduziu expectativas legítimas.
Assim, não sendo de natureza perentória tal prazo para integração dos devedores no PERSI, mostra-se irrelevante que o tenham sido para além do mesmo, pois de tal facto não lhes foram cerceados quaisquer direitos.
Por outro lado, nas cartas datadas de 14-07-2021, concedia-se aos embargantes/executados um prazo até 24-07-2021, para procederem à entregarem de documentos (Última Declaração de IRS e respetiva Certidão de liquidação, Documentos comprovativos de rendimentos auferidos, nomeadamente a título de salário, Remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais).
Porém, as cartas foram expedidas em momento posterior àquela data (em 29-07-2021) e, portanto, rececionadas já depois de decorrido o prazo fixado.
A tal respeito, subscreve-se o entendimento do tribunal a quo, de que “aos executados era exigível um comportamento ativo, perante o recebimento das cartas em momento posterior ao que lhes tinha sido fixado para apresentarem documentação, contactando a respetiva agência bancária ou gestor, conforme indicado nas comunicações, dando conta da situação e requerendo novo prazo para responder ao solicitado. Do nº 2 do mencionado art. 4º resultam deveres fundamentais a observar pelos clientes bancários (dever de diligência e o dever geral de boa-fé), principais interessados na regularização, em sede extrajudicial, das situações de não cumprimento, evitando o recurso à via judicial. Ao contrário do que afirmaram os executados na petição de embargos, perante o decurso do prazo fixado nas cartas para a entrega dos documentos, não ficaram impedidos de o fazer, sendo-lhes exigível que agissem com diligência e boa fé dirigindo-se à respetiva agência da exequente para esclarecer a situação, sendo certo que os elementos requeridos por esta eram essenciais para proceder à avaliação da situação económica dos executados por molde a apresentar-lhes (ou não) proposta de regularização extrajudicial da dívida”20.
A colaboração do cliente bancário é de tal modo importante que a lei considerou a não colaboração daquele como motivo para a extinção do PERSI por iniciativa da instituição bancária (art. 17º/2/d, do DL 227/12). Mais: tal alínea prevê como fundamento de extinção a não colaboração no prazo previsto. O que também se compreende, tendo em conta que o PERSI representa para as instituições bancárias um compasso de espera no exercício dos seus direitos (vd. art. 18º do DL 227/12)21.
Os recorrentes/embargantes nos articulados nada fizeram após a receção das cartas de integração no PERSI, com vista à resolução da situação de incumprimento junto da Exequente no âmbito do aludido regime, impedindo a instituição bancária de proceder à avaliação que a lei lhe comete e consequentemente, justificou a extinção do PERSI ao abrigo do artigo 17º/d, do DL 227/1222,23.
Concluindo, “entre a data de recebimento das cartas de integração e a data
de extinção do PERSI, os recorrentes/embargantes não pagaram nem nada fizeram, podendo tê-lo feito, pelo que, o procedimento foi extinto por falta de colaboração dos mesmos”.
Destarte, tendo os recorrentes/embargantes entrado em incumprimento em momento anterior à instauração da ação executiva e sido integrados no PERSI, o qual se extinguiu nos termos legais24, improcede a revista.
3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas25 pelos recorrentes (na vertente de custas de parte, por outras não haver26), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos27.
(Nelson Borges Carneiro) – Relator
(Anabela Luna de Carvalho) – 1º adjunto
(Henrique Antunes) – 2º adjunto
___________________________________________________________________
2. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎
3. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎
4. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎
5. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
6. Depois de formular conclusões, o recorrente termina deduzindo um pedido de revogação, total ou parcial, de uma decisão judicial – RUI PINTO, Manual do Recurso Civil, Volume I, AAFDL Editora, Lisboa, 2020, p. 293.↩︎
7. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎
8. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎
9. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-02-09, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
10. O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo DL nº 227/2012 de 25 de Outubro, constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-09, Relator: FERREIRA LOPES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
11. O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (doravante PERSI) trata-se do procedimento que as instituições de crédito estão obrigadas a promover, em relação a clientes bancários que se encontram em mora no cumprimento das obrigações decorrentes do ou dos contratos de crédito, conforme define o art.12.º do Regime Geral – ANDREIA SOFIA LÚCIO ENGENHEIRO, O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento, FDUN, p. 49.↩︎
12. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2017-02-09, Relatora: FERNANDA ISABEL PEREIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
13. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-06, Relator: FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
14. A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da ação (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC) – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-04-13, Relatora: GRAÇA AMARAL, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
15. Sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada, que conduzirá à absolvição do executado da instância executiva – Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2021-12-09, Relator: FERREIRA LOPES, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
16. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-06, Relator: FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
17. É um facto que, tendo os executados deixado de pagar as prestações a que se obrigaram nos contratos de mútuo em 2017, tinha a exequente de observar o disposto no DL. nº 227/2012, de 25.10, primeiro dando-lhes conhecimento do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, diligenciando no sentido de apurar as razões subjacentes àquele, e, depois, mantendo-se o incumprimento das obrigações, integrando-os no PERSI, tudo nos prazos constantes dos arts. 13º e 14º do referido decreto lei. Mas tal não foi feito, ou não foi feito em termos adequados, e a questão foi já apreciada nas execuções anteriormente instauradas, pelo que não é relativamente a esse incumprimento que tem de ser apreciado, na presente ação, o incumprimento ou não dos mencionados preceitos legais – In acórdão do tribunal a quo.↩︎
18. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 2023-02-06, Relator: FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, https://www.dgsi.pt/jstj.↩︎
19. O tribunal de 1ª instância também entendeu “quanto à invocada extemporaneidade do procedimento levada a cabo pela Exequente, nos termos em que o foi, dadas as apontadas circunstâncias e sendo certo que a integração dos clientes bancários no regime do PERSI, pode ocorrer mais do que uma vez, desde que se registe situação de incumprimento, não colhe”.↩︎
20. Nada foi alegado pelas partes, sobre o sucedido nesse hiato temporal, nomeadamente que os embargantes hajam apresentado ou tentado apresentar tais documentos para além do prazo indicado nas cartas; de que tenham, por qualquer modo e para qualquer efeito, contactado a exequente, conforme a mesma se disponibilizava na referida comunicação, ou solicitado o apoio ao consumidor endividado, cujo contacto igualmente figurava na carta – sentença do tribunal de 1ª instância.↩︎
21. In sentença do tribunal de 1ª instância.↩︎
22. In sentença do tribunal de 1ª instância.↩︎
23. O diploma não prevê a consequência de o cliente bancário não colaborar na entrega de informação solicitada. Nesta situação, tendo em conta a lógica do PERSI, a instituição de crédito não terá condições para apresentar uma proposta, não lhe sendo exigível fazê-lo sem a informação, pelo que o procedimento poderá extinguir-se pelo decurso dos 90 dias sem que se alcance um acordo – ANDREIA SOFIA LÚCIO ENGENHEIRO, O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento, FDUN, p. 53.↩︎
24. O PERSI extingue-se se extingue se a instituição de crédito concluir, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a capacidade financeira do cliente bancário e tornem inexigível a manutenção do PERSI (al. c) n.º 2 do art.17.º do Regime Geral) ou caso o cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º do Regime Geral, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior (al. d) n.º 2 do art.17.º do Regime Geral) – ANDREIA SOFIA LÚCIO ENGENHEIRO, O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento, FDUN, p. 61.↩︎
25. A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/2010, de 2010-07-14 e, nº 708, de 2013-10-15, https://www.tribunalconstitucional.↩︎
26. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎
27. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎
28. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎
29. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎