RECURSO PER SALTUM
PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO
ELEIÇÕES
COMISSÃO NACIONAL DE ELEIÇÕES
PUBLICIDADE
NULIDADE
MINISTÉRIO PÚBLICO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
DIREITO DE DEFESA
PROCEDÊNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Sumário


I - No procedimento contraordenacional nas situações previstas no n.º 3 do artigo 203º da Lei Eleitoral dos Órgãos da Administração Local (LEOAL), por razões de coerência com a respetiva justificação e de respeito pelos princípios constitucionais e legais que orientam e a que se subordina toda a atividade judicial, fica completamente arredada a intervenção de qualquer autoridade administrativa, salvo quanto ao dever geral de todas as autoridades de denúncia ao Ministério Público de factos suscetíveis de constituir infração contraordenacional daquela natureza, como decorre do princípio da legalidade a que a atividade da administração em geral também está subordinada, nos termos do artigo 266º da CRP e, com as necessárias adaptações, da conjugação dos artigos 48º do RGCO e 242º e ss do CPP, na medida em que o ilícito de mera ordenação social participa do direito sancionatório público de exercício oficioso, sem necessidade, portanto, mas não excludente do impulso dos particulares.
II – Essa “judicialização ab initio e ope legis” do procedimento aproxima a intervenção do Ministério Público, na direção da fase de instrução, do papel que desempenha no âmbito do inquérito criminal, em conformidade com a Diretiva da PGR n.º 4/2021, e impõe ao juiz a condução do processo em conformidade com os ditames dos artigos 63º e ss. do RGCO, à semelhança do que sucederia no processo penal, nos termos dos artigos 311º e ss. do CPP, estando-lhe vedado decidir o caso, condenando o arguido, por simples despacho, sem a sua prévia audição sobre o teor da proposta de aplicação de coima/”acusação” formulada pelo Ministério Público e sem lhe dar oportunidade de se pronunciar sobre a oposição ou não à decisão por simples despacho, ou seja, sem realização de audiência, o que pode constituir vício invalidante do procedimento.
III - Não colhendo, por isso, qualquer justificação ou sentido garantir uma dupla apreciação jurisdicional da matéria de facto, a qual, tendo sido apreciada e fixada por um tribunal de primeira instância, se afigura bastante para cumprimento do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, mantendo-se o STJ, à semelhança do que sucede com a Relação no procedimento comum, como tribunal de revista com poderes de cognição limitados à matéria de direito, como decorre do artigo 75º do RGCO e dos artigos 432º a 434º do CPP, aliás, em termos idênticos ao que sucede nos recurso diretos para o STJ dos acórdãos proferidos por tribunal de júri ou coletivo, nos termos do seu artigo 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, donde resulta também a insustentabilidade de aí se realizar audiência de julgamento com produção de prova, como pede o recorrente.
IV – A notificação efetuada ao arguido, por determinação do Ministério Público, logo após a abertura do procedimento, com cópia da participação recebida da CNE, para, em determinado prazo, se pronunciar sobre o conteúdo daquela e, querendo, indicar prova a produzir na fase de instrução que correu sob a sua direção, não contendo a imputação sequencial e circunstanciada dos elementos típicos, objetivos e subjetivos, da infração imputada, os quais só ficaram cabalmente apurados com a posterior produção de prova durante a instrução e condensados naqueles termos na proposta de aplicação de coima com a qual o Ministério Público encerrou a fase instrutória, mandando apresentar os autos ao juiz da comarca para apreciação e decisão de tal proposta, da qual o arguido só teve conhecimento com a notificação da decisão condenatória objeto do presente recurso, proferida sem que lhe tivesse sido dada a oportunidade de exercer o direito de audiência e defesa, não consubstancia o cumprimento do artigo 50º do RGCO, interpretado à luz do artigo 32º, n.º 10, da CRP, nos termos expostos no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2009.
V - Cumpre, pois, reconhecer e declarar o incumprimento, no caso em apreço, do disposto no artigo 50º do RGCO, em prejuízo dos direitos de audição e defesa consagrados no artigo 32º, n.º 10, da CRP, nos termos e com a amplitude material antes referidos, o que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência constitui nulidade do procedimento, embora sem consenso quanto à respetiva natureza absoluta ou relativa, aqui indiferente, uma vez que foi tempestivamente arguida pelo recorrente na sua peça recursiva.

Texto Integral

Processo n.º 1315//23.5T9BRG.S1.

(Recurso per saltum)


*


Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

*


I. Relatório

1. Por decisão de 23.09.2024, do Juízo Local Criminal de Braga (JLCBRG) – ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi AA, nascido a ... de ... de 1972, com os demais sinais dos autos, condenado, nos termos do seguinte dispositivo, que se transcreve na parte que ora releva:

«(…) VI- DECISÃO

Nestes termos, e de acordo com o exposto e de harmonia com o consagrado nos preceitos legais supra citados:

a) Condeno o arguido AA, Presidente da Câmara Municipal de ..., na coima de €15.000,00 (quinze mil euros), pela prática de uma contra-ordenação de violação da proibição de publicidade institucional em período eleitoral, nos termos do disposto nos artigos 10.º, n.ºs 1, 4 e 12.º, n.º 1, da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de Julho;

(…)».

2. Inconformado, interpôs o referido condenado, em 10.10.2024, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«Conclusões

1ª O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal “a quo” que condenou o Recorrente em coima de € 15.000,00, o qual incidirá, num primeiro momento, sobre a ilegalidade da “acusação” do Ministério Público de 11.07.2024 e, num segundo momento, sobre o mérito da decisão.

2ª No que concerne às contraordenações praticadas pelos eleitos locais, o legislador criou um regime que visa claramente conferir mais garantias aos mesmos, aos partidos políticos e à liberdade de associação consagrada no artigo 51º da CRP e que passa pela instrução do processo contraordenacional ser feita pelo Ministério Público e a decisão “administrativa” proferida por um Juiz.

3ª Nos presentes autos o Ministério Público não se limitou à instrução da prova, isto é, à recolha de prova, como também requereu a aplicação de uma coima e a “acusação-condenação” de 11.07.2024 foi seguida na íntegra pela decisão ora sob recurso, o que implica concluir que o Ministério Público influenciou a decisão do Juiz quando não tinha competências para tal.

4ª A decisão ora sob recurso é nula por violação do artigo 203º/nº 3 da LEOAL.

5ª Quanto ao mérito da decisão importa notar que são três as situações que a fundamentam.

6ª A primeira situação respeita ao facto provado 4, a saber, vídeos promocionais passados no Centro de vacinação Covid-19 ..., localizado no espaço Forum ..., mais precisamente uma mensagem do Presidente da Câmara (facto provado 5) a propósito de ... ter sido considerada o melhor destino europeu de 2019.

7ª O Recorrente foi notificado para exercer o direito de audição previsto no artigo 50º do RGCC a propósito de um vídeo passado em que surge a enaltecer o trabalho desenvolvido contra a epidemia Covid-19 (foi este vídeo que motivou a queixa de um cidadão) e pronunciou-se sobre o mesmo nos artigos 4 a 13 da defesa apresentada.

8ª Com a notificação da decisão o Recorrente foi confrontado com outro vídeo sobre o qual não teve oportunidade de se pronunciar e defender, o que constitui violação do direito de defesa previsto no artigo 50º do RGCC e configura nulidade que ora se invoca.

9ª O Recorrente não teve qualquer intervenção na divulgação daquele vídeo, não a tendo promovido nem encomendado, pois a gestão do espaço ...... é realizada pela empresa local ... e a gestão diária e corrente desta empresa é feita por BB, Administrador Executivo, o qual, por força das suas funções, dirige um conjunto de profissionais que se ocupa da gestão daquele local.

10ª O Recorrente, enquanto Presidente do Conselho de Administração, apenas cuida da definição da estratégia anual da empresa e esporadicamente desloca-se ao espaço quando tem de intervir em algum evento, sendo totalmente alheio à utilização que a ... faz dos ecrãs localizados no espaço Forum Braga; no entanto, segundo apurou posteriormente a empresa criou uma “playlist” respeitante maioritariamente a actividades desenvolvidas naquele espaço do Forum ....

11ª Todos os vídeos que integram a “playlist” respeitam a actividades da ... e foi neste contexto que surgiu o vídeo a propósito de... destino europeu de 2019 e o outro a propósito dos números da vacinação Covid-19.

12ª O Recorrente desconhecia que o vídeo em causa estava a ser passado naquele momento e, ao contrário do que a decisão refere, a testemunha BB, quando inquirido, confirmou que a escolha da playlist foi feita pela ... sem a intervenção de terceiros, motivo pelo qual não podia a decisão concluir pela actuação dolosa do Recorrente neste caso.

13ª Não há como condenar o Recorrente quanto a esta situação face à manifesta falta de prova do dolo, pois a pessoa responsável pela gestão do espaço (que não se localiza na Câmara, local onde o Presidente trabalha diariamente) atestou a falta de culpa do Recorrente e mais nenhuma prova foi evidenciada de que o Recorrente ordenou a publicidade em causa.

14ª A segunda situação vem referida no facto provado 6, mas a expressão constante do mesmo não cumpre as exigências do artigo 58º/nº 1 b) do RGCO na medida em que não identifica em que locais estão colocados os cartazes, o que constitui nulidade prevista no artigo 41º do RGCO e 374º/nº 1 a) do CPP.

15ª Aquela imputação respeita a cartazes colocados pela Coligação Juntos por ..., constituída por quatro partidos políticos (..., ..., ... e ...) que decidiram fazer cartazes e colocá-los nos locais habituais e o Recorrente era o cabeça-de-lista e candidato a Presidente da Câmara ..., mas não dirigia a campanha.

16ª O Recorrente não sabe onde foram feitos os cartazes e quem os colocou ou mandou colocar, pelo que é evidente a falta de prova do dolo.

17ª A proibição decorrente do artigo 10º/nº 4 da Lei nº 72-A/2025, de 23.07 aplica-se aos órgãos do Estado/Administração Pública e não aos partidos políticos ou candidatos, pelo que a decisão sob recurso (assim como o Ministério Público) pretende proibir o Recorrente de exercer os seus direitos políticos, constitucionalmente consagrados nos artigos 48º, 50º e 51º da CRP.

18ª O entendimento da decisão sob recurso é absolutamente ilegal, pois os partidos políticos e os políticos não estão proibidos de aludir – em cartazes, comícios, vídeos, panfletos, etc. – a tudo quanto fizeram enquanto autarcas.

19ª Se alguma contraordenação foi praticada quanto aos outdoors mencionados no facto provado 6 (o que não se aceita), então no limite quem teria de responder seriam os partidos políticos e não o Recorrente, que está a ser demandado enquanto eleito local e não candidato.

20ª Não há confusão entre o eleito local e o candidato e, por isso, respeitando os outdoors a actividade político-partidária, é manifesto que a decisão viola o disposto no artigo 10º/nº 4 da Lei nº 72-A/2025, de 23.07.

21ª A terceira situação consta dos factos provados 7 e 8, mas o Recorrente não ordenou a colocação dos outdoors em causa nem sabe quem os colocou.

22ª A mensagem transmitida respeita ao tipo de intervenção a efectuar e os locais afectados, por forma a que as pessoas que circulam no espaço não sejam surpreendidas com vias ou acessos cortados, sendo que no caso de obras financiadas pelo orçamento comunitário a publicitação é obrigatória.

23ª O Recorrente apurou que os dois outdoors foram colocados em data anterior à publicação do decreto que marcou a eleição, mas quando tomou conhecimento da situação – por email de 29.07.2021 da CNE, pois até aí desconhecia a sua existência -, ordenou de imediato a sua remoção.

24ª Sem prejuízo de se considerar lícita a informação constante dos referidos outdoors o Recorrente não pretendeu contribuir para a manutenção de uma situação duvidosa e muito antes da deliberação da CNE de 26.08.2021 os cartazes já estavam retirados.

25ª A testemunha CC referiu que os outdoors foram colocados numa interacção entre os pelouros das obras e da comunicação, sem que tenha havido intervenção do Recorrente, pelo que estamos perante dolo presumido.

26ª Sendo manifesta a falta de prova do dolo, não há como condenar o Recorrente quanto a esta situação.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, revogando-se a decisão sob recurso e substituindo-a por outra que determine a absolvição do Recorrente.

PROVA:

1) Requer-se a prestação de declarações do Recorrente;

2) Requer-se a inquirição das seguintes testemunhas (a notificar):

* DD, com domicílio profissional na Praça do ...;

* EE, com domicílio profissional na Praça do ...;

* BB, com domicílio profissional na Praça do ...;

* FF, com domicílio profissional na Praça do ...;

* GG, com domicílio profissional na Praça ....

(…)»

3. O recurso foi admitido por despacho do Juiz titular, de 15.10.2024, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Neste Tribunal, o Ministério Público, em 12.11.2024, emitiu fundamentado parecer, de que se transcrevem os seguintes excertos, sem notas de rodapé:

«(…) Parecer:

(…)

II – Da ilegalidade da “acusação” do Ministério Público

Alega o recorrente que o processo está ferido de ilegalidade em virtude de o Ministério Público não se ter limitado a proceder à instrução (recolha da prova), como determina o nº 3 do art.º 203º da LOEAL, indo mais longe e violando a lei ao propor uma sanção, naquilo a que nas alegações chama de “acusação-condenação”.

Não descortinamos em que preceito legal assenta o recorrente tal alegação nem que vício, concretamente, a apresentação de uma proposta de sanção constituiria, tanto mais que não está proibida em lei alguma, não integra, nem remotamente, o conceito de irregularidade e, muito menos, se encontra elencada como nulidade.

O DL nº 433/82, que estabelece o regime geral das contraordenações, estabelece no seu artº 33º que “o processamento das contra-ordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias” é da competência das autoridades administrativas.

Esta competência inclui, assim, “o processamento das contraordenações”, ou seja, a instrução, bem como a decisão final, “(…) podendo esses dois momentos da fase administrativa do processo de contraordenação caber no âmbito da competência da mesma ou de distintas entidades.

A opção por um ou outro desses dois modelos será feita pela lei «que prevê e sanciona as contra-ordenações»”.

No caso da contraordenação aqui em causa, o legislador optou, no artº 203º, nº 3, da LEOAL, por atribuir a competência para a instrução, ou “processamento”, ao Ministério Público e a aplicação da sanção a um órgão judicial.

Sendo o Ministério Público um órgão de justiça encarregado de representar o Estado nos Tribunais, de exercer a ação penal e de defender a legalidade, que se rege estatutariamente pelos princípios da boa-fé, da lealdade e da cooperação processual com vista à concretização e realização de um “justo processo”, afigura-se-nos que a conduta da Senhora Procuradora da República aqui em causa é absolutamente irrepreensível, tanto mais que, conforme adiante se explicará com maior detalhe, resulta do disposto no artigo 50º do Regime Geral das Contraordenações que não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes ser conferida ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a sanção em que incorre.

Para além disso, e até de um ponto de vista exclusivamente hermenêutico, a alegação do recorrente não colhe.

O sentido literal da palavra proposta – ato de propor, de apresentar à apreciação de outrem; aquilo que se propõe, que se sugere – situa-a no âmbito dos atos de colaboração com o Tribunal a que o Ministério Público está obrigado e remete-nos para um realidade muito menos determinante da marcha do processo do que aquela que licitamente ocorre no regime geral das contraordenações.

A formulação de uma proposta de sanção não permite, de forma alguma, uma apreciação com o sentido subliminar que lhe atribui o recorrente.

Não foi certamente por causa de uma tal proposta que o Tribunal decidiu aplicar a sanção que aplicou.

Aliás, tendo sido o arguido sancionado com a coima mínima, fica-nos a perplexidade e a interrogação sobre que influência negativa e ilícita poderia ter tido a proposta do Ministério Público na determinação da medida da mesma.

III – Do mérito da decisão

1. A primeira situação respeita ao facto provado 4, a saber, vídeos promocionais passados no Centro de vacinação Covid-19 de ..., localizado no espaço Forum ..., mais precisamente uma mensagem do Presidente da Câmara ... (facto provado 5) a propósito de ... ter sido considerada o melhor destino europeu de 2019.

Diz o recorrente que “Com a notificação da decisão (…)foi confrontado com outro vídeo sobre o qual não teve oportunidade de se pronunciar e defender, o que constitui violação do direito de defesa previsto no artigo 50º do RGCC e configura nulidade que ora se invoca.”

Compulsados os autos, resulta claramente do relatório da Comissão Nacional de Eleições, datado de 26.08.2021, que o recorrente foi notificado para se pronunciar sobre toda a matéria de que veio a ser acusado, com indicação precisa dos factos em averiguação.

Transitado o processo para o Ministério Público, foi proferido despacho pela Senhora Magistrada titular (ref.ª 84236572) com o seguinte teor:

“Atendendo ao disposto no artigo 50.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro, notifique o arguido HH, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... para, no prazo de 30 dias, querendo, vir aos autos pronunciar-se sobre a contra-ordenação que lhe é imputada, p. e p. pelo artigo 10.º, n.º 4 da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de Julho, conforme relatório de fls. 308 a 313, cuja cópia deverá remeter para melhor esclarecimento. Mais dê conta que os autos foram remetidos para instrução ao Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 203.º, n.º 3 da ....”

O arguido respondeu por meio de informação escrita assinada pelo seu advogado, demonstrando conhecer perfeitamente o objeto do processo.

Para além disso, foi solicitada à Camara Municipal ..., por ofício de 16.04.2024, uma cópia do vídeo divulgado aquando da Vacinação Covid 19 no Altice ..., naquela cidade (ref.ª .......71), ofício a que a Câmara Municipal de ... respondeu por mensagem de correio eletrónico, de 27.05.2024, com o seguinte texto:

“Encarrega-me o Senhor Presidente da Câmara Municipal de ..., Dr. HH, no seguimento da notificação que segue em anexo, de remeter a V. Exa. conforme solicitado, uma cópia do vídeo divulgado aquando da Vacinação Covid-19, no Altice Forum ....”

Não tem, por isso, qualquer razão o recorrente quando vem pôr em causa o cumprimento do artº 50º do DL nº 433/82, já que, como se acaba de demonstrar, foi especificamente notificado nos termos e para os efeitos deste preceito legal.

Estabelece o artº 50º do Regime Geral das Contraordenações que “Não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

Sobre a substância deste normativo pronunciou-se o já citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.05.20123, do seguinte modo:

“Asseguram-se aqui [no artº 50º do DL nº 433/82], densificando o comando do nº 10 do artº 32º da Constituição, os direitos de audição e defesa do arguido no processo de contra-ordenação, a significar a proibição da «aplicação de qualquer sanção contra-ordenacional «sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas» (Jorge Miranda – Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, página 363).

O que se exige é que antes da aplicação de qualquer sanção a autoridade administrativa dê ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre a contra-ordenação imputada e sobre a sanção ou sanções que lhe correspondem; sobre a contra-ordenação e a sanção ou sanções; não sobre os meios de prova, que são instrumentais da futura decisão.

A exigência legal cumpre-se, pois, com a identificação e caracterização da infracção imputada, mediante a descrição dos factos relevantes, desde logo os típicos, e a indicação da sua previsão legal e das respectivas consequências jurídicas. Parece ser esse o entendimento de Simas Santos e Lopes de Sousa, quando afirmam: «A possibilidade do exercício deste direito supõe que seja feita comunicação ao arguido, antes da decisão administrativa de aplicação das sanções, sobre quais os factos que lhe são imputados, o enquadramento jurídico dos mesmos e a sanção ou sanções que a autoridade administrativa competente para aplicar a coima entende serem aplicáveis» (Contra-ordenações, Anotações ao Regime Geral, 2011, Áreas Editora, página 380).

Note-se que o acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR, I série-A, de 25/01/2003, pronunciando-se sobre os termos da comunicação a fazer ao arguido em ordem a possibilitar-lhe neste âmbito o exercício do contraditório, considerou serem convocáveis as disposições dos artºs 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo, fazendo coincidir o conteúdo dessa comunicação com a norma deste último preceito: «A notificação fornece os elementos necessários para que os interessados fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito». Os «aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito» são, como esclarece o nº 3 desse artº 101º, os que tenham a ver com o «objecto do procedimento», que é constituído pela infracção imputada. É neste sentido que se entende a afirmação de Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim: «Na notificação para a realização da audiência, deve dar-se conhecimento aos interessados do que se considera apurado, em termos de direito e de facto, com relevo para a decisão» (Código do Procedimento Administrativo, Vol I, Almedina, 1993, página 528).

E há casos em que no âmbito do diploma que prevê e sanciona as contra-ordenações se indica o conteúdo da notificação que, para este efeito, deve ser feita ao arguido antes da aplicação da sanção, não o integrando a indicação dos meios de prova. Exemplo disso é o artº 70º, nº 1, do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho («O dirigente do serviço tributário competente notificará o arguido do facto ou factos apurados no processo de contra-ordenação e da punição em que incorre, comunicando-lhe também que no prazo de 10 dias pode apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entender, bem como utilizar a possibilidade de pagamento antecipado da coima nos termos do artigo 75º ou ainda requerer, até à decisão do processo, o pagamento voluntário da coima nos termos do artigo 78º»).

Deste modo, a não indicação, na notificação ao arguido, dos meios de prova não viola a norma do artº 50º do DL nº 433/82 e, por isso, não integra qualquer nulidade.

Ainda que se devesse entender que essa norma impõe, na notificação aí pressuposta, a indicação dos meios de prova, nem assim ocorreria no caso a pretendida nulidade.”

Assim, e seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal a este respeito, carece de fundamento a invocação de nulidade por violação do direito de audição e de defesa do arguido.

2. A segunda situação vem referida no facto provado 6, mas a expressão constante do mesmo não cumpre as exigências do artigo 58º/nº 1 b) do RGCO na medida em que não identifica em que locais estão colocados os cartazes, o que constitui nulidade prevista no artigo 41º do RGCO e 374º/nº 1 a) do CPP.

Diz o seguinte, o contestado ponto da matéria de facto:

(…)

Como se vê, os cartazes estão perfeitamente identificados, não se verificando quanto a esta matéria qualquer nulidade, desde logo a invocada pelo recorrente com base no disposto no 374º/nº 1 a) do CPP.

Cremos que a indicação do preceito legal terá ficado a dever-se a um lapso, já que o mesmo estabelece que “sentença começa por um relatório, que contém:

a) As indicações tendentes à identificação do arguido;”

o que não tem aqui, claramente, aplicação.

Se o recorrente, porventura, se quis referir ao artigo 379º do CPP, que rege as nulidades da sentença, não temos dúvidas de que o mesmo será inaplicável ao caso dos autos uma vez que não tipifica como nulidade a falta de indicação do local onde se encontravam objetos utilizados para a prática do ilícito.

Com efeito, em clara divergência com o que aqui defende o recorrente, aquele preceito apenas comina com a nulidade a sentença “Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º”, ou seja, que não contenha a “(…) fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” e que não indique se a decisão condenatória ou absolutória;

3. A terceira situação consta dos factos provados 7 e 8, mas o Recorrente não ordenou a colocação dos outdoors em causa nem sabe quem os colocou.

São estes os factos aqui em causa:

(…)

Ora, para além destes factos, o Tribunal considerou igualmente provado, para além do mais, que:

(…)

Se é certo que o recorrente, no que toca às regras da impugnação especificada impostas pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, identificou os pontos de facto que considerou incorretamente julgados, também é verdade que não indicou as provas que, do seu ponto de vista, imporiam decisão diversa da recorrida.

Ora, como bem explica o Tribunal da Relação de Coimbra, (…).


*


A simples leitura da decisão recorrida demonstra como foi exaustiva a apreciação que o Tribunal de primeira instância fez da prova e deixa claros os motivos que levaram o Tribunal a fixar a matéria de facto do modo como o fez.

Pode ler-se, naquela decisão, o seguinte:

(…)


*


A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão aqui recorrida é, em nosso entender, absolutamente irrepreensível, sendo perfeitamente acessível ao cidadão comum a compreensão dos motivos em que se alicerça, pela simples razão de que nada nela ofende a natural capacidade humana de compreender a realidade e o encadeado lógico e coerente de factos que a compõem.

É também fácil, para o cidadão comum, a reconstituição do processo decisório do Tribunal a quo a partir da indicação que este faz das provas que serviram para formar a sua convicção e do exame crítico destas que deixa expresso na sentença recorrida.

Para impugnar o mérito da decisão, o recorrente reafirma, mais uma vez, a sua versão dos factos e procede a um reexame subjetivo da prova produzida para, finalmente, concluir que o Tribunal julgou mal a matéria de facto.

A sua argumentação assenta, exclusivamente, na simples afirmação de uma valoração diferente dos diversos elementos de prova que serviram ao Tribunal recorrido para formar a sua convicção.

No entanto, a operação lógico-dedutiva de fixação da realidade material/factual apenas é permitida ao Tribunal.

(…)

Não merece, pois, qualquer censura, a decisão recorrida, que não enferma de qualquer dos vícios que lhe aponta o recorrente e que aplica a pena mais adequada, justa e proporcional ao caso, pelo que é de confirmar.


*


Por todo o exposto, emitimos parecer no sentido de que deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

(…)»

5. Observado o contraditório, respondeu o arguido/condenado ao parecer do Ministério Público, em 3.12.2024, nos seguintes termos (transcrição parcial):

«(…) AA, Recorrente nos autos supra identificados, em face da notificação que antecede, vem dizer o seguinte:

1. No que concerne ao ponto II do parecer do Ministério Público impõe-se clarificar, desde logo, que não foi colocada em causa pelo Recorrente “a conduta da Senhora Procuradora da República”, mas apenas o seu entendimento de que poderia propor uma sanção, o que é bem diverso.

2. Nos tempos crispados que se vivem na sociedade em geral, incluindo no meio judicial, o Recorrente não pode deixar de referir que a apreciação discordante que fez foi do despacho que propôs a aplicação da sanção, e nunca da conduta de quem o proferiu.

3. Dito isto, cumpre-nos discordar da alegação de que inexiste norma legal que proíba o Ministério Público de propor uma sanção.

4. Na verdade, o artigo 203º/nº 3 da LEOAL é inequívoco quanto à competência atribuída ao Ministério Público, e que é a de instruir o processo: “Compete ao juiz da comarca, em processo instruído pelo Ministério Público, com recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a contra-ordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções”.

5. Partindo do princípio que o legislador soube exprimir o seu pensamento, se utilizou apenas a palavra “instruído” então temos de concluir que ao Ministério Público apenas cabe recolher prova, e nada mais.

6. O artigo 54º/nº 2 do RGCC assim o confirma, quando separa o momento da investigação e instrução do momento da decisão, pelo que se só foi atribuída ao Ministério Público a competência para a instrução então é só isto que pode fazer, e nada mais.

7. Sem competência atribuída, ocorre violação do princípio da legalidade e do disposto no artigo 219º/nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

8. Quanto ao desfecho do processo, nunca saberemos se a proposta do Ministério Público influenciou muito, pouco ou nada o Mmo. Juiz, mas a circunstância da decisão administrativa (ainda que proferida por Juiz) ser uma cópia quase integral da proposta não será coincidência, salvo se atuarmos num quadro de ingenuidade.

9. Por fim, reforça-se que o Recorrente nunca foi notificado da proposta do Ministério Público, apenas tendo sabido da sua existência com a notificação da decisão.

10. No que se reporta ao ponto III.3 do parecer o Recorrente manifesta o seu entendimento que não lhe são aplicáveis nesta fase as limitações constantes do artigo 78º do RGCC e do artigo 412º do CPP , porquanto a decisão recorrida deve ter-se por uma decisão administrativa, e não uma decisão judicial.

11. O Recorrente estruturou o seu recurso tendo presente o disposto no artigo 59º do RGCC, e por isso arrolou testemunhas para inquirição (algumas das quais nunca foram ouvidas) e requereu a prestação de declarações por parte do Recorrente perante Juiz.

12. Atuando o Juiz da Comarca como decisor administrativo, afigura-se-nos pacífico que o Recorrente tem absoluto direito a um julgamento perante autoridade judiciária, com todas as garantias e direitos que a lei lhe confere, pois até ao momento não teve tal oportunidade.

13. O Recorrente nunca foi ouvido por um Juiz e as testemunhas também não.

14. A decisão administrativa analisou os depoimentos escritos das testemunhas, que foram inquiridas sem a presença do mandatário do Recorrente.

15. O entendimento que o presente recurso corresponde a um recurso de sentença e não a um recurso de uma decisão administrativa violaria, salvo melhor opinião, o disposto no artigo 32º/nº 10 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que impediria o Recorrente do direito a um julgamento.

16. Tal entendimento colocaria ainda o Recorrente numa posição de ostensiva desigualdade perante os demais arguidos em processos contraordenacionais, que têm a possibilidade de ser ouvidos por um Juiz e produzir prova perante o mesmo, o que não foi permitido ao Recorrente.

17. Por isso é que se entende que neste caso particular o STJ funciona como Tribunal de 1ª instância.

(…)»

6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso

1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, as questões nele colocadas cingem-se:

a) à nulidade do procedimento e da decisão por violação do princípio da legalidade e do direito de audição e defesa decorrentes, nomeadamente, dos artigos 203º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.08, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (LEOAL), 50º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, que instituiu o Ilícito de mera ordenação social e respetivo processo (RGCO), e 32º, n.º 10 e 219º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) [conclusões 1ª a 4ª , 5º a 8ª e 9ª a 13ª e pontos 8 a 17 da resposta ao parecer do MP];

b) à nulidade da decisão por violação dos artigos 58º, n.º 1, al. b), do RGCO e 374º, n.º 1, al. a), do CPP, por não indicação dos factos provados e indicação das provas de suporte, bem assim como dos artigos 48º, 50º e 51º da CRP, por impor aos eleitos locais em exercício que pretendam recandidatar-se restrições não opostas aos outros candidatos [conclusões 5ª e 14ª a 20ª];

c) ao errado julgamento da matéria de facto assente sob pontos 4, 5, 7 e 8 da decisão impugnada e os relativos ao dolo (presumido) [conclusões 5ª, 9ª a 13ª e 21ª a 26ª].

III. Fundamentação

1. O conhecimento daquelas questões pela ordem enunciada, incluindo na primeira a da natureza e consequências processuais da decisão impugnada trazidas à discussão pelo recorrente nos pontos 10 a 17 da resposta ao parecer do Ministério Público, requer, desde logo, verificar e consignar as principais incidências processuais ocorridas até àquela decisão, além das constantes do relatório, e que foram:

a) Na sequência de exposições/denúncias anteriores às eleições autárquicas realizadas em 2021, dirigidas por alguns cidadãos do município de ... à Comissão Nacional de Eleições (CNE), esta entidade deu início aos procedimentos internos que entendeu pertinentes e cabíveis na sua competência, conforme artigos 1º, 5º e 7º da Lei n.º 71/78, de 27.12, instaurando 3 processos com os n.ºs ...;

b) No desenvolvimento desses processos, ouvido o Presidente da Câmara Municipal ..., que se pronunciou por emails de 24, 28 e 31.07.2021, a CNE, em deliberação de 26.8.2021, acolheu a proposta do respetivo gabinete jurídico, segundo a qual “(…) 33.Parece assim mostrar-se violada a proibição de publicidade institucional a que o Presidente da Câmara ... está sujeito durante o período eleitoral, não resultando demonstrada a necessidade pública grave e urgente de publicitação de conteúdos com caráter meramente informativo, única circunstância que poderia justificar a licitude da sua conduta.

V - PROPOSTA DE DELIBERAÇÃO

Assim, em face do que antecede, delibera-se:

a) Ordenar procedimento contraordenacional contra o Presidente da Câmara Municipal ..., por violação do disposto no n.º 4, do artigo 10.º, da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho;

b) Notificá-lo, no exercício da competência conferida pelo artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71/78, de 27 de dezembro, e no uso dos poderes consignados no artigo 7.º, n.º 1, da mesma Lei, para no prazo de 48 horas fazer cessar a reprodução dos vídeos promocionais em causa e promover a remoção ou a total ocultação dos outdoors supra identificados, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.° do Código Penal;

c) Advertir que se abstenha de, no futuro e até ao final do período eleitoral, realizar publicidade institucional proibida, independentemente dos meios ou suportes em que a faça, relativamente a quaisquer atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, sob pena de ser instaurado processo contraordenacional nos termos e para os efeitos do artigo 12.° da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho.

Da presente deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional, a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102.°-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.(,,,)”;

c) Posteriormente, por deliberação de 10.01.2023, com conhecimento ao referido Presidente da Câmara, determinou a remessa de certidão dos pertinentes elementos processuais ao Ministério Público da Procuradoria da República ..., para apuramento de eventual contraordenação p. e p. pelo artigo 10º, n.ºs 1 e 4, e 12º daquela Lei n.º 72-A/2015, para cuja instrução o mesmo seria o competente, nos termos do artigo 203º, n.º 3, da LEOAL, competindo ao juiz da comarca de ... a aplicação de coima a que eventualmente houvesse lugar;

d) O expediente foi remetido ao Ministério Público, acompanhado do ofício n.º S-CNE/..., de 25.1.2023, com base no qual foi registado e autuado, na 1ª Secção do DIAP daquela Procuradoria, em 16.02.2023 (referência n.º .......90), o processo de contraordenação n.º 1315/23.5..., cuja tramitação decorreu sob a direção da procuradora da República titular, coadjuvada por oficial de justiça;

e) Após mandar averiguar a existência de eventuais processos de inquérito em que o mesmo Presidente da Câmara ... fosse denunciado, suspeito ou arguido, e da consulta e devolução de um assim identificado, por nenhuma conexão se verificar com o procedimento contraordenacional, em 30.03.2023, aquela magistrada proferiu o seguinte despacho (referência .......72):

«(…)

Atendendo ao disposto no artigo 50.º do DL n.º 433/82 de 27 de Outubro, notifique o arguido HH, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ... para, no prazo de 30 dias, querendo, vir aos autos pronunciar-se sobre a contra-ordenação que lhe é imputada, p. e p. pelo artigo 10.º, n.º 4 da Lei n.º 72-A/2015 de 23 de Julho, conforme relatório de fls. 308 a 313, cuja cópia deverá remeter para melhor esclarecimento. Mais dê conta que os autos foram remetidos para instrução ao Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 203.º, n.º 3 da LEOAL.

(…)»

f) O qual foi cumprido por via postal registada, com A/R (ofício de 31.03.2023 com a referência .......79), efetivamente recebido pelo destinatário em 3.04.2023 (referência ......20), que se pronunciou por requerimento enviado a coberto de email de 3.05.2023, registado na Procuradoria em 8.05.2023 (referências ......61 e ......23), reiterando o que já transmitira à CNE e indicando 4 testemunhas para inquirição pelo Ministério Público;

g) Seguiram-se vários despachos a ordenar a notificação e inquirição por oficial de justiça das testemunhas indicadas e dos denunciantes identificados, bem como a solicitar à Câmara Municipal ... elementos documentais e videográficos tidos por necessários para a cabal instrução do procedimento, que culminou com o despacho de 11.07.2024 (referência .......76), a requerer ao juiz da comarca de ... a aplicação ao arguido de uma coima, com base na matéria de facto que condensou em 19 pontos, incluindo o elemento subjetivo do tipo contraordenacional imputado, nessa sequência, procedendo, de seguida à análise jurídica dos mesmos e da sanção aplicável, que rematou com a indicação concreta da respetiva medida, que situou no mínimo legalmente previsto de € 15.000,00;

h) Despacho/requerimento notificado à CNE (referência .......46) e à hierarquia imediata da magistrada subscritora, mas de que não foi dado conhecimento ao arguido HH, Presidente da Câmara Municipal ...;

i) Seguiu-se a remessa do processo ao JLCBRG, no qual foi distribuído ao J 1, que, sem realização de qualquer outra diligência, em termo de conclusão de 12.09.2024 (referência .......74), proferiu a decisão condenatória impugnada, em ........2024 (referência .......91), notificada ao mandatário do arguido, por via eletrónica, no dia 24.09.2024 (referência .......97), presumidamente efetuada em 27.09.2024 (cfr. artigo 113º, n.ºs 10 a 12 do CPP, aplicável ex vi do artigo 41º do RGCO), e ao próprio arguido, em 25.09.2024 (referência .......62), por via postal registada, presumida e efetivamente efetuada em 30.09.2024 (referência ......79 e artigo 113º, n.º 2, do CPP);

j) Tendo dela sido interposto o recurso sub judice, em 10.10.2024 (email com a referência ......96)

2. Avancemos para a apreciação das questões antes enunciadas e que delimitam o objeto do recurso, pela ordem de precedência indicada.

2. 1. Nulidade do procedimento e da decisão por violação do princípio da legalidade e do direito de audição e defesa decorrentes, nomeadamente, dos artigos 203º, n.º 3, da LEOAL, 50º do RGCO, e 32º, n.º 10, e 219º, n.º 1, da CRP.

Nas conclusões 1ª a 4ª , 5º a 8ª e 9ª a 13ª e nos pontos 8 a 17 da resposta ao parecer do Ministério Público, o recorrente suscita duas questões que se entrelaçam e de cuja apreciação e decisão podem resultar consequências anulatórias do procedimento prejudiciais das duas restantes questões enunciadas, a saber:

a) O excesso de pronúncia do Ministério Público, ao encerrar a instrução do processo com o requerimento de aplicação de coima referenciado nas alíneas g) e h) das incidências processuais consignadas no ponto anterior, em violação dos artigos 203º, n.º 3, da LEOAL e 219º da CRP, e consequente nulidade do procedimento e da decisão impugnada;

b) O desrespeito pelo seu direito de audiência e defesa, quanto a parte dos factos que lhe foram imputados pelo Ministério Público no referido requerimento e pelos quais foi condenado, em violação do disposto nos artigos 50º do RGCO e 32º, n.º 10, da CRP, com igual consequência invalidante do procedimento e da decisão impugnada.

Vejamos se lhe assiste razão e, em caso afirmativo, quais as respetivas consequências.

2. 1. 1. Quanto ao excesso de pronúncia do Ministério Público

Diz o recorrente que o Ministério Público, ao encerrar a instrução do processo contraordenacional aberto com base na participação da CNE com a elaboração de uma proposta de aplicação de coima, exorbitou os poderes que lhe são conferidos pelos artigos 203º, n.º 3, da LEOAL e 219º da CRP.

Dessa alegação resulta desde logo evidente que no recurso não se questiona a aplicação subsidiária ao caso em apreço do RGCO, tanto assim que na motivação se convoca expressamente, em abono de tal entendimento, o seu artigo 41º, que estabelece a aplicação subsidiária do processo penal ao processo de contraordenação.

Sendo assim, considerando que o regime setorial especial de ilícito de mera ordenação social consagrado nos artigos 203º e ss. da LEOAL se limita a definir os respetivos tipos contraordenacionais, ainda que, atualmente, em conjugação com a Lei n.º 72-A/2015, de 23.07, e as entidades competentes para a instrução e decisão sobre aplicação das coimas correspondentes, aquele regime geral é aqui aplicável em tudo o mais respeitante ao procedimento, em termos adjetivos e substantivos, incluindo, nos casos omissos, a aplicação subsidiária do direito penal e processual penal, para que remetem os seus artigos 32º e 41º, respetivamente.

A esta luz, analisemos, pois, se o Ministério Público extravasou a competência de que está incumbido pelo n.º 3 do artigo 203º da LEOAL, segundo o qual “Compete ao juiz da comarca, em processo instruído pelo Ministério Público, com recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a contra-ordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções”.

O confronto da norma transcrita com as dos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito, suscita de imediato uma interrogação: o que justificou e/ou se pretendeu com a atribuição ao Ministério Público da competência para instruir os processos em que esteja em causa apurar o cometimento de uma contraordenação cometida por eleito local em exercício de funções e ao juiz da comarca a de aplicar a coima correspondente, afastando do procedimento qualquer intervenção de entidades administrativas, nomeadamente da CNE e dos Presidentes de Câmara, a quem atribui essas competências nas situações previstas naquelas, com recurso direto das decisões da CNE e do juiz da comarca para a secção criminal do STJ, e impugnação judicial das decisões dos Presidentes de Câmara para o tribunal de 1ª instância, nos termos dos artigo 59º a 61º do RGCO?

Pois bem, à semelhança do que o próprio recorrente avança e resulta, pelo menos indiretamente, dos trabalhos preparatórios e dos pareceres das Comissões Parlamentares intervenientes no processo legislativo que conduziu à aprovação da LEOAL, acessíveis em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei-organica/1-2001-5240392, afigura-se-nos que a razão de ser de tais diferenças regulatórias encontra suporte no reconhecimento da importância fulcral do poder local na concretização e sedimentação da organização e funcionamento do Estado de Direito Democrático em que assenta a República Portuguesa, nos termos do artigo 2º da CRP, aí ganhando especial relevo o posicionamento e atuação dos titulares dos respetivos órgãos, eleitos por sufrágio direto e universal, à escala territorial correspondente.

Só, assim, na verdade, ganham sentido as assinaladas diferenças, das quais, sob pena de inutilidade, importa retirar as devidas consequências, que, salvo o devido respeito, não apontam no sentido sufragado pelo recorrente.

Com efeito, segundo este, a consequência a retirar das assinaladas diferenças, seria a “administrativização do poder judicial”, o que, bem vistas as coisas, redundaria numa flagrante contradição com a sua referida justificação e violação dos princípios constitucionais da independência dos tribunais e da imparcialidade que lhe está subjacente e da própria natureza do Ministério Público, enquanto entidade integrada no poder judicial com funções de promoção e defesa da legalidade democrática, orientadas pelos princípios da objetividade e da legalidade estrita, em conformidade com os artigos 202º a 220º da CRP e as pertinentes normas da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, e EMP, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27.08.

Por razões de coerência com a justificação de tais diferenças e de respeito pelos referidos princípios constitucionais e legais que orientam e a que se subordina toda a atividade judicial, a ilação a retirar é precisamente a inversa, é dizer, a da “judicialização ab initio e ope legis” do procedimento contraordenacional nas situações previstas no n.º 3 do artigo 203º da LEOAL, ou seja, quando alguma das contraordenações nele previstas seja imputável a um eleito local em exercício de funções, fica completamente arredada a intervenção de qualquer autoridade administrativa, salvo quanto ao dever geral de todas as autoridades de denúncia ao Ministério Público de factos suscetíveis de constituir infração contraordenacional daquela natureza, como decorre do princípio da legalidade a que a atividade da administração em geral também está subordinada, nos termos do artigo 266º da CRP e, com as necessárias adaptações, da conjugação dos artigos 48º do RGCO e 242º e ss do CPP, na medida em que o ilícito de mera ordenação social participa do direito sancionatório público de exercício oficioso, sem necessidade, portanto, mas não excludente do impulso dos particulares.

Isso mesmo, de resto e por mera casualidade, aqui sucedeu, pois o procedimento resultou de participação da CNE fundada em denúncias que lhe foram dirigidas por cidadãos, as quais, no entanto, podiam ter sido remetidas diretamente ao Ministério Público, o qual deveria, como fez com aquela participação, analisá-las e proceder em conformidade com a respetiva apreciação, instaurando processo de inquérito ou de contraordenação, consoante concluísse pela suscetibilidade de se estar na presença de ilícito criminal e contraordenacional ou apenas contraordenacional, abstendo-se de o instaurar se nenhuma dessas hipóteses ocorresse, por atipicidade.

E desta “judicialização ab initio e ope legis” do procedimento contraordenacional em apreço resultam necessariamente consequências, substantivas e formais, que o diferenciam profundamente do procedimento instituído para as situações previstas nos números 1 e 2 do artigo 203º da LEOAL, nomeadamente quanto ao posicionamento e poderes de intervenção do Ministério Público e ao desenvolvimento das fases do julgamento e do recurso, como adiante se verá.

Não que ao Ministério Público falecesse competência para rematar a instrução com um relatório analítico dos factos apurados, sua subsunção jurídica e indicação do sentido decisório proposto, como é próprio e inerente a qualquer relatório com que se encerre uma fase instrutória destinada à recolha de informação factual e dos elementos necessários à sua demonstração relativos a qualquer assunto a apreciar e decidir, que de pouco serviriam se o instrutor se limitasse à sua recolha e guarda em dossiê a apresentar à entidade competente para a decisão sem aquele elemento informativo e preparatório desta.

Trata-se, como é bom de ver de uma forma perfeitamente normal e mesmo recomendável como boa prática de encerrar a instrução de qualquer processo, como evidenciam os lugares paralelos dos processos disciplinares e criminais e, mesmo fora do âmbito sancionatório, nas auditorias e outras formas de recolha e análise de elementos necessários à tomada de decisão pelos responsáveis das organizações, sem que daí possa extrair-se qualquer vislumbre de violação do princípio da legalidade, por excesso de pronúncia, conforme defendido pelo recorrente.

Todavia, é um facto que o papel do Ministério Público no âmbito do processo contraordenacional tem constituído, desde a instituição do ilícito de mera ordenação social até aos nossos dias, questão controversa e controvertida, na doutrina e na jurisprudência, em particular quanto à sua intervenção na sequencia do envio dos autos pela autoridade administrativa, nos termos do artigo 62º, n.º 1, do RGCO, controvérsia que se foi adensando com a proliferação de regimes contraordenacionais setoriais, que, ainda que sob diferentes formulações, reproduzem a mesma prescrição no sentido de que “Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação3.

Se para uns, a intervenção do Ministério Público teria como objetivo apenas a introdução do caso em juízo, assim assegurando formalmente a estrutura acusatória do procedimento, também válida neste domínio, para outros, que recusavam esse papel de mero “núncio da administração” ou de “entreposto postal do tribunal”, cabia-lhe, rectius, impunha-se-lhe uma atitude crítica perante o expediente recebido da entidade administrativa, sob o prisma formal e substancial, incluindo poderes de arquivamento do processo e/ou da sua devolução para reparação de deficiências formais e/ou de omissões na instrução do processo com repetição e/ou realização de novas diligências de prova necessárias ao cabal esclarecimento dos factos e da sua relevância contraordenacional, entre as quais se intrometeu uma terceira corrente que, recusando a primeira, admitia a segunda, mas limitando os poderes do Ministério Público a situações de suprimento de vícios formais passíveis de gerar a nulidade sanável do procedimento ou a casos extremos de impossibilidade de exercício da ação contraordenacional, nomeadamente por extinção do procedimento ou da responsabilidade.

Divergências a que, no foro interno do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República pôs cobro mediante a emissão da Diretiva n.º 4/20214, a qual mereceu o aplauso e adesão de parte da doutrina e o repúdio de outra parte5.

À luz desta Diretiva, o mínimo que se pode dizer da atuação do Ministério Público no caso em apreço é que ela decorreu em escrupulosa obediência à mesma, como se impunha, considerando o disposto nos artigos 219º, n.º 4, e 220º da CRP, e 3º, n.º 2, 12º, al. a), 13º, al. a), 14º, n.º 1, al. a), 15º, n.º 1, 16º, n.º 1, al. c), 17º, 19º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. b), 94º, 97º e 100º, n.ºs 3, 4, 6, al. b), e 7, do EMP.

E, bem vistas as coisas, ressalvada a pertinência de algumas das críticas que lhe são dirigidas por António Leones Dantas na obra e local citados, principalmente quando analisadas à luz do procedimento contraordenacional regulado pelo RGCO, que podemos erigir como referencial comum, a orientação perfilhada e imposta ao Ministério Público pela Diretiva n.º 4/2021, cobra no caso em apreço todo o sentido.

Efetivamente, a ausência de qualquer fase e decisão administrativa prévias que, mesmo sem lhe atribuir uma função delimitadora e vinculante do objeto do processo na fase judicial iniciada com o envio dos autos ao Ministério Público e a sua apresentação por este ao juiz, que sempre preservaria alguma margem de conformação desse objeto, sem prejuízo do princípio da proibição da “reformatio in pejus”, como resulta dos artigos 63º a 72º do RGCO, torna patente a necessidade de completar o procedimento setorial e especial instituído pela LEOAL com o procedimento comum e a adaptação deste àquela realidade, condensada no que acima designámos por “judicialização ab initio e ope legis”, por recurso aos lugares paralelos do CPP, do qual se aproxima, particularmente no que ao papel do Ministério Público concerne, mas também quanto ao reforço das garantias de defesa dos arguidos e à natureza e poderes de intervenção do STJ em sede de recurso que da decisão judicial a proferir venha a ser interposto.

Essa judicialização do procedimento torna efetivamente a intervenção do Ministério Público mais próxima do papel que lhe está reservado no inquérito criminal, cuja investigação dirige e encerra com despacho de arquivamento ou de acusação, nos termos dos artigos 277º e 283º do CPP, como aqui poderia acontecer, ainda que, por respeito ao direito fundamental de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva” consagrado no artigo 20º da CRP, se possa conceder que qualquer dessas decisões ou equivalente seria necessariamente escrutinada pelo juiz, a quem o processo seria sempre apresentado para apreciação e decisão e não apenas em caso de “acusação”/requerimento para aplicação de coima, como o teor literal do artigo 203º, n.º 3, da LEOAL parece admitir.

Em suma, no caso que nos ocupa, à falta de fase administrativa prévia, ao Ministério Público cabia apreciar os elementos que lhe foram remetidos pela CNE no sentido de verificar se dos mesmos resultava ou não alguma suspeita fundada da prática de infração contraordenacional, como fez e concluiu, por isso determinando a abertura do correspondente procedimento.

Procedeu, depois, à notificação do recorrente, considerando-o desde logo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 50º do RGCO, a que se seguiu a realização das diligências de prova que entendeu pertinentes para apuramento dos factos participados e da sua eventual relevância contraordenacional, incluindo a inquirição das testemunhas por aquele indicadas em resposta àquela notificação.

E, quando deu por ultimada a produção de prova, por ter considerado os factos apurados, que enumerou, integrantes de uma infração contraordenacional, formulou uma proposta de aplicação de coima, factual e juridicamente fundada, em tudo semelhante ao despacho de acusação previsto no artigo 283º do CPP, que submeteu ao escrutínio judicial, nos termos e para os efeitos dos artigos 62º, parte final, e ss. do RGCO.

Note-se que, caso a conclusão tivesse sido a da não verificação de qualquer ilícito ou da extinção do procedimento ou da responsabilidade contraordenacional, a proposta do Ministério Público teria ou deveria ser no sentido do arquivamento dos autos, nos termos do artigo 277º, do CPP, sem embargo de, como acima referido, o processo dever, ainda aí, ser submetido à apreciação e decisão judicial, nos termos e para os efeitos dos artigos 63º e 64º do RGCO, com equivalência aos artigos 311º, 311º-A e 311º-B do CPP.

Mas, tendo sido naquele primeiro sentido, impunha-se ao juiz que conduzisse o processo em conformidade com os ditames dos artigos 63º e ss, à semelhança do que sucederia no processo penal, nos termos dos artigos 311º e ss. do CPP, estando-lhe vedado decidir o caso, condenando o arguido, por simples despacho, sem a sua prévia audição sobre o teor da proposta de aplicação de coima/”acusação” formulada pelo Ministério Público e sem lhe dar oportunidade de se pronunciar sobre a oposição ou não à decisão por simples despacho, ou seja, sem realização de audiência, o que, antecipando a questão seguinte, pode constituir vício invalidante do procedimento.

Em suma, em linha com o entendimento perfilhado pelo recorrente, o juiz assumiu-se como “substituto” da autoridade administrativa que a lei intencionalmente afastou deste específico procedimento setorial, em vez de assumir a veste de que não pode abdicar, qual seja a de titular do poder jurisdicional de dizer e aplicar o direito ao caso que lhe foi submetido, sem prejuízo do recurso para tribunal superior a que haja lugar.

Recurso que, como antes referido e em função daquela veste jurisdicional a assumir pelo juiz da comarca, ganha aqui também diferentes contornos da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa prevista nos artigos 59º e ss. do RGCO, antes devendo ser interpretado e processado nos termos previstos nos artigos 73º e ss. do mesmo regime geral, com a nuance decorrente da expressa referência à secção criminal do STJ como instância judicial competente para dele conhecer, sem, contudo, poder daí extrair-se a ideia de que, neste caso, o Supremo Tribunal poderá conhecer de facto e de direito, diferentemente do que se admite no procedimento comum, em que o recurso para a Relação da sentença ou despacho judicial proferidos em impugnação judicial de decisão da autoridade administrativa é limitado à matéria de direito, nos termos do artigo 75º do mesmo RGCO.

Com efeito, diferentemente do que sucede no recurso para a secção criminal do STJ de decisão da CNE proferida nas situações previstas no artigo 203º, n.º 1, da LEOAL, em que o próprio Supremo tem vindo a assumir-se como instância de recurso equivalente ao tribunal de comarca para a impugnação judicial das decisões administrativas, nos termos dos artigos 59º e ss. do RGCO e 210º, n.º 5, da CRP6, no caso sub judice, por força da repetidamente afirmada “judicialização ab initio e ope legis” do procedimento, não colhe qualquer justificação ou sentido garantir uma dupla apreciação jurisdicional da matéria de facto, a qual, tendo sido apreciada e fixada por um tribunal de primeira instância, se afigura bastante para cumprimento do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva suprarreferido, mantendo-se o STJ, à semelhança do que sucede com a Relação no procedimento comum, como tribunal de revista com poderes de cognição limitados à matéria de direito, como decorre daquele artigo 75º e dos artigos 432º a 434º do CPP, aliás, em termos idênticos ao que sucede nos recurso diretos para o STJ dos acórdãos proferidos por tribunal de júri ou coletivo, nos termos do seu artigo 432º, n.ºs 1, al. c), e 2, donde resulta também a insustentabilidade de aí se realizar audiência de julgamento com produção de prova, como pede o recorrente, ainda que se concedesse a possibilidade da sua realização nos termos estipulados no artigo 411º, n.º 5, do mesmo diploma legal

Deve, pois, concluir-se que a intervenção do Ministério Público no caso em apreço se conformou com as regras legais e constitucionais aplicáveis, não incorrendo em excesso de pronúncia invalidante do procedimento e da decisão recorrida.

Termos em que improcede este primeiro segmento da pretensão recursória apreciada.

2. 1. 2. Quanto ao desrespeito pelo direito de audiência e defesa

O recorrente alega ainda que foi desrespeitado o seu direito de audiência e defesa, pelo menos quanto a parte dos factos que lhe foram imputados pelo Ministério Público no requerimento para aplicação de coima e pelos quais foi condenado, em violação do disposto nos artigos 50º do RGCO e 32º, n.º 10, da CRP, com igual consequência invalidante do procedimento e da decisão impugnada.

Considerando o disposto no artigo 32º, n.º 10, da CRP, ninguém questiona a aplicação das garantias do processo criminal estabelecidas nesse preceito no âmbito do ilícito de mera ordenação social, com as adaptações necessárias a assegurar aos arguidos os direitos de audiência e defesa, como “simples irradiação para esse domínio sancionatório dos requisitos constitutivos do Estado de direito Democrático7.

A concretização legal desses direitos mostra-se assegurada pelo artigo 50º do RGCO e em normas equivalentes de alguns regimes setoriais, nos termos e com a amplitude que vêm sendo definidos pelo Tribunal Constitucional (TC), nomeadamente no Acórdão n.º 99/2009, tirado em Plenário do dia 3 de março de 2009, acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090099.html, também citado por Paulo Pinto de Albuquerque in ob. e loc. cit., no qual, entre o mais, se consignou a este propósito:

«(…) No plano processual, em especial no que concerne às garantias de defesa, a indagação dos elementos de aproximação e de demarcação entre o direito contra-ordenacional e o direito penal cruza o plano do relacionamento de um e de outro com a ordem constitucional, remetendo directamente para a consideração do artigo 32º, n.º10, da CRP.

Conforme salientado já por este Tribunal, a norma do artigo 32º, n.º10, da CRP - introduzida pela revisão constitucional de 1989 quanto aos processos de contra-ordenação e alargada pela revisão de 1997 a quaisquer processos sancionatórios - implica a inviabilidade constitucional da aplicação de qualquer tipo de sanção, contra‑ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender‑se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), reagindo contra uma acusação prévia, apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Ac. n.º659/06 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra, 2005, p. 363).

(…)

Da modelação constitucional do processo contra-ordenacional extraem-se, portanto, duas ideias de sentido aparentemente oposto mas complementar: a de que o processo contra-ordenacional, como sancionatório que é, se encontra subordinado ao reconhecimento de um conjunto de garantias que o aproximam do processo penal; e a de que tais garantias não são equivalentes ou equiparáveis às garantias asseguradas no âmbito do processo criminal, designadamente em termos de viabilizar a conversão daquela aproximação numa sobreposição integral de regimes.

Tal entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência constitucional.

(…)

Conforme vem sendo igualmente afirmado, a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contra‑ordenacional e processo criminal é, contudo, conciliável com “a necessidade de serem observados determinados princípios comuns […], sendo que porventura, um desses princípios, comuns a todos os processos sancionatórios […] será, desde logo, por directa imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inseridos num desenvolvimento processual em que o princípio do contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da actuação dos poderes públicos” (Acórdão n.º469/97).

As garantias constitucionalmente impostas no âmbito do processo contra-ordenacional corresponderão, assim, a um standard representativo e concretizador dos limites constitucionais ao exercício do poder estadual sancionatório, às quais não é por isso possível opor argumentos relacionados com a projecção processual da diferente natureza dos ilícitos em causa ou da menor ressonância ética e consequencial do ilícito de mera ordenação social.

No epicentro de tais garantias encontrar-se-ão, assim, os direitos de defesa e de audiência correlativa assegurados no artigo 32º, n.º10, da CRP, e concretizados, para o processo contra-ordenacional, no artigo 50º do RGCO.

Sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido”, estabelece-se aí que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

Esta redacção do artigo 50º, introduzida pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, veio enfatizar e incrementar o direito de audição e de defesa do arguido de modo a assegurar-lhe a faculdade de pronunciar-se sobre a contra-ordenação imputada e a sanção correspondente, atribuindo-lhe um alcance superior ao que resultava da primitiva versão do preceito (aprovada pelo DL n.º433/82 e mantida pelo DL n.º356/89) que se limitava a assegurar ao arguido “a possibilidade de se pronunciar sobre o caso”.

(…)

Dos direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32º, n.º10, da CRP, e densificados no artigo 50º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo contra-ordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contra-ordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objectiva e subjectiva, da acção ou omissão de cuja imputação se trate.

Na fórmula utilizada pelo Assento n.º1/2003 do STJ (DR 21 SÉRIE I-A, de 2003-01-25), os direitos de defesa e audiência assegurados no âmbito do processo contra-ordenacional implicarão, em síntese, que ao arguido seja dada previamente a conhecer “a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”.

(…)».

Como se consignou nas incidências processuais relevantes, no caso em apreço, o Ministério Público mandou notificar o arguido logo após a abertura do procedimento, com cópia da participação recebida da CNE, para, em determinado prazo, se pronunciar sobre o conteúdo daquela e, querendo, indicar prova a produzir na fase de instrução que correu sob a sua direção.

Porém, como também já antes se disse, tal participação foi justificada pela mera probabilidade de os factos denunciados à CNE por alguns cidadãos poderem integrar uma infração ao artigo 10º da Lei n.º 72-A/2015, de 23.07, punível com a coima variável prevista no artigo 12º, n.º 1, não contendo a imputação sequencial e circunstanciada dos elementos típicos, objetivos e subjetivos, dessa infração, os quais só ficaram cabalmente apurados com a posterior produção de prova durante a instrução e condensados naqueles termos na proposta de aplicação de coima com a qual o Ministério Público encerrou essa fase, mandando apresentar os autos ao juiz da comarca para apreciação e decisão de tal proposta, da qual o arguido só teve conhecimento com a notificação da decisão condenatória objeto do presente recurso, proferida sem que lhe tivesse sido dada a oportunidade de exercer o direito de audiência e defesa, em manifesto incumprimento do artigo 50º do RGC interpretado nos termos expostos no parcialmente transcrito acórdão do TC, a que se adere e aqui acolhe.

No mesmo sentido se pronuncia António Leones Dantas, a pp. 105 e 106, in ob. cit., quando escreve “em muitos casos a lei expressamente permite a passagem ao contraditório e à notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º do Regime Geral, quando se esteja perante uma notícia que resulte de um auto de notícia.

(…).

Importa, contudo, ter presente que a abertura ao contraditório pressupõe o esclarecimento de um quadro factual que preencha uma concreta contraordenação, e que, sempre que esse quadro factual não decorra, nomeadamente, de um auto de notícia, para ouvir o visado sobre os factos que lhe são imputados, esses factos terão de ser concretizados pela entidade que dirige a instrução do processo”.

Cumpre, pois, reconhecer o incumprimento, no caso em apreço, do disposto no artigo 50º do RGCO, em prejuízo dos direitos de audição e defesa consagrados no artigo 32º, n.º 10, da CRP, nos termos e com a amplitude material antes referidos, o que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência constitui nulidade do procedimento, embora sem consenso quanto à respetiva natureza: insanável ou absoluta e de conhecimento oficioso a todo o tempo, para uns, nos termos do artigo 119º, al. c), do CPP; sanável ou relativa e de conhecimento dependente de arguição em determinado prazo, para outros, nos termos do artigo 120º, n.ºs 1, 2, al. d), e 3, controvérsia de que Paulo Pinto de Albuquerque dá conta em exaustiva resenha constante da anotação àquele preceito, no seu “Comentário”.

Contudo, não se mostrando relevante no caso a verdadeira natureza de tal nulidade, uma vez que foi tempestivamente arguida pelo recorrente na sua peça recursiva, como resulta das incidências processuais acima consignadas, importa verificar quais as consequências decorrentes da sua declaração.

Ora, conforme estabelece o artigo 122º, n.º 1, do CPP, “as nulidades tornam inválido o ato em que se verificaram, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar”, impondo o n.º 2 que “a declaração da nulidade determina os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, (…)”, e o n.º 3 que “ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela”.

A nulidade referida verificou-se relativamente cumprimento do disposto pelo artigo 50º do RGCO, seja porque a notificação efetuada nesse sentido no início do procedimento foi prematura e, por isso, insuscetível de assegurar as garantias de audição e defesa nele contempladas, à luz do artigo 32º, n.º 10, da CRP, seja porque foi omitida depois de finda a instrução e formulada pelo Ministério Público a proposta de aplicação de coima, de que deriva igualmente a nulidade da decisão condenatória proferida.

Daí decorre que os atos nulos e a repetir sejam precisamente a notificação ao arguido dessa proposta, a determinar pelo juiz, nos termos e para os efeitos do artigo 50º do RGCO, em despacho a proferir nos termos dos artigos 63º e 64º do mesmo Regime, e a decisão condenatória, que deverá ser substituída por outra a proferir, em simples despacho ou após realização da audiência, consoante as circunstâncias previstas nos artigos 63º a 72º daquele Regime Geral


*


2. 2. A procedência e consequente declaração da referida nulidade, prejudica o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

a) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, reconhecer e declarar a nulidade da decisão recorrida, decorrente da invalidade, por prematuridade e omissão, da notificação do recorrente nos termos e para os efeitos do artigo 50º do RGCO, e determinar a sua revogação e a sua substituição por decisão que determine aquela notificação e o prosseguimento do processo nos termos explicitados;

b) Considerar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

c) Sem custas (cfr. artigo 513º, n.º 1, do CPP).

Lisboa, d. s. c.

(Processado pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos subscritores)

João Rato (relator)

Jorge dos Reis Bravo (1º adjunto)

Agostinho Torres (2º adjunto)

__________


1. Cfr. artigo 59º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, que estabelece o regime geral do ilícito de mera ordenação social e respetivo processo (RGCO) e 412º do Código de Processo Penal (CPP), aqui aplicável ex vi do artigo 41º daquele regime, e, na doutrina e jurisprudência, as correspondentes anotações de Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado, de António Henriques Gaspar et al., 3ª Edição Revista, Almedina, 2021.

 Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.

  Sobre o conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, do CPP, mantém-se válida a jurisprudência fixada no AFJ do STJ n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR, n.º 298, Série IA, de 28.12.1995.

2. Ver também “LEOAL - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (anotada e comentada - 1993)”, de João Franco, João Paulo Zbyszewski, Jorge Miguéis e Maria Fátima A. Mendes, acessível em https://www.cne.pt/publica%C3%A7%C3%A3o/leoal-lei-eleitoral-dos-orgaos-das-autarquias-locais-anotada-e-comentada-1993.

  E J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação aos artigos 2º e 235º e ss. da “Constituição da República Portuguesa – Anotada”, volume II, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2010

3. Sobre a questão e as diferentes posições que sobre ela vêm sendo defendidas na doutrina e na jurisprudência, pode ver-se, por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação a artigo 62º no “Comentário do Regime Geral das Contraordenações à luz da Constituição da República, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia”, 2ª Edição, UCP Editora, 2022.

4. Publicada no DR, 2ª Série, de 12.10.2021

5. Entre os aderentes conta-se Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. e loc. cit., e outros aí mencionados, a par daqueles que não se reveem na Diretiva antes se perfilando como seus críticos, entre os quais se destaca o Conselheiro António Leones Dantas, conforme resulta de pp. 206 a 225, do seu “Direito Processual das Contraordenações”, Almedina, 2023.

6. Ver, entre outros, os acórdãos de 11.06.2003, proferido no processo n.º 02P3090, relatado pelo Conselheiro Armando Leandro, de 21.12.2006 e 6.11.2008, proferidos nos processos n.ºs 06P3201 e 08P2804, relatados pelo Conselheiro Rodrigues da Costa, de 27.04.2006, proferido no processo n.º 06P356, relatado pelo Conselheiro Sousa Fonte, de 9.03.2006, proferido no processo n.º 06P458, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, de 6.02.2003, proferido no processo n.º 03P142, relatado pelo Conselheiro Simas Santos , de 9.12.2010, proferido no processo n.º 156/10.4YFLSB, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, e de 15.11.2012, proferido no processo n.º 91/12.YFLSB.S2, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, todos disponíveis em https://www.dgsi.pt/jstjs.nsf/.

7. No dizer de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 32º da CRP, in ob. e loc. cit.