I. Ao Processo Especial de Revitalização (PER) é aplicável, em sede de recursos, o disposto no art. 14º, nº 1, do CIRE.
II. O art. 14º do CIRE, prevendo um regime especial para os processos insolvenciais e conexos (PER e PEAP), afasta o regime comum previsto no CPC, apenas prevendo a possibilidade de recurso de revista (normal) em caso de invocação, e demonstração, de oposição do acórdão de que se recorre com outro de alguma das Relações ou do STJ, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.
III. O art. 14º, nº 1, do CIRE, na interpretação de que o mesmo exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art. 672º do CPC, não padece de inconstitucionalidade, não violando os princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP).
I. Nos autos de processo especial de revitalização (PER) respeitantes a N..., S.A., o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou proposta de remuneração variável a fixar nos autos, no valor de 160.000,00€, acrescido de IVA, num total de 196.800,00€.
No tribunal de 1ª instância, foi proferido despacho a fixar a remuneração variável do Sr. AJ provisório no montante de 50.000,00€, acrescido de IVA, ao abrigo do disposto no nº 8 do citado artigo 23º do EAJ.
Inconformado com a decisão, o AJ provisório interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Coimbra a proferir acórdão, em 10.9.2024, que julgou a apelação improcedente e confirmou a decisão recorrida.
Ainda inconformado, o apelante interpôs recurso de revista excecional, nos termos do disposto no art. 672º, nº 1, als. a) e b), do CPC.
Em 31.10.2024, foi proferido despacho que não recebeu o recurso de revista excecional por entender ser aplicável o disposto no art. 14º, nº 1, do CIRE, que só admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no caso de oposição de julgados, e não ter o apelante invocado, e demonstrado, a existência de qualquer outra decisão de um tribunal superior sobre a matéria em questão nesses termos, pelo que não se verifica o pressuposto exigido à admissibilidade excecional de recurso.
O apelante/recorrente reclamou para este Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art. 643º do CPC.
Na reclamação, alega, em síntese:
Embora não esteja em causa, no caso sub judice, a situação de oposição de julgados prevista no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, deve, ainda assim, ser admitido o recurso de revista ao abrigo do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil.
As questões que se colocavam ao Tribunal da Relação (aplicação em PER da redução da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 8 e aplicação em PER do limite máximo de €100.000,00 estabelecido no artigo 23.º, n.º 10) – constituem “questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, preenchendo a previsão de admissibilidade de revista excecional consagrada no artigo 672.º, n.º 1, al. a) do CPCivil.
No acórdão da Formação de 11.9.2024, proferido no P. 1545/09.2..., que que incidiu sobre recurso de revista excecional que tinha por objeto a questão de saber se o limite previsto no artigo 23.º, n.º 10 do EAJ se aplica apenas ao valor da remuneração variável calculado nos termos do art. 23.º, 4, b), do EAJ, sem ter em conta o valor da majoração, ou à soma do valor da remuneração variável calculado nos termos do art. 23.º, 4, b), do EAJ com o valor da majoração calculado nos termos do art. 23.º, 7, do EAJ, entendeu-se ser admissível a revista excecional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art.º 672º do CPC.
No caso vertente, a natureza da discussão em causa é em tudo idêntica à daquele outro sobre que incidiu o aresto supra citado - em ambos os casos está em causa decidir sobre quais os casos em que deve ser aplicado determinado limite à remuneração do AJ: no caso vertente, se os limites previstos no artigo 23º, nºs 8 e 10 do EAJ se aplicam no âmbito do PER ou apenas em processos de insolvência; no caso apreciado pelo STJ, se, no âmbito de processo de insolvência, o limite previsto no artigo 23º, nº 10 do EAJ se aplica apenas ao valor da remuneração variável calculado nos termos do art. 23º, 4, b) do EAJ, ou à soma deste com o valor da majoração calculado nos termos do art. 23º, 7, do EAJ.
O caso sub judice preenche ainda a previsão de admissibilidade de revista excecional consagrada no artigo 672º, nº 1, al. b) do CPC.
Estamos no âmbito de autos de PER e nessa perspetiva todas as matérias com ele relacionados assumem um potencial de particular interesse social, como resulta da Diretiva 2019/1023 de 20 de junho de 2019.
Em 16.12.2024, foi proferido despacho (refª …88) que indeferiu a reclamação apresentada, confirmando o despacho reclamado.
O Recorrente reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 652º, nº 3, ex vi do disposto no art. 679º, ambos do CPC, pedindo que seja proferido acórdão em que se decida pela admissibilidade do recurso de revista excecional interposto e se conheça do respetivo objeto, alegando em síntese:
O regime consagrado no artigo 14º, nº 1, do CIRE não afasta a aplicação do regime do CPCivil.
Entendimento inverso conduziria, aliás, à inconstitucionalidade do referido artigo 14º, nº 1, do CIRE, por violação do art. 20º da CRP, cujo nº 1 consagra o direito à proteção jurisdicional efetiva, que inclui a prerrogativa de recorrer das decisões das instâncias inferiores e é reforçado pela necessidade de garantir que a justiça seja administrada de forma plena e sem obstáculos indevidos.
Embora o legislador disponha de competência para regulamentar os procedimentos e definir as condições de admissibilidade dos recursos, tal competência não pode conduzir a restrições desproporcionadas ao direito de recurso, como ocorre relativamente ao artigo 14.º, n.º 1 do CIRE, caso se entenda que este exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil.
A limitação dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça decorrente do artigo 14.º, n.º 1, do artigo 13.º da Constituição, que assegura a todos os cidadãos o direito a serem tratados de forma igual perante a lei. CIRE, cria uma situação de desigualdade de tratamento, uma vez que cidadãos em situações similares podem ter acesso a diferentes graus de jurisdição, dependendo da natureza do processo, o que viola o princípio da igualdade, consagrado no
Caso se entenda que a norma consagrada no artigo 14.º, n.º 1 do CIRE exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, padecerá aquela de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP).
Embora não esteja em causa, no caso sub judice, a situação de oposição de julgados prevista no artigo 14.º, n.º 1, do CIRE, deve, ainda assim, ser admitido o recurso de revista ao abrigo do disposto nas alíneas a) e/ou b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, cujos requisitos se acham verificados.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
“…
Dispõe o nº 1 do art. 643º do CPC que “Do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão”.
Tendo a reclamação sido tempestivamente apresentada, apreciemos se o recurso de revista excecional interposto pelo apelante é admissível (independentemente dos fundamentos invocados nesse recurso e do mérito do mesmo).
Dispõe o art. 17º-A, nº 3, do CIRE, na versão dada pelo Decreto Lei nº 79/2017, de 30.06, que “O processo especial de revitalização tem caráter urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam incompatíveis com a sua natureza.”.
Nesta conformidade, ao Processo Especial de Revitalização (PER) é aplicável, em sede de recursos, o disposto no art. 14º, nº 1, do CIRE, que dispõe que “No processo de insolvência, e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se o recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme.”.
No sentido do art. 14º, nº 1, do CIRE ser aplicável ao PER pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos da 6ª secção do STJ 1 de 14.4.2015, P. 1566/13.0TBABF.E1.S1 (Ana Paula Boularot), de 13.7.2017, P. nº 8951/15.1T8STB.E1.S1 (Ana Paula Boularot), de 9.4.2019, P. nº 118/18.3T8STS.P1.S1 (Ana Paula Boularot), de 24.11.2020, P. 4198/19.6T8VNF.G1.S1 (Ricardo Costa), de 26.5.2021, P. 2543/19.3T8VNF.G1.S1 (Henrique Araújo), e de 5.7.2022, P. nº 1975/21.1T8STB.E1.S1 (Ricardo Costa), todos em www.dgsi.pt.
O art.14º do CIRE, prevendo um regime especial para os processos insolvenciais e conexos (PER e PEAP), afasta o regime comum previsto no CPC, apenas prevendo a possibilidade de recurso de revista (normal) em caso de invocação, e demonstração, de oposição do acórdão de que se recorre com outro de alguma das relações ou do STJ, nos termos referidos.
Ou seja, em matéria insolvencial e conexa, a relação conhece em última instância, salvo se se verificar oposição jurisprudencial nos termos enunciados no nº 1 do art. 14º do CIRE.
Como se sumaria no referido Ac. do STJ de 13.7.2017, “I. Em sede insolvencial e questões conexas (caso do PER), quer haja ou não dupla conformidade decisória, o que inclui os incidentes aí suscitados, não admitem recurso, exceto se a parte demonstrar que existe oposição de julgados. II. Este regime recursório prevenido no artigo 14º, nº1 do CIRE, é um regime especialíssimo, o qual, a se, afasta o regime geral recursivo e ainda todas as impugnações gerais excecionais prevenidas no artigo 629º do CPCivil, assim como afasta o regime recursório atinente à Revista excecional. …”.
Sobre o art. 14º, nº 1, do CIRE, pronunciou-se o Ac. do STJ de 13.9.2023, P. 1998/22.3T8SNT.L1.S1 (Luís Espírito Santo), consultável em www.dgsi.pt, em termos idênticos, aí se escrevendo que “Dir-se-á ainda que a revista excecional se encontra desde logo afastada pelo regime especialíssimo previsto no artigo 14º, nº 1, do CIRE. Esta disposição legal é totalmente clara e inequívoca ao estabelecer como regra geral, quanto aos processos de insolvência, que “não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação”. O que significa, sem a menor sombra de dúvida, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação é, em princípio, definitiva e insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, cujo acesso se encontra dessa forma legalmente vedado. Este modelo consagrado pelo legislador nacional em matéria insolvencial, que se compreende atendendo à necessidade de consolidar com a maior brevidade possível a definitividade do decidido, não permitindo o arrastamento e incerteza dessas decisões, com prejuízo para a segurança e interesse dos diretamente envolvidos, revela o propósito deliberado de tornar fortemente restritivo o regime da admissibilidade de revista e, através dele, do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. Por isso mesmo, neste contexto especialíssimo, não faria qualquer sentido, nem reveste lógica, a admissibilidade da revista excecional. Ou seja, sendo a revista excecional uma modalidade da revista normal (e que tem a ver com a limitação em que consiste a dupla conforme nos termos gerais do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil) e encontrando-se vedada a possibilidade de interposição de revista normal (independentemente da constituição da dupla conforme) tal implica inevitavelmente que não seja permitida a interposição da revista excecional, o que, a aceitar-se, afrontaria claramente o equilíbrio deste regime.”.
Catarina Serra, em Lições de Direito da Insolvência, 2ª ed., 2021, pág. 97, explica que “A norma do art. 14º, nº 1, limita o direito ao recurso, estabelecendo a regra do duplo grau de jurisdição. O acesso ao terceiro grau de jurisdição não fica completamente vedado mas torna-se mais difícil do que nas situações comuns, o que se deverá, decerto, ao caráter urgente do processo e, mais precisamente, à necessidade de assegurar a rápida estabilização das decisões judiciais”. E na pág. 100, concretiza “Como se viu, a admissibilidade da revista nos casos regulados no art. 14º, nº 1, depende em exclusivo da existência de um conflito entre acórdãos. Uma vez interposta a revista com base neste fundamento específico, ele sobrepõe-se a quaisquer outros, tornando irrelevante a ocorrência prevista no art. 671º, nº 3, do CPC e, por isso, também inútil o instrumento de revista excecional. Quer dizer. Independentemente da dupla conforme, a revista é admissível quando aquele fundamento específico se verifique e inadmissível no caso contrário.”.
No caso em apreço, o recorrente não invocou qualquer oposição de acórdãos (a permitir a convolação da revista excecional para a revista normal), antes invocou como fundamento da revista excecional as razões enunciadas nas als. a) e b) do nº 1 do art. 672º, do CPC.
Em face do que se deixa escrito, dúvidas não subsistem que o recurso de revista excecional interposto pelo recorrente do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.9.2024, com fundamento nas als. a) e b) do nº 1 do art. 672º, do CPC, não é admissível. …”.
O Recorrente reclamou para a conferência sustentando que, caso se entenda que a norma consagrada no artigo 14.º, nº 1 do CIRE exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art. 672º do CPC, padecerá aquela de inconstitucionalidade, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º da CRP), da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2 da CRP).
Sustenta o reclamante que o nº 1 do art. 20º da CRP, consagra o direito à proteção jurisdicional efetiva, direito que inclui a prerrogativa de recorrer das decisões das instâncias inferiores e é reforçado pela necessidade de garantir que a justiça seja administrada de forma plena e sem obstáculos indevidos.
E embora o legislador disponha de competência para regulamentar os procedimentos e definir as condições de admissibilidade dos recursos, tal competência não pode conduzir a restrições desproporcionadas ao direito de recurso, como ocorre relativamente ao artigo 14.º, nº 1 do CIRE, caso se entenda que este exclui a aplicação do disposto nas alíneas a) e/ou b) do nº 1 do art.º 672º do CPC.
Por outro lado, a limitação dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça decorrente do art. 14.º, n.º 1, do CIRE, cria uma situação de desigualdade de tratamento, uma vez que cidadãos em situações similares podem ter acesso a diferentes graus de jurisdição, dependendo da natureza do processo, o que contende com o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, que assegura a todos os cidadãos o direito a ser tratados de forma igual perante a lei.
Não se nos afigura que lhe assista razão.
Dispõe o nº 1 do art. 20º da CRP que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”.
O direito de acesso aos tribunais configura-se como o direito à proteção jurídica através dos tribunais mediante um processo equitativo, incluindo, na sua plenitude, o direito ao recurso.
Contudo, e conforme o Tribunal Constitucional vem reafirmando, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre o acesso a todos os graus de jurisdição, não consagrando a Constituição um direito geral de recurso de todas as decisões judiciais, salvo das de natureza criminal condenatória, conforme art. 32º, nº 1 da CRP – neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. do Tribunal Constitucional nº 239/97, de 2.03, nº 72/99, de 3.02, e nº 431/02, de 22.10, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
Exceto em matéria penal, o direito ao recurso não é um direito absoluto, irrestrito, podendo ser objeto de diversas restrições justificadas, vindo o Tribunal Constitucional a afirmar que a garantia constitucional tem, apenas, o alcance de uma proibição ao legislador de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso ou de a inviabilizar na prática, ou de vedar às partes uma completa perceção do conteúdo das sentenças judiciais e a possibilidade de reação contra determinados vícios da decisão (Acórdão do TC nº 485/00, de 22.11).
Nesta conformidade, a interpretação do art. 14º do CIRE, no sentido enunciado – condicionando a admissibilidade da revista às situações de oposição de acórdãos -, não é desconforme com a CRP, concretamente ao art. 20º, uma vez que representa uma opção legítima do legislador ordinário, inserida nos seus poderes de definir os termos de admissibilidade dos recurso em matéria cível, e que assume cabimento na natureza célere que se quis incutir ao processo de revitalização por forma a estabilizar o mais depressa possível as relações litigiosas nesse âmbito, não se afigurando, pois, desproporcionada (art. 18º, nº 2, da CRP).
Neste sentido se pronunciaram os Acs. do STJ de 22.2.2022, P. nº 19874/21.5T8LSB-A.L1.S1 (Maria Olinda Garcia), de 12.11.2024, P. 16969/23.4T8LSB-C.L1.S1 (Rosário Gonçalves), e de 17.9.2024, P. 62/23.2T8AMT.P1.S1 (Graça Amaral), consultáveis em www.dgsi.pt.
Tal como não viola o art. 13º da Constituição da República Portuguesa 2.
O princípio da igualdade estatuído neste artigo não impõe que a lei seja aplicada de modo igual, generalizadamente, a todos os cidadãos, antes exigindo que a situações iguais se aplique tratamento semelhante, deste modo possibilitando que relativamente a casos diferentes sejam utilizadas regras diversas, desde que diferenciadamente justificadas.
Este princípio não impede que o legislador ordinário estabeleça uma diversificação de procedimento, se o mesmo se mostra, de forma ponderada, conforme à razão.
O Tribunal Constitucional vem entendendo que o princípio da igualdade não proíbe o legislador de fazer distinções, o que proíbe é o arbítrio, as diferenças de tratamento sem fundamento material bastante, sem justificação razoável, à luz de princípios constitucionais relevantes.
Conforme se escreveu no Ac. do TC nº 462/2016, de 14.7, em www.dgsi.pt, “Como é sabido, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, constitui um verdadeiro princípio estruturante da ordem jurídica constitucional, sendo mesmo uma exigência do princípio do Estado de Direito. Trata-se de um princípio que vincula diretamente todos os poderes públicos – particularmente o legislador –, que estão assim obrigados a tratar de modo igual situações de facto essencialmente iguais e de modo desigual situações intrinsecamente desiguais, na exata medida dessa desigualdade, desde que esse tratamento desigual tenha uma justificação razoável e objetivamente fundada.”.
Ou no Ac. do TC n.º 437/2006, de 12.07.2006, em www.dgsi.pt, “(…) o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda á lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio ...”.
Este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou no sentido do art. 14º do CIRE, interpretado no sentido de a admissibilidade da revista estar condicionada às situações de oposição de acórdãos, não violar o princípio da igualdade previsto no art. 13º da CRP, conforme Acs. do STJ de 12.3.2019, P. 4957/17.4T8VNF.G1.S1 (Catarina Serra), e de 30.3.2023, P. 206/14.5T8OLH-AI.E1.S1 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt, entendimento que sufragamos, não se verificando a desigualdade de tratamento assinalado pelo reclamante.
Em conclusão, não merece provimento a reclamação, devendo manter-se o despacho reclamado.
Custas pelo reclamante - art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
Notifique.
Cristina Coelho (Relatora)
Maria Olinda Garcia
Rosário Gonçalves
SUMÁRIO (da responsabilidade da relatora):
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2. Que estatui que “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.↩︎