INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
ASSISTÊNCIA
INTERESSE PROTEGIDO
Sumário

I. A assistência, prevista pelos artigos 326.º e seguintes do CPC, é uma modalidade da intervenção acessória que pressupõe a titularidade, pelo interveniente, de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa do desfecho da acção.
II. Distintamente da intervenção principal, em que o interveniente deve ser titular de um interesse igual ao do autor ou do réu, na assistência, o interveniente tem um interesse próprio e indirecto no desfecho da lide, o que justifica a sua condição de mero auxiliar, subordinado à actividade de uma das partes.
III. Devido a esta particularidade, não se coloca no incidente da assistência, o obstáculo à admissão intervenção principal no processo especial de acompanhamento de maior que consiste na impossibilidade de o candidato a interveniente ser titular de um interesse igual ao do beneficiário da medida.
IV. Por resultar demonstrada a titularidade de uma relação jurídica cuja consistência resulta afectada pela medida a decretar no processo especial de acompanhamento de maior, deve ser admitida a assistência da pessoa que para além de ter vivido em união de facto durante 12 anos com a beneficiária, celebrou com esta casamento cujas existência e validade são postas em causa noutro processo judicial com fundamento na incapacidade da beneficiária.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Apelação 557/24.0T8EVR-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Local Cível de Évora - Juiz 1

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SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)


Acordam os Juízes na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo
Relator: Ricardo Miranda Peixoto
1º Adjunto: Susana Costa Cabral
2º Adjunto: Sónia Moura
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I. RELATÓRIO
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A.
Nos presentes autos com processo especial, (…) requereu, ao abrigo do disposto nos artigos 138.º e 141.º, n.ºs 1 a 3, do CC e 891.º e ss. do CPC, que, por razões de saúde, seja decretado o acompanhamento de (…), nascida a 4 de novembro de 1971, filha de (…) e de (…), com a fixação das medidas de acompanhamento e limitação que enunciou, tendo ainda requerido que seja suprida a autorização da mesma Requerida, dado que esta última não a pode, livre e conscientemente, dar.
B.
Foi proferido despacho de 09.04.2024, decidindo, com efeitos imediatos: a) determinar, a título cautelar e provisório, o acompanhamento de (…); b) designar, a título provisório, como acompanhante (…); c) cometer à acompanhante, em benefício da acompanhada, um regime de representação especial, em conformidade com o previsto no art. 145.º, n.º 2, alínea b), do CC, que inclui a prática dos seguintes atos: realizar os atos urgentes de gestão dos bens e rendimentos da requerida; e diligenciar no tratamento clínico da Requerida, na marcação e acompanhamento de consultas médicas e na adesão às terapêuticas prescritas.
C.
Ensaiada a citação da Requerida, a 12.04.2024, na secretaria deste tribunal, não se concretizou por, nos termos de informação lavrada pela Sr.ª funcionária judicial, ser “(…) notório que a mesma não entende o teor da citação”.
D.
Citado (cfr. artigos 21.º. n.º 1 e 895.º, n.º 2, do CPC), o Ministério Público contestou, considerando “(…) pertinente que seja ponderada a audição de (…), caso se conclua pela necessidade de nomear de forma definitiva um acompanhante, em face do disposto no artigo 143.º do CC.”.
E.
Por despacho de 24.04.2024, foi autorizado, ao Dr. (…), mandatário constituído por (…), “(…) apenas quanto ao processo (principal) de maior acompanhado e apenas pelo período de 10 dias, o acesso, exclusivamente para consulta, aos respetivos autos”.
F.
Por requerimento de 13.05.2024 (ref.ª Citius 4001451) o Requerente (…) declarou que não se opõe à requerida audição do (…).
Realizou-se a audição com a presença do mandatário, o Dr. (…) que, a título excecional, foi admitido a acompanhar o seu constituinte (…).
G.
Do despacho proferido a 17.06.2024 (ref.ª Citius 34181459), consta, entre outras coisas que: “o despacho de 24-04-2024 é claro na sua fundamentação e consequente decisão, sendo certo que em tal despacho não foi proferida decisão sobre qualquer incidente de intervenção de terceiros na lide até porque não se mostra validamente deduzido qualquer incidente daquela natureza que, a ocorrer, deveria observar o disposto nos arts. 292.º e 311.º e seguintes do CPCivil. (…) Face ao exposto, não se admite a junção aos autos dos três requerimentos apresentados pelo requerente (…) em 14 e 16 de maio de 2024, determinando o seu desentranhamento dos autos.”.
H.
Por requerimento de 26.06.2024 (ref.ª Citius 4050240), (…) suscitou a sua intervenção nos presentes autos, na qualidade de assistente da Requerida (…), invocando, entre outras coisas, que: ambos viveram cerca de doze anos na situação de união de facto, o que ocorria ainda no dia 02.11.2022 quando esta sofreu o aneurisma relatado nos autos; foi celebrado casamento entre ele a (…), em 1 de Fevereiro de 2024.
I.
O Requerente … (requerimento de 12.07.2024, ref.ª Citius 4068595) e o Ministério Público (requerimento de 11.07.2024, ref.ª Citius 4067601) opuseram-se à requerida intervenção de (…).
J.
Foi:
- realizada a audição de (…), a 02.07.2024;
- junto aos autos, a 10.07.2024, o relatório da perícia efectuada à pessoa de (…), do qual, entre outras coisas, consta:
“(…) é portadora de Défice Neurocognitivo Major compatível com quadro de Demência de tipo vascular (…). A natureza da patologia de que padece é decorrente, em termos causais, de um quadro de início súbito, condicionado por rotura de aneurisma cerebral ocorrido em 02/11/2022, que foi documentado por TC-CE e Angio TC encefálicas, que revelaram a extensão e natureza da lesão. Para a Examinada resultaram sequelas importantes, nomeadamente afasia global e quadro hemiparesia direita. Apesar dos tratamentos realizados, as melhorias são muito ligeiras a nível motor, mantendo afasia global e dependência total de terceiros nas atividades básicas de vida diária. (…) Quanto a outros direitos pessoais, a possibilidade de pronúncia pela perícia psiquiátrica pode estar prejudicada, pois a avaliação de alguns destes repousa para lá da ciência médica ou não são alienáveis pela mera existência de perturbação ou anomalia psíquica. Ainda assim, face à extensão da incapacidade motora e cognitiva, somos de parecer que a sua situação de saúde não lhe permite exercer quaisquer direitos pessoais (cf. art.º 147º do Código Civil e art.º 2189º do Código Civil). (…) A responsabilidade em aceitar ou recusar tratamentos médicos que lhe sejam prescritos não lhe poderá estar confiada, uma vez que, face à situação de saúde, não consegue agendar consultas, nem adquirir ou tomar a medicação prescrita. Nesse sentido, as decisões de saúde deverão ser acometidas ao Acompanhante. (…) O quadro clínico supra é tendencialmente irreversível, podendo ser possível algum grau de melhoria adicional (ainda que ligeiro) (…). Do ponto de vista estritamente Médico-Legal e de acordo com o que foi apurado no Exame Pericial, somos de parecer que à Beneficiária não subsistem capacidades para efetuar tais declarações; (…) Embora a Beneficiária tenha assumido uma atitude tranquila e afável perante a presença de (…) e (…), parecendo reconhecê-los como pessoas das suas relações, a verdade é que não os identifica (…).”
K.
Foi proferido despacho a 18.09.2024 (ref.ª Citius 34419017), do qual, para além da súmula dos actos processuais anteriores tidos por relevantes, consta, entre outras coisas que:
“…atendendo à prova documental e pericial já produzida nos presentes autos e ainda a prova produzida nos autos de procedimento cautelar em apenso, esta última sem o contraditório do (…), consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos:
- o ora requerente (…) é o pai da ora beneficiária (…), cfr. cópia do respetivo assento de nascimento que constitui o doc. n.º 1.
- a beneficiária, se esteve presente na ocasião do casamento, nada compreendeu do que se passava e nenhuma vontade expressou, dado o seu estado de saúde atual.
- a beneficiária tem apenas uma irmã, (…), 5 anos mais nova do que a beneficiária, de quem sempre foi muito próxima.
- o (…) é namorado/companheiro da requerida desde há cerca de 12 anos.
(…)
Face ao exposto, deferindo ao requerido, admite-se a intervenção nestes autos do ora requerente (…) “…na qualidade de assistente da ora requerida/beneficiária (…). (…)”.
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L.
Inconformado, o Requerente (…) interpôs o presente recurso de apelação. Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial, sem negrito e sublinhados da origem):
“(…)
B. O presente Recurso é interposto do segmento do despacho de 18/09/2024 (ref.ª citius n.º 34506302) pelo qual é deferida a intervenção acessória requerida por (…), para intervir nos presentes autos na qualidade de assistente da beneficiária(…), filha do aqui Recorrente, que sofreu, em 02.11.2022, uma ruptura de aneurisma cerebral que lhe causou défices neurológicos extremamente gravosos, encontrando-se, por esse motivo, actualmente incapaz de se situar no espaço e no tempo e de exprimir a sua vontade, cfr. decorre do requerimento inicial, da decisão de nomeação de acompanhante provisória e do relatório pericial juntos aos autos.
C. O Recorrente e a irmã da Beneficiária, (…) – já nomeada Acompanhante Provisória nos autos –, vieram a descobrir que (…) se casou com a Beneficiária, no Consulado Geral de Portugal em Sevilha, acto para o qual a beneficiária não tinha qualquer capacidade, cfr. decorre do relatório pericial, e que (…), através do acesso à conta bancária da Beneficiária, entre levantamentos e transferências, já retirou em seu próprio benefício pelo menos € 42.348,82 (quarenta e dois mil, trezentos e quarenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos), situação à qual se pôs termo através do arrolamento dos bens da Beneficiária, o qual já foi requerido e corre por apenso ao presente processo.
D. Foi este o contexto no qual foi requerido, a 28/03/2024, o acompanhamento da Beneficiária, pelo aqui Recorrente sendo que, entretanto, já foi instaurada acção declarativa tendo em vista declarar-se a inexistência do casamento pretensamente celebrado entre a Beneficiária e (…), tal como se refere no despacho ora em crise.
E. Não pode o Recorrente aceitar a decisão ora em crise, na medida em que a mesma acaba, por redundar na admissão, nos autos de acompanhamento de maior, da presença de alguém que, para além das razões óbvias pelas quais a sua posição não pode ser tida em conta nos presentes autos, não é titular de qualquer relação jurídica cuja subsistência dependa, em alguma medida, daquilo que está em causa nos referidos autos: o acautelar da situação de saúde e patrimonial da Beneficiária.
F. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 326.º do CPC, a legitimidade da intervenção de um terceiro na qualidade de assistente depende, em geral, da titularidade de um “interesse jurídico” que se traduz na existência, na esfera jurídica do pretenso assistente, “de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido”.
G. Ora, no caso em apreço não se vislumbra qual poderá ser o “interesse jurídico” do qual Joaquim Narciso seja titular cuja consistência dependa “da pretensão” da beneficiária: é que não está em causa, nos presentes autos, uma qualquer pretensão desta.
H. Com efeito, o acompanhamento foi requerido com a finalidade de se ver acautelada a situação da beneficiária, que se encontra incapaz de exercer plena e cabalmente os seus direitos e de tomar conta de si própria, decidindo sobre a sua saúde, como decorre do relatório pericial – como, de resto, é a finalidade do acompanhamento de maior, sendo apenas isso que está em causa neste tipo de processos, cfr. prevê o artigo 140.º do Código Civil.
I. Ora, não está aqui em causa uma “pretensão” da beneficiária correspondente a um seu “interesse”, nem tão pouco tem (…) um “interesse” coincidente com aquilo que se discute nos presentes autos – a necessidade de decretamento de medidas de acompanhamento –, razão pela qual facilmente se alcança que a pretensão de (…) não encontra qualquer respaldo na lei.
J. O “interesse” da beneficiária é exclusivamente o de ver suprida, por meio do decretamento de medidas de acompanhamento, a incapacidade decorrente da sua situação de saúde, não havendo, por isso, qualquer interesse jurídico ou uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão do assistido nos processos de maior acompanhado, como tem vindo a ser entendido pelos tribunais superiores, nomeadamente, nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.05.2021 (…), Tribunal da Relação de Évora de 11.04.2013 (…), Tribunal da Relação do Porto de 19.09.2013 (…), Tribunal da Relação de Coimbra de 29.05.2012 (…) e Tribunal da Relação de Guimarães de 20.03.2018 (...).
K. Os propósitos e fundamentos do regime do maior acompanhado são “assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres”, conforme previsto no artigo 140.º, n.º 1 do Código Civil pelo que nos processos tendentes a acautelar o estado de pessoas e respectivos bens, quando as mesmas não o podem fazer, não estão senão em causa os interesses da própria pessoa visada pelas medidas de acompanhamento, entendimento que, transposto para o caso em apreço, permite que se afirme, sem dúvidas, que não está em causa nos presentes autos qualquer direito ou interesse próprio de (…), idêntico ao da Beneficiária, que permita a intervenção daquele como assistente.
L. O único interesse que (…) há muito pretende acautelar é o seu próprio interesse como decorre dos comportamentos que tem assumido desde 02/11/2022 e da utilização que fez do património da Requerida, melhor descritos no requerimento inicial e no requerimento de 09/10/2024…
M. Ora, sendo o objectivo da presente acção, como já se disse, apenas e só o de acautelar a situação da beneficiária quanto ao exercício dos seus direitos e deveres, não se vislumbra, reitera-se, qual será o “interesse jurídico” de (…) dependente da situação jurídica da Requerida, que esteja em causa nos presentes autos.
N. Ensina, a este respeito, Salvador da Costa (…) que “Constitui pressuposto necessário da intervenção de um terceiro como assistente, que a relação jurídica conexa por ele invocada seja susceptível de ser afectada pela própria decisão proferida no confronto das partes principais”.
O. Ora, considerando o objecto e natureza da presente acção, da decisão que venha a ser tomada nos presentes autos não se alteram quaisquer relações jurídicas nas quais (…) esteja envolvido.
P. Mesmo que se considere o casamento de 01.02.2024 juridicamente existente – o que o Recorrente contesta e cuja declaração de inexistência pretende ver judicialmente reconhecida e cuja acção já se encontra pendente – a verdade é que nem em termos patrimoniais pode (…) arrogar-se algum interesse próprio e legítimo pois o regime de bens do casamento é o de separação de bens de onde decorre uma total independência e autonomia de patrimónios entre os cônjuges (a qual … manifestamente não respeita…).
Q. Sendo certo que se se declarar a inexistência do casamento, como o Recorrente está certo que ocorrerá, como decorre da resposta ao quesito a. do relatório pericial, a verdade é que como unido de facto com a Requerida, não tem nenhuma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa da pretensão” da Requerida, como exige o n.º 2 do artigo 326.º do CPC.
R. Pois o interesse e pretensão da beneficiária, face à infeliz situação em que se encontra, é que sejam decretadas todas as medidas de acompanhamento que se revelem necessárias para “assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres”, como decorre do artigo 140.º, n.º 1, do CC os quais não se confundem nem tão pouco se repercutem na relação jurídica de união de facto, cujos efeitos constam, em especial, do artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio.
S. Acresce, por último, que o próprio (…) já reconheceu que aceita a necessidade de serem decretadas medidas de acompanhamento, as quais são requeridas pelo Recorrente e já foram provisoriamente decretadas pelo tribunal pelo que não existe, do ponto de vista da utilidade processual, qualquer utilidade na assistência requerida a luz do exigido no artigo 326.º do CPC.
T. (…) tem vindo a remeter aos autos inúmeros requerimentos pelos quais acusa, sem qualquer fundamento, o Recorrente e a Acompanhante Provisória de terem um “plano maquiavélico” para o afastar da Beneficiária, limitando-se a autopropor-se como acompanhante da mesma, mas nunca rebatendo o facto de se ter “casado” às escondidas com uma pessoa incapaz, nem de ter desviado dinheiro das suas contas bancárias, pelo que a sua posição não pode merecer o mínimo acolhimento, nem por este Tribunal nem pelo Tribunal a quo.
U. O prejuízo para os autos que a intervenção activa de (…) pode acarretar é nítido: pode atrasar a tomada de decisão do Tribunal a quo – cuja necessidade, de resto, é reconhecida por (…), Recorrente e Acompanhante Provisória –, pois este terá que se debruçar sobre as questões levantadas por um terceiro sem legitimidade para as fazer, não só pela forma como agiu para com a Beneficiária, mas também em termos jurídicos.
V. Se o tribunal a quo entender necessário ouvir (…), tal como requerido pelo Ministério Público sem oposição do Recorrente, como consta do despacho ora em crise, não é necessário que (…) seja assistente no processo, bastando, para o efeito, convocá-lo para comparecer e prestar depoimento.
W. O facto de (…), como unido de facto, ter legitimidade para requerer o suprimento do consentimento no processo de maior acompanhado não significa que possa, também, ter a qualidade de assistente da beneficiária pois tal legitimidade não é nem requisito nem pressuposto da intervenção como assistente, nos termos previstos no artigo 326.º do CPC.
X. Por último, que estando pendente a acção de declaração de inexistência do casamento, como está, (…) está numa clara situação de conflitos de interesses perante a beneficiária que, agora, com a permissão do tribunal, pretende assistir processualmente.
Y. Por todo o exposto, mal andou o Tribunal a quo: desconsiderando aquela que tem vindo a ser a conduta processual (e “material”) de (…), abriu-lhe as portas para tentar influenciar a decisão de acompanhamento da Beneficiária num sentido que o beneficie, sem que se anteveja qualquer utilidade na sua presença para a finalidade do presente processo – a de acautelar a situação pessoal e patrimonial da Beneficiária.
Z. A decisão ora em crise, ao permitir a intervenção de (…) como assistente da beneficiária fez, por isso, uma errada aplicação do disposto no artigo 326.º do CPC, no artigo 140.º, n.º 1, do Código Civil e no artigo 3.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, devendo, por isso, ser revogada pelo tribunal ad quem, o que se requer, e substituída por outra que indefira tal pedido de intervenção como assistente. (…)”
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M.
(…) respondeu, sustentando, em síntese, que na sua qualidade de companheiro com quem a Requerida viveu durante 12 anos em união de facto, sendo a pessoa mais próxima da esta, com quem tudo partilhava do ponto de vista pessoal, familiar, afectivo, sentimental, patrimonial e social, entre outros, tem interesse em participar no processo em que se vai decidir o futuro da Requerida, tanto mais que considera não ser do melhor interesse de (…), a decisão do Requerente (…) retirar a filha da instituição de saúde, sita em Sevilha, na qual dispunha de recursos com vista à sua cura, tratamento e reabilitação, nomeadamente tratamento de estímulos do nervo vago, que não tem em Alcoitão ou instituições similares em Portugal.
Pugnou pela improcedência do despacho recorrido.
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N.
Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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O.
Questão a decidir
É a seguinte a questão, exclusivamente jurídica, em apreciação no presente recurso: [1]
Se no processo especial de acompanhamento de maior é admissível a intervenção processual acessória, na modalidade de assistência, do Recorrido que vivia em união de facto com a Requerida / Beneficiária e celebrou com esta casamento cujas existência e validade se encontram impugnadas com fundamento na incapacidade da desta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
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A. De facto
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O recurso é exclusivamente de direito e os elementos relevantes para a decisão constam do relatório antecedente.
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B. De direito
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Vem o presente recurso interposto da decisão que admitiu a intervenção processual, na qualidade de assistente da Requerida / Beneficiária (…), do companheiro (…) que com esta viveu em união de facto até ao momento em que a Requerida sofreu o problema de saúde que deu origem ao seu estado actual.
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Do incidente de intervenção assessória, na modalidade da assistência, no processo de especial de acompanhamento de maior
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Na base da decisão do incidente proferida pela Sr.ª Juíza de 1ª instância está o entendimento de que (…) apresenta um interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável à Requerida (…), interesse esse que decorre da titularidade de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica depende da pretensão do assistido (cfr. artigo 326º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tal relação jurídica, na perspectiva da decisão recorrida, revela-se na informação prestada pelo Requerente (…) nos autos, de que “(…) já deu entrada da competente acção de declaração de inexistência ou, caso assim não se entenda, (…) de anulação do casamento (supostamente) celebrado entre (…) e a aqui Requerida, a qual corre termos junto do Juízo de Família e Menores de Évora do presente Tribunal Judicial da Comarca de Évora sob o n.º 1173/24.2T8EVR, cfr. certidão judicial com o código de acesso (…).”
O despacho impugnado sustenta-se, ainda, em dois considerandos de índole jurídica:
- o primeiro, fundado no artigo 141º do Código Civil que confere, entre outras pessoas, ao unido de facto, legitimidade para propor a acção de acompanhamento de maior;
- o segundo, com base nas disposições conjugadas dos artigos 891.º, n.º 1 e 987.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, que facultam ao juiz, nos processos de jurisdição voluntária, a adopção das medidas que julgue mais convenientes e oportunas ao caso concreto, não estando sujeito a critérios de legalidade estrita.
Analisemos, por isso, a bondade da decisão da 1ª instância, tendo presente que, como da mesma deflui, a questão sobre a admissibilidade da intervenção de terceiros, quer no anterior processo especial de interdição / inabilitação, quer no actual processo especial de acompanhamento de maior, vem sendo tratada pela doutrina e pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, mas com enfoque na figura da intervenção principal (quando é sendo certo que, no caso vertente, o despacho admitiu a intervenção processual de … como assistente).
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Na doutrina, ainda na vigência do processo de interdição, Emídio Santos sustentava que “embora seja certo que o conceito de direito próprio tanto abrange os direitos subjectivos como os interesses próprios (…), não se vê que, uma vez proposta acção de interdição ou inabilitação por alguma das pessoas a quem a lei reconhece legitimidade para tanto, os outros sujeitos a quem a lei também reconhece legitimidade para requerer a interdição (…) possam invocar, em relação ao objecto da causa, um interesse igual ao do autor ou ao do réu. O único interesse a tomar em linha de conta é o do requerido. O requerente ou qualquer outra pessoa incluída no círculo definido pelo artigo 141.º do Código Civil, não pode invocar o direito de obter a interdição ou a inabilitação. É certo que até pode ter interesse em ver decretada a incapacidade do requerido. Não é, no entanto, o seu interesse que justifica a atribuição a si da legitimidade para instaurar a acção. O pedido de interdição ou inabilitação não visa, pois, dar satisfação a um direito ou interesse próprio de quem o faz; o beneficiário do pedido é o requerido.” (sublinhados nossos). [2]
Desde então, vem sendo firmada, nos Tribunais da Relação, jurisprudência no sentido da inadmissibilidade da intervenção processual principal de terceiros no processo de interdição ou inabilitação, tendo por fundamento que o único interesse próprio que está em causa na acção de interdição, respeita ao requerido – interditando ou inabilitando – beneficiário do pedido, pelo que a legitimidade conferida às várias pessoas, indicadas no art.º 141º, n.º 1, do Código Civil para a propositura daquela acção – cônjuge do interditando, pelo tutor ou curador deste, por qualquer parente sucessível ou pelo Ministério Público –, é concorrente, e não subsidiária ou sucessiva.
Neste sentido, vejam-se os acórdãos [3] do Tribunal da Relação de Coimbra de 29.05.2012, relatado pelo então Juiz Desembargador António Barateiro Martins, no processo n.º 114/11.1TBFIG.C1, do Tribunal da Relação de Évora de 11.04.2013, relatado pela Juíza Desembargadora Maria Alexandra A. Moura Santos, no processo n.º 2362/09.5TBPTM-A.E1-A, do Tribunal da Relação do Porto de 19.09.2013, relatado pelo Desembargador Carlos Portela, no processo nº 2872/12.7TBGDM-A.P1 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.03.2018, relatado pela Sra. Juíza Desembargadora Anabela Tenreiro, no processo n.º 87/17.7T8BRG-A.G1.
Sobre a legitimidade atribuída pela anterior versão do artigo 141.º, n.º 1, do CC, retoma-se a lição de Emídio Santos para melhor compreender o alcance da norma: “partindo-se, certamente, das regras da experiência comum, atribui-se legitimidade àquelas pessoas que provavelmente estarão próximas do incapaz e que, por isso, estarão em condições de requerer ao tribunal as medidas de protecção. A atribuição de legitimidade concorrente a uma pluralidade de pessoas é, pois, inequivocamente feita em benefício do incapaz. Assim sendo, requerida a protecção por uma das pessoas a quem a lei reconhece legitimidade para tanto, fica alcançado o objectivo pretendido pelo legislador com a atribuição da legitimidade plural concorrente. As restantes pessoas não têm direito ou interesse próprio, paralelo ao do autor ou réu, que justifiquem a sua intervenção na acção.” (sublinhados nossos). [4]
Entretanto, com a introdução do Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pela entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, alteraram-se várias normas dos Códigos Civil e de Processo Civil, entre as quais o artigo 141.º do CC que passou a prever que “o acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público” (n.º 1).
A norma do actual regime jurídico, vocacionado para fazer face a diferentes graus de necessidade da intervenção e do apoio a dar ao maior acompanhado, introduz a inovação de atribuir ao beneficiário e ao Ministério Público legitimidade para a propositura da acção, sendo que o primeiro pode autorizar o cônjuge, o unido de facto ou os sucessíveis, a fazê-lo por si. Neste último caso, não estamos perante uma legitimidade em nome próprio destas pessoas, mas por delegação do beneficiário.
Sem embargo, tendo em vista as situações em que o beneficiário não disponha já de capacidade de discernimento para avaliar, formar e formular a sua vontade de ser sujeito à medida de acompanhamento, o n.º 2 do artigo 141.º do CPC prevê que o tribunal possa “…suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.”
Trata-se de um incidente de suprimento da vontade do beneficiário que opera a substituição processual deste pelas pessoas que, entre as categorias previstas na norma, tenham pedido ao tribunal o suprimento dessa autorização: o cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível.
Explica Miguel Teixeira de Sousa, que a “…autorização concedida pelo beneficiário ao cônjuge, ao unido de facto ou ao parente sucessível nada tem a ver com uma autorização para o representar na acção. O cônjuge, o unido de facto e o parente sucessível não vão actuar como representantes, mas antes como partes, isto é, como requerentes do processo de acompanhamento de maiores. A situação não é, assim de representação, mas de substituição processual voluntária: o beneficiário é a parte substituída e o cônjuge, o unido de facto ou o parente sucessível a parte substituta”. [5]
Segundo Ana Luísa Santos Pinto, “quando a acção é proposta pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível do beneficiário, sem autorização do beneficiário, através do pedido de suprimento dessa autorização vinda de descrever, figura do lado activo este substituto, devendo figurar do lado passivo o beneficiário do acompanhamento, a citar para deduzir contestação (cfr. n.º 1 do artigo 895.º do CPC). [6]
As alterações trazidas pelo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, não implicaram, todavia, desvio do apontado posicionamento que a jurisprudência vinha mantendo no sentido da impossibilidade de deduzir o incidente de intervenção processual provocada no processo especial de acompanhamento de maior. A novel previsão, permitindo ao Beneficiário a intervenção como parte activa do processo, acentua até o cunho pessoal, neste centrado, do interesse acautelado pelo tipo de processo em apreço.
Deste modo, os Tribunais da Relação de Lisboa e do Porto reiteraram, através dos acórdãos, respectivamente, de 06.05.2021, relatado pela Juíza Desembargadora Ana de Azeredo Coelho no processo n.º 10981/195T8LSB.L1-6 [7] e de 21.06.2021, relatado pelo Desembargador Carlos Gil no processo n.º 8177/20.2T8PRT-B.P1 [8], o entendimento de que não é legalmente admissível o incidente de intervenção principal no processo especial de acompanhamento de maior porque, dada a natureza do interesse do Beneficiário, estritamente ligada à sua concreta pessoa e circunstâncias, não pode considerar-se que terceiro tenha interesse similar ao seu.
Aqui chegados, parece não existir margem para controvérsia sobre a impossibilidade de suscitar a intervenção principal, provocada ou espontânea (cfr. artigos 311º e ss. e 316º e ss. do CPC), no processo de acompanhamento de maior.
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Sucede que a decisão recorrida pronuncia-se pela admissibilidade de um tipo de intervenção processual distinto da até aqui versada: a assistência, prevista pelos artigos 326º e ss. do CPC.
Com António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, tem-se presente que “a assistência, que é uma modalidade da intervenção acessória, tem carácter espontâneo e consiste no facto de, estando pendente uma causa, aí intervir um terceiro com o intuito de auxiliar qualquer das partes, a pretexto de ter interesse jurídico em que a decisão seja favorável a essa parte. (…) Aquilo que justifica a intervenção acessória assistencial é a circunstância, a explicitar no requerimento do incidente, de o terceiro ser titular de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa do desfecho da ação. Dado que lhe convém ou interessa que a decisão a proferir na causa seja favorável a uma das partes, o terceiro dispõe-se a auxiliar precisamente essa parte. (…)” (sublinhados nossos).[9]
Note-se que o interesse do assistente, não pode ser de mera curiosidade intelectual, ou de natureza humanitária, reclamando-se que seja um interesse pessoal, emergente de titularidade em relação jurídica conexa com aquela que constitui objecto do processo e cuja consistência prática possa ser afectada pela decisão a proferir (art.º 326.º do CPC).
Devido ao seu interesse indirecto no desfecho da lide, a condição do assistente é a de mero auxiliar de uma das partes, subordinado à actividade desta, não podendo praticar actos que a parte principal tenha perdido o direito de praticar, ou assumir no processo atitude que esteja em oposição com a do assistido (art.º 328.º do CPC).
Distintamente da intervenção processual principal, em que o interveniente carece, nos termos ditados pelos artigos 311º e 316º, ambos do CPC, de ser titular de um interesse igual ao do autor ou do réu, na assistência o interesse do interveniente é indirecto e próprio, consistindo na titularidade de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica depende do desfecho da acção que, neste caso, é de acompanhamento de maior.
Esta particularidade, coloca o incidente da assistência em apreço fora do raio de acção do argumento obstativo da admissão intervenção principal no processo especial de acompanhamento de maior que, como vimos, é a impossibilidade de o candidato a interveniente ser titular de um interesse igual ao do beneficiário da medida.
Isto porque, como se viu, é característico da assistência que o interesse do interveniente seja próprio, não igual ao do assistido.
Assim, afigura-se-nos ser de deferir o incidente se estiver suficientemente demonstrada pelo requerente da assistência, a titularidade de uma relação jurídica cuja consistência prática ou económica dependa do desfecho da acção de acompanhamento de maior.
No caso vertente, resulta consensual / de certidão judicial junta aos autos que:
- (…) foi namorado / companheiro da Requerida (…) durante 12 anos e que esta sofreu a ruptura de aneurisma cerebral em 02.11.2022;
- corre termos no Juízo de Família e Menores de Évora, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, sob o n.º 1173/24.2T8EVR, proposta por (…), acção de declaração de inexistência ou, caso assim não se entenda, de anulação do casamento datado de 01.02.2024, entre … e … (cfr. certidão judicial com o código de acesso …).
Afigura-se-nos, por isso, certo que a definição do grau das limitações que afectam a Beneficiária em resultado das mazelas sofridas com a ruptura do aneurisma em 02.11.2022, a apurar na presente acção, tem relevância na demonstração do seu estado de consciência e vontade por ocasião do acto de casamento, impugnado na acção que sob o n.º 1173/24.2T8EVR corre termos no Juízo de Família e Menores de Évora.
O que significa que (…) é titular de um interesse jurídico pessoal, indirectamente afectado pelo desfecho da presente acção de acompanhamento de maior, o que o torna elegível para, ao abrigo do disposto no artigo 326.º do CPC, assumir a posição de assistente da Requerida (…).
Assim, com fundamento no disposto no artigo 326.º do CPC e na especificidade da modalidade de intervenção requerida, entende-se manter a decisão recorrida que admitiu a intervenção nos autos de (…) na qualidade de assistente da requerida / beneficiária (…).
Tenha-se, no entanto, presente que, considerada a modalidade da intervenção admitida, a actuação processual de (…) não poderá extravasar os limites previstos pelo artigo 328.º do CPC, competindo ao juiz do processo fiscalizar a sua conduta de modo a que não exceda as prerrogativas da assistência.
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Sem prejuízo da concordância manifestada quanto argumento central da decisão recorrida, afigura-se necessário, como nota final, deixar expresso que se não reputam contributos relevantes para a apreciação do incidente de assistência em apreço, algumas das considerações aí vertidas.
Referimo-nos, concretamente:
i.
Ao argumento da legitimidade fundado no artigo 141.º do Código Civil, já que uma vez proposta a acção especial de acompanhamento por qualquer pessoa que se encontre nas condições aí previstas para substituir o beneficiário, fica precludida a possibilidade alguma das outras também abrangidas pela norma, exercer tal prerrogativa na mesma acção.
Como assertivamente se refere, a dado passo da fundamentação do supracitado acórdão do Tribunal da Relação e Lisboa de 06.05.2021, relatado por Ana de Azeredo Coelho, que aqui se subscreve integralmente, “a legitimidade que poderia assistir aos recorrentes em sede de processo de acompanhamento de maior cingia-se à instauração do processo, esgotando-se nesse ato e consumindo-se com esse mesmo ato a legitimidade concorrente dos restantes legitimados legalmente para essa propositura. Estando em causa com a instauração do processo de acompanhamento de maior a proteção do requerido nesses autos, inexiste qualquer tratamento desigualitário dos legitimados concorrentes se um deles se adianta na propositura da ação, ficando assim vedada aos restantes legitimados a manifestação de idêntica pretensão pois está concretizada processualmente a possibilidade de vir a ser apreciada a necessidade do acompanhamento requerido e, na afirmativa, a determinação concreta do figurino que esse acompanhamento pode assumir. (…)”
Tal significa que, uma vez satisfeito o interesse que é do beneficiário, através da propositura da acção pela pessoa que o substitui, nada autoriza que outra pessoa “…venha invocar interesse similar ao do substituto, pela simples razão de que nenhum interesse do substituto esteve alguma vez em causa naquela atribuição de legitimidade e o único interesse relevante encontra-se satisfeito pela instauração da acção.”
ii.
Às disposições dos artigos 891.º, n.º 1 e 987.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, que facultam ao juiz, nos processos de jurisdição voluntária, a adopção das medidas que julgue mais convenientes e oportunas ao caso concreto, não estando sujeito a critérios de legalidade estrita.
Como informam António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em nota 6 ao artigo 891.º do CPC, “do novo regime emerge um claro reforço dos poderes inquisitórios do juiz (art. 986.º, nº 2), o fortalecimento do poder de direção, que pode manifestar-se através da limitação aos meios de prova que, em concreto, se revelem necessários, e ainda a possibilidade de se alicerçar a decisão em razões de oportunidade ou de conveniência, sempre sob o signo da satisfação do interesse do beneficiário (art.º 987.º).” [10]
Estamos, assim, perante um reforço dos poderes do juiz no que respeita a numa maior intervenção na indagação dos factos e na busca dos meios de prova, como decorre do seguinte exciso do n.º 2 do artigo 986.º do CPC: “…investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes (…)”.
Quanto à flexibilização dos critérios de legalidade estrita, o artigo 987.º do CPC reporta-a à providência contida na decisão a tomar, consentindo que a medida seja orientada por um critério de conveniência e de oportunidade relativamente ao caso concreto. Como recordam os autores vindos de citar, em nota 2 ao artigo 987.º do CPC, “o que fica dito reporta-se ao conteúdo da decisão e à sua fundamentação. Todavia, a emissão da decisão não pode alhear-se da existência de normas de natureza imperativa que, nomeadamente, fixam os pressupostos processuais ou substantivos da decisão, impõem a realização de determinados atos processuais (v.g. julgamento) ou balizam o leque de medidas a adotar. Este tipo de questões dirime-se já segundo critérios de legalidade estrita.” [11] (sublinhados nossos).
Ou seja: as nuances dos processos de jurisdição voluntária, introduzidas no processo especial de acompanhamento de maior, colocam-se sobretudo no domínio da aquisição do facto, respectivos meios de prova e na conformação da medida de acompanhamento à singularidade de cada beneficiário, sempre com o propósito último da melhor satisfação do interesse deste sujeito.
Parece-nos, pois, que não consentem ao juiz a ultrapassagem dos pressupostos legalmente previstos para admitir o incidente de intervenção de terceiros no processo.
Na verdade, nem o incidente em apreço se inscreve no domínio da aquisição do facto, da prova ou do ajustamento da medida de acompanhamento ao beneficiário, nem o juiz, considerados aqueles poderes inquisitórios de que dispõe (no domínio do facto e da prova), está impedido de, sempre que entender, colher por outras vias os contributos das pessoas que pelas ligações pessoais ou familiares com o beneficiário, considere relevantes para o habilitarem a proferir decisão.
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Custas
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Não havendo norma que preveja isenção (artigo 4.º, n.º 2, do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (artigo 607.º, n.º 6, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
No critério definido pelos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no vencimento ou decaimento na causa ou, não havendo vencimento, no proveito.
No caso vertente, apenas a Requerente (…) recorreu, não tendo obtido vencimento no recurso.
Assim, deve suportar as custas do presente recurso.
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III. DECISÃO
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Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o colectivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, em:
1. Julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
2. Condenar o Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
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Notifique.
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Évora, 30 de Janeiro de 2025
Relator: Ricardo Miranda Peixoto
1º Adjunto: Susana Costa Cabral
2º Adjunto: Sónia Moura


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[1] O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, parte final, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC).
Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação.
[2] In “Das Interdições e Inabilitações”, Quid Juris 2011, pág. 49.
[3] Disponíveis, respectivamente, nas ligações:
https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/daf1176d73a771ba80257a3e004dc19a?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/393921bb505aca0480257de10056fb75?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/28877dc01154156780257bf90059d145?OpenDocument
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7dbb2c0c53db02ee8025826a0048d0ee?OpenDocument
[4] In, Op. Cit., págs. 49 e 50.
[5] “O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais”, publicado in “O novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, CEJ, Fevereiro de 2019, Ebooks do CEJ, pág. 47.
[6] In “O Regime Processual do Acompanhamento de Maior”, revista “Julgar”, n.º 41, 2020, nota de rodapé 17, pág. 151. Considera a autora, em abono da sua posição que para além do apoio expresso do n.º 1 do artigo 895.º do CPC, “…o entendimento contrário permite que um familiar do beneficiário possa instaurar a ação de acompanhamento, alegando que o beneficiário não está em condições de dar autorização para o efeito, e o processo corra à revelia do beneficiário, sem que este dele tenha conhecimento ou possa nele intervir, mormente contestando a sua incapacidade para autorizar a propositura da ação e a necessidade de aplicação de medidas de acompanhamento, até que seja ouvido pelo tribunal, já na fase de instrução (cfr. o n.º 2 do artigo 897.º e o artigo 898.º do C.P.C.). (…) só na hipótese de não se conseguir proceder à citação do beneficiário ou na hipótese de este não responder à petição inicial, apesar de citado, se procede à citação do Ministério Público para o mesmo efeito [cfr. o n.º 2 do artigo 895.º e o n.º 2 do artigo 896.º do Código, bem como os artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, n.º 1, alínea c), do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público]. (…)”.
Disponível na ligação:
https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/JULGAR41-07-ALSP.pdf
[7] Cujo sumário, entre outras coisas, refere:
“(…)
III) O interesse do Beneficiário está centrado na definição judicial de medidas de acompanhamento que lhe possibilitem o exercício dos seus direitos ou o cumprimento dos seus deveres, quando tal lhe seja difícil ou impossível por razões de saúde, deficiência ou comportamento. (…)
V) O Beneficiário tem legitimidade activa para a instauração do processo, admitindo o legislador a sua substituição processual convencional ou por meio de incidente de suprimento judicial de autorização. (…)
VII) Dada a natureza do interesse do Beneficiário, estritamente ligada à sua concreta pessoa e circunstâncias, não pode considerar-se que terceiro tenha interesse similar ao seu, não podendo ser deferido incidente de intervenção principal com este fundamento.
VIII) A substituição processual não se funda num interesse do substituto mas no interesse próprio do beneficiário que pela substituição é prosseguido, pelo que não pode fundar-se o incidente de intervenção principal em interesse de terceiro idêntico ao do substituto; satisfeito o interesse do Beneficiário mediante a instauração da acção encontra-se satisfeito o único interesse relevante.”
Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/dd16ade9ef65a655802586e0003b5747?OpenDocument
[8] Disponível na ligação:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/3f03ed3e4c6c65788025870900360006?OpenDocument
[9] In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição, Almedina, 2024, págs. 418 e 419, notas 1 e 2 ao artigo 326.º.
[10] In Op. Cit., Vol. II, 2ª edição, Almedina, 2024, pág. 343.
[11] In Op. Cit., Vol. II, 2ª edição, Almedina, 2024, pág. 461.