1 – A aplicação da medida de promoção e proteção traduzida na confiança do menor com vista a futura adoção pressupõe, sempre, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, o qual é aferível pela ocorrência, em cada caso, de alguma das situações plasmadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil.
2 – No caso, em que está provado que a mãe da criança é preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina, telefona todos os dias para a instituição para saber como está a filha e cumpre o regime de visitas fixado, tem evoluído na forma como acode às necessidades básicas da filha e que a menina reconhece-a como mãe, não se pode concluir pela inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos da filiação entre mãe e filha, não ocorrendo nenhum dos casos elencados nas alíneas do referido nº 1 do artigo 1978.º e nomeadamente a prevista na alínea d).
(Sumário da Relatora)
Em face do exposto, cumpre proceder à eliminação do enunciado em questão (que não constará, portanto, quer do elenco dos factos provados quer do elenco dos factos não provados).
Factos provados n.ºs 18 e 19
Estes enunciados constantes do elenco dos factos julgados provados têm o seguinte teor:
«18) No dia 23 de janeiro, a mãe da menina saiu da instituição pelas 15:00 e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro»;
«19) Durante esse período não comunicou onde se encontrava ou procurou saber como estava a sua filha».
A apelante defende que o documento que consiste numa declaração emitida pelo Centro Hospitalar Universitário de São João e respeitante a um episódio de urgência da progenitora da (…) no dia 23.01.2023, o qual foi junto aos autos em sede de debate judicial, comprova a entrada e permanência da recorrente nos serviços de urgência no período em questão, pelo que deverá ser acrescentado ao ponto n.º 18 dos factos provados que «nesse período de tempo a mãe permaneceu nas urgências daquele hospital»; aduz ainda que resulta quer das declarações da progenitora da (…) quer do depoimento da testemunha (…) que a recorrente “saiu dizendo para onde ia”.
A apelante conclui, assim, que a redação dos factos provados n.ºs 18 e 19 deve passar a ser a seguinte:
«No dia 23 de janeiro a mãe da menina informou a instituição de que ia ao hospital, saiu pelas 15:00 e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro e durante esse período não contactou a casa».
O documento acima referido emitido pelo Centro Hospitalar Universitário de São João não foi impugnado quanto à sua genuinidade e teor. Assim, atentos o teor do referido documento, conjugado com o depoimento da testemunha (…), que efetivamente declarou que a mãe disse, ao sair, que ia ao hospital, deverão os pontos de facto em apreço passar a ter a seguinte redação:
«18) No dia 23 de janeiro, a mãe da menina saiu da instituição pelas 15:00, informando que ia ao hospital, e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro»;
«19) Durante o período acima referido a mãe da (…) esteve nas urgências do hospital e não contactou a casa».
A - «Quando ingressou na CAV (…), na (…), a mãe da criança tomava medicação antidepressiva e foi admitida a possibilidade de se encontrar a viver com uma depressão pós-parto e teve acompanhamento psicológico».
Para fundamentar este aditamento a apelante invoca os depoimentos de … e de … (psicóloga clínica que exercia funções no CAV da …) prestados em sede de debate judicial, dizendo resultar dos seus testemunhos «a probabilidade de um eventual quadro depressivo em que a recorrente estaria a viver» e que «sabendo-se que naquela altura a mãe da menor tomava medicação antidepressiva que a fazia adormecer durante a amamentação, tornando-se assim evidente que no período em causa as capacidades e desempenho da recorrente poderiam estar condicionadas por via dessa sua situação depressiva».
Resulta do processo de promoção e proteção que correu na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de … (e que se mostra junto ao processo judicial), concretamente de uma informação social prestada pela equipa técnica e educativa do “CAV …” datada de 24/11/2022, que nos primeiros tempos de acolhimento a mãe da (…) tomava medicamentação indutora do sono, o que geraria uma incapacidade para se manter “totalmente alerta”; esta toma de medicamentação por (…) foi corroborada pelo testemunho de … (psicóloga de formação e que nessa qualidade exercia funções na instituição de acolhimento da …) na medida em que esta declarou ter acompanhado a progenitora (…) a uma consulta de psiquiatria e que lhe foi prescrita medicamentação, resultando ainda do documento constante do mesmo processo de promoção e proteção intitulado “Informação das Diligências Efetuadas” datado de 26.01.2023, que em consulta de psiquiatria agendada «foi-lhe reduzida a dosagem do medicamento da noite para metade» (referindo-se o referido documento a uma consulta de …). Conjugando os meios de prova referidos pode-se concluir que quando esteve no CAT (…), a progenitora da (…) tomava medicamentação indutora do sono. Contudo, a prova acima referida não permite julgar provado que tal medicação era antidepressiva ou que a progenitora da (…) estivesse efetivamente com uma depressão pós-parto; aliás, até consta da informação social prestada pela equipa técnica e educativa do “CAV (…)” datada de 24/11/2022 que «ao longo do acolhimento residencial não se tem evidenciado sintomatologia congruente com depressão recorrente» (negrito nosso).
Em contraponto, resulta da informação social prestada pela equipa técnica e educativa do CAV (…) supra referida que a medicação indutora do sono que a mãe da (…) tomava a incapacitava de estar alerta quando amamentava a filha durante a noite, factualidade que, sendo relevante, deverá ser aditada ao elenco dos factos provados.
Quanto ao alegado “acompanhamento psicológico” da recorrente durante a sua permanência no CAT (…), a testemunha (…) referiu efetivamente que fez acompanhamento à mãe da (…), pelo que tal factualidade deverá também ser aditada para o elenco dos factos provados.
Atento o exposto, e quanto a este segmento da impugnação da decisão de facto, decide-se aditar ao elenco dos factos provados a seguinte factualidade:
«5-A: À data a mãe da (…) estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta».
«5-B - Na CAV (…), na (…), a mãe da criança tinha acompanhamento prestado pela psicóloga que ali exercia funções».
«Quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, a mãe por vezes pega-lha ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la».
Para sustentar o aditamento desta factualidade, a recorrente invoca o depoimento da testemunha (…), dizendo que ela “concretizou mais especificamente os termos e os modos de interação da mãe com a filha e que não se encontram vertidos no enunciado n.º 39”.
A testemunha (…) é diretora da instituição que acolhe atualmente a menor e resultou do seu depoimento ter observado a forma como mãe e filha interagem entre si, pelo que tem um conhecimento direto sobre os factos em causa. Ouvido o seu depoimento, verificamos que esta declarou que a mãe da (…) vai para a sala com a menina e consegue estimulá-la, brincando com ela e que quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, a mãe por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la.
Por conseguinte, e por ser relevante, tal factualidade deve ser aditada ao elenco dos factos provados, formulando-se um novo enunciado com o seguinte teor e numeração:
«39-A) A mãe da (…) estimula a criança, brincando com ela e quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la».
«A mãe da (…) recebe mensalmente o valor de € 700,00 proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão».
Quanto à factualidade supra enunciada, a recorrente invoca o depoimento da progenitora da (…), que declarou que se encontra a frequentar uma ação de formação profissional e recebe € 700,00 por mês pela bolsa de formação, por pensão pela morte do pai e por prestação social para a inclusão, bem como o documento que juntou aos autos em anexo às alegações que precederam a realização do debate judicial, concretamente o contrato de formação n.º 2/10899/307/2023 celebrado com o Instituto do Emprego e Formação Profissional.
(…) aludiu efetivamente ao facto de se encontrar a frequentar uma ação de formação, o que conjugado com o documento anexo às suas alegações que precederam o debate judicial (contrato de formação profissional) e com o depoimento da testemunha (…) que declarou que numa das visitas que fez a casa da mãe e da avó materna da (…) pôde verificar que a primeira se encontrava a receber uma ação de formação on line, permite julgar provado que a mãe da (…) frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de ação educativa que teve início em 2023/12/14 e tem final previsto para 2025/06/30.
Encontra-se no processo de promoção e proteção que correu termos na Comissão de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens um atestado de incapacidade multiusos, do qual resulta que foi fixada à mãe da (…) a incapacidade permanente global de 60% e a testemunha (…) corroborou que aquela recebe uma prestação social para a inclusão, fruto de tal incapacidade. Por sua vez, a progenitora da (…) referiu em sede de debate judicial que também recebe uma pensão por morte do seu pai e que, os seus rendimentos, ascendem, no global, a € 700,00.
Em face do exposto, ao elenco da factualidade provada deverão ser aditados os seguintes enunciados com a seguinte numeração e teor:
«61-A - A mãe da (…) frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de ação educativa que teve início em 2023/12/14 e tem final previsto para 2025/06/30.
«61-B - A mãe da (…) recebe mensalmente o valor de € 700,00 proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão.
«A mãe da (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma».
Para fundamentar o aditamento acima descrito, a apelante invoca as declarações da progenitora da (…) prestadas em sede de debate judicial no segmento em que descreveu a evolução da sua autonomia nos cuidados que presta à filha e manifestou a sua vontade de ter a menina consigo de imediato bem como o relatório pericial de avaliação psiquiátrica e psicológica à recorrente.
Resulta do relatório de perícia psiquiátrica médico-legal, concretamente do relatório relativo à avaliação psicológica da progenitora da menor, que esta a progenitora (…) «assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que faz mal, elogiar quando se porta bem)». Por conseguinte, e por ser relevante, determina-se o aditamento da referida factualidade ao elenco dos factos provados, o que determina a alteração da redação do ponto n.º 54 dos factos provados, a qual passará a ser a seguinte:
«54 – Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a perceção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões».
Em conformidade com o aditamento ora decidido, deverão ser eliminados do elenco dos factos provados os enunciados n.ºs 54, 55 e 56, porque reproduzem o que foi escrito no dito relatório mas sem fazer alusão ao mesmo.
No que respeita à factualidade – A mãe da (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma – o mesmo reproduz um trecho do relatório pericial médico-legal na vertente da psicologia, pelo que se determina o seu aditamento ao elenco dos factos provados nos seguintes termos:
«54-B- Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Fatores de proteção: (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma».
Em face do exposto defere-se parcialmente a impugnação da decisão de facto e, em conformidade:
1) Elimina-se o facto provado n.º 17.
2) Altera-se a redação dos factos provados n.ºs 18 e 19 a qual passará, respetivamente, a ser a seguinte:
- «18) No dia 23 de janeiro, a mãe da menina saiu da instituição pelas 15:00, informando que ia ao hospital, e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro»;
- «19) Durante o período acima referido a mãe da (…) esteve nas urgências do hospital e não contactou a casa».
3) Adita-se ao elenco dos factos provados a seguinte factualidade:
- «5-A: À data a mãe da (…) estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta».
- «5-B - Na CAV (…), na (…), a mãe da criança tinha acompanhamento prestado pela psicóloga que ali exercia funções».
- «39-A) A mãe da (…) estimula a criança, brincando com ela e quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la».
- «54 – Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a perceção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões».
- «54-B- Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Fatores de proteção: (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma»
-«61-A - A mãe da (…) frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de ação educativa que teve início em 2023/12/14 e tem final previsto para 2025/06/30.
- «61-B - A mãe da (…) recebe mensalmente o valor de € 700,00 proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão.
Analisado o elenco da matéria de facto julgada provada tal como cristalizado no acórdão recorrido, verifica-se o seguinte:
(i) No ponto n.º 4 escreveu-se que «em janeiro de 2023 constatou-se que: não tinha motivação para desempenhar as funções maternais e apresentava mudanças de humor constantes, comportamento impulso e fraca tolerância à correção».
A (suposta) ausência de motivação da mãe da (…) para desempenhar as funções maternais constitui um juízo de natureza conclusiva e que não tem qualquer suporte factual no enunciado em questão; com efeito, aquele juízo de valor não pode assentar na segunda parte do enunciado - apresentava mudanças de humor constantes, comportamento impulso e fraca tolerância à correção – o qual se reporta a um comportamento da mãe da (…) que não tem a ver com o exercício da parentalidade mas com a sua própria personalidade. Pelo que aquela primeira parte do enunciado em questão deve ser eliminado.
Quanto à segunda parte do enunciado - apresentava mudanças de humor constantes, comportamento impulso e fraca tolerância à correção – é formada por juízos de valor / conclusivos que também não têm qualquer suporte factual no referido enunciado no qual não é descrito qualquer comportamento da progenitora da … que permita extrair as conclusões ali contidas. Pelo que também a segunda parte do enunciado está a mais tendo de ser eliminada.
O exposto impõe a eliminação de todo o enunciado n.º 4.
2) No ponto n.º 5 escreveu-se que a mãe da (…) «não priorizava as necessidades da filha», acrescentando-se «não acordando de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixando-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão».
Embora, em abstrato, aquele juízo de valor – não priorizava as necessidades da filha – pudesse extrair-se da factualidade que se lhe segue – não acordando de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixando-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão – a qual, contudo, nunca seria suficiente para, por si só, firmar a conclusão que (…) «não priorizava as necessidades da filha» – está provado que «à data a mãe da (…) estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta». Pelo que não se pode considerar que aquele juízo de valor sobre a não priorização das necessidades da filha (…) ao qual está associado, no mínimo, um juízo de negligência por parte da mãe, não deve considerar-se extraível da factualidade que se lhe segue, impondo-se a sua eliminação.
Resulta da fundamentação do acórdão quanto ao enunciado de facto em questão que a convicção dos julgadores a quo se fundou, designadamente, numa informação intercalar datada de 20 de janeiro de 2023 junta com o processo de promoção e proteção de menores que correu termos na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de (…); extrai-se da mesma que o período de avaliação da progenitora da (…) abrangido pelo relatório reporta-se ao período em que a mãe e a bebé estiveram no CAV (…), portanto, entre 29.09.2022 e janeiro de 2023 inclusive, pelo que por uma questão de rigor deve passar a constar do enunciado em questão aquela concretização temporal.
Assim, o ponto de facto provado n.º 5 ficará com a seguinte redação: «No período compreendido entre 29.09.2022 e 19.01.2023, em que a mãe da (…) esteve com a filha na casa de acolhimento da (…), a primeira não acordava de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixava-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão».
3) O ponto n.º 6 - preteria os cuidados da filha em detrimento do bebé de outra mãe que aí se encontrava acolhida – constitui um juízo conclusivo que não tem qualquer suporte factual no próprio enunciado (ou em qualquer outro), pelo que deve ser eliminado.
4) O ponto n.º 13 dos factos provados refere «problemas com que a mãe da (…) se deparava e que não conseguia resolver» que é um juízo de valor suportado numa única conduta da mãe ali descrita – perante o choro da filha, (…) pedia auxílio de uma monitora da instituição. Desconhece-se se havia outros problemas com que a mãe de deparava e não conseguia resolver porque não constam daquele enunciado.
Em face do exposto, altera-se a redação daquele enunciado que passará a ser a seguinte: «Quando a filha chorava, a mãe da (…) pedia o auxílio de uma monitora da instituição».
5) O ponto n.º 25 tem o seguinte teor: «Até ao início de agosto de 2023, e após dois meses de visitas, duas vezes por semana, constatava-se que a mãe apresentava grandes dificuldades em fazer face às necessidades da (…), como dar-lhe banho completo sem a ajuda de terceiros, tomar a iniciativa de mudar a fralda e procurar interagir com a mesma, em vez de tirar fotografias com o telemóvel».
O primeiro segmento «apresentava grandes dificuldades em fazer face às necessidades da (…)” constitui um juízo de valor genérico, podendo abranger uma multiplicidade de situações quando apenas estão descritas no enunciado em questão dificuldades relacionadas com o banho da menor, a muda da fralda e a forma de interação entre mãe e filha. A adjetivação de “grandes” e as “dificuldades para interagir com a filha” também não encontram suporte factual no enunciado em questão, pelo que devem ser eliminadas.
Em face do exposto, o facto provado n.º 25 passará a ter a seguinte redação.
«25 - Até ao início de agosto de 2023, após dois meses de visitas, duas vezes por semana, a mãe apresentava dificuldades a dar banho completo à menina e em tomar a iniciativa de mudar a fralda; tirava fotografias à menina».
6) O ponto de facto n.º 29 – a mãe mostrou-se mais autónoma a dar banho à filha e preparava a roupa para vestir a seguir ao banho e para o dia seguinte, preparou e aqueceu o almoço ou o jantar a dar à menina, brincou com esta, foi carinhosa e atenciosa; revelou dificuldades mas com evolução favorável – é extraído da “síntese da evolução da situação familiar e resultados de intervenção” constantes do relatório subscrito por (…), de 08.03.2024, anexo ao relatório social da EMAT datado de 15.03.2024, mas aquela síntese não foi transcrita na sua integralidade no que à progenitora respeita, pelo que, por uma questão de rigor cumpre fazê-lo, passando a redação do enunciado em causa a ser a seguinte:
«29 – Consta do relatório social datado de 08.03.2024, subscrito por (…), anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida de 15.03.2024, o seguinte: «As visitas decorrem com normalidade. A mãe já é mais autónoma a dar banho à filha. Quando dá banho preparar a roupa para vestir a seguir ao banho e prepara a roupa para o dia seguinte. Nestas visitas a mãe prepara e aquece o almoço ou o jantar para dar à menina e brinca com a menina. A mãe tem algumas dificuldades, no entanto tem vindo a evoluir favoravelmente. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina. A mãe telefona todos os dias para saber como está a menina. (…)».
7) No ponto n.º 32 do elenco dos factos provados, escreveu-se: «até essa altura, a mãe não sabia gerir os comportamentos da (…), não sabia impor regras e não sabia interpretar as razões do choro da criança, precisava de orientação da educadora para que cuidasse da hidratação da pele da menina, a qual apresenta pele atópica, e denotava ausência de cuidados no ministrar da comida à filha».
Resulta da fundamentação da decisão que aquele enunciado assentou nos relatórios sociais de acompanhamento da execução da medida datados respetivamente de 14.06.2024 e de 09.09.2024, sendo que aquele enunciado corresponde parcialmente a um trecho do primeiro relatório acima referido. Donde, por uma questão de rigor, o enunciado passará a ter a seguinte redação:
«32 – Escreveu-se no relatório social de acompanhamento da execução da medida, de 14.06.2024 que «A mãe, embora visite a filha com regularidade semana continua sem demonstrar competências no exercício da sua função parental. A mãe não sabe gerir os comportamentos da filha, não sabe impor regras e não sabe interpretara as razões dos choros da criança. A prestação de cuidados de higiene à filha é muito básica necessitando da orientação da educadora para alguns pormenores, nomeadamente no cuidado de hidratação da pele, pois (…) apresenta pele atópica com necessidade regular de aplicação de cremes específicos. Quanto à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca, pois as refeições estão previamente confecionadas, porém, denota-se a ausência de alguns cuidados na sua ministração».
8) No ponto n.º 39 escreveu-se: «Até essa altura, a mãe da (…), apesar de revelar evolução na sua autonomia, continuou a demonstrar dificuldades no exercício das suas competências parentais, não conseguia impor regras e não sabia interpretar as razões do choro da menina, limitava-se a aquecer e dar a comida, já preparada, à boca desta, no banho conseguia dar banho com mais autonomia mas nem sempre colocava o creme para pele atópica, era atenciosa, carinhosa e preocupada com a filha».
Este enunciado fundou-se na informação prestada pela diretora técnica do CAV (…),de 29.08.2024 e que se mostra anexa ao relatório de acompanhamento da execução da medida de 09.09.204, pelo que, por uma questão de rigor, a sua redação passará a ser a seguinte:
«39 – Do relatório social subscrito pela diretora do CAT (…), datado de 29.08.2024, que se mostra anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 09.09.2024, consta no que à progenitora respeita, e na síntese da evolução da situação familiar e resultados de intervenção o seguinte: A mãe, embora visite a filha com regularidade semanal, e apesar de se notar alguma evolução na sua autonomia, continua a demonstrar algumas dificuldades no exercício das suas competências parentais. Não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança. Relativamente à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca ou a ajudar a comer sozinha, uma vez que as refeições já estão feitas e a mãe apenas aquece ou arranja os alimentos. No banho nem sempre se lembra de colocar o creme para a pele atópica, no entanto como a (…) já está mais crescida consegue dar o banho com mais autonomia. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha. Liga todos os dias para saber da menina. No entanto, ao longo destes 15 meses de institucionalização da filha, continua a revelar algumas dificuldades que já deveriam ter sido ultrapassadas.(…)».
9) Os pontos de facto n.ºs 43 a 52 inclusive referem-se a traços de personalidade, modos de conduta, capacidade intelectual e patologias da progenitora da (…), tudo extraído do relatório pericial médico-legal na vertente da psicologia, que se mostra junto aos autos. Por conseguinte e por uma questão de rigor, determina-se que o ponto n.º 43 dos factos provados passe a ter a redação que infra se transcreverá, e aditar-se-ão dois novos itens 43-A) e 43-B), eliminando-se, consequentemente, os factos provados n.ºs 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e 52:
43 - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item conclusões, o seguinte: «(…) Relativamente à avaliação instrumental, a nível cognitivo remete para a capacidade intelectual inferior à média, sugerindo dificuldades na capacidade de raciocínio lógico-abstrato. Quanto à sintomatologia, remete para uma pessoa com elevada vulnerabilidade ao stresse, marcada por elevada intolerância à frustração, demonstra elevada instabilidade e alterações de humor. Destaca-se ainda elevada ansiedade, demonstrando ser uma pessoa com ansiedade manifesta, com expressão de dificuldades psicológicas através de somatizações com períodos persistentes de queixas físicas frequentes, que apresenta de modo dramático e exagerado. Sobre a personalidade, os resultados obtidos remetem para perturbação da personalidade não especificada. Remete para um perfil de pessoa que se mostra segura de si, com tendência a teatralizar, sente-se especial segura das suas ideias, com exagero das qualidades e diminuição dos defeitos, recusando pessoas que não aceitam a sua imagem, tolera mal a frustração e facilmente atinge sentimentos de humilhação face à crítica. Estas pessoas sentem o mundo como um lugar competitivo, o que promove a desconfiança e necessidade de se defender, mostram-se por vezes hostis, considerando que aceitar é sinal de fraqueza. Acresce que apesar de se mostrarem fortes, necessitam de receber afeto, ser aceites, necessitando assim de fazer chamada de atenção».
43-A) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No Mini-Mult (inventário multifásico de personalidade de Minnesota-versão reduzida) destaca-se nas escalas de validade transmite uma imagem extremamente patológica de si mesma, com um pensamento não convencional, elevada instabilidade, alterações de humor. Salienta-se um sistema de defesas precário, com pouco controlo da emoção e do comportamento e dificuldades na adaptação social e ocupacional. As escalas clínicas remetem para uma pessoa descrita como rígida, hostil, ressentida, desconfiada e que sente prejudicada pela vida e impulsiva».
43-B) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: No MCMI-III (inventário multiaxial de Millon III), nas escalas de validade demonstra uma tendência a apresentar-se de modo socialmente aceitável, contudo mostra capacidade para assumir dificuldades emocionais que na sua perceção são mais aceitáveis. Considera-se um protocolo pouco frequente, que enquadra Perturbação de Personalidade, contudo apresenta elevação significativa em várias escaladas de personalidade, assim não é possível especificar a perturbação de personalidade. Apresenta resultados elevados na personalidade paranoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)».
8) O primeiro segmento do ponto n.º 53 do elenco dos factos provados – tem dificuldades relacionais com os dois psiquiatras assistentes – constitui um juízo de valor que não tem suporte factual no próprio enunciado, pelo que não se poderá manter; apresentando-se o segundo segmento – o que faz duvidar a adesão à medicação prescrita – como consequência da primeira parte do enunciado, em face da eliminação deste, aquele não se pode também manter. Donde todo o enunciado constante do ponto n.º 53 dos factos provados será eliminado.
6) O ponto n.º 60 – a mãe da (…) manifestava preocupação com a situação do pai da menina, desconsiderando as necessidades desta – contém dois juízos de natureza conclusiva sem qualquer suporte factual no enunciado em questão pelo que não se pode manter no elenco dos factos provados.
«A menor e a sua mãe foram sinalizadas pelo Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar do Médio Tejo, porque segundo a informação dos técnicos de saúde daquele hospital a mãe não reunia critérios para alta social porque carecia de supervisão e apoio permanente no préstimo de cuidados ao bebé e não existia retaguarda familiar segura».
«1) (…) nasceu em 19-08-2022 e é filha de (…) e de (…).
2) Na sequência de acordo de promoção e proteção de 28-09-2022 a (…) foi acolhida, juntamente com a sua mãe, na Instituição de CAV – (…), na (…), em 29-09-2022.
2-A) A menor e a sua mãe foram sinalizadas pelo Núcleo Hospitalar de Apoio a Crianças e Jovens em Risco do Centro Hospitalar do Médio Tejo porque segundo a informação dos técnicos de saúde daquele hospital a mãe não reunia critérios para a alta social porque carecia de supervisão e apoio permanente no préstimo de cuidados ao bebé e não existia retaguarda familiar segura.
3) Neste acordo de promoção e proteção, a mãe da criança assumiu os deveres, além do mais, de seguir as orientações das técnicas, assegurar as necessidades físicas da criança e satisfazer as necessidades emocionais e afetivas da criança e promover um ambiente familiar e estável.
4) Eliminado.
5) No período compreendido entre 29.09.2022 e 19.01.2023, em que a mãe da (…) esteve com a filha na casa de acolhimento da (…), a primeira não acordava de noite para lhe dar de mamar ou biberão ou deixava-se adormecer com a filha no colo, na iminência de cair ao chão.
5-A) - 5-A: À data a mãe da (…) estava a tomar medicação indutora do sono que a impedia de estar totalmente alerta.
5-B) - Na CAV (…), na (…), a mãe da criança tinha acompanhamento prestado pela psicóloga que ali exercia funções.
6) Eliminado.
7) Passava grande parte do tempo ao telemóvel.
8) Não tratava da higiene da sua filha e da sua cama ou não arrumava o seu quarto.
9) Os lençóis da sua filha chegaram a estar muito sujos, sem que a mãe da (…) os mudasse.
10) A mãe da (…), em contrário do que lhe foi aconselhado, não cuidava de prender os lençóis para prevenir uma asfixia da criança.
11) Atirava as fraldas sujas para debaixo da cama.
12) Atirava as embalagens para debaixo da cama.
13) Quando a filha chorava, a mãe da (…) pedia o auxílio de uma monitora da instituição.
14) Saía para o exterior com a filha sem levar, muitas das vezes, os utensílios necessários ao seu cuidado.
15) Preparava muitas vezes mal o leite, colocando água fria diretamente da torneira, e dava o leite à filha já frio.
16) Lavava mal o biberão, deixando restos de leite no seu interior antes de o colocar a esterilizar.
17) Eliminado.
18) No dia 23 de janeiro, a mãe da menina saiu da instituição pelas 15:00, informando que ia ao hospital, e regressou cerca das 6:00 do dia 24 de janeiro»;
19) Durante o período acima referido a mãe da (…) esteve nas urgências do hospital e não contactou a casa.
20) A 23.02-2023, a (…) ingressou no CAT Casa do (…), em (…).
21) E a mãe da menina foi para casa da sua mãe (avó paterna), em (…).
22) Por acordo de promoção e proteção de 17-04-2023 foi aplicada a medida de promoção proteção de acolhimento residencial, pelo período de 1 ano, a rever dentro de seis meses, e ficou estabelecido que a criança seria transferida para instituição o mais perto possível da residência da mãe, a mãe poderia visitar a criança na instituição, nos termos a definir por esta em articulação com a EMAT e a mãe comprometeu-se a cumprir os objetivos a serem definidos no plano de intervenção a ser apresentado pelo EMAT.
23) Em 18-05-2023 a (…) ingressou no CAT (…) do Centro Social Interparoquial de (…).
24) Por despacho de 06-06-2023 foi homologado o plano de intervenção apresentado pela EMAT, a ser acatado pela mãe.
25) Até ao início de agosto de 2023, após dois meses de visitas, duas vezes por semana, a mãe apresentava dificuldades a dar banho completo à menina e em tomar a iniciativa de mudar a fralda; tirava fotografias à menina.
26) Por despacho de 19-10-2023 foi determinada a manutenção da medida de promoção e proteção de acolhimento familiar.
27) No dia 07-03-2024, a casa da mãe e da avó materna encontrava-se desarrumada, desorganizada e pouco limpa, com as camas por fazer, roupa acumulada e espalhada pelos quartos e louça acumulada na pia.
28) Até início de março de 2024, a mãe realizou duas visitas por semana à sua filha, na instituição.
29) Consta do relatório social de 08.03.2024, subscrito por (…), anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 15.03.2024, o seguinte: «as visitas decorrem com normalidade. A mãe já é mais autónoma a dar banho à filha. Quando dá banho preparar a roupa para vestir a seguir ao banho e prepara a roupa para o dia seguinte. Nestas visitas a mãe prepara e aquece o almoço ou o jantar para dar à menina e brinca com a menina. A mãe tem algumas dificuldades, no entanto tem vindo a evoluir favoravelmente. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina. A mãe telefona todos os dias para saber como está a menina. (…)».
30) Por despacho de 11-04-2024, determinou-se a prorrogação por mais um ano da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial.
31) No dia 23-05-2024 constatou-se na casa da mãe e da avó materna que o quarto destinado à menina não se encontrava organizado e arrumado, a cozinha e sala continuavam desorganizadas.
32) Escreveu-se no relatório social de acompanhamento da execução da medida, de 14.06.2024 que «A mãe, embora visite a filha com regularidade semana continua sem demonstrar competências no exercício da sua função parental. A mãe não sabe gerir os comportamentos da filha, não sabe impor regras e não sabe interpretara as razões dos choros da criança. A prestação de cuidados de higiene à filha é muito básica necessitando da orientação da educadora para alguns pormenores, nomeadamente no cuidado de hidratação da pele, pois (…) apresenta pele atópica com necessidade regular de aplicação de cremes específicos. Quanto à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca, pois as refeições estão previamente confecionadas, porém, denota-se a ausência de alguns cuidados na sua ministração».
33) Em 28-08-2024, a mãe esperava que a (…) lhe fosse entregue e preparou o quarto para a receber.
34) Nesse dia, a mãe não soube identificar equipamento de infância a frequentar pela (…), caso esta viesse a integrar o agregado familiar materno.
35) A mãe realizou visitas à sua filha (…) no CAT (…) do Centro Social Interparoquial em (…) duas vezes por semana: uma durante a semana, entre cerca das 18:10 às 19:20 e outra ao fim de semana, entre cerca das 12:10 até às 15:20.
36) A mãe visitou a (…) no CAT (…) do Centro Social Interparoquial em (…) nos dias 8, 10, 17, 19, 24 e 31 de março, 7, 11, 14, 19 e 28 de abril, 3, 8, 15, 19, 23 e 30 de maio, 4, 9, 13, 19, 28 e 30 de junho, 3, 7, 11, 19, 21, 26 e 28 de julho, 2, 4, 6, 16, 19, 22 e 29 de agosto.
37) A mãe não solicitou a concessão de mais dias para visitas.
38) A mãe telefonou para essa instituição todos os dias para saber como se encontrava a (…).
39) Do relatório social subscrito pela diretora do CAT (…) de 29.08.2024, que se mostra anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida de 09.09.2024, consta, no que à progenitora respeita, e na síntese da evolução da situação familiar e resultados de intervenção o seguinte:« A mãe, embora visite a filha com regularidade semanal, e apesar de se notar alguma evolução na sua autonomia, continua a demonstrar algumas dificuldades no exercício das suas competências parentais. Não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança. Relativamente à alimentação a mãe limita-se a dar a comida à boca ou a ajudar a comer sozinha, uma vez que as refeições já estão feitas e a mãe apenas aquece ou arranja os alimentos. No banho nem sempre se lembra de colocar o creme para a pele atópica, no entanto como a (…) já está mais crescida consegue dar o banho com mais autonomia. É preocupada, carinhosa e atenciosa com a filha. Liga todos os dias para saber da menina. No entanto, ao longo destes 15 meses de institucionalização da filha, continua a revelar algumas dificuldades que já deveriam ter sido ultrapassadas.(…)».
39-A) - A mãe da (…) estimula a criança, brincando com ela e quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la.
40) A mãe e a avó materna participaram na festa do 2.º aniversário da menina, no dia 19 de agosto, a mãe trouxe bolo, decorações de festa, a roupa, calçado e acessórios para a menina usar no dia de anos.
41) A mãe telefonou para a instituição para saber como se encontrava a (…).
42) Em setembro, a mãe da (…) continuou a visitá-la duas vezes por semana nos termos acima referidos.
43) Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item conclusões, o seguinte: «(…) Relativamente à avaliação instrumental, a nível cognitivo remete para a capacidade intelectual inferior à média, sugerindo dificuldades na capacidade de raciocínio lógico-abstrato. Quanto à sintomatologia, remete para uma pessoa com elevada vulnerabilidade ao stress, marcada por elevada intolerância à frustração, demonstra elevada instabilidade e alterações de humor. Destaca-se ainda elevada ansiedade, demonstrando ser uma pessoa com ansiedade manifesta, com expressão de dificuldades psicológicas através de somatizações com períodos persistentes de queixas físicas frequentes, que apresenta de modo dramático e exagerado. Sobre a personalidade, os resultados obtidos remetem para perturbação da personalidade não especificada. Remete para um perfil de pessoa que se mostra segura de si, com tendência a teatralizar, sente-se especial segura das suas ideias, com exagero das qualidades e diminuição dos defeitos, recusando pessoas que não aceitam a sua imagem, tolera mal a frustração e facilmente atinge sentimentos de humilhação face à crítica. Estas pessoas sentem o mundo como um lugar competitivo, o que promove a desconfiança e necessidade de se defender, mostram-se por vezes hostis, considerando que aceitar é sinal de fraqueza. Acresce que apesar de se mostrarem fortes, necessitam de receber afeto, ser aceites, necessitando assim de fazer chamada de atenção».
43-A) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No Mini-Mult (inventário multifásico de personalidade de Minnesota-versão reduzida) destaca-se nas escalas de validade transmite uma imagem extremamente patológica de si mesma, com um pensamento não convencional, elevada instabilidade, alterações de humor. Salienta-se um sistema de defesas precário, com pouco controlo da emoção e do comportamento e dificuldades na adaptação social e ocupacional. As escalas clínicas remetem para uma pessoa descrita como rígida, hostil, ressentida, desconfiada e que sente prejudicada pela vida e impulsiva».
43 B) - Escreveu-se no relatório da perícia médico-legal, na vertente da psicologia, no item “Avaliação instrumental” o seguinte: «No MCMI-III (inventário multiaxial de Millon III), nas escalas de validade demonstra uma tendência a apresentar-se de modo socialmente aceitável, contudo mostra capacidade para assumir dificuldades emocionais que na sua perceção são mais aceitáveis. Considera-se um protocolo pouco frequente, que enquadra Perturbação de Personalidade, contudo apresenta elevação significativa em várias escaladas de personalidade, assim não é possível especificar a perturbação de personalidade. Apresenta resultados elevados na personalidade paranoide, compulsivo, narcisista, histeriónica, anti-social e agressiva. (…)».
44) Eliminado.
45) Eliminado.
46) Eliminado.
47) Eliminado.
48) Eliminado.
49) Eliminado.
50) Eliminado.
51) Eliminado.
53) Eliminado.
54) Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Sobre práticas educativas parentais assinalou o conhecimento de algumas das práticas educativas parentais adequadas (dar conselhos, explicar à criança o que fez mal e elogiar quando se porta bem), contudo deve destacar-se que considera como inadequadas práticas educativas consideradas adequadas como mandar a criança para o quarto sem fechar a porta ou castigar a criança retirando-lhe coisas de que gosta. Descreve como inadequado todas as práticas de maus tratos ou de punição física. Quanto ao estilo parental em que se revê, sugere ser um estilo parental autorizado ou democrático, referindo a perceção de conseguir estabelecer regras e explicar as razões».
54-A) - Escreveu-se no relatório de perícia médico-legal, na vertente da psicologia, datado de 29 de abril de 2024, o seguinte: «Tendo em conta a avaliação, consideram-se estra presentes para as competências parentais os seguintes: (…) Fatores de proteção: (…) mostra-se motivada para estar com a menor e centra-se nas características positivas da mesma».
55) Eliminado.
56) Eliminado.
57) A mãe da (…), aquando da permanência no CAV-(…), na (…), não gostava que lhe fizessem reparos quanto ao modo de interagir com a filha.
58) A mãe da (…) mentia quanto ao desempenho das tarefas para cuidados da (…) e provocava conflitos com a equipa educativa.
59) A mãe da (…) mostrava-se desanimada e manifestava falta de apoio suficiente junto da equipa técnica mas fora da instituição e com outras pessoas apresentava-se divertida.
60) Eliminado.
61) A mãe da (…) não se conseguiu autonomizar da casa da sua mãe, por não conseguir integração estável no mercado de trabalho e não revelar autonomia na organização das tarefas diárias, as quais são realizadas quase exclusivamente pela sua mãe (avó paterna da …).
«61-A - A mãe da (…) frequenta atualmente uma ação de formação profissional de técnica de ação educativa que teve início em 2023/12/14 e tem final previsto para 2025/06/30.
«61-B - A mãe da (…) recebe mensalmente o valor de € 700,00 proveniente de bolsa de formação profissional, pensão por morte do pai e prestação social para a inclusão.
62) É a mais nova numa fratria de três e cortou relações com os dois irmãos.
63) A última visita do pai à (…), na instituição, foi em 17-03-2024.
64) E desde aí não mais contactou a instituição para notícias sobre a situação da (…).
65) Desde março de 2024 que o pai da (…) se encontra no Brasil.
66) A demais família da (…) não se mostra com capacidade e vontade de a acolher com permanência.
67) A (…) chama a sua progenitora por “mãe” e reconhece a mesma, procurando-a para brincar quando ela chega para a visita.
II.3.2.
O DIREITO
No presente recurso está em causa um acórdão proferido pelo tribunal de primeira instância que decidiu aplicar à menor (…) a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção e, consequentemente, declarou a inibição de ambos os progenitores do exercício das responsabilidades parentais relativamente à sua filha.
A recorrente insurge-se contra tal decisão, sustentando que em face da factualidade provada a decisão deve ser revogada e a medida de promoção e proteção aplicada deve ser substituída pelas previstas nos artigos 39º e 41º da referida LPCJP «por estas se mostrarem adequadas à salvaguarda e defesa dos interesses em causa, os da menor e os da sua Mãe». Diz a recorrente que, no caso concreto, a escolha da medida de promoção e proteção aplicada assentou na consideração de que «o vínculo existente entre a menina e a mãe não se pode ter como próprio de uma relação de filiação pois que a progenitora não priorizou quanto ao essencial para assegurar os cuidados da menina, e na consideração de que a progenitora tem limitações a vários níveis (intelectuais, psicológicas e psiquiátricas) e é incapaz de um exercício pleno e autónomo das responsabilidade parentais» quando «face à matéria de facto já considerada provada , e à que ora se requer assim seja também considerada, afigura-se não se poder dela extrair os pressupostos suficientes e essenciais para tais conclusões e, por via disso, não se poder afirmar que se encontram reunidos os requisitos de que depende a aplicação da medida, com respeito pelos seus princípios orientadores, (…)». Acrescenta a recorrente que «da prova atual, temporalmente mais próxima da realização do debate judicial e inquirição das testemunhas, resulta a constatação de existência de um inequívoco vínculo familiar entre a recorrente e a sua filha, consubstanciado na dedicação e preocupação e carinho que a recorrente devota à filha e também que a mãe, apesar das suas fragilidades, foi capaz de evoluir no exercício das suas competências parentais, foi capaz de aperfeiçoar a satisfação das necessidades da (…)» e que «quanto à situação atual, da mãe e da criança, a decisão recorrida não deixa de elencar prova produzida relativamente a tal matéria, mas tal prova não assume nenhuma, ou praticamente nenhuma relevância na fundamentação da decisão, quer quanto à existência de um forte vínculo afetivo, de filiação, quer quanto à evolução favorável da mãe no exercício das suas competências parentais» (itálicos todos nossos).
Conclui a apelante dizendo que a decisão recorrida deve ser substituída por outra que, ponderando as fragilidades da progenitora mas também a sua evolução no exercício das suas competências parentais, determine a elaboração de um plano com vista à desinstitucionalização da (…), envolvendo a ajuda e orientação da sua mãe nas áreas social, da psicologia, da psiquiatria, de educação parental que podem ajudá-la a exercer a parentalidade de forma plena e autónoma (…)».
Apreciando.
As questões que se colocam no presente recurso são, como já assinalámos supra, apurar se, in casu, se mostram verificados os pressupostos legais necessários à aplicação da medida de promoção e proteção de confiança para adoção e, na negativa, se deverão ser aplicadas as medida de promoção e proteção propostas pela recorrente, concretamente as previstas nos artigos previstas nos artigos 39.º e 41.º da Lei de Promoção e Proteção de Crianças e Jovens.
Como ponto prévio dir-se-á que o Estado tem o dever de assegurar a proteção das crianças em geral e, em particular, das crianças privadas de um ambiente familiar dito normal, dever que tem consagração constitucional (artigo 69.º da CRP[1]) e respaldo na Convenção sobre os Direitos da Criança assinada em Nova Iorque a 26.01.1990, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12.09, e em vigor na ordem interna (artigo 8.º, n.º 2 da CRP), cujo artigo 19.º, n.º 1, dispõe que os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração, incluindo violência sexual, enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada.
Tendo como pano de fundo o dever de proteção do Estado do direito à infância acima mencionado, o legislador ordinário estabeleceu no artigo 3.º, n.º 1, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.09 que a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem é legítima quando vise afastar um perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, criado pelos pais, representante legal ou quem tenha a guarda dos mesmos ou resultante da ação ou omissão de terceiros ou da própria criança/jovem ao qual aqueles (pais, representante legal ou quem tenha a guarda deles) não se oponham de modo adequado a removê-lo. Por conseguinte, as medidas de promoção e proteção previstas na referida lei visam afastar as situações de perigo referidas no artigo 3.º, n.º 1, da LPPCJP e, simultaneamente, proporcionar às crianças/jovens, vítimas de qualquer forma de abuso ou exploração, as necessárias condições para a respetiva recuperação física/psicológica (artigo 34.º da LPPCJP).
Importa salientar que toda e qualquer intervenção do Estado traduzida na aplicação de uma medida de promoção e proteção deve ser norteada pelos princípios previstos no artigo 4.º da LPPCJP, surgindo logo em lugar de destaque o «interesse superior da criança ou jovem»[2].
O «interesse da criança» é um conceito indeterminado, logo suscetível de entendimentos divergentes e aberto a uma margem de subjetividade do juiz; o seu conteúdo altera-se de acordo com o espírito da época e com a evolução dos costumes, varia de família para família e de criança para criança e depende sempre da valoração que o juiz faça da situação de facto[3].
Por «interesse superior da criança» deve entender-se, nas palavras de Almiro Rodrigues[4] «o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade». Nos termos do artigo 4.º, al. a), da LPPCJP o «interesse superior da criança/jovem» passa por assegurar a «continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas» e de acordo com a al. g) daquele mesmo artigo, a intervenção deve «respeitar o direito das crianças à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
Julgamos, assim, poder afirmar que o «superior interesse da criança/jovem» implica que ao mesmo seja dada a possibilidade de crescer num ambiente propício a um são e global desenvolvimento (físico, psíquico, intelectual, emocional) o que pressupõe o estabelecimento / manutenção de relações de afeto de qualidade e significativas. Efetivamente, está demonstrado que a relação afetiva precoce com os pais ou com figuras de referência ou de substituição parental promove a segurança, a proteção e a regulação emocional da criança marca o seu desenvolvimento psicológico, os sentimentos existenciais de confiança e segurança em si própria e nos outros[5].
Mas outros princípios devem também nortear a intervenção do Estado na promoção e proteção de crianças/jovens em perigo, entre eles:
(i) os princípios da proporcionalidade e da atualidade (artigo 4.º, al. e) da LPCJP): a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida em que for estritamente necessário a essa finalidade;
(ii) o princípio do primado da família (artigo 4.º, al. h) da LPCJP): na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança/jovem em família, seja ela biológica ou adotiva ou outra forma de integração estável;
(iii) o princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas (artigo 4.º, alínea g): a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
O artigo 35.º, n.º 1, da LPPCJP enumera, de forma taxativa e por ordem de preferência, as medidas de promoção e proteção que podem ser aplicadas às crianças e jovens expostas a alguma forma de perigo, distinguindo aquelas que são executadas «no meio natural de vida» (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para autonomia de vida e confiança a pessoa selecionada para adoção) daquelas outras que são executadas «em regime de colocação» (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a instituição com vista a futura adoção).
A “confiança para a adoção” – seja ela a pessoa selecionada para a adoção, seja a família de acolhimento, seja a instituição - que se encontra prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea g) da LPPCJP permite que a criança/jovem fique na situação de adotabilidade – definida na Lei n.º 143/2015, de 08.09 (diploma normativo que aprovou o regime jurídico do processo de adoção) como a «situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção».
Nos termos do artigo 38.º-A da LPPCJP, a confiança com vista a adoção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consistindo:
a) Na colocação da criança ou jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social; ou
b) Na colocação da criança/jovem sob a guarda de uma família de acolhimento ou de uma instituição, com vista a futura adoção.
Trata-se de uma medida de promoção e proteção que implica necessariamente a inibição dos pais para o exercício das responsabilidades parentais relativamente à criança / jovem afetado por tal medida (artigo 1798.º-A do Código Civil), que dura até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão, salvo a título excecional, em caso de manifesta inviabilidade da sua execução, como resulta do artigo 62.º-A, n.ºs 1 e 2, da LPPCJP, cessando, também, as visitas por parte da família biológica, excetuando-se contactos com os irmãos se tal for imposto pelo «superior interesse» da criança/jovem (artigo 62.º-A, n.º 7).
Trata-se da medida de promoção e proteção que «comporta maior grau de interferência na vida do menor e da sua família biológica» na medida em que implica uma rutura com a família natural demonstrado que esteja que esta não consegue proporcionar à criança / jovens as condições necessárias a um são e integral desenvolvimento da criança / jovens, «nem haja perspetivas, em tempo útil, da mesma conseguir reabilitar-se de molde a continuar a guarda e educação da criança» – acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.05.2014, processo n.º 237/13.2TMFAR.E1, publicado em www.dgsi.pt.
Estamos, por conseguinte, perante uma medida que põe necessariamente em causa os direitos fundamentais e constitucionalmente consagrados, respetivamente, dos filhos de não serem separados dos pais (artigo 36.º, n.º 6, da CRP) e dos pais de educarem os seus filhos (artigo 36.º, n.º 5, da CRP). Por conseguinte, tais direitos (de pais e filhos) só podem ser restringidos em situações previstas na lei e sempre para defesa dos direitos fundamentais da criança, restrição que está sempre sujeita às exigências da proporcionalidade e da adequação.
O artigo 9.º da Convenção dos Direitos da Criança afirma que os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem que essa separação é necessária no interesse superior da criança, por exemplo, em virtude de maus tratos ou negligência e o artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República dispõe que «Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial». Em anotação ao normativo constitucional acima referido, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 416 e ss., escreveram: «A Constituição estabelece, antes de mais, uma reserva específica de decisão judicial, exigindo, por isso, que os tribunais tenham, não apenas a última palavra, mas também a primeira na decisão da separação. […] Não basta que os pais não cumpram os seus deveres para com os filhos, sendo necessário que esteja em causa o incumprimento de “deveres fundamentais”. […] Por outro lado, estando em causa uma medida gravemente restritiva de direitos, liberdades e garantias, não pode deixar o legislador de densificar os deveres fundamentais, cuja violação ainda que objetiva, legitima a imposição de que os filhos sejam separados dos pais. […] O princípio da proporcionalidade exige, por último, que a separação, sendo a medida mais gravosa, constitua a última ratio, não podendo ser decretada quando existirem outras soluções menos gravosas» (itálicos nossos).
A Constituição da República estabelece uma reserva específica de decisão judicial para a separação de pais e filhos. Como é salientado no Acórdão n.º 193/2016 do Tribunal Constitucional: «o juiz funciona como um garante dos direitos de todos os envolvidos — pais e filhos —, estando obrigado a respeitar os equilíbrios constitucionais, tal como legalmente concretizados. Em especial, na perspetiva dos pais que se opõem a uma medida de separação a decretar eventualmente em consequência da violação das suas responsabilidades parentais fundamentais que lhes seja imputada, o processo perante o juiz adquire uma relevância crítica, porquanto é a única via processual que lhes é reconhecida para defenderem o seu direito a conviverem com os seus filhos. Na mesma perspetiva, tem, deste modo, plena justificação invocar o direito à tutela jurisdicional efetiva, que postula quer o acesso ao Direito e aos tribunais, quer o direito a que o processo em que tal decisão tão gravosa é tomada seja verdadeiramente um processo equitativo».
Não se olvida que a adoção está também constitucionalmente protegida no artigo 36.º, n.º 7, o qual impõe a preservação da sua existência e da sua estrutura fundamental, e que também no artigo 20.º, n.º 3, da Convenção dos Direitos da Criança a adoção é contemplada como proteção alternativa às crianças privadas do seu ambiente familiar ou de um ambiente familiar propício a um desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, mas previamente à aplicação da medida de confiança com vista à adoção deve verificar-se efetivamente se mostrem esgotadas todas as possibilidades de integração da criança na família biológica uma vez que é com esta que, em regra, a criança estabelece as suas primeiras relações afetivas.
Em síntese, o que se almeja é a manutenção da criança em contexto familiar (natural ou substitutivo), tomando-se a família como elemento fundamental no processo de desenvolvimento e de socialização dos menores. Quando a criança integre uma família disfuncional, importa, antes demais, tentar recuperar e apoiar essa família e só quando não se mostre viável ou possível é que haverá de se encontrar um família substitutiva para a criança, ao invés da sua institucionalização. Como se refere impressivamente no acórdão da Relação de Lisboa, processo n.º 864/18.1T8CSC.L1-2, citando o acórdão de 10.04.2012 da 2.ª secção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, no caso Pontes contra Portugal: «(…) é também do interesse da criança que os laços entre ela e a sua família se mantenham, salvo nos casos em que a família se revela particularmente indigna: quebrar este vínculo equivale a cortar a criança das suas próprias raízes. Daí resulta que o interesse da criança impõe que só em circunstâncias particularmente excecionais se permita a quebra do laço familiar e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e, se for caso disso, no momento próprio “reconstituir a família”».
O artigo 1978.º do Código Civil especifica os requisitos da confiança judicial com vista a futura adoção, passando-se a transcrevê-lo:
«1- O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 – Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 – Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos da criança.
4 – A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela».
A aplicação da medida de promoção e proteção traduzida na confiança do menor com vista a futura adoção pressupõe, sempre, o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, o qual é aferível pela ocorrência, em cada caso, de alguma(s) das situações plasmadas nas alíneas do n.º 1 daquele normativo.
A verificação de alguma das situações enunciadas naquele preceito legal não está associada a um comportamento culposo/censurável dos pais, podendo o perigo resultar objetivamente da situação detetada.
No sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de julho de 2021, processo n.º 1906/20.6T8VCT.G1.S1, escreveu-se o seguinte: «Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afetivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afetiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, atos ou atitudes que revelem que o(s) progenitor(es) tem(têm) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. II – Sempre que os factos demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel de pais da criança é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afetivos próprios da filiação”».
Na decisão sob recurso julgou-se que «inexiste uma relação própria da filiação entre a (…) e os seus progenitores, pelo preenchimento da previsão do artigo 1978.º, alínea d), do Código Civil» (sic).
A situação prevista na alínea d) do artigo 1798.º, n.º 2 do Código Civil implica que os pais, por ação ou omissão, hajam posto em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança. O “perigo” é aquele que, de forma exemplificativa, surge referenciado nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 3.°da LPCJP (cf. artigo 1978.°, n.º 3 do CC). Trata-se de uma situação de facto que ameaça um qualquer dos itens referidos na alínea em causa, não se exigindo que já se tenha verificado a sua efetiva lesão, em resultado da conduta dos pais. Com efeito, a noção de “perigo” basta-se com uma ideia de potencialidade e de prevenção do dano, não pretendendo ser um remédio posterior à verificação do prejuízo[6].
Temos então de apurar se, em concreto, os vínculos entre a progenitora e a sua filha (…) estão definitivamente rompidos, ao ponto de não se poder equacionar uma solução no âmbito da família natural, in casu, junto da mãe, devendo a menor (…) ser encaminhada para uma família adotiva.
Vejamos o que se diz no acórdão recorrido:
«(…) importa desde logo considerar que já decorreram dois anos desde o nascimento da (…) e que a sua mãe, pese embora o investimento realizado – primeiro com a sua permanência por cerca de 6 meses no CAV (…), com a menina, e depois desde 18.05.2023 até hoje, com visitas bissemanais no CAT (…) – ainda não demonstra autonomia para conseguir cuidar da filha. Tal deve-se, em primeira linha, às suas limitações ao nível intelectual, psicológico e psiquiátrico. (…) Este perfil compromete, sem dúvida, o exercício das responsabilidades parentais. (…) Não se vislumbra que, atentas essas limitações, alguma vez venha a ser capaz de um desempenho responsável da parentalidade sem o apoio próximo de terceiros. (…) Crê-se que, neste momento, ninguém consciencioso ou medianamente cauteloso colocaria a (…) com a sua mãe, na casa desta, do mesmo modo que não o faria com um filho seu, por temer pela sua segurança e bem-estar. Ainda que com o suporte do CAFAP ou apoio de terceiro tal não aconteceria, por ser notória a ausência de recursos internos para lidar com os desafios colocados por uma criança. Não se perspetiva que, ainda que com recurso à mera imitação ou reprodução como aconteceu até aqui, se consiga incutir na mãe da (…) a iniciativa e desenvoltura mínima para um exercício ajustado da parentalidade. Constata-se, na verdade, que a relação entre a (…) e os progenitores não se apresenta, sob o prisma daquela, como securizante e gratificante, e não se vislumbra que alguma vez o venha a ser. A (…) mantém uma ligação afetiva à sua mãe, mas tal vínculo não se pode ter como o próprio de uma relação de filiação, pois que a progenitora, objetivamente não priorizou quanto ao essencial para assegurar os cuidados da menina. Tal ocorreu, de modo notório, nos primeiros seis meses de vida da menina, quando a tinha a tempo inteiro consigo e estava a ser ajudada pelos profissionais da instituição que a acolhiam, e verifica-se ainda hoje, como sobressai da circunstância de não se autonomizar, procurar um sustento próprio, realizar tarefas de limpeza, arrumação e organização da casa, diligenciar por mais convívios na instituição, indagar sobre equipamentos de infância para a filha e, decisivamente, por não o conseguir fazer em virtude de não dispor dos recursos cognitivos e volitivos para tanto (…)» (negritos nossos).
O tribunal a quo começa por apontar o facto de já terem decorrido dois anos desde a intervenção junto da mãe sem que esta tenha ainda demonstrado autonomia para conseguir cuidar da filha, isto é, “sem que tenha procurado um sustento próprio, consiga realizar as tarefas inerentes à organização de uma casa, sem que tenha diligenciado por mais convívios na instituição, indagar sobre equipamentos de infância para a filha”, salientando que houve um investimento realizado junto da progenitora para que esta adquirisse essa valência.
Não se negando a existência de vulnerabilidades e fragilidades da progenitora da menor, detetadas, aliás, logo após o nascimento da filha, em contexto hospitalar, pergunta-se: que “investimento” foi feito junto da mãe da (…)? Acaso se procurou integrar a progenitora (…) em algum programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais, nalgum programa psicoterapêutico ou nalgum programa de acompanhamento médico? Da matéria de facto provado resulta que a progenitora da (…) beneficiou de acompanhamento psicológico mas apenas enquanto esteve no CAV (…), na (…), e em termos que não estão especificados.
Com efeito, e apesar de, desde o início, se terem identificado dificuldades desta mãe quer na prestação de cuidados à filha, de forma autónoma, quer na gestão de atividades domésticas, não se procurou implementar a aplicação da medida de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe – por força da qual a progenitora da menor poderia beneficiar de um programa de formação para o melhoramento do exercício da parentalidade (cfr. artigo 41.º/1 da LPPCJP) –, optando-se, ao invés, por aplicar e prorrogar ao longo de todos estes meses a medida de acolhimento institucional “à espera” que a mãe adquirisse, por si, as competências parentais que, note-se, as técnicas sociais têm por adequadas.
Não é demais sublinhar que as competências parentais constroem-se na experiência do dia-a-dia e, no caso, e excluindo o tempo que passou com a filha na casa de acolhimento da (…), o convívio entre a progenitora (…) e a (…), sua filha, cinge-se às visitas em contexto institucional, com as limitações próprias do mesmo (as visitas a serem assistidas por membros da casa de acolhimento, o que dificulta a interação familiar), duas vezes por semana, no horário estipulado pela instituição (ainda que tendo em atenção as possibilidades de transporte de …, que recorre ao comboio para se deslocar entre a sua casa e a casa de acolhimento). É, pois, apenas nessas visitas bi-semanais que a mãe da (…) tem oportunidade de desenvolver as suas competências quanto à forma de cuidar das necessidades básicas da criança como lavá-la, vesti-la e dar-lhe de comer. Realça-se na decisão recorrida, e como aspeto negativo, que (…) “não diligenciou por mais convívios”. Porém, ela limitou-se a cumprir o programa estabelecido, não tendo sido alegado e provado que a mesma tivesse sido informada da possibilidade de pedir mais visitas. Visitas a que a progenitora não falta e durante as quais revela carinho e preocupação com a filha, interagindo com a mesma através de brincadeiras e pegando-lhe ao colo quando esta chora. E o facto é que (…) tem evoluído na prestação de tais cuidados à filha, como decorre da factualidade provada assente nos relatórios sociais juntos aos autos e no depoimento da testemunha (…), diretora da casa de acolhimento onde se encontra a (…).
Afirma-se no acórdão recorrido que «ainda que com o suporte do CAFAP ou apoio de terceiro tal não aconteceria, por ser notória a ausência de recursos internos para lidar com os desafios colocados por uma criança. Não se perspetiva que, ainda que com recurso à mera imitação ou reprodução como aconteceu até aqui, se consiga incutir na mãe da … a iniciativa e desenvoltura mínima para um exercício ajustado da parentalidade» (negritos nossos).
O trecho da decisão supra transcrito contém duas asserções: (a) nem com apoio junto da mãe, providenciado por instituições do Estado ou por terceiros, a mãe alguma vez adquirirá competências para cuidar e educar a filha de forma autónoma, fruto das suas limitações cognitivas; (b) a evolução nos cuidados a prestar à sua filha e na forma como vem interagindo com ela resulta de uma aprendizagem pela repetição/imitação de atos e não de uma tomada de consciência e assimilação do que é necessário a um exercício adequado da parentalidade. Esta última asserção reproduz um juízo de valor da testemunha (…) que afirmou em julgamento que a mãe da (…) “decora atos”, “aprende com os atos repetidos”, concluindo aquela testemunha que (…) nunca será capaz de, por si, exercer as competências parentais relativamente à filha (…). Acontece que o juízo sobre a existência de competências parentais e sobre a capacidade de evolução da progenitora na aquisição e exercício de tal competência é um juízo técnico-pericial e a testemunha em causa – que é assistente social (subscreveu os relatórios sociais de acompanhamento da execução da medida datados, respetivamente, de 14.06.2024 e de 09.09.2024) – não depôs na qualidade de perita, sendo que o seu contacto direto com a progenitora da (…) limitou-se às visitas domiciliárias à mãe e à avó materna da … (em número de três, segundo afirmou nem sede de debate judicial). Quanto à primeira asserção, dir-se-á que o juízo sobre a capacidade do progenitor, ou a falta de capacidade, para identificar as necessidades de desenvolvimento/crescimento da criança e de adequação do comportamento para responder a tais necessidades é, como supra se assinalou, um juízo técnico- pericial, tal como o juízo sobre a possibilidade de o estabelecimento de uma parentalidade autónoma ser potenciado pela integração da progenitora em programas psicoterapêuticos dirigidos às suas patologias e/ou em programas de educação parental. Sucede que o relatório de perícia psiquiátrica médico legal não se pronuncia sobre se a examinanda tem efetivamente capacidade para identificar as necessidades da sua filha inerentes a cada etapa do desenvolvimento e crescimento e também vontade para adequar, em conformidade, o seu comportamento de forma a responder a essas necessidades ou se a mãe da (…) é capaz de melhorar as suas competências parentais e colmatar as suas fragilidades se for apoiada em termos de integração em programa psicoterapêutico, de acompanhamento médico e em programas para formação em educação parental. Efetivamente, no relatório da perícia psiquiátrica médico-legal são identificados como fatores de risco para as competências parentais da progenitora da (…) «o percurso escolar com intercorrências, pautado por dificuldades de aprendizagem, dificuldades nas relações com pares e percurso profissional instável, sem hábitos de trabalho, com desresponsabilização pelos insucessos a nível escolar e profissional; recebe prestação social de inclusão de € 240,00”; dinâmicas relacionais predominantemente superficiais, com ruturas; relação com o outro progenitor pouco presente, atualmente não descreve apoio de outros para cuidar da menor. Histórico de doença mental desde a adolescência, com seguimento psiquiátrico percecionado como pouco securizante. Capacidade intelectual inferior à média; sintomatologia clínica marcada por vulnerabilidade ao stress, elevada intolerância à frustração e manifesta ansiedade. Perturbação da personalidade não especificada, marcada por instabilidade emocional», a par de alguns fatores de proteção, mas não se procedeu – ou pelo menos não é claro que se tenha procedido - a um balanceamento dos mesmos (fatores de risco versus fatores de proteção) para aferir se os fatores de risco identificados superam de forma intolerável os fatores de proteção referidos; tão pouco tal relatório evidencia ter sido ponderada a evolução registada pela mãe na prestação de cuidados à filha e na sua forma de interação com a mesma, não havendo também qualquer menção à vinculação entre mãe e filha. Acresce que não se nos se afigura que “o percurso escolar” supra descrito no relatório social, “as dificuldades de aprendizagem de conteúdos escolares”, “os insucessos a nível escolar e profissional” possam determinar a inibição da progenitora para criar a sua filha, sujeitando esta última a adoção. Refira-se que, nos termos do disposto no artigo 13.º da Constituição da República, todos os cidadãos são iguais perante a lei (n.º 1) e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, da sua instrução, situação económica e condição social (n.º 2); e relativamente aos traços de personalidade ali apontados – vulnerabilidade ao stress, elevada intolerância à frustração e manifesta ansiedade; perturbação da personalidade não especificada, marcada por instabilidade emocional – pergunta-se: quantos pais não sofrem de ansiedade, vulnerabilidade ao stress e intolerância à frustração? Constitui isso motivo para inibir os pais de criar os seus filhos, dirigindo-os para a adoção?
No relatório pericial é referido que a progenitora da (…) tem uma capacidade intelectual inferior à média, mas desde quando as pessoas menos inteligentes não podem ser pais e educar os filhos?
Ali também se refere que “há um histórico de doença mental desde a adolescência” mas não se identifica o tipo de doença mental de que padecerá a examinanda e, muito menos, se relaciona o seu défice de capacidade intelectual com tal “doença”; aliás, o que perpassa pelo relatório pericial é que a progenitora da (…) «é seguida em consultas de psiquiatria na ULSMT desde 2013 “por depressão, andava triste e desmotivada”» e que a mesma está medicada (com sertalina, diazepan e olanzapina).
Sublinha-se que embora se identifiquem no referido relatório pericial fatores securizantes de proteção para as competências paternais da examinanda, não foi feito um balanceamento entre eles e os fatores de risco ali identificados e nada foi referido sobre possibilidade de melhoramento das competências parentais de (…) e de suprimento das suas fragilidades se houver apoio da mesma em termos de integração em programa psicoterapêutico, de acompanhamento médico e em programas para formação em educação parental, quando a factualidade provada até releva que, sem qualquer apoio, a progenitora se tem esforçado por melhorar o seu desempenho no que respeita à satisfação das necessidades básicas da criança, note-se, daquelas que lhe é permitido desempenhar em contexto institucional.
É também apontado pelas técnicas sociais como sendo um handicap de (…) – ou seja, algo que a progenitora ainda não conseguiu alcançar apesar do tempo decorrido desde a institucionalização da filha – que aquela “não consegue impor regras e não sabe interpretar as razões dos choros da criança”. Para além de não estarem concretizados em factos as regras que supostamente a progenitora da menor deveria ter imposto à filha, e não terá imposto, dir-se-á que no que respeita a “regras” não existe uma forma exata de educar e que aquilo que para uns será correto, para outros poderá já não o ser; quanto aos choros, ainda que a mãe da menor eventualmente nem sempre saiba descodificar os sinais que a filha lhe procura transmitir através daquele comportamento (fome, sono, cansaço?), o que merce destaque, quanto a nós, é que a progenitora não fica indiferente ao mesmo, pois está provado que quando a menina chora por não querer ir dormir e está mais inquieta, a mãe por vezes pega-lhe ao colo ou fica com ela mais tempo na sala e procura acarinhá-la.
Não se olvida que a mãe da (…) evidenciava fragilidades aquando do nascimento da filha (cfr. facto provado n.º 2-A), que as mesmas não foram supridas decorridos seis meses durante os quais a mãe viveu com a filha em instituição e que, ainda hoje, evidencia vulnerabilidades como por exemplo ao nível da gestão doméstica (cfr. factos provados n.ºs 61 e 27), que nem sempre conseguirá antecipar algumas necessidades da filha (cfr. por exemplo os factos provados n.ºs 33 e 34) e tem também vulnerabilidades ao nível da sua personalidade (de acordo com os dados clínicos de (…), esta é seguida em consultas de psiquiatria desde 2013 e do relatório pericial ressalta que a mesma é vulnerável ao stress e à ansiedade, instável e com alterações de humor). Contudo, a legitimidade da intervenção não se pode confundir com os pressupostos para a confiança com vista à adoção. E há que salientar que estamos perante uma mãe que é preocupada, carinhosa e atenciosa com a menina, telefona todos os dias para a instituição para saber como está a filha e cumpre o regime de visitas fixado. Mais: tem evoluído na forma como acode às necessidades da filha e a (…) reconhece-a como mãe.
Está também provado que a progenitora da menor está a frequentar uma ação de formação e que os seus rendimentos não se resumem ao subsídio para a inclusão.
Por fim dir-se-á que não está comprovada a impossibilidade de mudança do comportamento parental da progenitora, ou seja, uma incapacidade para identificar as necessidades da filha e de moldar o seu comportamento para a satisfação dessas necessidades à medida do crescimento e desenvolvimento da (…), ainda que haja de recorrer à sua integração em programas adequados a tal desiderato.
In casu, o processo judicial de promoção e proteção nunca foi direcionado para a aplicação de uma medida de apoio junto da mãe e parte-se da petição de princípio de que se a evolução da progenitora ao longo dos 15 meses de institucionalização da filha continua a revelar “algumas dificuldades” que, supostamente “já deveriam ter sido ultrapassadas” (cfr. relatório subscrito em 29.08.2024 pela Diretora Técnica do CAT (…), anexo ao relatório social de acompanhamento da execução da medida datado de 09.09.2024, onde se afirma que «este serviço não perspetiva que a progenitora venha a adquirir competências parentais, pessoais e sociais, essenciais à promoção de um adequado desenvolvimento integral da filha») então estão comprometidas as suas competências parentais ao ponto de se ter de aplicar a medida de confiança para adoção.
Para concluir, de momento e perante a factualidade julgada provada, não se nos afigura que se possa subsumir o caso em apreço à previsão do artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil, ou seja, não se pode concluir pela inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos da filiação entre mãe e filha, não ocorrendo nenhum dos casos elencados nas alíneas do referido nº 1 e nomeadamente a prevista na alínea d) (que permitiria a verificação objetiva da não existência ou do comprometimento sério dos vínculos afetivos próprios da filiação). Consequentemente, a decisão de aplicação à menor (…) da medida de promoção e proteção de confiança para a adoção deve ser revogada.
Aqui chegados, há que aquilatar se se justifica a aplicação de outra medida de promoção e proteção e, na afirmativa, qual.
Está provado que a demais família da (…) não se mostra com capacidade e vontade de a acolher com permanência.
Resulta da factualidade provada que (…) tem registado evolução na forma como cuida das necessidades básicas da filha e na forma de interagir com a mesma, mostrando-se interessada, carinhosa e preocupada com a filha, o que evidencia não ser impossível a evolução da progenitora na assunção do seu papel de mãe. Porém, neste momento a progenitora revela ainda vulnerabilidades e fragilidades que podem comprometer a segurança e o bem-estar da (…). A própria recorrente parece ter consciência dessas vulnerabilidades ao propor «a elaboração de um plano com vista à “desinstitucionalização” da (…) envolvendo a ajuda e orientação da sua mãe nas áreas social, da psicologia, da psiquiatria, de educação parental que podem ajudá-la a exercer a parentalidade de forma plena e autónoma (…)».
O processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo é de jurisdição voluntária (artigo 100.º da LPPCJP), o que em face do disposto no artigo 987.º do CPC significa que nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes em cada caso adotar a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
Relembrada a natureza deste processo, também a nós nos parece inadequado colocar a menor (…) à guarda e cuidados de sua mãe sem uma planificação, aquilo a que a recorrente chamou de “plano de desinstitucionalização” da (…). Ou seja, há que preparar a mãe para que a filha (…) lhe possa vir a ser entregue, proporcionando-lhe nomeadamente formação parental que lhe permita desenvolver competências nomeadamente ao nível da prestação de cuidados adequados de alimentação, higiene, segurança, educação e bem-estar da sua filha, para além de apoio psicoterapêutico. O que implica que a menor se mantenha, por ora, em acolhimento institucional, permanência que terá como objetivo último preparar o ingresso da menor no agregado familiar da sua progenitora.
Para tal desiderato deve o tribunal recorrido providenciar pela elaboração, em tempo útil, pelos serviços sociais competentes da área de residência da mãe da … (artigo 6.º, n.º 1, do D/L n.º 12/2008, de 17.01) e com a participação da progenitora (…) e da avó paterna da menor (pois que é na casa desta última que se prevê que a menor venha a viver) de um plano de intervenção que abranja a integração da progenitora da menor em programa de formação que vise o melhor exercício das funções parentais parental e apoio psicoterapêutico, para além de outros que se afigurarem necessários.
Esse plano deve começar a ser executado ainda durante a permanência da (…) na instituição e o seu acompanhamento implicará a monitorização da situação da criança bem como o resultado da utilização, pela progenitora, dos apoios definidos e que lhe hajam sido disponibilizados.
Julga-se adequado fixar até seis (6) meses o período de acolhimento da menor (…) em instituição, o qual, como dissemos, terá em vista preparar o ingresso da menor no agregado familiar da sua progenitora, através da inserção desta última em programas que permitam desenvolver as respetivas competências paternais.
A revogação da medida de confiança judicial para adoção implica que cesse de imediato a proibição de visitas à (…) por parte dos progenitores e de quaisquer outros membros da sua família biológica.
Deverá, ainda, possibilitar-se à progenitora da (…) o alargamento do regime de visitas da mãe na instituição de acordo com a disponibilidade que esta vier a manifestar, mas respeitando, claro, os horários e regras de funcionamento da instituição.
Sumário: (…)
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:
1 – Revogam o acórdão recorrido que aplicou a favor da menor (…) a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção;
2 – Declaram imediatamente cessada a proibição de visitas à criança por parte dos pais e de qualquer outro elemento da sua família biológica;
3 – Aplicam à menor, até um prazo de seis meses, a medida de acolhimento residencial, com a possibilidade de alargamento do regime de visitas que se encontrava instituído até à data.
4 – Tendo em vista a preparação da entrega da menor à sua progenitora, para com ela ir viver, ordenam ao tribunal recorrido que diligencie junto dos serviços sociais competentes da área de residência de (…), a elaboração, em tempo útil, de um plano de intervenção que abranja a integração da progenitora da menor em programa de formação parental e lhe proporcione apoio psicoterapêutico, para além de outros que se afigurarem necessários, plano que deve começar a ser executado ainda durante a permanência da (…) na instituição e cujo acompanhamento implicará a monitorização e avaliação da situação da criança bem como o resultado da utilização, pela progenitora, dos apoios definidos e que lhe hajam sido disponibilizados.
Sem custas.