I. A “dupla conforme” pode verificar-se em relação a segmentos decisórios individualizáveis.
II. Assim, em ação de responsabilidade civil automóvel, tendo as instâncias convergido no que concerne à condenação por indemnização relativa a danos não patrimoniais, e divergido quanto à indemnização por dano patrimonial (tendo a Relação aumentado o valor a esse título fixado na sentença), existe dupla conforme que obsta à revista ordinária incidente sobre os danos não patrimoniais.
III. O dano biológico, reconhecido como um dano à integridade psico-física do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, pode assumir-se tanto como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro), quer como dano não patrimonial, na medida em que as consequências do deficit funcional sofrido não tenham impacto económico para o lesado, implicando, por exemplo, uma maior penosidade (com tradução psicológica em sensação de sofrimento) na realização de algumas tarefas, mas sem inerente perda de rendimentos.
IV. No que concerne à eventual destrinça entre a indemnização pelo dano biológico (na sua vertente patrimonial) e a indemnização pela perda da capacidade de ganho, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o que releva é que “na fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro o julgador atenda não apenas à eventual perda de rendimentos salariais em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também ao dano biológico sofrido”. Com isso se realçando que, para além de lesões permanentes das quais pode emergir, direta e imediatamente, repercussão na capacidade de ganho atinente à profissão habitual, às quais se moldará a aplicação de tabelas financeiras como as previstas para a sinistralidade laboral, não deverão esquecer-se as sequelas funcionais que, fragilizando e inferiorizando a capacidade de utilização do corpo, reduzem de forma relevante a competitividade da vítima no mercado de trabalho e aumentam a penosidade da sua ação.
V. A destrinça entre o dano biológico stricto sensu e o dano patrimonial futuro diretamente ligado à incapacidade de ganho respeitante à profissão habitual do lesado, alcança particular relevo quando o sinistro rodoviário constitui, também, acidente de trabalho; com efeito, as prestações pecuniárias efetuadas ao abrigo da legislação infortunístico-laboral em princípio não se sobrepõem àqueloutras adstritas à indemnização do dano biológico stricto sensu.
VI. Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme.
VII. Porém, mesmo nesses casos, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas”, pelo que só podem ser utilizadas como “meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta”.
VIII. Posto isto, o método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.
IX. É equitativo o montante indemnizatório de € 35 000,00 destinado a ressarcir o dano biológico (na vertente patrimonial) consubstanciado no défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos, sofrido por lesado com 38 anos de idade, empregado de mesa, que não ficou afetado na sua capacidade de exercício da atividade profissional habitual, embora sujeito a esforços suplementares.
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA instaurou ação declarativa de condenação contra Crédito Agrícola Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.
O A. alegou, em síntese, ter sido vítima de um acidente de viação, tendo sofrido danos por cuja reparação era responsável a R., na medida em que o sinistro havia sido causado pelo condutor do veículo que se encontrava segurado na R..
O A. terminou pedindo que a R. fosse condenada:
- No pagamento das perdas salariais no valor de 4.559,11 € acrescidas de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas, cirurgias, internamentos, tratamentos e deslocações inerentes relacionadas com as sequelas descritas, acrescidas de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização por perda de capacidade de ganho no montante de 61.918,64 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de dano biológico autónomo da perda de capacidade de ganho de valor não inferior a 35.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal;
- No pagamento de indemnização a título de danos morais de valor não inferior a 40.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal.
2. A R. contestou, alegando desconhecer as circunstâncias do acidente e os danos invocados. Mais alegou que o acidente havia igualmente sido qualificado como acidente de trabalho, tendo o A. recebido da seguradora da entidade patronal quantias que deveriam ser deduzidas da indemnização que viesse a ser fixada. Concluiu que a ação deveria ser julgada em harmonia com a prova que viesse a ser produzida.
3. A seguradora Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., requereu a sua intervenção principal, ao lado do A., peticionando a condenação da R. no pagamento à interveniente da quantia total de € 21 905,36, respeitante a montantes desembolsados pela interveniente na qualidade de seguradora da entidade patronal do A., uma vez que o sinistro rodoviário em questão era igualmente um acidente de trabalho, cuja ocorrência era exclusivamente imputável à condutora do veículo segurado na R..
4. A R. contestou a pretensão referida em 3, em termos idênticos à contestação da ação.
5. Ulteriormente, a interveniente ampliou o seu pedido para o montante global de € 22 819,62, com base em pagamentos efetuados até 21.9.2021, acrescido de juros de mora – ampliação que foi admitida.
6. Em 09.6.2023 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
1. Condeno a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A, a pagar ao Autor AA: ) a quantia de 25.000,00 Euros, a titulo de dano biológico, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento.
b) a quantia de 28.500,00 Euros, a titulo de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da presente sentença e até integral pagamento.
2. Condeno a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A, a pagar à Interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.: a) a quantia de 21.777,36 Euros, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento.
3. Absolvendo a Ré CRÉDITO AGRÍCOLA SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A, de todo o demais pedido. . Custas pelo A., pela Interveniente e R., na proporção do respectivo decaimento – artº 527º, do C.P.Civil.”
7. Tanto a R. como o A. apelaram da sentença.
8. Em 07.12.2023 a Relação de Lisboa julgou os dois recursos, concluindo com o seguinte dispositivo:
“Pelos fundamentos supra expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação do Autor e totalmente improcedente a apelação da Ré e, em consequência, revogar o ponto 1.a) da sentença recorrida, o qual se substitui por outro que condena a Ré “Crédito Agrícola Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A”, a pagar ao Autor AA: a) a quantia de € 50.000,00 a titulo de dano biológico, quantia esta acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento.
No mais, mantém-se a sentença da 1ª instância.
Custas do recurso do A. a cargo deste e da R. na proporção de 55,5% para o A. e de 44,5% para a Ré.
Custas do recurso da R. totalmente a cargo desta”.
9. A R. interpôs revista do mencionado acórdão da Relação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.ª - No âmbito do recurso interposto da decisão proferida quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo A, por virtude das lesões corporais que sofreu, a recorrente pretende suscitar as seguintes questões, nos termos que melhor se explanarão na motivação e suas conclusões:
- exigibilidade da quantia arbitrada a titulo de compensação do dano biológico;
- natureza do dano biológico e quantificação da respetiva indemnização, se devida,
- abatimento na indemnização pelo dano biológico da quantia recebida pelo A a título de capital de remição no processo de reparação pela vertente laboral do sinistro;
- fixação dos danos não patrimoniais
2.ª - Foi ainda atribuído ao Autor a quantia de 50.000,00€ a título de compensação pelo seu dano biológico de 10 pontos, na vertente não patrimonial.
3.ª - Entendeu o julgador que, no caso, o dano biológico não assume cariz patrimonial, pelo que deve ser compensado enquanto dano não patrimonial.
4.ª - E, consequentemente, o Tribunal recorrido não procedeu ao abatimento na compensação arbitrada das quantias recebidas pela A a título de indemnização na vertente laboral
5.ª - Acontece que, salvo melhor opinião, a ser assim, ao atribuir ao demandante essa verba de 50.000,00€ já de si exagerada, o Tribunal recorrido acabou por compensar duplamente o mesmo dano, ou, dito de outro modo, atribuiu duas indemnizações pelo mesmo prejuízo.
6.ª - Com efeito, o Acórdão atribuiu ao demandante uma indemnização pelos seus danos não patrimoniais no valor de 28.500,00€, assim confirmando o já decido na 1.ª Instância.
7.ª - Ora, o que se deu como provado para fundamentar esta indemnização não é mais do que descrição do dano biológico da demandante.
8.ª - Ora, a A não pode ser compensada duplamente pelo mesmo dano.
9.ª - E, como resulta da douta sentença, na quantificação da compensação pelos danos não patrimoniais (fixada na douta sentença em 28.500,00€ e confirmada no Acórdão ora recorrido), a Tribunal teve já em consideração esse mesmo dano biológico, o qual se traduz, precisamente, nas sequelas e limitações que as mesmas acarretam.
10.ª - A aceitar a natureza não patrimonial do dano biológico, a dita incapacidade permanente não é mais do que um elemento a levar em consideração no cômputo da indemnização a fixar a título de danos não patrimoniais, não devendo, no entanto, a nosso ver, ser vista como um dano autónomo que deva ser ressarcido com recurso a critérios que mais se adequam ao apuramento dos verdadeiros danos patrimoniais futuros.
11.ª - Tendo esse dano sido já objecto de compensação, como acima se referiu e resulta do Douto Acórdão, não é devida a quantia de 25.000,00€ arbitrada a esse propósito – dano biológico -, devendo o Acórdão ser revogada nessa parte e a Ré ser absolvida, nessa parte, do pedido.
12.ª - Assim, deve ser fixada uma verba global por todos os danos não patrimoniais, no montante limite de 28.500,00€ pela totalidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo A, incluindo o seu dano biológico, o que, subsidiariamente, se requer. Sendo certo que, neste caso, não será de abater a verba recebida a título de capital de remição.
Por outro lado, sem prescindir e caso assim se não entenda:
13.ª - A entender-se que é devida uma indemnização autónoma por dano biológico, entende a recorrente que a mesma só se justificaria se esse prejuízo fosse perspetivado enquanto dano patrimonial.
14.ª - Na verdade, só assim se poderia dizer que o dano biológico se autonomiza dos demais danos não patrimoniais sofridos pelo A e só assim se evitaria uma dupla compensação dos mesmos danos.
15.ª - Ora, apesar de se tratar de um dano patrimonial, quando não ocorre uma efectiva perda de rendimentos a sua quantificacão deve assentar sobretudo na equidade, sem esquecer alguns elementos coadjuvantes.
16.ª - Entre eles estarão, por exemplo, as tabelas financeiras de calculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, que podem servir como critério coadjuvante, que permite aferir o máximo da indemnização que seria devida para o caso de se verificar uma efectiva perda de rendimentos.
17.ª - Assim e no caso concreto, há que considerar que o A. tinha 39 anos à data do acidente, com uma esperança de vida até 78,07 anos, que o A. ficou, por causa do acidente dos autos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com o exercício da atividade profissional habitual, mas a exigir esforços suplementares.
18.ª - À data do acidente, o A. tinha convencionado com a sua entidade patronal um vencimento mensal de 600,00 € por mês;
19.ª - Perante todos os elementos coadjuvantes acima invocados, entende a recorrente que, em equidade, a indemnização pelo dano biológico que afecta o A, encarado como um dano patrimonial, não deveria ser superior à de 20.000,00€.
20.ª - Estabelecida a natureza patrimonial do dano biológico, e sendo o mesmo autonomamente valorado, deve agora ser analisada a questão do abatimento a essa verba do montante pago pela Fidelidade a título de indemnização pela incapacidade permanente no âmbito laboral.
21.ª - No âmbito da reparação pela vertente laboral do sinistro a A recebeu a quantia de 6.202,86 € a título de capital de remição da pensão devida pela incapacidade permanente de que ficou portadora.
22.ª - Ora, como vem sendo entendido de forma unânime pelos nossos Tribunais Superiores, as indemnizações por incapacidade permanente atribuídas no âmbito viário e laboral não são cumuláveis, mas antes complementares.
23.ª - E o lesado terá de optar por uma ou outra das indemnizações, devendo, de todo o modo, ser abatida à indemnização a atribuir ao lesado tudo aquilo que já tiver recebido e vier a receber das entidades responsáveis pela reparação na sua vertente laboral.
24.ª – O número 4.º do artigo 17.º da Lei 98/2009 prevê mesmo a sub-rogação da seguradora de acidente de viação nos direitos do lesado, na medida desse mesmo pagamento; isto é, paga a indemnização, o lesado deixa de ser titular do direito de reclamar de terceiros o valor adiantado pela seguradora de acidente de trabalho, a qual poderá́, ela própria, reclamar deles o respetivo reembolso.
25.ª - Assim, deve ser abatida à indemnização atribuída ao A por incapacidade permanente – dano biológico e não superior a 20.000,00 euros -, a quantia que lhe foi paga pela Fidelidade a título de capital de remição, ou seja, 6.202,86 Euros;
26.ª - De notar ainda que a Ré foi condenada a restituir á Fidelidade esta última importância, pelo que sempre se imporia, para evitar o injusto enriquecimento da A à custa da Ré, o abatimento dessa mesma verba.
27.ª - De resto, seria mesmo violador do principio constitucionalmente consagrado da igualdade defender que a este sinistrado caberia maior indemnização por dano biológico sem repercussão patrimonial do que aquela que mereceria alguém com a mesma e exacta sequela, mas diferente estatuto remuneratório.
28.ª - Neste ponto é importante ter em consideração, antes de mais, que o dano biológico da A é um só e não se subdivide em tantas vertentes quantas as vias pelas quais possa ser indemnizado.
29.ª – O A é portador de determinadas sequelas, devidamente descritas nos presentes autos, que são exatamente as mesmas que determinaram a atribuição de uma indemnização na vertente laboral do acidente.
30.ª – Não existem diferenças nos pressupostos da atribuição das duas indemnizações que possam justificar a sua cumulação;
31.ª - Aliás, se assim não fosse, chegaríamos a situações verdadeiramente injustas: pessoas que sofrem acidentes que são simultaneamente de viação e de trabalho e que ficam a padecer de uma incapacidade permanente sem repercussão na sua capacidade de ganho, verlhes-iam ser atribuídas indemnizações muito superiores àquelas que receberiam se o acidente fosse, apenas, um simples acidente de viação.
32.ª - Com efeito, no primeiro caso, o sinistrado teria direito a receber da seguradora do acidente de trabalho as indemnizações relativas à incapacidade que ficou a padecer e da seguradora do acidente de viacão a relativa ao dano biológico e aos danos morais.
33.ª - Já no segundo caso, o sinistrado apenas teria direito a receber estas duas últimas indemnizações, ou seja, a referente ao dano biológico e a relativa aos danos morais.
34.ª - Tal solução parece-nos realmente injusta, quando é sabido e pacifico na nossa Jurisprudência que as indemnizações pela vertente laboral e viária do mesmo sinistro não são cumuláveis, devendo o lesado optar por uma das duas indemnizações, as quais só são complementares no que tange os danos não abrangidos pela relacão laboral, isto é os puros danos não patrimoniais.
35.ª - É o que, aliás, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 9.º da portaria 377/2008, de 16 de Maio, o qual estatui que “...se o acidente que originou o direito à indemnização for simultaneamente de viacão e de trabalho, o lesado pode optar entre a indemnização a título de acidente de trabalho ou a indemnizacão devida ao abrigo da responsabilidade civil automóvel, mantendo-se a actual complementaridade entre os dois regimes.”
E no n.º 3 desse mesmo artigo estabelece que: “Nos casos em que não haja lugar à indemnização pelos danos previstos na alínea a) do artigo 3.o, é também inacumulável a indemnização por dano biológico com a indemnização por acidente de trabalho”.
36.ª - Ora, entende a recorrente que, por essas razões, deve ser abatida à indemnização pela vertente não patrimonial do dano biológico a indemnização recebida no âmbito do processo laboral.
37.ª - Esse abatimento decorre da circunstância de, no caso concreto, não existir verdadeira diferença entre o dano ressarcido em ambas a vertentes.
38.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº 2, todos do Código Civil.
Ainda sem conceder e para o caso de assim se não entender, Do montante fixado a título de danos não patrimoniais:
39.ª - No que toca à compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência das lesões físicas no acidente, considera a recorrente que, caso venha a ser dado provimento à pretendida revogação da douta sentença no que toca à condenação da Ré no pagamento da verba de 28.500,00€ a título de compensação pelo dano moral decorrente do dano biológico, o valor atribuído por danos não patrimoniais é justo e adequado a compensar a totalidade dos danos morais sofridos, pelo que se deve manter.
40.ª - Todavia, se se entender autonomizar da compensação por danos morais o dano biológico da demandante, independentemente de lhe ser ou não abatida a verba correspondente ao capital de remição, a quantia arbitrada para compensação daqueles danos é manifestamente excessiva e deve ser reduzida.
41.ª - Com efeito, sem menoscabo pela dor e sofrimento alheios, as lesões sofridas pelo A não assumiram gravidade suficiente para justificar a compensação de 28.500,00€.
42.ª - Em face dos danos sofridos pela A que se pretende compensar neste campo e para a hipótese de não ser revogada a sentença na parte em que atribuiu à A a verba autónoma de 25.000,00€ pelo seu dano biológico, entende a recorrente que, em equidade, se impõe a redução da compensação pelos danos não patrimoniais para a verba de 20.000,00 euros, o que se requer.
43.ª - Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562º e 564°, nº 2, todos do Código Civil.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira justiça”.
10. O A. contra-alegou, pugnando pela rejeição da revista, por ocorrer “dupla conforme” e, subsidiariamente, defendendo a improcedência do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido.
11. Após audição das partes sobre a eventual rejeição do recurso, a Exm.ª Desembargadora relatora rejeitou a revista, por entender que se verificava dupla conforme quanto às questões que eram objeto do recurso.
12. A R. reclamou do despacho referido em 11, pugnando pela admissão do recurso.
13. Por despacho datado de 12.6.2024 o relator (no STJ) deferiu a reclamação, determinando a admissão da revista.
14. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Em primeiro lugar, haverá que determinar o objeto admissível da revista.
Com efeito, no despacho que deferiu a reclamação da decisão que rejeitara a revista com base em dupla conforme, exarou-se o seguinte:
“Tanto basta para que a revista seja admitida. Relegando-se para a apreciação da revista, tendo em consideração os termos sucessivamente subsidiários da sua formulação, a concreta delimitação adveniente da jurisprudência enunciada no acórdão do STJ de 20.9.2022 (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/2022, de 18.10), segundo a qual “[n]as situações de objeto processual plural a conformidade decisória terá, em princípio, de ser avaliada, separadamente, para cada uma das pretensões autónomas e cindíveis decididas pelas instâncias.” Ou, como se exarou no sumário do acórdão do STJ de 10.04.2014, processo n.º 2393/11.5TJLSB.L1.S1, “[n]os casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles”.
É sabido que o n.º 3 do art.º 671.º do CPC consagra o obstáculo à revista comummente designado de “dupla conforme”:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.
Ora, como resulta da jurisprudência acima citada, a dupla conforme pode verificar-se em relação a segmentos decisórios individualizáveis.
No caso destes autos, a 1.ª instância, pronunciando-se sobre as pretensões deduzidas pelo A. na ação, distinguiu entre o chamado dano biológico, na sua vertente patrimonial, e os danos não patrimoniais. E condenou a R. no pagamento ao A. da quantia de € 25 000,00, a título de indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial, e no pagamento ao A. da quantia de € 28 500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Na sequência das apelações interpostas pelo A. e pela R., a Relação aumentou para o montante de € 50 000,00 a indemnização do dano biológico (vertente patrimonial) e manteve a indemnização por danos não patrimoniais (€ 28 500,00). No mais, pese embora a discordância quanto ao quantitativo da indemnização do dano biológico (na sua dimensão patrimonial), a Relação sustentou a fundamentação apresentada pela 1.ª instância no tratamento jurídico das pretensões deduzidas pelo A., nomeadamente quanto à destrinça e qualificação dos danos por aquele sofridos.
Assim, existe dupla conforme no que concerne à condenação da R. na quantia de € 28 500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A revista cinge-se, assim, à apreciação da condenação da R. no pagamento ao A., a título de dano biológico (na sua dimensão patrimonial), na quantia de € 50 000,00.
2.1. As instâncias deram como provada a seguinte
Matéria de facto
1. No dia 11.3.2019, cerca das 07:45, o A., acompanhado da sua mulher, conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-HN, na autoestrada A1, ao Km. ...50, sentido Norte – Sul, no Concelho de ..., circulando atrás do pesado de passageiros com a matrícula ..-NO-...
2. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-LV, veículo propriedade de BB e conduzido por CC, que circulava imediatamente atrás do A., perdeu o controlo da viatura, indo embater no veículo conduzido pelo A., que seguia na sua faixa de rodagem.
3. Devido à força do embate, o veículo conduzido pelo A. foi por sua vez colidir no pesado de passageiros que seguia à sua frente, após o que foi projetado em direção à faixa de rodagem mais à direita, onde acabou por embater no pesado de mercadorias com a matrícula ..-FS-.., imobilizando-se de seguida na berma.
4. No auto de notícia, o condutor do automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-LV declarou: “…circulava na via do centro da auto-estrada A1 quando tento (travar) por causa do trânsito que se encontrava à minha frente e o travão bloqueou não me deixando efetuar a travagem”.
5. Nas circunstâncias de tempo e lugar dos pontos que antecedem, a visibilidade era boa, o piso estava seco e em boas condições, a via é caraterizada por uma reta com três faixas de rodagem em cada sentido, com separador central e a intensidade do tráfego nas várias faixas de rodagem era moderada.
6. Na sequência do embate a que se referem os pontos que antecedem, o A. teve que ser assistido no local pelo INEM, acabando por ser conduzido para o Serviço de Urgência do Hospital de ..., em ... e transferido às 11h.53m, para o Hospital de ....
7. Apresentava fraturas do úmero direito e tíbia direita.
8. Após realização de imobilização gessada do membro inferior direito e imobilização gessada do membro superior direito, teve alta hospitalar no mesmo dia, 11/03/2019;
9. Tendo sido posteriormente submetido, em 28/03/2019, a duas cirurgias, designadamente colocação de material de osteossíntese da diáfise umeral e da fratura cominutiva do pilão tibial.
10. No âmbito da sua atividade, a Ré celebrou com BB, um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º ...29, em que este(a) transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária de um veículo de matrícula ..-..-LV, conforme doc. nº 1 que juntou com a contestação e deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
11. Foi apresentada perante a R. a participação do acidente, a qual iniciou um processo para averiguar a ocorrência;
11.1. … após o que reconheceu a responsabilidade do condutor do veículo automóvel por si garantido e tendo assumido a responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro;
11.2. … na sequência do que a R. procedeu ao pagamento ao A. da prestação correspondente à indemnização por perda total do veículo, no valor de 2.100,00 €.
12. À data do acidente o A. era trabalhador da sociedade U..., Lda., tendo como local de trabalho a Rua ..., desempenhando funções de empregado de mesa.
13. O acidente descrito nos pontos 1 a 5, dos presentes factos provados, ocorreu quando o A. estava, no momento, a percorrer o trajecto habitualmente utilizado da sua residência para o seu local de trabalho.
14. No exercício da sua actividade, a Interveniente “Fidelidade- Companhia de Seguros, SA.”, celebrou com “U..., Lda.”, um contrato de Seguro do “Ramo Acidentes de Trabalho, - trabalhador por conta de outrem”, na modalidade de prémio fixo, titulado pela Apólice AT...75, conforme constante das condições particulares e gerais constantes do documentos nº 1 e 2, que a interveniente Fidelidade-Companhia de Seguros, SA., juntou aos autos e que deu por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
15. Na vigência da apólice do seguro que antecede, a interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., recebeu a participação de sinistro por parte da sua segurada, comunicando a ocorrência de um acidente de trabalho em 11/03/2019, pelas 7.50 horas, no qual foi interveniente o A., AA e a que respeitam os presentes autos, conforme documento nº 3 que juntou com o seu articulado e deu por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
16. Em comunicação que a R. remeteu à interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., em 3/04/2019, a Ré aceitou perante a interveniente a responsabilidade do sinistro.
17. À data do acidente o A. tinha convencionado com a sua entidade patronal um vencimento mensal de 600,00 € por mês, acrescido de subsídio de alimentação no valor de 99,44 €/mês, abono para falhas no montante de 53,10 €/mês, prémio de assiduidade de 45,00 €/mês, subsídio de transporte no valor de 85,00 €/mês e compensação por encargos familiares no valor de 120,00 €/mês, recebendo um valor global anual de 13.230,48 €.
18. Dado que o A. sofreu lesões em consequência do acidente a que se referem os presentes autos, decorreu junto da Procuradoria do Juízo do Trabalho de ... o Processode acidente de Trabalho nº. 1634/20.2..., processo em que foi possível a conciliação entre as partes;
18.1. … tendo a ora interveniente “Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.”, assumido a sua responsabilidade nesse âmbito;
19. No âmbito do Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2..., foi efectuado um Auto de Perícia médica em 29/09/2020, onde foi reconhecida ao A. uma “IPP” de 5,92%;
20. A data da consolidação médico legal das lesões sofridas pelo A., em consequência do acidente a que se referem os presentes autos, foi fixada no Processo de Trabalho nº. 1634/20.2..., no dia 25/11/2019;
21. … data em que o A. teve alta.
22. No âmbito do Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2..., teve lugar tentativa de conciliação em 21/10/2020, constando do respectivo auto que estiveram presentes o Ministério Público, o Sinistrado AA, o seu Mandatário Dr. DD, a entidade Seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, SA, o seu mandatário Dr. EE, a Entidade Empregadora U..., Lda.., e o seu mandatário Dr. FF, tendo as partes chegado a acordo, o qual foi homologado na mesma data e auto.
23. …e tendo as partes considerado e declarado, para efeitos do acordo, que o A. teve um período de défice funcional temporário total de 60 dias após a produção do acidente, remanescendo, após tal período, uma situação de défice funcional temporário parcial, sendo que padeceu de repercussão temporária profissional total entre 12.3.2019 e 6.11.2019 e uma situação de repercussão temporária profissional parcial entre 7.11.2019 e 25.11.2019.
24. A interveniente, Fidelidade- Companhia de Seguros, SA., enquanto seguradora de acidente de trabalho, pagou ao A., a titulo de perdas salariais referentes ao período em que o A. se encontrou numa situação de incapacidade temporária, entre 12.3.2019 e 25.11.2019, capital de remição e juros, os seguintes valores:
a) por conta dos períodos de incapacidade de que padeceu, determinados no âmbito do processo especial de trabalho, o montante de 4.385,15 Euros, a título de Incapacidade temporária Absoluta, conforme documentos 6 a 16, juntos pela interveniente “Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.”, que deu por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
b) …e 69,44 Euros a titulo de incapacidade temporária parcial;
c) 6.202,86 Euros a titulo de capital de remição e 247,43 Euros a titulo de juros de mora;
24.1. A interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., por causa das lesões sofridas pelo A. no acidente a que dizem respeito os presentes autos e do seu tratamento e período de recuperação, para além dos valores que antecede, pagou ainda:
(a) 31,20 Euros a titulo de reembolso ao A. de despesas de transporte suportadas por este e juros de mora devidos por tal despesa;
(b) 424,88 Euros a titulo de reembolso ao A. de despesas de transporte suportadas por este, acrescido 1,20 Euros de juros de mora, determinado no âmbito do processo que teve lugar no Tribunal de Trabalho, no total de 426,08 Euros;
(c) 7.341,70 Euros, a titulo de despesas médicas, honorários com consultas, cirurgia e elementos auxiliares de diagnóstico, ao Hospital da ...;
(d) 630,00 Euros a titulo de despesas por hospitalização ambulatório;
(e) 1.582,00 Euros com a realização de fisioterapia na clinica de reabilitação da Fundação ...;
(f) 600.50 Euros com a realização de fisioterapia pelo A. na F..., Lda.;
(g) 255,00 Euros com a realização de fisioterapia pelo A. na Fi..., Lda.;
(h) 763,20 Euros a titulo de despesas judiciais.
25. No período de incapacidade (temporária) que antecede, entre 12.3.2019 e 25.11.2019, caso não tivesse sofrido as lesões descritas, o A. teria auferido uma remuneração total não inferior a 8 651,92 €.;
26. No auto de tentativa de conciliação Processo de acidente de Trabalho nº. 1634/20.2..., ocorrida em 21/10/2020, a entidade patronal do A. declarou ser responsável pelo pagamento ao A. da diferença de 4.209,96 Euros, a titulo de indemnização a que o A. tinha direito por perdas salariais, durante os períodos de ITA´S e ITP´s;
26.1. …valor este correspondente à parte da retribuição cuja responsabilidade a Entidade patronal não transferira para a Fidelidade – Companhia de Seguros, SA.;
27. … tendo o A. declarado que a entidade patronal lhe pagou todos os montantes devidos a titulo de ITA´S e ITP´s.
28. …e declarado, entre o mais, que o aceitava a IPP atribuída pelo perito médico do Tribunal;
29. Desde 25/11/2019, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente, a que se referem os pontos “6” a “9”, dos presentes factos provados, o A. tem dificuldade em levantar pesos ou manipular objetos pesados com o membro superior direito, no qual por vezes tem dores;
29.1. …e ficou com engrossamento distal da perna direita, ao nível do tornozelo, por vezes é acompanhado de mobilidades dolorosas e implicando ainda para o A. dificuldade na marcha em grandes distâncias ou por períodos de tempo prolongados.
30. No âmbito dos presentes autos o A. foi submetido a perícia médico legal pelo INML, para avaliação do Dano Corporal em Direito Cível, exame realizado em 30/04/2021, com relatório datado de 21/05/2021, constando de tal relatório, entre o mais, o seguinte:
“(…) C. ANTECEDENTES (…) Como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço refere: - Fratura do calcâneo direito aos 13 anos. -Cirurgia a duas hénias (abdominal e inguinal) aos 29 anos. ESTADO ACTUAL (…) B. Exame Objectivo (…) O examinado refere ser dextro e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação. (…) 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O examinando apresenta as seguintes sequelas: - Membro superior direito: cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior: eixo vertical. Sem amiotrofia da musculatura do braço….Mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo: leva mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral. Cinésia articular do ombro: rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada. Cinésia articular do cotovelo preservada. - Membro superior esquerdo: cinésia articular do ombro e cotovelo preservadas. - Membro inferior direito: cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais (…) Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm). Cinésia das articulações tibiotársica e subtalar: extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas. Sem instabilidades ligamentares aparentes. - Membro inferior esquerdo: cinésia das articulações tibiotársica e subtalar preservadas; DISCUSSÃO 1. Os elementos disponíveis permitem admitir a existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano. 2. A data da consolidação médico legal das lesões é fixável em 25/11/2019 (…). (…) Quantum doloris (…): fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gavidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, as lesões resultantes, o período de recuperação funcional e os tratamentos efectuados. (…) No âmbito do período de danos permanentes são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica( refere-se à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais(…) . Este dano é avaliado relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida) e a experiência médico legal relativamente a estes casos, tendo como elemento indicativo a referência à Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil(…). Assim, consideram-se os danos permanentes constantes da tabela os seguintes: - Status pós-fratura espiralada do terço proximal do úmero direito, condicionando limitação da mobilidade articular do ombro enquadráveis em Ma0207; - Status pós-fatura do pilão tibial à direita, condicionando queixas álgicas do tornozelo e pé e limitação da mobilidade do tornozelo, enquadráveis por analogia, em Mf1313. - Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso , que motivaram acompanhamento no H..., determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903. (…) Desvalorização arbitrada Ma0207 4 Mf1313 1,92 Nb0903 3,7632 10 PONTOS - Nesta conformidade, atendendo à avaliação baseada na Tabela Nacional de Incapacidades, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 10 pontos. - Na situação em apreço é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica , habitual e inexorável do quadro clínico)(…). - Repercussão permanente na Atividade Profissional (…). Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares(…). - Dano estético permanente (…) É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente (…). - Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer (…) É fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente (…). - Dependências Permanente de Ajudas: (…) Ajudas medicamentosas (…). Neste caso analgésicos, em sos(…).", documento que o tribunal dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais:
31. O A., de acordo com as CONCLUSÕES do relatório médico legal que antecede, e para além da admissão da existência de nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano, apresentava:
- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 25/11/2019;
- Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 18 dias, aos quais deverão ser acrescentados 8 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese.
- Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período de 242 dias, aos quais deverão ser acrescentados 22 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional.
- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total fixável num período total de 241 dias, aos quais deverão ser acrescentados 30 dias, para eventual remoção do material de osteossíntese e respectiva recuperação funcional.
- Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial fixável num período total de 19 dias.
- Quantum Doloris fixável no grau 4/7.
- Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psiquica fixável em 10 pontos, sendo de perspectivar a existência de Dano Futuro.
- As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercicio da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
- Dano Estético Permanente fixável no grau 2/7.
- Repercussão Permanente nas actividades Desportivas e de lazer fixável no grau 2/7.
- Dependências permanentes: ajudas medicamentosas;
32. Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e tratamento das mesmas, após a consolidação médico legal das lesões, fixada em 25/11/2019, o A. apresenta as seguintes sequelas:
(a) membro superior direito com cicatriz na face lateral do braço, como 20x1cm de maior eixo vertical, sem amiotrofia da musculatura do braço;
(b) apresenta mobilidades conjugadas do ombro e cotovelo, levando mão á nuca , região sagrada e ombro contralateral; Cinésia articular do ombro, apresenta rotação interna 50º, rotação externa 70º, abdução 120º, flexão 150º, extensão preservada; e Cinésia articular do cotovelo preservada.
(c) membro inferior direito com cinco cicatrizes hipercrómicas e verticais; apresenta Tornozelo globoso (perímetro 28 cm; contralateral 25cm);
(d) cinésia das articulações tibiotársica e subtalar em extensão 40º, flexão 15º, inversão e versão preservadas; sem instabilidades ligamentares aparentes.
33. Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, o A. ficou com um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica fixável em 10 pontos numa escala de 100 (em gravidade crescente);
34. O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psiquica, a que se refere o relatório da perícia médico legal que antecede, tem subjacente os seguintes danos permanentes: (a) Status pós-fratura espiralada do terço proximal do úmero direito, condicionando limitação da mobilidade articular do ombro enquadráveis em Ma0207; (b) Status pós-fatura do pilão tibial à direita, condicionando queixas álgicas do tornozelo e pé e limitação da mobilidade do tornozelo, enquadráveis por analogia, em Mf1313. (c) Queixas relativas a alteração do padrão do sono e do foro ansioso, que motivaram acompanhamento no H..., determinando actualmente ligeira repercussão na sua vida diária, enquadráveis em Nb0903.
35. Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo e quanto a dependências permanentes de ajudas, o A. terá necessidade de analgésicos em caso SOS;
36. Em consequência do acidente e das lesões sofridas com o mesmo, respectivo tratamento e período de recuperação funcional, o A. teve dores;
37. O A. nasceu em 30/10/1980.
37.1. À data do acidente o A. era um homem com energia, forte e saudável, jovial, alegre e sociável.
37.2. Quando regressou ao ativo, após a alta em 25/11/2019, o A. precisou de ajuda dos colegas para carregar pesos, por ter tido dores e sentido limitações físicas na marcha quando fazia o atendimento às mesas;
37.3. … tendo tido necessitado de fazer pausas para aliviar a tensão muscular no ombro e as dores na perna direita;
38. Após o acidente e durante o período em que se encontrou em recuperação e tratamento, o A. teve agitação e alteração do sono, revivências do acidente;
38.1… bem como sofreu dores muito intensas, no momento do acidente e nos momentos que lhe seguiram;
39. Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. por vezes sente dores e dificuldades acrescidas em algumas atividades do dia a dia ou ajudar nas tarefas domésticas, fazer bricolage e reparações em casa, cortar lenha ou pegar nos seus filhos de 5 e 11 anos de idade ao colo, brincar com eles;
39.1. …bem como dificuldade em fazer passeios ou marcha em distâncias longas ou por períodos de tempo prolongados, sentindo por vezes dores ao nível do tornozelo direito;
39.2. …bem como sente dificuldade nas actividades desportivas, tendo deixado de praticar futebol com os amigos;
40. O A. tem desgosto por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas em grandes distâncias, cortar lenha, fazer bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos, como fazia antes do acidente;
40.1. Na presente data o A., quando se confronta com limitações físicas ou dores, por vezes manifesta angústia e frustração;
41. Desde Setembro de 2020 o A. foi viver para o ..., para a sua terra de nascença, com a família;
42. …onde abriu um ... com o cunhado e amigo de infância, GG, na aldeia onde residem, estabelecimento de que os dois são sócios gerentes e onde os dois trabalham;
43. A mudança para o ... e a abertura do estabelecimento, correspondeu à concretização de um projecto que o A. e o cunhado já tinham desde anos anteriores ao acidente e que o acidente e a situação de pandemia Covid19, levou a tomarem a decisão de concretização.
As instâncias enunciaram os seguintes
Factos não provados
1. Desde 25/11/2019, em consequência das sequelas sofridas por força do acidente e a que se referem os factos acima dados como provados:
(a) a mobilidades do ombro direito do A. é sempre dolorosa;
(b) o engrossamento distal da perna direita, ao nível do tornozelo, é sempre acompanhado de mobilidades dolorosas;
2. Em consequência do acidente e das lesões sofridas, o A. ficou com mais cicatrizes do que as enunciadas nos factos provados;
3. Em consequência do acidente e das lesões sofridas, o A. está desembolsado de valores correspondentes a despesas com medicamentos e ajudas medicamentosa, cirurgias, internamentos e deslocações relacionadas com as sequelas descritas.
4. As sequelas físicas e psíquicas de que o A. ficou a padecer, implicam dores diárias
5. Em consequência do acidente o A. ficou a sofrer de síndrome de stresse pós traumático, que lhe causou maior dificuldade de concentração e de memorização dos pedidos dos clientes, tendo que os escrever, enganando-se frequentemente
6. Desde o acidente o A., decorrente de perturbação de stresse pós traumático, mantém alterações anímicas, condutas de evitamento, flash backs, revivências penosas;
7. Em consequência do acidente e lesões sofridas com o mesmo, o A. ficou a padecer de prejuízo sexual de grau 2/7, sofrendo por causa dessas sequelas afectação ligeira neste domínio da sua vida, o que lhe acarreta grande desgosto e perda da alegria de viver;
8. Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores permanentemente;
9. Por força das limitações físicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores e dificuldades acrescidas em todas as brincadeiras com os filhos e em todos os passeios a pé em família;
10. Por força das limitações físicas e psíquicas de que passou a padecer, em consequência das lesões sofridas com o acidente, o A. sente dores dificuldades acrescidas em tomar banho ou vestir-se.
11. As dores intensas que o A. sofreu durante o período de recuperação mantêm-se e irão manter-se ao longo da vida do A.;
12. Por não conseguir jogar à bola, fazer caminhadas, cortar lenha, bricolage e pequenas reparações em casa, brincar e pegar nos filhos como fazia antes do acidente, o A. perdeu a alegria de viver;
13. Na presente data o A. vive permanentemente angustiado e revoltado com as limitações e dores de que padece, triste e isolado, alheado do convívio familiar e com a amigos.
14. A interveniente Fidelidade – Companhia de Seguros, SA., procedeu ao pagamento ao A. de mais valores a titulo de despesas judiciais, para além do constante no pontos 24.1, dos factos provados.
2.2. O Direito
Nos autos é incontroverso que o acidente objeto da ação foi causado, ilícita e culposamente, pelo condutor do automóvel ligeiro de matrícula ..-..-LV, que, perdendo o controlo da sua viatura, colidiu com o veículo conduzido pelo A., que seguia à sua frente, o qual foi projetado contra um veículo pesado de mercadorias, que seguia à sua frente. A responsabilidade civil do detentor desse veículo, pelos acidentes emergentes da sua circulação (artigos 483.º e 503.º do CC), havia sido transferida para a seguradora ora R. (artigos 4.º, 6.º e 11.º do Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21.8).
O responsável pelo facto ilícito deve indemnizar os danos causados pela sua conduta. Nos termos do art.º 562.º do CC, “[q]uem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Sobre o nexo de causalidade entre o evento e o dano estipula o art.º 563.º que “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
A obrigação de indemnização compreende não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – n.º 1 do art.º 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564.º n.º 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º). Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494.º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido.
Temos, pois, que o legislador português, no que concerne aos danos ressarcíveis, distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, encarados quanto à suscetibilidade de avaliação pecuniária: enquanto os danos patrimoniais, mesmo que atinjam interesses não patrimoniais, como a saúde, a honra, o bom nome, se refletem no património do lesado (v.g., pela perda de ganho resultante de incapacidade para o trabalho, ou de recusa de contratos de prestação de serviços em virtude de desprestígio), em termos que fundamentam, se não a restauração natural, a atribuição de uma verba pecuniária equivalente (indemnização), os danos não patrimoniais constituem prejuízos que não se repercutem no património do lesado, mas tão só afetam interesses de ordem não patrimonial (v.g., sofrimento causado por ofensas à saúde, honra, bom nome), mas que se considera que justificam a imposição ao lesante de uma obrigação pecuniária, que reveste a natureza de uma compensação/satisfação (vide, v.g., Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 8.ª edição, 1994, Almedina, pp. 611-613).
O dano biológico, reconhecido como um dano à integridade psico-física do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, pode assumir-se tanto como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro), quer como dano não patrimonial, na medida em que as consequências do deficit funcional sofrido não tenham tradução económica para o lesado, implicando, por exemplo, uma maior penosidade (com tradução psicológica em sensação de sofrimento) na realização de algumas tarefas, mas sem inerente perda de rendimentos (cfr., v.g., STJ, 27.10.2009, 560/09.0YFLSB; STJ, 20.5.2010, 103/2002.L1.S1; STJ, 26.01.2012, 220/2001-7.S1; na doutrina, cfr. Maria da Graça Trigo, “Adopção do conceito de “dano biológico” pelo direito português”, in ROA, 2012, ano 72, vol. I, páginas 147 a 178).
No que concerne à eventual destrinça entre a indemnização pelo dano biológico (na sua vertente patrimonial) e a indemnização pela perda da capacidade de ganho, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que o que releva é que “na fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro o julgador atenda não apenas à eventual perda de rendimentos salariais em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também ao dano biológico sofrido” (acórdão de 10.12.2020, processo n.º 8040/15.9T8GMR.G1.S1). Com isso se realçando que, para além de lesões permanentes das quais pode emergir, direta e imediatamente, repercussão na capacidade de ganho atinente à profissão habitual, às quais se moldará a aplicação de tabelas financeiras como as previstas para a sinistralidade laboral, não deverão esquecer-se as sequelas funcionais que, fragilizando e inferiorizando a capacidade de utilização do corpo, reduzem de forma relevante a competitividade da vítima no mercado de trabalho e aumentam a penosidade da sua ação.
É nesta perspetiva que, v.g., no acórdão do STJ, de 10.10.2012, processo n.º 632/2001.G1.S1, se exarou o seguinte:
“E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal da lesada – considerando-se, em termos de equidade, que representa compensação adequada desse dano biológico o valor de € 10.000, que acrescerá assim ao montante de € 50.000 arbitrado pelas instâncias”.
Preocupação essa, de cobertura integral dos danos patrimoniais futuros emergentes da agressão no corpo consubstanciada pelo sinistro, que também se manifestou, v.g., no acórdão do STJ em que se acobertou sob o conceito de dano biológico as duas vertentes acima assinaladas:
“Assim, a este propósito podem projetar-se em duas vertentes:
- por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.
Em suma, o dano biológico abrange um espectro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, desde a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da sua atividade profissional habitual até à frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis.”
A destrinça entre, digamos, o dano biológico stricto sensu, e o dano patrimonial futuro diretamente ligado à incapacidade de ganho respeitante à profissão habitual do lesado, alcança particular relevo quando o sinistro rodoviário constitui, também, acidente de trabalho.
Com efeito, se a vítima for trabalhador por conta de outrem e o sinistro constituir um acidente de trabalho, o lesado beneficiará da proteção conferida pelo regime infortunístico-laboral, atualmente previsto pela Lei n.º 98/2009, de 04.9 (Lei dos Acidentes de Trabalho – LAT).
Esse regime tem por objeto a lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador (art.º 8.º n.º 1 da LAT).
A determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, elaborada e atualizada por uma comissão nacional (art.º 20.º da LAT).
O grau de incapacidade resultante do acidente de trabalho define-se por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho. O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho. O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente (art.º 21.º da LAT).
No regime infortunístico-laboral, o direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa;
b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na LAT (art.º 23.º da LAT).
As prestações em dinheiro, por incapacidade, compreendem:
a) A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho;
b) A pensão provisória;
c) A indemnização em capital e pensão por incapacidade permanente para o trabalho;
d) O subsídio por situação de elevada incapacidade permanente;
e) A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa;
f) O subsídio para readaptação de habitação;
g) O subsídio para a frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional necessárias e adequadas à reintegração do sinistrado no mercado de trabalho (art.º 53.º da LAT).
A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente (art.º 71.º n.º 1 da LAT).
Se o acidente for causado por terceiro, este será, em última análise, o responsável pelas respetivas consequências. Daí que a entidade patronal ou a respetiva seguradora poderão reclamar deste o reembolso daquilo que houverem prestado ao trabalhador em consequência do acidente e poderão eximir-se ao pagamento do devido ao trabalhador e mesmo reclamar deste o que tiverem despendido, no caso de o trabalhador receber do terceiro indemnização superior à devida pelo empregador (art.º 17.º, n.ºs 2 e 4 da LAT).
Porém, o trabalhador tem direito a reclamar do terceiro a reparação integral dos danos sofridos, sendo certo que a reparação infortunístico-laboral não cobrirá a totalidade dos danos emergentes do acidente (art.º 17.º n.º 1 da LAT).
A falta de coincidência e de sobreposição total dos danos cobertos pelo regime jurídico dos acidentes de trabalho e pelo regime geral civil de reparação dos danos, nomeadamente os que emergem de acidentes de viação, justifica que o legislador, a par da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, destinada a ser utilizada para o cálculo das prestações emergentes de acidentes de trabalho (e doenças profissionais), tenha aprovado uma Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, a ser aplicada, a título indicativo, nas perícias de determinação de danos emergentes de acidentes de natureza não exclusivamente laboral (cfr. Dec.-Lei n.º 352/2007, de 23.10).
O Supremo Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, entendido que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral assentam em critérios distintos, pelo que são complementares entre si.
Sintetizando o entendimento uniforme do STJ, transcreve-se o que se expendeu no acórdão do STJ de 14.3.2019, processo n.º 394/14.0TBFLG.P2.S1:
“De esclarecer, contudo, que a indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente.
Com efeito, enquanto a primeira indemnização tem por objeto o dano decorrente da perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional habitual, durante o período previsível dessa actividade e, consequentemente, dos rendimentos que dela poderia auferir, a compensação do dano biológico tem como base e fundamento « a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da actividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa actividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expectável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual».
Dito de outro modo e nas palavras do acórdão do STJ, de 10.10.2012 (processo nº 632/2001.G1.S1) « (…) a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado - constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais».”
Assim, a destrinça entre estas duas vertentes ou parcelas do dano patrimonial futuro tem relevância e razão de ser, em especial em casos como o destes autos, em que se põe a questão da não cumulação ou sobreposição de prestações indemnizatórias, quanto à responsabilidade da “seguradora automóvel” e à responsabilidade da “seguradora laboral”.
A 1.ª instância denotou ter presente esta destrinça. E, atendendo aos factos apurados e àquilo que havia já sido pago ao A. no âmbito do processo emergente do acidente de trabalho, na sentença apenas se atribuiu, a respeito do dano patrimonial futuro, indemnização por aquilo que designamos de dano biológico em sentido estrito, isto é, o dano traduzido numa limitação funcional do corpo que, não afetando direta e imediatamente a capacidade de ganho, à luz da profissão habitual, tem, ainda assim, uma repercussão nas tarefas do dia a dia (esforços acrescidos) que assume uma dimensão prejudicial nas perspetivas futuras de atividades com relevância no estatuto profissional e económico do lesado. A esse título a 1.ª instância atribuiu ao A. a indemnização no valor de € 25 000,00.
A essa condenação cumulou-se a fixação de indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 28 500,00.
Aqui, como se enunciou na sentença, tiveram-se em vista “as dores e sofrimentos que o A. teve que passar, nomeadamente com os tratamentos e cirurgias a que foi sujeito em consequência do acidente, a medicação que teve de tomar, os períodos de imobilização, de assistência, com as inerentes dificuldades e limitações que tal implica e sofrimento que tal acompanha, em vários aspectos da sua vida no dia a dia”. E, também, “toda a matéria dada como provada respeitante a um espaço de autonomia e realização pessoal do A., que ficou afectado consequência do acidente, nomeadamente, relacionadas com as actividades de natureza desportiva, social ou de lazer que o autor, na sua vida pessoal, no contexto da sua idade e hábitos tinha e que foram afectados. Bem como alguns efeitos a nível de dores e cuidados que o A. vai ter e terá que manter ao longo da vida, que lhe causam dor e sofrimento e que, nessa medida, devem também ser valorados”.
Na sua apelação, a R. pretendeu a alteração da sentença nos seguintes termos:
- Em primeira linha, que a quantia de € 25 000,00, a que a R. havia sido condenada a título de dano biológico, fosse considerada como abrangida pela condenação da R. na quantia de € 28 500,00, a título de danos não patrimoniais;
– devendo, assim, ser fixada uma verba global, por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo A., no montante limite de € 28 500,00, incluindo o dano biológico;
- Se assim não se entendesse, o dano biológico deveria ser perspetivado como um dano patrimonial e a respetiva indemnização não deveria ser superior a € 20 000,00; a esse montante deveria descontar-se o valor de € 6 202,86, correspondente ao capital de remição que o A. recebera, respeitante à pensão devida pela incapacidade permanente de que ficou portador; ainda que o dano biológico fosse revestido de cariz não patrimonial, deveria ser abatida, ao respetivo valor indemnizatório, a aludida verba do capital de remição;
- No caso de se persistir em autonomizar o dano biológico da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, essa indemnização, que na sentença foi fixada em € 28 500,00, deveria ser reduzida para o valor de € 20 000,00.
Como já se aduziu, a Relação julgou a apelação da R. totalmente improcedente; e, dando parcial procedência à apelação do A., aumentou para o montante de € 50 000,00 a indemnização atribuída a título de dano biológico.
Na revista, a R. retoma as posições e pretensões já expressadas na apelação.
Ora, no que concerne à qualificação do dano biológico, tal como considerado na sentença e no acórdão recorrido, dúvidas não há que esse dano se integra na categoria dos danos patrimoniais, não interferindo, pois, na determinação da indemnização por danos não patrimoniais.
Igualmente, a indemnização por dano biológico fixada não se reporta à perda de ganho atinente à profissão habitual do lesado, pelo que, pelas razões já acima explicitadas, não há que descontar, no montante fixado, o capital de remição das pensões laborais recebido pelo A. no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho. De facto, o A. recebeu um capital de remição no valor de € 6 202,86, respeitante a uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 5,92% (cfr. 24. alínea c) e 19 da matéria de facto). Esse montante não é coberto pela indemnização por dano biológico em sentido estrito fixado nesta ação declarativa comum.
Pela dupla conforme já acima mencionada, não há que reavaliar a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.
Resta, assim, aquilatar da adequação do valor atribuído a título de dano biológico em sentido estrito.
Vejamos o que, de mais relevante, se provou.
O acidente ocorreu em 11.3.2019 (n.º 1 dos factos provados).
O A. nasceu em 30.10.1980 (n.º 37 dos factos provados).
À data do acidente o A. era empregado de mesa, auferindo, a título de retribuição, um valor global anual de € 13 230,48 (n.ºs 12 e 17 dos factos provados).
No âmbito do processo de acidente de trabalho foi reconhecida ao A. uma incapacidade permanente parcial para o trabalho (IPP) de 5,92% (n.º 19 dos factos provados).
Em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente o A. tem dificuldade em levantar pesos ou manipular objetos pesados com o membro superior direito, no qual por vezes tem dores (n.º 29 dos factos provados) e ficou com engrossamento distal da perna direita, ao nível do tornozelo, por vezes acompanhado de mobilidades dolorosas e implicando ainda para o A. dificuldade na marcha em grandes distâncias ou por períodos de tempo prolongados (n.º 29.1. dos factos provados).
Em consequência do acidente o A. passou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos (numa escala de 100 pontos), sendo de perspetivar a existência de dano futuro; tais sequelas são compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares (n.ºs 30 e 31 dos factos provados).
Nos casos em que a incapacidade permanente é suscetível de afetar ou diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração, os tribunais têm procurado fixar a indemnização por apelo à atribuição de um capital que se extinga ao fim da vida (ativa ou total) do lesado e seja suscetível de lhe garantir, durante aquela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. Para o efeito, têm sido utilizadas várias fórmulas e tabelas financeiras, na tentativa de se alcançar um critério uniforme (cfr., enunciando algumas, STJ, 5.5.1994, CJSTJ, ano II, tomo II, pág. 86; Relação de Coimbra, 4.4.1995, CJ, ano XX tomo II, pág. 23; na internet, dgsi, acórdão do STJ, de 04.12.2007, processo 07A3836).
Porém, mesmo nesses casos, a jurisprudência não esquece que as referidas fórmulas “não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida”, acrescendo que “não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exatamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.” “Assim, neste caso as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta” (acórdão do STJ, de 17.11.2005, processo 05B3436).
De resto, essas fórmulas divergem entre si, variando quanto às taxas de juros remuneratórias de aplicações financeiras a levar em consideração, assim como à eventual aplicação de taxas de atualização das prestações e seu valor.
A Portaria n.º 377/2008 de 26 de maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, estabelece, no anexo III, uma fórmula de cálculo do dano patrimonial futuro, acompanhada de uma tabela prática de aplicação.
Essa Portaria fixa os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Ou seja, regulamenta aspetos do atual regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que foi aprovado pelo Dec.-Lei nº 291/2007, de 21 de agosto e entrou em vigor em 20 de outubro de 2007 (art.º 95.º). Tem em vista o procedimento que as seguradoras devem adotar a fim de obterem a composição amigável e célere dos litígios emergentes de sinistros automóveis, no âmbito do dano corporal. Os critérios e valores aí referidos não são definitivos nem vinculativos, não se impondo aos tribunais, conforme decorre do n.º 2 do art.º 1.º da Portaria (“as disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”) e do seu preâmbulo (“… importa frisar que o objetivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do nº 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.”; cfr. ainda, v.g., STJ, 01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1).
Posto isto, a tabela prática supra referida pode servir como ponto de partida para a tarefa de se fixar as indemnizações ora sub judice.
Anotar-se-á que a fórmula aí prevista (introduzida pela Portaria n.º 679/2009) reproduz aquela que foi proposta pela Relação de Coimbra no acórdão de 04.04.1995, supra referido, divergindo apenas quanto à taxa de juro considerada (a Relação previa 7%, a Portaria prevê 5%) e quanto à taxa de atualização anual das prestações (a Relação previa 6%, a Portaria prevê 2%).
Constata-se igualmente que, embora a fórmula introduzida pela Portaria n.º 679/2009 ao anexo III seja diferente da inicialmente prevista pela Portaria n.º 377/2008 (sendo a fórmula mais recente menos favorável aos lesados), não foram introduzidas alterações à tabela prática – pelo que deverá ser esta a tabela a aplicar, sendo certo que tal não prejudicará os lesados.
A Portaria estabelece que as idades a considerar para os seus efeitos serão as da data do acidente (art.º 12.º) e que para o cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida se presume que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade (alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º da Portaria).
Embora a Portaria apenas preveja a apresentação de proposta razoável para danos patrimoniais futuros em caso de dano corporal de que resultem situações de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, a aludida tabela é adaptável a situações de incapacidade parcial, bastando aplicar os fatores aí previstos à prestação (remuneração) anual correspondente à percentagem de incapacidade a ter em consideração.
Quanto ao rendimento do A., levar-se- em consideração o valor anual de € 13 230,48 (n.º 17 dos factos provados).
Aplicando-se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos, obtém-se uma prestação anual de € 1 323,04.
Tendo o A., à data do acidente, 38 anos de idade, tinha ainda pela frente 32 anos de vida ativa (nos termos da tabela), pelo que segundo a tabela aplicar-se-ia o fator de 23,367, obtendo-se o valor de € 30 915,00.
Posto isto, o método fundamental utilizado pela jurisprudência para este tipo de situações é a comparação com outras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil.
Na sentença recorrida invocaram-se diversos acórdãos, que se debruçaram sobre situações mais ou menos equiparáveis às do lesado destes autos.
Assim, invocou-se o acórdão do STJ de 29.9.2022, processo n.º 2511/19.5T8CBR.C1.S1 e diversos acórdãos aí citados.
No mencionado acórdão do STJ de 29.9.2022, no caso de um acidente ocorrido em novembro de 2017, a um sinistrado com 26 anos à data do acidente, que era operador de combustível e ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, sem afetar a atividade profissional habitual, refere-se que foi atribuída uma indemnização, por dano biológico na vertente patrimonial, no valor de € 20 000,00. No acórdão do STJ de 26.5.2021, processo n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1, a uma lesada com 55 anos de idade, empregada de hotel que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos, mas com sérias dificuldades e limitações no desempenho da atividade profissional habitual, atribuiu-se uma indemnização, a título de dano patrimonial futuro, no valor de € 50 000,00.
Como se viu, a sentença fixou a indemnização por dano biológico em € 25 000,00.
A Relação aumentou o valor da indemnização para € 50 000,00, o qual considerou estar mais em harmonia com a recente prática jurisprudencial em situações semelhantes.
Para tal, a Relação citou:
- “Acórdão do STJ de 24/02/2022, proc. 1082/19.7T8SNT.L1.S1, no qual foi fixada em € 50.000,00 a indemnização por dano biológico na vertente patrimonial a lesado com 34 anos à data do acidente, serralheiro de profissão, que ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos, com sequelas em ambos os membros superiores implicando rigidez dolorosa nos punhos, com elevada probabilidade de as lesões sofridas terem repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores”;
- “Acórdão do STJ de 06/12/2018, proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2, no qual foi fixada em € 60.000,00 a indemnização por dano biológico na vertente patrimonial a lesado com 40 anos de idade à data do acidente, que ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, compatível com a actividade habitual mas com esforços adicionais e que impede o lesado de se dedicar a outras actividades remuneradas que anteriormente exercia”.
E, por contraposição, a Relação apontou exemplos respeitantes a acórdãos do STJ em que se fixou indemnização de valor próximo do fixado na sentença recorrida:
- “€ 25.000,00 a lesado com 34 anos de idade à data do acidente, trabalhador da construção civil, ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos com sequelas nos membros inferiores, compatível com a actividade habitual mas com esforços acrescidos (Ac. STJ de 05/05/2020, procº 30/11.7TBSTR.E1.S1)”;
- “€ 26.381,91 a lesado com 32 anos de idade à data do acidente, agricultor/empresário agrícola, ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, compatível com a actividade habitual mas com esforços acrescidos (Ac. STJ de 07/06/2018, proc. nº 418/13.9TVCDV.L1.S1)”;
- “€ 30.000,00 a lesado com 24 anos de idade à data do acidente, ficou com défice funcional permanente de 5 pontos, com limitação da mobilidade do ombro e fratura de L1, com sequelas compatíveis com o exercício de actividades habituais, mas implicando esforços suplementares para a manutenção prolongada de posições estáticas (Ac. STJ de 10/12/2019, proc. n.º 243/08.9TBSSB.E1.S1)”;
- “€ 30.000,00 a lesado de 27 anos à data do acidente que ficou com défice funcional permanente de 7 pontos, sequelas compatíveis com a actividade habitual mas implicando esforços acrescidos (Ac. STJ de 13/04/2021, proc. nº 448/19.7T8PNF.P1.S1)”.
Vejamos.
O primeiro grupo de exemplos em que a Relação se arrimou para fixar uma indemnização por dano biológico de € 50 000,00 reporta-se a situações globalmente mais gravosas do que aquela a que se referem estes autos. Com efeito, no caso destes autos o montante atribuído reporta-se a dano biológico stricto sensu, em que não se engloba a perda de capacidade de ganho atinente à atividade profissional habitual – por tal perda não existir.
Nos casos mencionados pela Relação (primeiro grupo de casos), a indemnização reporta-se a situações em que o défice funcional permanente tem repercussões negativas na atividade profissional do lesado (acórdão de 24.02.2022), ou em atividades remuneradas acessórias que ele exercia à data do acidente (acórdão de 06.12.2018).
Já o último grupo de casos apontados pela Relação, em que se fixaram valores indemnizatórios entre os € 25 000,00 e os € 30 000,00, reporta-se a situações próximas da destes autos, em que o défice funcional permanente sofrido não afetou o exercício da atividade profissional habitual, para além da imposição de esforços acrescidos.
Cremos, assim, que o valor atribuído pela Relação é excessivo.
Mas também entendemos que o valor atribuído pela 1.ª instância fica algo aquém do equitativamente adequado, face aos valores que emergem do último grupo de casos indicados pela Relação, na medida em que esses casos se reportam a défices funcionais permanentes um pouco inferiores ao objeto deste litígio.
Entendemos, assim, que o valor a atribuir pelo dano biológico deve fixar-se em € 35 000,00.
No mais, mantém-se o acórdão recorrido (incluindo o dies a quo dos juros de mora da dita indemnização).
III. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a revista parcialmente procedente e, consequentemente, altera-se o acórdão recorrido quanto ao montante da indemnização pelo dano biológico, que se fixa em € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros).
No mais, mantém-se o acórdão recorrido.
As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo do A. e da R., na proporção do respetivo decaimento (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).
Lx, 28.01.2025
Jorge Leal (Relator)
Maria João Vaz Tomé
Henrique Antunes