I. Para se concluir que existe uma oposição frontal de entendimentos jurisprudenciais sobre a mesma questão jurídica, justificadora da admissibilidade de um RUJ, não basta que dois acórdãos apresentem um sentido decisório divergente.
II. Para justificar a intervenção orientadora do Pleno do STJ, tem de estar em causa uma óbvia e expressa clivagem jurisprudencial, traduzida num desfiar de argumentos contrapostos sobre o mesmo tema, não sendo suficiente que a divergência decisória seja determinada, essencialmente, pela consideração de concretos aspetos probatórios que relevaram num caso, mas não no outro
Recorrente: AA
1. O recorrente AA apresentou recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, alegando que, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, o acórdão recorrido, proferido pelo STJ em 31.01.2024, transitado em julgado, estaria em contradição com o acórdão do STJ proferido no processo n.º 2476/16.5T8BRG.G1.S2, em 23.05.2019.
2. Na alegação do recurso, o recorrente formulou as seguintes conclusões: «1. Tanto o acórdão recorrido como o acórdão fundamento ora invocado, abordam a questão fundamental de direito relativa à questão da sanção correspondente ao pagamento do dobro da taxa de juro legal (taxa dos juros de mora), atualmente prevista no art.38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.291/2007 (de 21.08) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, caso se encontrassem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2, ou seja,
2) Saber se o facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, é ou não condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e por consequência dever a Ré ser condenada no pagamento ao Autor de juros de mora em dobro da taxa legal prevista em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente), ter tomado conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015 e não ter convocado nem submetido o 1Autor a "avaliação do dano corporal em direito civil, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007.
3. A questão objecto dos acórdãos em causa afigura-se como de caracter essencial relativamente a ambos os arestos.
4. O sentido de cada uma das decisões se desenvolveu em sentidos diametralmente opostos, assim constituindo manifesta contradição entre as mesmas.
5. A questão essencial e fundamental de direito abordada, de forma contraditória, no acórdão recorrido e no acórdão fundamento supra identificado, situa-se no domínio da mesma legislação, ou seja, art.38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.291/2007 (de 21.08) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2 (questão da sanção correspondente ao pagamento do dobro da taxa de juro legal (taxa dos juros de mora) caso se encontrassem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2, ou seja, saber se o facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, é ou não condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e por consequência dever a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro da taxa legal prevista em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente), ter tomado conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015 e não ter convocado nem submetido o Autor a "avaliação do dano corporal em direito civil, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007- existindo, assim, identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão em ambos os arrestos.
6. Em face do exposto, deverá o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ser admitido porquanto se vem preenchidos os requisitos previstos no artigo 688° do CPC, acima melhor identificados, tanto mais que, o acórdão fundamento ora invocado é anterior ao aqui impugnado e já transitou em julgado.
7. O acórdão recorrido baliza a presente discussão na parte em que entendeu que não se demonstrou que o lesado tivesse apresentado um pedido de indemnização tal como não se sabe se e quando a seguradora teve acesso ao relatório de alta clínica, e também não se sabe em que data os danos seriam totalmente quantificáveis e quando é que a seguradora teria conhecimento deste facto.
8. Quanto aos elementos concretos da decisão em crise, situando-se a presente questão no âmbito da questão da sanção correspondente ao pagamento do dobro da taxa de juro legal (taxa dos juros de mora), atualmente prevista no art.38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.291/2007 (de 21.08) ) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, caso se encontrassem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2, ou seja, saber se o facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, é ou não condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e por consequência dever a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro da taxa legal prevista em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente), ter tomado conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015 e não ter convocado nem submetido o Autor a "avaliação do dano corporal em direito civil, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007.
9. Face a tudo o exposto, fez o tribunal a quo, em primeira linha, uma errada interpretação do disposto, do art.38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.291/2007 (de 21.08) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, caso se encontrassem demonstrados os requisitos de responsabilização previstos no artigo 37º, nomeadamente nas alíneas c) do n.1 e a) do n.2, na parte em que entendeu que não se demonstrou que o lesado tivesse apresentado um pedido de indemnização tal como não se sabe se e quando a seguradora teve acesso ao relatório de alta clínica, e também não se sabe em que data os danos seriam totalmente quantificáveis e quando é que a seguradora teria conhecimento deste facto,
- Na medida que dos presentes autos - itens n.ºs 50, 51, 52 e 53 dos factos dados como provados na Douta Sentença - foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
"50 No prazo de 60 (sessenta) dias subsequentes à comunicação do sinistro pelo 1.º Autor, a Ré, através da gestora de processo BB, assumiu, perante aquele, por escrito, a responsabilidade decorrente do acidente.
51. Através da congénere Companhia de Seguros Tranquilidade, SA, a Ré tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015.
52. A Ré não convocou nem submeteu o 1.º Autor a avaliação do dano corporal em direito civil.
53. A Ré não apresentou ao 1.º Autor proposta de indemnização."
10. Devendo, pelos motivos expostos, ser o Douto Acórdão revogado e substituído por outro Douto Acórdão que ao abrigo do disposto no art.38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.291/2007 (de 21.08) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.2 faz para o artigo 38º, n.2, ambos do mesmo diploma,
11. Entenda que o facto Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, não é condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor,
12. E por consequência condene a Ré no pagamento ao Autor de juros de mora em dobro da taxa legal prevista, em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente), ter tomado conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015 e civil, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007.
Termos em que,
Deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se o Acórdão recorrido conforme atrás concluído e em consequência deverá o mesmo Acórdão ser substituído por Douto Acórdão que ao abrigo do disposto no art. 38º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 291/2007 (de 21.08) nos termos da remissão que o artigo 39º, n.º 2 faz para o artigo 38º, n.º 2 do mesmo diploma legal, entenda que o facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré, não é condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e por consequência condene a Ré no pagamento ao Autor de juros de mora em dobro da taxa legal prevista, em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente), ter tomado conhecimento da consolidação das lesões em 09/11/2015 e não ter convocado nem submetido o Autor a avaliação do dano corporal em direito civil, não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007, com o que se fará justiça.»
3. Foi proferida decisão, nos termos do artigo 692.º, n.º 1 do CPC, que não admitiu o pedido de RUJ.
4. Inconformado com a referida decisão, o recorrente veio reclamar para a Conferência, concluindo o seu pedido nos seguintes termos:
« (...) a presente reclamação para a conferência deverá ser aceite, decidindo V.Ex.as pela alteração da Douta Decisão Singular com a referência …73, no sentido de se admitir o pedido de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência oportunamente interposto pelo Autor relativamente à questão de saber se o facto de o Autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à Ré é, ou não, condição de dispensa do dever da Ré de formular a proposta razoável de indemnização ao Autor e, por consequência, se deve a Ré ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro da taxa legal prevista, em virtude de a Ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente) e já ter conhecimento suficiente de todos os elementos necessários para poder formular uma proposta de indemnização razoável ao Autor por os danos sofridos pelo Autor já serem totalmente quantificáveis, não ter não ter apresentado ao Autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei nº 291/2007.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve a presente reclamação para a conferência ser recebida e deferida a pretensão na mesma ínsita, tal significando, que deve ser alterada a douta decisão singular com a referência …73, no sentido de se admitir o pedido de acórdão uniformizador de jurisprudência oportunamente interposto pelo autor relativamente à questão de saber se o facto de o autor não ter formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à ré, é ou não, condição de dispensa do dever da ré de formular a proposta razoável de indemnização ao autor e por consequência se deve a ré ser condenada no pagamento de juros de mora em dobro da taxa legal prevista, em virtude de a ré, apesar de ter assumido a responsabilidade (reconhecendo a culpa exclusiva do seu segurado na produção do acidente) e já ter conhecimento suficiente de todos os elementos necessários para poder formular uma proposta de indemnização razoável ao autor por os danos sofridos pelo autor já serem totalmente quantificáveis, não ter convocado nem submetido o 1 autor a "avaliação do dano corporal em direito civil e não ter apresentado ao autor qualquer proposta razoável de indemnização nos termos previstos nºs 1 e 2 do artigo 38° do decreto-lei nº 291/2007.»
Cabe apreciar em Conferência.
1. O recorrente sustenta a sua reclamação para a Conferência, essencialmente, na invocação e no detalhar de factos que não constam da factualidade provada que baseou as decisões das instâncias sobre a questão dos juros, pelo que tal argumentação é, obviamente, inócua para a decisão sobre a presente reclamação.
No que, concretamente, respeita à invocação da oposição de acórdãos, afirma o reclamante, no seu requerimento, que «está em causa uma óbvia e expressa clivagem jurisprudencial traduzida num desfiar de argumentos contrapostos que justificam a intervenção orientadora do Pleno do STJ.»
Porém, um breve confronto entre a fundamentação dos dois acórdãos em análise permite facilmente concluir que assim não é, pois no acórdão fundamento a questão do entendimento interpretativo sobre o regime dos juros não é minimamente teorizada. Não há, portanto, nenhum «desfiar de argumentos contrapostos que justificam a intervenção orientadora do Pleno do STJ.»
2. O teor da decisão proferida nos termos do artigo 692º, n.º 1 do CPC, foi, na essência, o seguinte:
«Encontram-se preenchidos os requisitos formais da admissibilidade de um recurso para uniformização de jurisprudência, pois o requerente tem legitimidade, está em tempo, e juntou acórdão fundamento anterior ao acórdão recorrido.
Cabe apreciar a verificação dos requisitos substanciais exigido pelo artigo 688.º, n.º 1 do CPC, ou seja, a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, na vigência da mesma legislação, com a densificação de conteúdo que tem sido exigida pela jurisprudência reiterada do STJ.
Nos termos do art.º 688.º, do CPC:
«1 - As partes podem interpor recurso para o pleno das secções cíveis quando o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que esteja em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.»
Sobre o modo como a divergência relevante para a existência de um problema de oposição de julgados deve ser aferida, a jurisprudência reiterada do STJ tem exigido que se trate de uma divergência essencial, ou seja, um confronto frontal (e não apenas lateral) que, no quadro de factualidades tipologicamente equiparáveis, revele inequivocamente uma diferente problematização de determinada solução legal. Esta exigência tem a ver com razões de segurança jurídica, máxime com a proteção do caso julgado (entretanto formado), cuja destruição não pode assentar em divergências secundárias ou meramente implícitas. Assim, só quando se constate a existência de dois entendimentos explicitamente e frontalmente opostos sobre a interpretação da mesma norma se justificará a preterição do valor da segurança jurídica das soluções com a consequente destruição do caso julgado.
Vejam-se, neste sentido, em termos exemplificativos, os extratos do que se sumariou nos seguintes acórdãos:
• Acórdão do STJ, de 15.06.2023 (relatora Fátima Gomes), proferido no processo n.º 735/14.0TBPDL-Q.L1.S1-C:
«Para se aferir da admissibilidade do recurso de Uniformização de Jurisprudência é necessário que a questão fundamental de direito em que repousa a alegada contradição assuma carácter fundamental para a solução do caso, devendo integrar a verdadeira ratio decidendi dos acórdãos em confronto, não bastando que seja apenas essencial para a solução do acórdão fundamento.»
• Acórdão do STJ, de 23.11.2023 (relator Ferreira Lopes), proferido no processo n.º: 2020/16.4T8GMR.G1.S2-A:
«É pressuposto do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência que o acórdão de que se recorre esteja em contradição com outro acórdão anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão fundamental de direito;
Exige-se uma oposição frontal, que foi essencial para a decisão proferida nos dois acórdãos, sendo irrelevantes para esse efeito as decisões meramente implícitas ou pressupostas.»
• Acórdão do STJ, de 16-11-2021 (relator Fernando Samões) proferido no processo n.º 558/20.8T8GMR.G1.S1-A:
«O reconhecimento da existência de contradição de julgados para efeitos da admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do art.º 688.º do CPC, depende da verificação cumulativa de requisitos formais e substanciais, sendo de carácter substancial os seguintes:
i. identidade da questão fundamental de direito;
ii. identidade do regime normativo aplicável; e
iii. essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.
II. O preenchimento destes requisitos, cuja apreciação deve ser feita com rigor, supõe que as soluções encontradas em ambos os acórdãos alegadamente em conflito correspondem a interpretações divergentes do mesmo regime normativo, situando-se no âmbito da interpretação e aplicação do mesmo instituto ou figura jurídica fundamental; têm na sua base situações materiais análogas ou equiparáveis, pressupondo uma verdadeira identidade substancial do núcleo essencial da matéria litigiosa subjacente a cada uma das decisões em confronto; e pressupõem que a questão de direito controversa assuma um carácter essencial ou fundamental para a solução do caso, em cada uma das decisões, com identidade factual.»
- Acórdão do STJ, de 06.10.2021 (relator Ricardo Costa), proferido no processo n.º 1155/14.2TBPRD.P2.S1-A:
«Verificando-se que o circunstancialismo fáctico-processual subjacente aos acórdãos em confronto não se afigura tipologicamente coincidente de um ponto de vista jurídico-normativo, bem como que a fundamentação dos acórdãos recorrido e fundamento não revela diversidade interpretativa e aplicativa, em termos de oposição expressa e frontal, da mesma norma jurídica, desde logo porque não existe equiparação dos objectos decidendos, não se preenche a contradiçãooposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito que justifique a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, como exigido pelo art. 688.º, n.º 1 do CPC.»
Vejamos se no caso concreto se verifica uma oposição frontal entre o que se decidiu no acórdão recorrido e o que se decidiu no acórdão fundamento.
No acórdão recorrido considerou-se que:
«Segundo a regra geral de repartição do ónus da prova, prevista no art.º 342º, n.º 1 do CC, cabia ao autor lesado demonstrar que a seguradora teve acesso à informação necessária para formular uma proposta de indemnização dos danos corporais, nos termos do artigo 37º do DL n.º 291/2007. Tal não significa que o único meio de prova seja, necessariamente, a apresentação de um requerimento do terceiro lesado dirigido à seguradora. Essa informação poderá constar de um relatório médico que contenha os elementos necessários para a quantificação dos danos e ao qual a seguradora tenha legalmente acesso. Mas tal tem de ser demonstrado pelo terceiro lesado que pretende penalizar a seguradora pelo incumprimento da regularização extrajudicial do sinistro.
A sanção do pagamento do dobro da taxa de juro visa, claramente, penalizar a inércia da seguradora que não pretende solucionar atempadamente o litígio por via extrajudicial e a sua indiferença a que o terceiro lesado tenha de recorrer a tribunal para ver ressarcidos os danos que sofreu.
Ora, no caso concreto não existem elementos para se concluir pela aplicação do dobro da taxa do juro legal.
No caso concreto, a factualidade assente que releva para a solução desta questão encontra-se nos pontos 50 a 53 (dos factos provados), dos quais consta que a seguradora não apresentou uma proposta de indemnização ao lesado, embora tenha assumido a responsabilidade pelo acidente e que tomou conhecimento da consolidação das lesões em 09.11.2015.
Não se demonstrou que o lesado tivesse apresentado um pedido de indemnização, tal como não se sabe se e quando a seguradora teve acesso ao relatório de alta clínica, e também não se sabe em que data os danos seriam totalmente quantificáveis e quando é que a seguradora teria conhecimento deste facto.
Dado que o acidente a que respeitam os presentes autos foi, simultaneamente, um acidente de trabalho, consta dos factos provados n.º 36, 37, 38 e 47 que o autor e a ré alcançaram um acordo, homologado por sentença (em 15.06.2016, já transitado em julgado) nos termos do qual a ré assumiu, no âmbito do processo respeitante ao acidente de trabalho, o pagamento de múltiplas quantias respeitantes a danos sofridos pelo autor. Todavia, nos presentes autos não se encontra demonstrado que, no âmbito desse processo, a seguradora tivesse tido conhecimento (e conhecimento atempado para cumprir os prazos) dos elementos referidos no artigo 37º do DL n.º 291/2007 para formular a proposta de indemnização do dano corporal em direito civil.
Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão do recorrente.»
No acórdão fundamento, sobre a questão do dobro da taxa do juro afirmou-se apenas o que se transcreve:
«Finalmente, cumpre analisar os dois pontos relativos aos juros de mora, que a recorrente incluiu no objecto da revista:
Saber se deve ser aplicado o regime previsto no artigo 38° do Decreto-Lei n° 291/2007, de 21 de Agosto) (Regime do sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) e condenar a ré no pagamento em dobro dos juros de mora devidos;
Saber se os juros de mora devem ser contados desde a citação nesta acção ou desde a sentença da 1ª instância. Com interesse para a primeira questão assumir a responsabilidade - reconhecendo a culpa do seu Segurado na produção do acidente - não apresentou à Autora (CC) qualquer proposta razoável de indemnização", facto que a 1ª instância de considerou suficiente para a condenação em dobro.
A Relação, porém, observou que não há prova de que a autora tenha formulado extrajudicialmente qualquer pedido de indemnização à ré, o que impediria a aplicação da sanção.
A verdade, porém, é que não é condição de dispensa do dever de formular a proposta razoável de indemnização; razão pela qual os juros de mora em que a ré for condenada devem ser calculados aplicando o dobro da taxa legal (n°s 1 e 2 do artigo 38° do Decreto-Lei n° 291/2007). Procede, nesta parte, o recurso principal da autora.»
Nada mais se afirma no acórdão fundamento sobre a questão que a recorrente pretende ver apreciada pelo Pleno do STJ.
O que se concluiu da jurisprudência aí plasmada é que a formulação extrajudicial de um pedido de indemnização pela lesada à Seguradora não é condição de dispensa do dever de formular a proposta razoável de indemnização.
Esta foi, assim, a única questão abordada pelo acórdão fundamento.
Ora, confrontando essa decisão com o que consta do acórdão recorrido, não se pode afirmar que exista uma oposição frontal quanto a esse argumento, pois no acórdão recorrido não se afirma o contrário. Efetivamente, como supra transcrito, o que se afirmou foi «(...) não significa que o único meio de prova seja, necessariamente, a apresentação de um requerimento do terceiro lesado dirigido à seguradora. Essa informação poderá constar de um relatório médico que contenha os elementos necessários para a quantificação dos danos e ao qual a seguradora tenha legalmente acesso.»
O facto de o autor não ter procedido à formulação extrajudicial de um pedido de indemnização à Seguradora não foi considerado, no acórdão recorrido, como elemento essencial para o sentido da decisão. Deste modo, o acórdão recorrido não diverge do acórdão fundamento.
As razões normativas e factuais em que o acórdão recorrido assentou a sua decisão de não condenar a ré no pagamento do dobro da taxa não foram minimamente abordadas no acórdão fundamento, pois o acórdão recorrido baseou-se, essencialmente, na ausência de elementos para concluir que a seguradora tinha conhecimento suficiente para poder formular uma proposta de indemnização. Efetivamente, afirmou- não se sabe se e quando a seguradora teve acesso ao relatório de alta clínica, e também não se sabe em que data os danos seriam totalmente quantificáveis e quando é que a seguradora teria conhecimento deste facto.»
Para se concluir que existe uma oposição frontal de entendimentos jurisprudenciais sobre a mesma questão jurídica não basta que dois acórdãos apresentem um sentido decisório divergente. Tem de estar em causa uma óbvia e expressa clivagem jurisprudencial traduzida num desfiar de argumentos contrapostos para justificar a intervenção orientadora do Pleno do STJ, o que manifestamente não se verifica no caso concreto.
Concluiu-se, assim, que a alegada contradição de decisões que, na tese do recorrente, sustentaria o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência não se verifica, sendo, portanto, este recurso destituído de fundamento.
DECISÃO: Pelo exposto, nos termos do artigo 692.º, n.º 1 do CPC, rejeita-se o recurso por não existir a contradição que serve de fundamento à pretensão do recorrente.»
Custas pelo reclamante.
Lisboa, 28.01.2025
Maria Olinda Garcia (Relatora)
Ricardo Costa
António Barateiro Martins
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1. Para se concluir que existe uma oposição frontal de entendimentos jurisprudenciais sobre a mesma questão jurídica, justificadora da admissibilidade de um RUJ, não basta que dois acórdãos apresentem um sentido decisório divergente.
2. Para justificar a intervenção orientadora do Pleno do STJ, tem de estar em causa uma óbvia e expressa clivagem jurisprudencial, traduzida num desfiar de argumentos contrapostos sobre o mesmo tema, não sendo suficiente que a divergência decisória seja determinada, essencialmente, pela consideração de concretos aspetos probatórios que relevaram num caso, mas não no outro