INCAPACIDADE POR ANOMALIA PSÍQUICA
CONFLITO DE INTERESSES
CONSELHO DE FAMÍLIA
Sumário

I – O acompanhante designado em processo de maior acompanhado deve ser, nos termos do artigo 143.º, n.º 1, do Código Civil, o escolhido pelo acompanhado, desde que este se revele detentor de uma vontade livre e esclarecida.
II – Não se encontrando o maior acompanhado detentor de uma vontade livre e esclarecida, devem aplicar-se as regras do n.º 2 do art. 143.º do Código Civil.
III – Não salvaguarda o interesse imperioso da beneficiária, a atuação do filho desta que participou em negócios jurídicos, já depois de a beneficiária necessitar de medidas de acompanhamento, através dos quais o estabelecimento de farmácia pertencente à beneficiária, bem como três imóveis a esta pertencentes, foram doados ou vendidos a si ou ao seu pai, sendo que, no que lhe foi doado, apenas foi constituído reserva de usufruto vitalício da totalidade do imóvel a favor do seu pai.
IV – Não salvaguarda igualmente o interesse imperioso da beneficiária, a atuação do filho desta que não auxilia a beneficiária, sua mãe, a ter o telemóvel em funcionamento, determinando, com esse seu comportamento, que esta fique incontactável, durante vários meses, e impedida de falar com os seus dois outros filhos, o seu irmão e demais familiares e amigos.
V – Havendo vários filhos da beneficiária deve, em princípio, ser nomeado conselho de família, para que os restantes filhos também possam participar nas decisões com maior impacto da vida da beneficiária e de igual modo fiscalizar o desempenho do acompanhante.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 621/22.0T8TVR.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]

I - Relatório
A requerente (…) [2] veio, ao abrigo dos arts. 138.º e 141.º, n.º 1, do Código Civil, e 891.º e seguintes, do Código de Processo Civil, propor ação especial de acompanhamento de maior relativamente a (…),[3] peticionando, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, sendo suprida a falta de consentimento da requerida e decretando-se o acompanhamento da mesma, por razões de saúde, sugerindo-se a si própria como acompanhante e indicando as medidas provisórias e urgentes que devem ser autorizadas.
Para o efeito alegou, em síntese, que a requerida nasceu em 14-01-1946, necessitando, atualmente, do apoio de terceiros pessoas para a prestação de alguns cuidados da vida diária, sendo que, ao longo dos últimos anos, a requerida tem vindo a manifestar alterações, ao nível da sua personalidade e das suas emoções, com agravamento progressivo do seu estado, evidenciando desorientação temporal, queixas mnésicas ao nível da memória recente, lentificação, astenia, apatia e desinteresse, evidenciando períodos depressivos.
Alegou ainda que a requerida passa os dias deitada na cama, só se levantando para ir à casa de banho e para comer, com manifesto descuido na sua higiene pessoal e nas tarefas diárias, acumulando em casa a loiça de vários dias por lavar e comida estragada no frigorífico, tendo ainda perdido a noção do valor do dinheiro.
Alegou igualmente que, em face dos vários exames médicos realizados, constatou-se que a requerida “(…) apresenta um quadro de defeito cognitivo caracterizado por alteração dos domínios de orientação temporal, atenção visual, controlo mental, memória verbal e funções executivas”, sendo que se registam “ainda alterações de humor caracterizadas essencialmente por sintomatologia depressiva com impacto significativo na vida diária”.
Alegou também que aqueles que são atualmente mais próximos da requerida, aproveitando-se da debilidade emocional e psíquica desta, lograram apropriar-se da totalidade do seu património, sem que disso a requerida tenha consciência, visto continuar a considerar tal património como seu, no entanto, nos últimos anos, tem sido transmitido, quer por doação (no que toca à farmácia designado por “Farmácia …” e a um dos três imóveis), quer por compra e venda, a preços irrisórios (no que toca aos outros dois imóveis), para a esfera patrimonial do seu ex-marido (…) e do seu filho (…), todo o seu património.
Alegou, de igual modo, que a requerida não possui qualquer consciência quer de ter outorgado procuração a favor do seu filho (...), quer de ter vendido ou doado os seus bens imóveis, afirmando nada ter recebido em troca das vendas que, na realidade, desconhece ter realizado, continuando a acreditar ser a dona e legítima proprietária desses imóveis.
Alegou ainda que a requerida tem três filhos e possui uma relação de afeto e confiança com a requerente, sua filha, contando com a mesma para a apoiar, em particular nas decisões relativas aos seus cuidados de saúde, pelo que deve ser a requerente a pessoa nomeada para exercer as funções de acompanhante da requerida.
Alegou, igualmente, que a requerida necessita, em função das reais necessidades, da aplicação das seguintes medidas de acompanhamento:
a) Representação legal da requerida em juízo;
b) Administração total de bens pertencentes à requerida (artigo 145.º n.º 2 al. c) e n.º 4 do Código Civil);
c) Limitação do direito pessoal de testar (artigo 147.º n.º 2 do Código Civil).
Alegou, por fim, que nos termos do art. 891.º, n.º 2, do Código de Processo Civil deve ser decretada medida provisória e cautelar no sentido de a requerida ficar provisoriamente impedida de alienar, onerar ou prometer alienar ou onerar bens imóveis, sem expressa autorização do Tribunal.
Notificada a requerida, veio a mesma apresentar contestação, solicitando, a final, que a ação seja julgada improcedente por não provada e, em consequência, seja indeferida a requerida proteção de acompanhamento da requerida.
Alegou, em síntese, que a essencialidade dos factos invocado pela requerente não corresponde à verdade, tendo a requerida autonomia na sua vida, sendo o único interesse da requerente nesta ação o de poder controlar o património da requerida.
Realizada à requerida, em 09-09-2023, a perícia médico-legal, na área da psiquiatria, concluiu-se que:
a) Qual a afetação de que sofre a Requerida;
- A Requerida, (…), nascida a 14.01.1946, sofre de: 1) Síndrome Demencial SOE [desde pelo menos 2017 (Código 6D8Z, da ICD-11, OMS-2018)]; 2) Doença Bipolar Tipo 2 – Episódio Atual Depressivo arrastado (Código 6A61.6, da ICD-11, OMS-2018); 3) Meningioma.
b) Quais as consequências daquela afetação, quer quanto à capacidade para governar os seus bens, quer quanto ao exercício de direitos pessoais como: dar autorização de forma livre e consciente ao acompanhamento; casar; constituir união de facto; cuidar e educar filhos ou adotados; deslocar-se autonomamente no país ou estrangeiro; fixar domicilio e residência; estabelecer relações com quem entender; testar, estabelecer testamento vital ou decidir sobre os tratamentos de que deva beneficiar;
- A requerida devido, maxime, às referidas afetações 1) e 2), pelo menos desde 2017, não tem autonomia para gerir a sua pessoa (e.g. exercício dos direitos pessoais e cumprimento dos deveres) e, em destaque, o seu património, a título permanente e irreversível.
c) Data provável do seu início;
- A incapacidade (com agravamento progressivo) teve início provável antes de 2017.
d) Quais os meios de apoio e de tratamento aconselháveis.
Conforme referido supra nas AVD, a requerida tem dependência ligeira a moderada nas atividades básicas, e grave nas instrumentais.
Deve manter o seguimento e tratamento pelas Especialidades Médicas de Neurologia e/ou Psiquiatria, Neurocirurgia (vigiar a neoplasia cerebral), além de Medicina Geral e Familiar.
Carece, progressivamente, da supervisão / assistência de terceira pessoa em todas AVD, seja em domicílio, Centro de Dia, ou, eventualmente, no futuro, em ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas).
Após realização das diligências solicitadas, o tribunal a quo proferiu, em 11-09-2024, sentença, com o seguinte teor decisório:
Face a todo o exposto, julga-se a presente acção procedente por provada, e consequentemente:
a) Por verificado fundamento atendível para o efeito, decide-se suprir a autorização da beneficiária (…) relativamente ao requerimento de acompanhamento apresentado pela sua filha (…) – art. 141º, nº 2, do Cód. Civil.
b) Decide-se e instaura-se o benefício do acompanhamento da maior (…);
c) Designa-se (…), filho da beneficiária, como acompanhante da maior (…);
d) Comete-se ao acompanhante o regime de representação geral (o qual abrange a administração de bens) da maior (…), incluindo a representação da beneficiária junto de quaisquer instituições públicas e privadas, a decisão acerca de actos relativos à saúde da beneficiária, a marcação de consultas e tratamentos, e consentimento para actos e tratamentos médicos;
e) Comete-se também ao acompanhante o acompanhamento na assistência/no assegurar das deslocações da beneficiária aos cuidados médicos e tratamentos clínicos da mesma, para comparência a consultas e tratamentos de que careça;
f) Comete-se ainda ao acompanhante o acompanhamento nos cuidados pessoais de que a beneficiária careça para o seu bem-estar, com o encargo da supervisão das condições em que se encontra a residência da beneficiária, nomeadamente assegurando a higiene, limpeza, salubridade e conforto, e, designadamente, no assegurar da higiene, do vestir e apresentação física da beneficiária, da alimentação, e toma da medicação que lhe seja prescrita, desideratos a concretizar por si próprio (pelo acompanhante) ou através de pessoa que o acompanhante contrate ou encarregue para o efeito;
g) Decide-se a privação da beneficiária (…) quanto ao exercício dos direitos de perfilhar ou de adoptar, e de testar, estabelecer testamento vital ou decidir sobre os tratamentos de que deve beneficiar;
h) Fixa-se o dia 01 de Janeiro de 2017 como data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes;
i) Declara-se a caducidade da aludida procuração outorgada pela beneficiária a 03 de Abril de 2021, por virtude desta decisão de acompanhamento, e a cessação dos poderes de representação que nessa procuração foram atribuídos pela beneficiária;
j) Refere-se a inexistência de testamento vital da maior (…);
k) Decide-se que o acompanhante manterá um contacto regular com a maior acompanhada (…), devendo visitá-la pelo menos com uma periodicidade diária;
l) Adverte-se o acompanhante de que deverá abster-se de agir em conflito de interesses com a maior acompanhada (…);
m) Por não verificada a sua necessidade, dispensa-se, por ora, a constituição do conselho de família;
n) Decide-se que estas medidas de acompanhamento deverão ser revistas no prazo máximo de 5 (cinco) anos;
o) Por verificado o interesse da beneficiária, determina-se que esta decisão judicial de acompanhamento seja comunicada ao serviço de registo civil competente, para averbamento ao assento de nascimento da maior acompanhada (…);
p) Determina-se que esta decisão judicial de acompanhamento seja também comunicada ao acompanhante (também ao qual a referida procuração atribuía poderes de representação do beneficiário).
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Sem custas, por delas estar isenta a beneficiária – art. 527º, nº 1, do NCPC, e art. 4º, nº 1, al. l), do RCP.
Fixo o valor da acção em € 30.000,01 – art. 303º, nº 1, do NCPC.
Registe e notifique.
*
Proceda ao pagamento das despesas com o exame e respectivo relatório.
Não se conformando com a sentença proferida, a requerente (…) veio, em 16-10-2024, interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Tem o presente recurso por objecto a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a acção procedente por provada, designando (…), filho da beneficiária, como acompanhante da beneficiária e dispensou a constituição do conselho de família por julgar não verificada a sua necessidade.
2. O objecto do presente recurso respeita, assim, exclusivamente à concreta designação do acompanhante e decisão de dispensa do conselho de família, não impugnando a Recorrente a necessidade de decretar o acompanhamento, nem a medida de acompanhamento decretada de representação geral.
3. Atenta a decisão sob recurso, entende a Recorrente que a mesma enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto e faz uma desadequada aplicação do Direito, violando o critério normativo que preside à escolha do acompanhante, nos termos do artigo 143.º do Código Civil.
4. Dispõe o artigo 891.º n.º 1 do CPC que o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
5. Encontrava-se, assim, o Tribunal habilitado a investigar livremente os factos, coligindo as provas relevantes, podendo recolher as informações que lhe parecessem necessárias nos termos do disposto no artigo 986.º n.º 2 do CPC.
6. Atento o juízo decisório sobre a prova produzida entende a Apelante que deve ser alterada a factualidade dada como provada e não provada, alterando-se, em consequência, o acompanhante designado.
7. Sustenta a Recorrente que se assiste a contradição na sentença sob recurso entre a decisão de suprimento da autorização da beneficiária e a aceitação de procuração forense outorgada pela beneficiária e contestação na presente acção judicial,
8. Tendo o Tribunal de 1.ª instância entendido dever suprir a autorização da beneficiária (…) relativamente ao requerimento de acompanhamento apresentado pela ora Recorrente por ter sido apurado através da perícia efectuada a afectação da beneficiária por síndrome demencial e pela consequente falta de autonomia da beneficiária para gerir a sua pessoa e o seu património, com défice de discernimento/juízo crítico (anosognosia) para o seu quadro clínico (e. g. humor depressivo, défices cognitivos e executivos), concluiu que a factualidade apurada evidencia que a beneficiária apresenta um quadro incapacitante que a impediu e impede de, livre e conscientemente dar uma tal autorização.
9. Porém, não obstante o reconhecimento de tal incapacidade, o Tribunal de 1ª instância não colocou em crise a procuração forense outorgada pela Requerida, nem a contestação apresentada em nome da mesma, não obstante ser manifesto que tal contestação não correspondia à vontade da Requerida.
10. Resultou, assim, que nos presentes autos o Ministério Público desempenhou uma função meramente acessória, por a beneficiária estar representada por mandatário forense.
11. Na verdade, a Requerida não tinha capacidade para outorgar procuração forense, nem a contestação corresponde à sua vontade, Todos estes factos invocados na contestação apresentada em nome da Requerida foram dados como não provados.
12. Entende ainda a Recorrente que se assiste no caso vertente à necessidade de ampliação da matéria de facto dada como provada com vista à correcta decisão de direito.
13. Com efeito não se compreende a razão pela qual o Tribunal a quo desconsiderou o Relatório de avaliação elaborado pelo Prof. Doutor (…) na sequência da consulta de neurologia realizada à Requerida no Hospital de Santa Maria em 24.11.2022, junto aos autos em 25.07.2023 por requerimento com a ref.ª citius 11519735, pela ora Recorrente.
14. Ora a informação clínica nele constante afigura-se relevante, não apenas para o esclarecimento da situação de saúde da Requerida (dado que apesar de tudo ficou devidamente estabelecido na sentença sob recurso) mas ainda para a ponderação do acompanhante a designar pelo Tribunal,
15. Resultando do mesmo relatório que cabia à ora Recorrente acompanhar a Requerida a estas consultas, mostrando-se, no entanto, deficiente o acompanhamento diário providenciado à Requerida no que respeita aos cuidados de saúde e apoio na toma diária da medicação, deixando aquele médico expressa a sua dúvida sobre a efectiva administração correcta da medicação à Requerida.
16. À data da realização desta consulta, a Requerida encontrava-se a residir habitualmente no Algarve, habitando o filho (…), desde Abril de 2021, no piso superior da casa onde a mesma reside, cabendo a este assegurar a administração da medicação diária à sua Mãe (Facto Provado sob o n.º 44).
17. Extrai-se, ainda, deste relatório que, em 2022, a Requerida via a sua filha ora Recorrente como sua auxiliar na garantia da prestação de adequados cuidados de saúde.
18. Entende ainda a Recorrente que deve ser ampliada a matéria de facto, dando-se como assente o relatório elaborado pelo Prof. Doutor (...) na sequência da não comparência da Requerida à consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria marcada para dia 04.09.2023, junto aos autos com o requerimento de 19.01.2024, ref.ª citius 12086003, pela ora Recorrente.
19. Como se deixou referido deste relatório extrai-se não apenas a falta de comparência da Requerida na mencionada consulta de neurologia, mas, sobretudo, a ausência de dispensa de medicação à Requerida.
20. É afirmado nesse relatório que a medicação prescrita à Requerida não chega sequer a ser levantada pelo que a Requerida fica privada da mesma.
21. Por se afigurar relevante em sede de escolha de pessoa a nomear para o cargo de acompanhante deve assim este relatório integrar a factualidade dada como provada.
22. Entende ainda a Recorrente que deve ser ampliada a factualidade assente no que respeita à situação de isolamento em que a Requerida se encontra e à responsabilidade de (…) por esta situação.
23. Deu o Tribunal a quo como demonstrados os Factos descritos como Factos Provados sob os n.ºs 50 a 53.
24. Não obstante, porém, a prova da impossibilidade dos filhos da Requerida (…) e (…), do seu único irmão (…), da sua sobrinha (…) e amigos próximos conseguirem contactar telefonicamente a Requerida, mais resultou da prova efectuada em julgamento que a Requerida estava colocada numa situação de isolamento, não sendo possível a estes familiares visitarem a Requerida em casa desta, falarem pessoalmente com ela e poderem livremente conviver com a mesma.
25. Sucede, porém, que o Tribunal a quo não deu relevância a tais factos, limitando-se a dar como provada a impossibilidade de contacto por via de telefone com a Requerida por o mesmo estar desligado, não cuidando sequer de aprofundar esta situação.
26. Resulta, no entanto, da prova testemunhal produzida que, para além do telefone da Requerida permanecer longos períodos desligado, tinha sido alterado o número do respectivo telefone sem que a Requerida desse sequer conta desse facto.
27. Assim a testemunha (…), sobrinha da Requerida, cujo depoimento foi prestado no dia 23.01.2024 com início às 10:28:54 e termo às 10:51:16, referiu, a minutos 4:13 do seu depoimento, ter pessoalmente verificado que o número de telemóvel da Requerida era um número novo.
28. Referiu esta testemunha que tinha estado pessoalmente com a Requerida no dia anterior à data daquela sessão de julgamento e que já não estava com ela há cerca de ano e meio/dois anos, não obstante ter procurado visitá-la.
29. A minutos 03:05 afirmou ter pessoalmente insistido junto do filho (…) e do ex-marido da Requerida, para visitar a Requerida e que estes lhe disseram que ela não queria falar com ninguém.
30. Também o irmão da Requerida, (...), no depoimento prestado na sessão de julgamento de 23.01.2024, com início pelas 10:51:30 e termo às 11:11.49, afirmou, a minutos 08:48, referindo-se à Requerida: “Ela desapareceu!”, reiterando, a minutos 16:23, nada saber sobre a irmã, descrevendo existir entre ambos uma relação próxima de muito afecto que tornava inexplicável tal afastamento.
31. Nesta matéria o filho da Requerida (…), no depoimento prestado na sessão de 23.01.2024, com início pelas 11:21:59 e fim às 11:35 36, declarou, a minutos 2:10 do seu depoimento, que há um ano não via a sua Mãe, tendo deixado de ter acesso a ela, afirmando, a minutos 03:48, que nem no dia de aniversário dela lhe conseguiu falar.
32. Disse, ainda, que no seu entendimento a mesma não obstante o divórcio continuava sob influência do ex-marido (minutos 11.54 do depoimento prestado).
33. Também a testemunha (…), no depoimento prestado a 23.01.2024, com início às 11:58:25 e fim pelas 12:17:21, colega de faculdade da Requerida e sua amiga muito próxima, referiu que, após mais de sete meses de afastamento, apenas na véspera conseguira ver a Requerida através da janela, que esta estava dentro de casa e falara com a testemunha e com a ora Recorrente que nessa ocasião a acompanhava, referindo, a minutos 2.11, que a Requerida tinha transmitido que a porta estava trancada e não a podia abrir por não ter as chaves de casa.
34. Referiu no seu depoimento esta testemunha que apesar de ter dois números de telemóvel da Requerida, há cerca de sete meses que a não conseguia contactar por qualquer deles, pelo que começara a enviar mensagens (minutos 09:14 e 10:47 do depoimento).
35. Acrescentou a minutos 11:58 do depoimento prestado, ter falado directamente com o ex-marido da Requerida sobre a necessidade de falar com esta, tendo o mesmo respondido que a Requerida não quereria falar com ninguém, o que para a testemunha não correspondia à verdade dada a profunda amizade existente entre ambas,
36. Afirma de forma expressiva esta testemunha, a minutos 15:02 do seu depoimento, sobre a Requerida; “Parece sequestrada!” “Está incomunicável.”
37. Referiu, por sua vez, a testemunha (…), afilhada da Requerida e residente em Tavira, no depoimento prestado no dia 22.02.2024, com início às 10:14:34 e termo às 10:27:44, a minutos 02:25, a falta de contactos com a Requerida nos meses anteriores e a dificuldade em contactá-la pessoalmente.
38. O próprio (…), ouvido como testemunha no dia 22.02.2024, cujo depoimento, na sessão da manhã, teve início às 12:18 e fim às 12:40, refere que a ora Recorrente tem comparecido no seu local de trabalho e faz pressão para falar com a sua Mãe (minutos 5:50).
39. Reconhece que também a sobrinha da Requerida (…) o procurou pessoalmente no sentido de conseguir falar com a Requerida.
40. Procurou a testemunha (…) convencer o Tribunal que as pessoas mais próximas da Requerida como os outros filhos, o irmão e a sobrinha tinham deixado de a procurar para depois referir, contraditoriamente, que, embora procurassem falar com a Requerida, esta tinha deixado de querer contactar com os mesmos, afirmando que tal atitude era uma opção da Requerida (minutos 13:38 do depoimento prestado na sessão da manhã).
41. A audição pessoal e directa da Requerida, realizada no dia 22.02.2024 e gravada na aplicação informática disponível no Tribunal de minutos 14:57:46 a 15:28:10, permitiu apreender a forma afectuosa como a Requerida fala dos filhos, do irmão e da sobrinha, manifestando gosto pelos convívios com os mesmos e afirmando, sem qualquer hesitação, que, caso soubesse que os mesmos lhe queriam falar, logo lhes ligaria de volta, esclarecendo que nada tinha contra a sua filha e que gostava de estar com a mesma (minutos 1:05:38).
42. Entende a Recorrente que resulta de forma clara da prova produzida acima indicada que “a Requerida, por directa actuação do filho (…) e do ex-marido (…), se encontra impedida de poder comunicar e conviver de forma livre e não condicionada com os seus filhos (…) e (…), demais familiares e amigos próximos”.
43. Devendo este facto integrar a factualidade dada como provada.
44. Ainda no que respeita à necessidade de ampliação da factualidade dada como provada em ordem à correcta decisão de direito entende a Recorrente que deverá ser dado como assente que actualmente a Requerida não é titular do direito de propriedade sobre quaisquer bens, tendo doado e vendido em 2017, 2018 e 2021 todos os bens que lhe pertenciam a seu filho (…) e ao ex-cônjuge (…).
45. Bem sabe o Tribunal que a Requerida actualmente não possui qualquer activo relevante, como expressamente resulta do despacho proferido a 02.05.2023, ref.ª citius 128193867, que indeferiu o pedido apresentado pela Requerente de medida provisória e urgente, que impedisse a Requerida provisoriamente de alienar, onerar, ou prometer alienar ou onerar bens imóveis, sem expressa autorização do Tribunal, com o fundamento que, na ausência de património imobiliário da titularidade da Requerida, se afigurava destituído de utilidade o decretamento de uma tal medida a título cautelar.
46. Afigura-se que tendo o Tribunal a quo reconhecido que após os negócios devidamente descritos na sentença no elenco dos Factos Provados a Requerida ficou sem qualquer imóvel no seu património, deveria este facto integrar a factualidade provada.
47. Sustenta ainda a ora Recorrente que enferma de erro o juízo probatório que recaiu sobre os factos dados como provados sob os n.ºs 41 e 42.
48. Com efeito nos termos do facto dado como provado sob o n.º 41 “Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada na sua pessoa, identificando-se correctamente, o seu nome, data e freguesia e concelho de nascimento, filiação e morada, e sabendo ainda identificar o nome dos seus três filhos.”
49. Referindo, por sua vez, o facto dado como provado sob o n.º 42 que “aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada no espaço e relativamente orientada no tempo, não tendo logrado identificar o dia do mês em que se encontrava.
50. Porém, ao contrário do que resulta destes factos, constata-se que a Requerida, cuja audição pessoal e directa no dia 22.02.2024 se encontra gravada na aplicação informática do Tribunal desde 14:57:46 a 15:28:10, não soube identificar o nome dos seus três filhos, referindo a minutos 45:45 que os nomes dos seus filhos eramos seguintes: (…), (…) e (…) e uma vez solicitada a indicar o nome completo de cada um dos seus filhos, a Requerida identificou-os da seguinte forma: (…), (…) e (…), omitindo o nome do seu filho mais velho (…) e referindo antes o nome do seu ex-marido.
51. Reiterou a minutos 01.10:43 que o seu filho mais velho se chamava (…).
52. Pelo exposto deve ser dado como Não provado que a Requerida haja conseguido identificar o nome dos seus três filhos, dado apenas se conseguir recordar de forma correcta do nome de dois deles.
53. Verifica-se, ainda, que a Requerida não soube indicar a sua morada habitual, tendo respondido a minutos 47:57 da sua audição que morava na Avenida da (…), n.º 9, 2º-Esq., em Lisboa, quando e encontra desde há várias décadas a residir no Algarve.
54. Deve, assim, ser dado como provado que a Requerida não soube identificar a sua morada actual.
55. Sucede que também no que respeita ao facto dado como Provado sob o n.º 42, resulta da audição pessoal e directa da Requerida que a mesma não apenas não conseguiu identificar o dia do mês em que estava, como não conseguiu identificar o próprio mês, referindo, a minutos 45:15, ter a convicção de que a data em causa correspondia ao mês de Maio.
56. Deve, assim, ser dado como Provado que a Requerida não se encontrava orientada no tempo não conseguindo identificar o dia nem o mês do ano em que se encontrava.
57. Entende a Recorrente que padece de erro o juízo probatório que julgou como não provada a factualidade constante dos factos elencados como Factos Não provados sob os n.ºs 4, 5, 9 e 17.
58. Sobre esta matéria prestou depoimento, na sessão de 23.01.2024, a testemunha (…), cujo depoimento teve início pelas 10:28:54 e termo às 10:51:16, tendo a mesma descrito, a minutos 10:18, ter estado presente com a Requerida em duas reuniões em Lisboa, a última das quais com a presença do seu pai, irmão da Requerida, nas quais lhe tinha sido relatado que a Requerida tinha doado e vendido ao filho e ao ex-marido os bens que lhe pertenciam, afirmando esta testemunha, a minutos 13:48 do seu depoimento, que a Requerida referiu, nessas duas ocasiões, não se recordar de ter assinado quaisquer documentos e que não sabia que a casa onde estava a morar já não era dela, tendo referido, a minutos 14:54 do seu depoimento, que a Requerida não percebia como é que tal tinha acontecido.
59. Por sua vez a testemunha (…), no depoimento, prestado no final da sessão da manhã do dia 22.02.2024, com início às 12:18 e fim às 12:40, referiu a minutos 21:03 “Não lhe foi retirado nada. Nesse âmbito foi tratado no seio familiar.”
60. Reafirmando a minutos 21:48 “A Mãe pensa que a farmácia é nossa.”
61. No depoimento prestado por esta testemunha, na sessão da tarde do dia 22.02.2024, com início às 14:18 e termo às 14:57:04, esclareceu a minutos 14:57, que o estabelecimento comercial de farmácia era seu, da sua Mãe e do seu Pai.
62. Relativamente à doação do imóvel feita a seu favor respondeu que o imóvel era da “sua família”. Explicou que que esta família era constituída por si, pelo seu Pai e pela sua Mãe.
63. A mesma explicação foi dada a propósito da compra e venda celebrada pelo mesmo (…), na qualidade de procurador da Requerida, com o (…), seu pai e ex-cônjuge da Requerida, não conseguindo esta testemunha, a minutos 20:41 do seu depoimento, explicar os preços declarados nem o destino do preço alegadamente pago.
64. Sobre os negócios realizados em 2017, 2018 e 2021 limitou-se a referir que os imóveis eram da família, chamado a explicar, a minutos 24:00, pelo Mmo. Juiz a quo, qual a vantagem retirada pela sua Mãe dos negócios realizados, a testemunha não soube identificar qualquer vantagem, limitando-se, a minutos 28:21, a afirmar que fôramos mesmos realizados por vontade da sua Mãe.
65. Não obstante reconhecer movimentar a conta bancária da Requerida através do cartão bancário, nada conseguiu esclarecer sobre o efectivo pagamento do preço dos imóveis, limitando-se a afirmar, a minutos 31:30 do seu depoimento, que recebeu um cheque e que o entregou à sua Mãe, reiterando, a minutos 37:13, ignorar o que sucedeu com o cheque.
66. Resulta directamente da audição pessoal e directa da Requerida que a mesma não tem consciência de tais doações, continuando a reconhecer, a minutos 1:02:07, o estabelecimento comercial de farmácia como seu,
67. Tendo ainda afirmado, a minutos 48:32 e a minutos 59:04, que a casa onde reside lhe pertence.
68. Esclareceu a minutos 49:29 que não se recorda de qualquer escritura relativa a uma farmácia e a minutos 50:15 que não se lembra de qualquer doação de um prédio.
69. Devem assim os meios de prova acima identificados, de forma conjugada com os documentos juntos aos autos, conduzir à Prova dos Factos acima elencados sob os n.ºs 4, 5, 9 e 17.
70. Impugna ainda a Recorrente o juízo probatório que recaiu sobre o facto dado como Não provado sob o n.º 11.
71. Deu o Tribunal a quo como não provado que a Requerida/beneficiária mantém a sua habitação num dos imóveis alienados, porém tratando-se de imóvel que lhe pertencia, construído pelo seu bisavô em 1903 como esclareceu o irmão da Requerida no depoimento prestado no dia 23.01.2024, e tendo o mesmo sido vendido ao ex-cônjuge em 07.06.2021 conforme certidão da escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Tavira junta aos presentes autos, afigura-se que face a esta prova deveria este facto ter sido dado como provado.
72. Impugna igualmente a Recorrente o juízo probatório que recaiu sobre o facto dado como Não provado sob o n.º 18.
73. Na verdade não se consegue compreender a razão pela qual o Tribunal deu como não provado que a Requerida não tem capacidade discernimento para apreender o significado da presente acção judicial de acompanhamento de maior, conforme Facto Não Provado sob o n.º 18 e, em simultâneo, entende que, face à incapacidade da Requerida, lhe cumpre suprir a autorização da beneficiária relativamente ao requerimento de acompanhamento apresentado pela ora Recorrente por ter sido apurado, através da perícia efectuada, a afectação da beneficiária por síndrome demencial e pela consequente falta de autonomia da beneficiária para gerir a sua pessoa e o seu património, com défice de discernimento/juízo crítico (anosognosia) para o seu quadro clínico (e.g. humor depressivo, défices cognitivos e executivos), concluindo que a factualidade apurada evidencia que a beneficiária apresenta um quadro incapacitante que a impediu e impede de, livre e conscientemente dar uma tal autorização.
74. Esta decisão padece, assim, manifestamente de contradição, havendo que dar como provado face às conclusões do exame pericial realizado, e, ainda, face à audição pessoal e directa da Requerida, que a mesma não tem capacidade de discernimento para apreender o significado da presente acção, devendo merecer juízo probatório como provado o facto descrito sob o n.º 18 dos Factos não Provados.
75. Impugna igualmente a Recorrente o juízo probatório que recaiu sobre o facto dado como Não provado sob o n.º 19.
76. Com efeito, deu o Tribunal a quo como não provado que “ A Requerida conta com a Requerente para a apoiar nas decisões relativas aos seus cuidados de saúde, aceitando as suas propostas e orientações em matéria de cuidados de saúde, expressando confiança nas decisões da mesma sobre questões de organização da respectiva vida diária.”
77. Entende a Recorrente que a prova testemunhal produzida sobre esta factualidade deve conduzir a diverso juízo probatório, devendo este facto ser julgado provado.
78. Com efeito, sobre esta matéria a testemunha (…), cujo depoimento, prestado no dia 23.01.2024, teve início pelas 10:28:54 e termo às 10:51:16, afirmou que era a Requerente que assegurava as idas aos médicos e que garantia que a Requerida tinha os cuidados de saúde que precisava.
79. Descreveu a relação entre a Requerida e a ora Recorrente como sendo uma relação especial e de proximidade.
80. Também a testemunha (…) no depoimento prestado em 23.01.2024, com início em 10:51:30 e termo às 11.11.49, referiu, a minutos 13:06, que a ora Recorrente gosta da Requerida e não gosta de ver a Mãe maltratada.
81. Por sua vez a testemunha Dra. (…), no depoimento prestado a 23.01.2024, com início a 11:58:25 e fim às 12:17:21, descreve, a minutos 14:06 do seu depoimento, a ora Recorrente como uma mulher responsável, com todos os conhecimentos necessários e carinhosa para com a sua Mãe, acrescentando, a minutos 15:53, que a Recorrente é cuidadosa e preocupada com a Mãe.
82. Também a testemunha (…), tendo prestado depoimento no dia 23.01.2024, com início às 11:37:42 e termo às 11:44:54, colega de faculdade da Requerida, descreve a ora Recorrente, a minutos 4:26, como cuidadora, com uma relação muito forte e próxima da Mãe (minutos 3.30), confiando esta na filha para a apoiar quando era preciso tratar de exames médicos ou consultas (minutos 03:08).
83. Descreveu, ainda, a minutos 03:50, a assistência prestada pela ora Recorrente a uma tia-avó idosa que ficou ao seu cuidado quando a Requerida alterou a respectiva residência e se mudou para o Algarve.
84. Também a testemunha (…), que prestou depoimento no dia 22.02.2024, com início pelas 10:14:34 e fim às 10:27:44, se referiu, a minutos 05:36 do seu depoimento, ao desgosto da Recorrente pelo estado em que via a sua Mãe e por não a conseguir ajudar devidamente.
85. Convoca-se, ainda, nesta sede, a informação resultante dos relatórios elaborados em 24.11.2022 e 4.09.2023 pelo Prof. Doutor (…), médico neurologista responsável pelo acompanhamento médico da Requerida no Hospital de Santa Maria até 2023, dos quais resulta que era a Recorrente que garantia a comparência da Requerida nas consultas e que lhe prestava apoio nos cuidados de saúde.
86. Nas declarações prestadas no dia 22.02.2024, com início pelas 15:37 e fim às 16:21, a Recorrente manifestou a sua disponibilidade para ser acompanhante da sua Mãe e garantir as adequadas condições de saúde e de assistência à sua Mãe (alimentação, medicação, e garantia de actividade social).
87. Descreveu, a minutos 10:45 do seu depoimento, o afastamento da Requerida dos restantes membros da família desde Julho de 2023, encontrando-se estes impedidos de poder comunicar com a Requerida.
88. Referiu, a minutos 12:24, que foi falar pessoalmente com o irmão (…) que lhe respondeu que ia falar com a mãe para lhe ligar.
89. Afirmou, ainda, a minutos 14:14 que tinha deixado de ter acesso a casa onde reside a sua Mãe.
90. Deixou expressa, a minutos 17:06 das suas declarações, a situação de condicionamento em que a sua mãe se encontra, não tendo liberdade para abrir a porta de casa à sua própria filha quando quer, encontrando-se com o telemóvel permanentemente desligado sem ter sequer consciência desse facto.
91. Há ainda que conjugar a prova testemunhal e por declarações de arte com a prova documental junta aos autos que conduziu à prova do facto n.º 49 dos Factos provados relativo ao acompanhamento da Requerida na consulta de neurologia no Hospital de Santa Maria em Lisboa, assegurado pela ora Recorrente.
92. Atento o depoimento prestado pelas testemunhas acima indicadas, bem como as declarações prestadas pela ora Recorrente afigura-se que deve ser dado como provado que “A Requerida conta com a Requerente para a apoiar nas decisões relativas aos seus cuidados de saúde, aceitando as suas propostas e orientações em matéria de cuidados de saúde, expressando confiança nas decisões da mesma sobre questões de organização da respectiva vida diária.
93. Finalmente entende a Recorrente que a decisão sob recurso padece de erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 143.º n.º 2 do CC.
94. Com efeito não se pode confundir o papel e função do acompanhante com a função do cuidador.
95. Não se trata aqui de escolher quem pela proximidade pode assegurar os cuidados diários à Requerida, mas antes de assegurar que a pessoa a nomear como acompanhante cuidará dos interesses da Requerida, assegurando que a mesma beneficiará dos cuidados de que precisa e será devidamente protegida.
96. Não obstante ter residência habitual em Lisboa a Recorrente tem capacidade e idoneidade para assumir o cargo de acompanhante, ao contrário do que sucede com o (…).
97. É certo que, na audição pessoal e directa da Requerida, a mesma, embora declarando ter uma relação de confiança por igual com cada um dos seus três filhos, manifestou preferência pela nomeação de (…) como seu acompanhante por ser com quem disse ter maior proximidade.
98. Afigura-se, porém, que, no caso concreto, existe fundamento atendível para não se seguir a escolha da Requerida, entendendo a Apelante que a escolha de (…) não obedece ao critério normativo fixado na lei.
99. Com efeito cumpria ao Tribunal a quo extrair conclusões dos factos dados como provados, ponderando-os em sede de apreciação jurídica da causa no que respeita à designação do acompanhante.
100. Extraindo-se da prova produzida que, fruto da actuação do filho (…), a Requerida não tem liberdade para poder conviver com os filhos, com o irmão, nem com os demais familiares e amigos próximos, tal situação não podia deixar de ser relevante na designação do acompanhante, já que o condicionamento a que a Requerida vem sendo sujeita representa uma limitação intolerável à sua autonomia, revestindo a natureza de maus tratos, que o tribunal de 1.ª instância não podia nem devia ter ignorado.
101. Acresce, ainda, que resulta da factualidade assente que (…) é directo interveniente nos negócios inexplicáveis celebrados desde 2017, através dos quais a Requerida ficou sem bens imóveis na sua esfera jurídica, apenas se tendo dado como provado que actualmente a Requerida aufere pensão de reforma que ronda os € 800,00 (oitocentos euros) mensais, cfr. Facto Provado n.º 56.
102. (…), ouvido na qualidade de testemunha, não soube explicar qual a racionalidade dos negócios celebrados, foi referindo que tudo ficou na “família”, nada conseguiu esclarecer sobre a fixação do preço na compra e venda celebrada nem sequer o destino do cheque por ele alegadamente recebido e que declarou ter entregue à Requerida. Inquirido directamente sobre qual o interesse da Requerida na celebração de tais negócios não conseguiu responder.
103. Resulta dos factos provados que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Tavira n.ºs (…) e (…), ambos da freguesia de (…), vendidos pelos preços de € 95.176,55 e € 32.328,20, em 2021 ao pai do (…), tinham sido anteriormente avaliados em 2017, no âmbito de um processo executivo que correu termos contra a Requerida e o seu ex-cônjuge, tendo-lhes sido então atribuído respectivamente o valor de € 277.400,00 (duzentos e setenta e sete mil e quatrocentos euros) e de € 99.600,00 (noventa e nove mil e seiscentos euros).
104. Em 07.06.2021 veio o mencionado (…), munido da procuração outorgada pela Requerida no dia vender estes imóveis a seu Pai, ex-cônjuge da Requerida, por um terço do valor real dos mesmos, não conseguindo esclarecer a razão da fixação de tal preço ou o destino dado ao cheque que segundo declarou na escritura ali lhe terá sido entregue.
105. Mais se apurou que a Requerida não tem sequer consciência de que actualmente nenhum imóvel lhe pertence, continuando na convicção de que é seu o estabelecimento de farmácia bem como o imóvel onde habita, em (…).
106. Encontrando-se pendente processo crime com o n.º 413/23.0T9TVR, conforme atesta o pedido de relatório pericial e da certidão da sentença aos presentes autos e como foi ainda transmitido por requerimento aos autos pela ora Recorrente, não cuidou o Mmo Juiz a quo de se assegurar que no caso vertente, não existia conflito de interesses capaz de afastar nos termos do disposto no artigo 1933.º al. g) do CC a nomeação de (…) como acompanhante da Requerida.
107. O Tribunal a quo, no caso vertente, não cuidou de valorizar de forma correcta a factualidade resultante da prova produzida e que acima se deixa destacada, a qual devidamente ponderada bem demonstraria que o interesse superior da Requerida impõe a escolha de acompanhante diverso do mencionado (…), encontrando-se disponível para exercer tal cargo a ora Apelante.
108. Entende, ainda, a Recorrente que atenta a situação em que a Requerida se encontra e a necessidade de tomar providências quanto à protecção dos respectivos direitos pessoais, garantindo o direito ao convívio com os seus familiares e amigos, e ainda quanto á tutela do seu património, designadamente promovendo a anulação dos actos realizados em seu prejuízo, se justifica, no caso vertente, a existência de conselho de família.
Pelo exposto e com o douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação, que desde já se invoca, deve ser dado provimento à presente apelação e, em consequência:
a) Ser ampliada a matéria de facto com vista à correcta decisão de direito;
b) Ser alterado o julgamento da matéria de facto nos termos ora peticionados;
c) Ser revogada a sentença recorrida no que respeita à designação de (…) como acompanhante da Requerida, nomeando em sua substituição a ora Recorrente;
d) Deve ainda ser nomeado o conselho de família.
Assim agindo cumprirão V. Exas. a Lei, fazendo a sã e costumada JUSTIÇA!
Em 23-10-2024, veio juntar aos autos um documento, que protestara juntar com as alegações de recurso.
O Ministério Público veio apresentar contra-alegações, pugnando pela procedência parcial do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
1.º No que concerne ao conselho de família o Ministério Público adere a todas as conclusões apresentadas pelo recorrente. Pelo exposto, e salvo melhor opinião em sentido contrário deve dar-se provimento, nesta parte ao recurso.
2.º Na escolha do acompanhante, o Tribunal a quo valorou e bem a escolha do acompanhante, (…) pelo que entendemos que não lhe assiste razão.
3.º Da matéria dos factos dados como provados resulta em suma, que (…) tem 78 anos reside no Largo Dr. (…), s/n, (…), Tavira e padece que de demência e perturbação afetiva bipolar, sendo tais doenças progressivas e irreversíveis.
4.º Em virtude do seu estado de saúde a beneficiária necessita de tomar medicação e de ajuda no cumprimento dos seus deveres necessitando de apoio de terceiro ou de alguém que a represente não só no que ao seu património diz respeito, mas igualmente nas atividades da vida diária.
5.º A beneficiária tem três filhos (…), (…) e (…), sendo este último o único que reside próximo da beneficiária.
6.º Se por um lado, o Tribunal a quo não descurou de apreciar a preocupação demonstrada pela recorrente no acompanhamento da beneficiária sua mãe no que concerne ao seu património e saúde, não descorou igualmente, de considerar que a beneficiária se demonstrava bem tratada e cuidada em virtude dos cuidados prestados pelo acompanhante nomeado.
7.º Desta feita, não havendo, por ora, razões para que a beneficiária não detenha de um acompanhante que a possa visitar diariamente e preste todos os cuidados que esta possa necessitar não se vislumbra qualquer razão para que seja designada a ora requerente ao invés do acompanhante designada na sentença.
8.º Daqui resulta que o Tribunal a quo valorou e bem o regime estatuído nos artigos 138.º, 140.º, 143.º e 146.º todos do Código Civil.
9.º Por todo o exposto, ser julgado improcedente o recurso, nesta parte, e manter-se o despacho recorrido, por não ser merecedor de reparo, dado ter decidido de harmonia com os princípios e normas legais aplicáveis.
Porém, V.ªs Exªs. melhor decidirão, fazendo a Habitual JUSTIÇA!
A requerida (…) veio apresentar contra-alegações, pugnando pela não admissão do recurso por intempestivo, ou, caso assim se não entenda, pela improcedência do recurso, devendo ser negada a admissão do documento apresentado e ordenado o seu desentranhamento.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo tal recurso sido admitido neste tribunal nos seus exatos termos.
Depois de os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Junção de documento;
2) Contradição na sentença;
3) Impugnação da matéria de facto;
4) Alteração do acompanhante designado; e
5) Nomeação de conselho de família.
III – Matéria de Facto
A 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1. A Requerida/beneficiária (…) nasceu a 14 de Janeiro de 1946, é natural da freguesia de S. Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa.
2. A Requerida/beneficiária (…) casou civilmente com (…) a 31 de Março de 1980, em segundas núpcias, tendo tal casamento sido dissolvido por divórcio declarado por decisão de 26 de Junho de 2019, proferida pela Conservatória do Registo Civil de (…), em acta de conferência.
3. A Requerente (…) nasceu a 20 de Julho de 1975, e é filha da Requerida/beneficiária (…) e de (…), o primeiro marido da Requerida/beneficiária.
4. A Requerida/beneficiária (…) tem um outro filho, (…), divorciado, nascido a 27 de Novembro de 1965, e também filho de (…).
5. A Requerida/beneficiária (…) tem ainda um outro filho, (…), maior, e também filho do primeiro marido da Requerida/beneficiária, (…). (Alterado, conforme fundamentação infra)
6. O (…) reside em (…).
7. A Requerida/beneficiária (…) tem um irmão, (…).
8. A 21/08/2017, no Cartório Notarial em Tavira, foi outorgada escritura pública de “Doação”, em que foram primeiros outorgantes a ora Requerida/beneficiária (…), na altura casada com (…) sob o regime da comunhão de adquiridos, e o advogado (…), na qualidade de procurador em representação do então marido da Requerida (…), e segundo outorgante (…), filho da ora Requerida/beneficiária, na qualidade de único sócio e gerente em representação da sociedade unipessoal por quotas (…) – Unipessoal, Lda., na qual os PRIMEIROS OUTORGANTES declararam:
“- Que, pela presente escritura, sem qualquer reserva ou encargo, DOAM à sociedade representada do segundo, o estabelecimento comercial de Farmácia, designado por “Farmácia (…)”, sito no Largo Dr. (…), s/n, em (…), freguesia da União das Freguesias de Luz de Tavira e Santo Estêvão, concelho de Tavira, instalado no prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo (…) da referida freguesia, com todos os direitos e obrigações inerentes, designadamente os ativos e passivos, incluindo o alvará número quatro mil e cinquenta e dois (4052), emitido pelo “INFARMED – Autoridade Nacional do. Medicamento e Produtos de Saúde, L-P.”, em seis de Outubro de dois mil e oito – atribuindo a este bem o valor de vinte mil euros”,
E na qual o SEGUNDO OUTORGANTE declarou:
“- Que aceita para a sociedade sua representada esta doação nos termos exarados, a qual serve à prossecução do respetivo objecto social”.
9. A 10/12/2018, no Cartório Notarial em Tavira, foi outorgada escritura pública de “Doação”, em que foi primeira outorgante a ora Requerida/beneficiária (…), na altura casada com (…) sob o regime da comunhão de adquiridos, segundo outorgante (…), na qualidade de procurador em representação de seu pai, o referido (…), e terceiro outorgante (…), aqui outorgando por si,
Na qual a PRIMEIRA OUTORGANTE declarou:
“- Que é dona e legítima possuidora, com a natureza de bens próprios, dos seguintes prédios urbanos, sitos em (…), (…), freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, concelho de Tavira:
a) prédio urbano composto por edifício térreo com várias divisões e quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela apresentação (…), do dia três de Março de mil novecentos e noventa e nove, inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 93.770,00, igual ao atribuído para efeitos deste ato;
- Que sobre este imóvel incide registada uma penhora pela apresentação (…) do dia vinte e três de Março de dois mil e quinze;
b) prédio urbano composto por edifício térreo com várias divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), onde se encontra registada a aquisição a seu favor pela apresentação (…), do dia vinte e sete de Julho de mil novecentos e noventa e três, inscrito na matriz sob o artigo (…), com origem no artigo (…) da extinta freguesia de (…), com o valor patrimonial tributário de € 31.880,00, igual ao atribuído para efeitos deste ato.
- Que sobre este imóvel incide registada uma penhora pela apresentação (…) do dia vinte e três de Março de dois mil e quinze.
- Que, pela presente escritura, DOA os referidos imóveis, sem qualquer reserva ou encargo e por conta da sua quota disponível, a seu referido marido, (…), representado do segundo outorgante, por valor igual ao respetivo valor patrimonial tributário”,
Na qual o segundo outorgante declarou:
“- Que aceita esta doação para o seu representado nós termos exarados,”,
Na qual a PRIMEIRA e SEGUNDO OUTORGANTES declararam ainda:
“- Que pela presente, a primeira outorgante e seu- marido, ora representado pelo segundo outorgante, DOAM ao terceiro outorgante, filho dos doadores, por conta da sua quota disponível, e com reserva do usufruto vitalício da totalidade do imóvel a favor do doador marido, o prédio urbano composto por edifício térreo com várias divisões, também sito em (…), (…), freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, concelho de Tavira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), onde se encontra registada a aquisição a favor dos doadores pela apresentação (…), do dia vinte e quatro de Julho de mil novecentos e oitenta e nove, inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário correspondente aos direitos transmitidos de: a nua-propriedade de € 14.959,00, e o direito a metade do usufruto de € 3.205,50.
- Que também sobre este imóvel incide registada uma penhora pela apresentação (…) do dia vinte e três de Março de dois mil e quinze”,
E na qual o TERCEIRO OUTORGANTE declarou também:
“- Que aceita esta doação nos termos exarados.”.
10. A 03/04/2021, no Cartório em Tavira, a ora Requerida/beneficiária (…), já divorciada, outorgou “Procuração” na qual declarou o seguinte:
“- Que constitui seu bastante procurador seu filho (…), solteiro (…) residente na mesma morada, Largo Dr. (…), s/n, (…), Tavira, a quem com a faculdade de substabelecer, no todo ou em parte, confere os poderes em direito necessários para, com livre e geral administração civil e sem qualquer espécie de limitação ou restrição, reger, gerir e administrar conforme melhor entender, todos o seus bens, direitos e ações.
- Confere-lhe ainda os poderes especiais para:
- vender, trocar, dar em pagamento ou cumprimento, dividir ou demarcar e/ou por qualquer forma alienar ou onerar, nos termos e condições que entender, designadamente vendendo ao próprio procurador ao ex-marido da mandante, (…), os seguintes imóveis, podendo receber o preço e prestar quitação:
a) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…);
b) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…);
c) prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…);
- para dar de hipoteca os identificados imóveis, para garantia de todas e quaisquer responsabilidades a contrair ou já contraídas pelo procurador e pelo ex-marido da mandante, (…), nos termos e condições que entender;
- comprar quaisquer bens móveis ou imóveis ou direitos sobre estes;
- alugar e dar de aluguer, arrendar e tomar de arrendamento ou trespasse quaisquer bens móveis ou imóveis ou direitos sobre estes, designadamente os acima mencionados:
- movimentar e encerrar todas e quaisquer tipos de contas bancárias em seu nome, sejam elas à ordem, a prazo, a crédito e a débito, designadamente fazer levantamentos antecipados das contas a prazo, transferências, sem limite de valor, assinar cheques, consultar extrato de contas, bem como abrir e encerrar contas, abertas em todos e quaisquer Bancos ou Instituições de Crédito e/ou estabelecimentos especiais de crédito, nomeadamente no (…) Banco e Banco (…), podendo também para o efeito depositar e levantar capitais, assinar recibos ou cheques, fazer pedidos de segundas vias de depósitos a prazo, pedidos de segundas vias de cadernetas, levantamentos por antecipação dos depósitos a prazo, requisição de livros de cheques, endossar e sacar cheques, pedir extratos de contas, renovar o prazo dos depósitos a prazo, assinar, levantar e subscrever, comprar e vender ações na bolsa e nos Bancos, resgatar total ou parcialmente e igualmente antecipado de toda a carteira de produtos existentes em nome do outorgante/mandante, assinando tudo o que para esses fins seja necessário;
- comprar e vender quaisquer veículos automóveis, e para tal representá-lo junto das competentes entidades públicas ou privadas;
- submeter quaisquer projetos, suas alterações ou reapreciação, requerer pedidos de informação prévia e efetuar junto da Câmara Municipal qualquer outro tipo de pedidos e requerimentos de licenças e autorizações para construção, incluindo alvarás de licença de demolição, construção, reconstrução, restauração, utilização e alojamento locai, bem como poderes para agir em sua representação, nomeadamente em procedimentos administrativos;
- receber em quaisquer lugares inclusive nos CTT, quaisquer quantias, objetos ou valores, cartas registadas ou não, e tudo o que se apurar pertencer-lhe seja a que título for, assinando os competentes recibos e quitações ou protocolos;
- a representar perante todas as repartições públicas, entidades e indivíduos, nomeadamente, tribunais ou juízes, em todos e quaisquer processos, seus incidentes e recursos, usando dos mais amplos poderes forenses em direito permitidos, devendo, quanto a estes, substituir-se por Advogado, quando tenha de recorrer a juízo, podendo, em nome dele outorgar, assistir a audiências preparatórias, para tentativas de conciliação, transigindo, confessando e desistindo do pedido ou da instância em qualquer ação, seja de que natureza for, assinando os respetivos termos de responsabilidade, depois de requerer penhoras e arrematações;
- a representar junto de qualquer empresa de seguros, gás, eletricidade, telefone, água, internet ou televisão, em todos os assuntos que direta ou indiretamente lhe digam respeito, estabelecendo com as mesmas quaisquer contratos, nos termos que tiver por convenientes, podendo alterá-los e cancelá-los;
- junto de Conservatórias do Registo Predial, Civil ou Comercial, requerer quaisquer atos de registo (…) incluindo cancelamentos e/ou averbamentos (…) e prestar declarações complementares;
- a representar junto do Serviço de Finanças e aí requerer quaisquer avaliações fiscais e isenções de impostos ou juros, ou cancelar essas isenções, liquidar e pagar contribuições e impostos, reclamar contra os indevidos ou excessivos pagamentos destes, para apresentar declarações ou requerimentos junto do Serviço de Finanças, nomeadamente para apresentar o “Modelo 1 do Imposto Municipal sobre Imóveis”, IRS;
- usar ou não do direito de preferência em quaisquer contratos, para outorgar e assinar quaisquer contratos de promessa de compra e venda dos identificados imóveis, recebendo o sinal ou os seus reforços;
- (…)
- e, finalmente, praticar, promover, requerer e assinar tudo o mais que se mostrar conveniente à prossecução dos aludidos fins.
- Que a presente procuração é também outorgada para o mandatário celebrar negócio consigo mesmo, ficando desde já expressamente dado o consentimento previsto no n.º 1 do artigo 261.° do Código Civil”.
11. A 07/06/2021, no Cartório Notarial em Tavira, foi celebrada escritura pública de “Compra e Venda”, na qual foi primeiro outorgante o filho da Requerida/beneficiária, (…), que outorgou na qualidade de procurador em representação de sua mãe (…), conforme procuração que ali ficou arquivada, e segundo outorgante (…), já divorciado da Requerida,
Na qual o primeiro outorgante declarou:
“- Que pelo preço global de cento e vinte e sete mil quinhentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos (€ 127.534,75), já recebido para a sua representada, a mesma VENDE ao segundo outorgante, sem quaisquer ónus ou encargos, os seguintes prédios urbanos, sitos em (…), (…), freguesia de Luz de Tavira e Santo Estêvão, concelho de Tavira:
a) pelo preço de noventa e cinco mil cento e setenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos, vende o prédio urbano composto por edifício térreo com várias divisões e quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 95.176,55, igual ao atribuído para efeitos deste ato;
b) e pelo preço de trinta e dois mil trezentos e cinquenta e oito euros e vinte cêntimos, vende o prédio urbano composto por edifício térreo com várias divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial tributário de € 32.328,20, igual ao atribuído para efeitos deste ato.”,
Na qual o segundo outorgante declarou:
“- Que aceita esta venda nos termos exarados, destinando o imóvel identificado na alínea a) a sua habitação própria e permanente.”,
E na qual ambos os declarantes declararam ainda:
“- Que o referido preço é pago neste ato através do cheque n.° (…), sacado sobre o (…) Banco”.
12. O (…), filho da Requerida/beneficiária, tem sido o único sócio e gerente da sociedade (…) – Unipessoal, Lda., desde que a mesma foi constituída em Julho de 2017.
13. O valor real do referido prédio urbano descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), avaliado em 09/01/2017, era de € 277.400,00 (duzentos e setenta e sete mil e quatrocentos euros).
14. O valor real do referido prédio urbano descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), avaliado em 09/01/2017, era de € 99.600,00 (noventa e nove mil e seiscentos euros).
15. No âmbito do processo executivo n.º 5430/15.0T8LSB, do Juízo de Execução de Lisboa – J4, movido pelas Exequentes (…) Algarve, SGPS SA., (…), e (…) Imobiliária, S.A., contra a ora Requerida e o (…), sendo o valor da dívida exequenda de 1.779.890,32 (um milhão, setecentos e setenta e nove mil oitocentos e noventa euros e trinta e dois cêntimos), foi realizada a venda judicial do prédio urbano descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de Tavira (…), do prédio misto descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de Tavira (…), e do prédio rústico descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de (…).
16. O prédio urbano descrito na CRP de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de Tavira (…), resultou da anexação dos prédios descritos sob os nºs (…) e (…), o primeiro havia sido doado à Requerida/beneficiária com a cláusula de incomunicabilidade ao cônjuge, e o segundo havia sido comprado pela ora Requerida, em ambos os casos no estado de casada com (…) no regime da comunhão de adquiridos.
17. Os prédios descritos na CRP de Tavira sob o n.º (…), da freguesia de Tavira (…), e o n.º (…), da freguesia de (…), haviam sido adquiridos pela ora Requerida por partilha por morte de (…).
18. Em 07/09/2021, foi realizado exame de avaliação neurológica à Requerida / beneficiária (…), pela psicóloga Drª (…), especialista em psicologia clínica e da saúde, com recurso a entrevista/avaliação clínica com provas e acesso a exames de neuroimagem (RM-CE, TC-CE e EEG datados de julho 2021)., e, à data, a respeito da Requerida/beneficiária, de acordo com o respectivo relatório:
“(…)
A Dra. (…) compareceu na avaliação acompanhada por um familiar.
Foram relatadas queixas mnésicas ao nível da memória recente, discurso espontâneo quase inexistente, e lentificação; astenia, apatia e desinteresse (ex. passa o dia na cama e levanta-se para o WC e para comer, recusa sair de casa), descuido na higiene pessoal e nas tarefas diárias (ex. loiça de vários dias para lavar, comida podre no frigorífico), perda da noção do dinheiro (ex. oferece gorjetas elevadas, pede elevadas quantias de dinheiro para ter em casa, não recorda o dinheiro que já possui na carteira). Não é conhecido o início das queixas.
(…)
Não foram observados sinais de ansiedade ou de depressão. Compreendeu sem dificuldade as instruções das provas.
(…)
Linguagem
Observou-se um discurso pobre (baixo débito), sem sinais de disartria, e sem pausas anémicas.
Alteração ligeira na fluência verbal semântica (Fluência Verbal).
Compreensão auditiva-verbal de ordens simples e complexas (TokenTest) globalmente mantida.
Sem alterações na nomeação de cores e de formas (Token: cor), nomeação através de imagens (PALPA-P), no conhecimento e compreensão das palavras e capacidade lexical para explicar os conceitos (Vocabulário), na escrita e na leitura.
Memória e aprendizagem
Alterações ligeiras na evocação imediata e a longo termo (30 minutos) (AVLT), na memória verbal para palavras isoladas após interferência breve (Memória Verbal com Interferência), e na memória de dígitos (Memória de Dígitos – ordem direta).
Sem alterações no reconhecimento diferido (30 minutos) (AVLT), na capacidade de aprendizagem (AVLT), na memória semântica (Informação), e na memória visual.
Atenção e velocidade de processamento de informação Alteração ligeira na atenção sustentada áudio-verbal (Memória de dígitos-ordem direta).
Atenção dividida (TMT B) globalmente mantida.
Sem alterações na atenção seletiva (Corte A's), e na atenção sustentada (TMT A).
Sem alterações na velocidade de processamento de informação sequencial (TMT A) e não sequencial (Corte A's), de informação alternada (TMT B), e na velocidade de processamento com recurso à memória visual (Códigos).
Funções executivas
Tarefas dual-task globalmente mantidas (Token Test).
Sem alterações no raciocínio lógico verbal (Provérbios) e não verbal (PM-47 AB), na memória de trabalho (Memória de Dígitos-Ordem inversa), na flexibilidade mental (Fluência Verbal Fonológica; TMT B-A), no planeamento de ação (Procura de Chaves), Categorização (Semelhanças), conceptualização (Teste do relógio), automonitorização (iniciativa Grafomotora), e na sequenciação (TMT A).
Orientação
Orientação espacial, auto e alo psíquica mantidas. Tendência para a desorientação temporal.
Capacidade visuo espacial/visuoconstrutiva
Sem alterações na capacidade visuo percetiva de figuras simples (Cópia Figuras EMW), na capacidade (Teste do Relógio).
Sintomatologia
Revelou sintomatologia ansiosa pouco significativa, e sintomatologia depressiva ligeira a moderada (HADS).
Noutra prova (GDS) revelou ausência de sintomatologia depressiva. Esta diferença poderá dever-se ao facto desta prova ser de resposta dicotômica (sim/não), o que poderá ter condicionado as respostas.
Funcionalidade
De acordo com as informações fornecidas, a sua funcionalidade básica e instrumental nas atividades de vida diária encontra-se comprometida (IADL; CDR).
Alterações na personalidade (abandono de hobbies, diminuição da iniciativa, necessidade de maior atenção, diminuição da atenção pelos sentimentos dos outros) e emoções (dificuldade em lidar com a frustração, aplanamento dos afetos, irritabilidade, embotamento das respostas emocionais, aumento da apatia) (BLESSED; CDR). Não foi possível um melhor esclarecimento na CDR devido a informações insuficientes.
Possibilidade de anosognosia para os défices (relata com convicção que se sente bem).
Conclusão
O perfil neuropsicológico da Dra. (…) revelou, ao nível da memória episódica, uma alteração ligeira na evocação imediata com perda de informação a longo termo, e com a capacidade de reconhecimento diferido mantida. Estes dados sugerem dificuldades ao nível da recuperação da informação.
Revelou alterações ligeiras na memória verbal com interferência.
As restantes provas de memória aplicadas encontram-se mantidas.
Nos restantes domínios cognitivos avaliados, revelou alterações ligeiras na fluência verbal espontânea, e na atenção sustentada áudio-verbal, e observou-se tendência para a desorientação temporal A dificuldade atencional encontrada poderá, em parte, ter influenciado os resultados de algumas provas.
As restantes provas aplicadas encontram-se mantidas.
Ao nível emocional, revelou sintomatologia ansiosa pouco significativa, e sintomatologia depressiva com significado clínico.
De acordo com as informações fornecidas, a sua funcionalidade básica e instrumental nas atividades de vida diária encontra-se comprometida.
As alterações ao nível da personalidade e emoções poderão ser explicadas, apenas em parte, pelo quadro psicopatológico encontrado.
Relativamente à capacidade de decisão, os dados clínicos obtidos, nesta avaliação, revelaram comprometimento ao nível de alguns dos processos implicados nas tomadas de decisão (ex. atenção, gestão e controlo das emoções e do comportamento).
Tendo em conta os dados clínicos disponíveis, o perfil neuropsicológico encontrado (com predomínio de alterações mnésicas, mas também ao nível da fluência verbal, com alterações emocionais e comportamentais) poderá ser integrado no contexto do quadro neurológico atual.
No entanto, não é de excluir a hipótese de um processo neurodegenerativo.
Recomenda-se a necessidade de supervisão de terceiros, e a elaboração de um plano de intervenção neuropsicológica centrado na atenção, na memória e linguagem, e em estratégias de manutenção da sua funcionalidade necessária às suas atividades diárias; e atividades ocupacionais.
Sugere-se uma reavaliação neuropsicológica dentro de 6 meses a um ano para monitorização do perfil neuropsicológico encontrado.
(…)”.
19. Em 29/03/2022 foi realizada avaliação neuropsicológica à Requerida/beneficiária (…), pela psicóloga Drª (…), e, à data, de acordo com o respectivo relatório:
“(…)
Anamnese
A Sr." Dr.ª (…) foi encaminhada para a consulta de neuropsicologia para avaliação das funções nervosas superiores.
Em anamnese foram referidas dificuldades ao nível da recuperação de material episódico recente, pese embora a própria não as reconheça (provável anosognosia). Segundo a filha da Sr.ª Dr.ª (…), também presente na consulta, estas dificuldades terão surgido há cerca de 5 anos e apresentam um agravamento gradual.
Para além dos sintomas cognitivos, registam-se ainda antecedentes de perturbação do humor, caracterizada por períodos de sintomatologia depressiva grave e pontuais períodos de euforia, verborreia e insónias. Actualmente, a Sr." Dr.ª (…) revela um marcado embotamento emocional, diminuição da iniciativa, sonolência e lentificação psicomotora.
No que diz respeito à autonomia, a Sr.ª Dr.ª (…) necessita actualmente do apoio de terceiros para realizar algumas das actividades instrumentais de vida diária mais complexas, bem como de supervisão em algumas das actividades básicas (banho e vestir).
Avaliação neuropsicológíca
1. Funcionamento cognitivo
1.1. Orientação pessoal, temporal e espacial (BLAD): ligeira desorientação temporal. Sem alterações ao nível da orientação pessoal e espacial.
1.2. Atenção e controlo mental
- Atenção selectiva (prova de barragem de letras): compromisso ligeiro, por diminuição do número de estímulos-alvo identificados;
- Atenção sustentada (TMT A) e dividida (TMT B): compromisso ligeiro caracterizado por alteração da pesquisa visual estratégica;
- Controlo mental (nomeação de sequências pré-adquiridas por ordem inversa); dificuldade na nomeação de sequências pré-aprendidas por ordem inversa.
1.3. Linguagem (Bateria de Lisboa para Avaliação das Demências - BLAD e Token test)
- Nomeação de objectos por confronto visual: sem alterações;
- Repetição de palavras e frases: sem alterações;
- Compreensão de ordens simples e complexas: sem alterações;
- Leitura e escrita: sem alterações.
1.4. Memória verbal
Memória de trabalho (prova de memória de dígitos (BLAD): sem alterações;
Memória episódica imediata e diferida (prova do memória lógica, BLAD): sem alterações na recuperação espontânea imediata. No entanto, regista-se um compromisso grave na capacidade de manter o traço mnésico após interferência, sugerindo alteração da capacidade de armazenamento de material episódico verbal;
- Capacidade de aprendizagem (prova dos pares de palavras e CVLT): sem alterações significativas, pese embora se registe uma discreta dificuldade no armazenamento de associações verbais não relacionadas.
1.5. Memória visual imediata (BLAD): sem alterações.
1.6 Cálculo escrito (BLAD): sem alterações, pese embora se tenham registado sinais de discreta distractibilidade.
1.7. Pensamento abstracto verbal (Interpretação de provérbios) e não verbal (Matrizes Progressivas de Raven coloridas): sem alterações.
1.8. Funções executivas:
- Iniciativa motora (Séries de Luria): compromisso moderado, por dificuldade no planeamento motor da alternância de respostas motoras complexas;
- Iniciativa verbal (Semântica e fonológica): sem alterações na componente semântica. Compromisso ligeiro na componente fonológica.
- Iniciativa grafomotora (Séries de Luría): sem alterações;
- Controlo inibitório e sensibilidade à interferência (FAB): discreta dificuldade na inibição da resposta preponderante.
1.9. Praxias buco-linguo-faciais, ideomotora e ideativa: sem alterações.
1.10. Gnosias tácteis e visuais, grafestesia e digitognosia: sem alterações.
1.11. Capacidades visuo-construtivas (Provas do cubo e do relógio): sem alterações.
2. Humor
2.1 Foi aplicado um questionário de auto-reporte para avaliação do humor (Hospital Anxiety and Depression Scale) que revelou a presença de sintomatologia depressiva (anedonia, tristeza, desânimo e lentificação). Sem evidências de sintomatologia ansiosa relevante.
3.1. Lateralidade: homogénea, definida funcionalmente à direita no plano manual, pedal, ocular e auditivo.
3.2. Discurso espontâneo: fluente e coerente, apesar de se registar baixo débito, lentificação e diminuição da intenção comunicativa.
3.3. Comportamento em prova: consciente e colaborante, pese embora se registe um marcado embotamento emocional, acompanhado por apatia e diminuição da iniciativa.
3.4. Nível funcional (Instrumental Activities of Daily Living e Índice Katz:
necessita actualmente do apoio de terceiros para realizar algumas das actividades instrumentais de vida diária mais complexas, bem como de supervisão em algumas das actividades básicas (banho e vestir).
Conclusão
A Sr.ª Dr.ª (…) apresenta um quadro de defeito cognitivo caracterizado por alteração dos domínios da orientação temporal, atenção visual, controlo mental, memória verbal e funções executivas. Para além destes sintomas, registam-se ainda alterações do humor caracterizadas essencialmente por sintomatologia depressiva com impacto significativo na vida diária.
Actualmente, a Sr.ª Dr." (…) necessita do apoio e supervisão de terceiros em algumas das actividades instrumentais de vida diária.
Com base nos resultados da presente avaliação sugere-se:
Implementação de plano de intervenção neuropsicológica, contemplando treino cognitivo e aquisição de estratégias de compensação;
- Acompanhamento psicoterapêutico para controlo das alterações do humor;
- Acompanhamento domiciliário que assegure a toma da medicação e uma correcta alimentação;
- Reavaliação no prazo de 12 meses para controlo evolutivo.
(…)”.
20. A 11/05/2022 e 04/11/2022, a Requerida/beneficiária (…) foi sujeita a avaliação médico-psiquiátrica, pela psiquiatra Drª (…), e, de acordo com o respectivo Parecer Médico-Psiquiátrico:
“(…)
5. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Com os dados colhidos na avaliação clinico-forense realizada e da consulta dos documentos disponibilizados para análise, não ficou claro quais as patologias de que padece a Examinanda, admitindo- se inclusivamente a existência de vários diagnósticos.
Os exames imagiológicos realizados em Julho de 2021 revelaram a presença de uma lesão tumoral expansiva extra-axial fronto-temporal esquerda, com cerca de 2 cm de maior diâmetro, condicionando moldagem do tecido cerebral adjacente, compatível com Meningioma (CID-101: D 32.9, OMSJ, 1992), estando também descrita " Leucoencefalopatia microangiopática crónica ligeira, Fazekas tipo I". Nessa mesma altura realizou electroencefalogramas que revelaram actividade lenta focal fronto-temporal bilateral independente de predomínio esquerdo, alterações provavelmente devidas à compressão condicionada pelo meningioma. Por sua vez, uma avaliação neuropsicológica realizada em 2021 revelava já alterações em vários domínios cognitivos, que não seriam explicados apenas pela sintomatologia depressiva apresentada, tendo sido aventada a hipótese de existir um quadro neurodegenerativo em curso, de natureza progressiva e irreversível, compatível com o diagnóstico de uma Perturbação Neurocognitiva Major, i.e., uma Demência não especificada (CID-10: F 00.9, OMS, 1992).
Por sua vez, estão descritos desde data não concretamente apurada, aparentes flutuações do humor com episódios descritos como depressivos e maniformes que foram considerados pelo neurologista como integrando o diagnóstico de Perturbação Afectiva Bipolar (CID-10: F 31, OMS, 1992). Esta patologia poderia justificar, pelo menos em parte, alguns dos défices cognitivos descritos nas avaliações neuropsicológicas. Com efeito, estão descritos défices em vários domínios cognitivos nos indivíduos com Doença Bipolar, mesmo nas fases de remissão sintomática34. Dito isto, temos sérias dúvidas que os sintomas do humor sejam explicados por uma entidade autónoma como a Perturbação Bipolar, uma vez que a descrição é de sintomatologia maioritariamente apática, amotivacional e abúlica, o que poderá ser explicado pelo meningioma. Com efeito, o menigioma diagnosticado em exames realizados no ano 2021 estará presente há muitos anos, admitindo-se, face ao seu tamanho actual, que possa ter vindo a desenvolver-se há pelo menos 10-15 anos. Existe a possibilidade que as variações do humor possam ter sido causadas, pelo menos em parte, pela compressão que o meningioma foi condicionando no parênquima cerebral contiguo (no córtex frontal) conforme foi crescendo. Admite-se que os sintomas não tenham sido mais exuberantes e que não chegou a registar-se actividade epileptiforme, uma vez que, concomitantemente, estava já em curso um processo neurodegenerativo devido à idade e aos factores de risco cardiovasculares que foram condicionando atrofia cerebral.
Apesar do acima exposto, admite-se a possibilidade de a Examinanda ser portadora de três patologias (neuro)psiquiátricas distintas, nomeadamente 1) Perturbação Afectiva Bipolar, que se admite ter tido início na 5® década de vida; 2) Meningioma, que se admite estar presente há mais de 10 a 15 anos (face ao crescimento muito lento deste tipo de tumores); e 3) uma Demência, que poderá estar em evolução também há vários anos.
Nesse sentido, a natureza da patologia de que padece é complexa e motivada por várias situações de saúde, maioritariamente progressivas e irreversíveis, conferindo um quadro pleomórfico e com oscilações de humor e variações comportamentais que estarão a evoluir há vários anos. Admite-se que o meningioma possa estar presente desde há pelo menos 10 a 15 anos e que tenha vindo a crescer lentamente, passando a condicionar sintomas desde data não concretamente apurada, mas muito provavelmente anteriores ao ano 2021, quando foi devidamente documentada a sua presença em TC e RM cranioencefálica.
As várias patologias de que padece parecem condicionar um impacto significativo no seu dia-a-dia, e se bem que no passado tal impacto pudesse ser algo oscilante/flutuante, nos últimos anos as consequências têm vindo a intensificar-se e a tornar-se mais constantes no tempo. Será por esse motivo que, apesar do tratamento a que foi submetida, mantém dificuldades importantes nas actividades de vida diária, quer nas mais complexas (como seja a gestão financeira e do tratamento de que necessita), quer inclusivamente nas mais simples (como seja a higiene). Acresce que a Examinanda apresenta fraco juízo crítico (ou anosognosia) para a situação de saúde e impacto da mesma, considerando ter autonomia total no seu dia-a-dia e minimizando as suas dificuldades, mesmo quando confrontada com as mesmas.
Nesse sentido, somos de parecer que, em razão da situação de saúde de que padece, beneficiaria da aplicação de uma medida de acompanhamento, uma vez que já não consegue exercer de forma plena e consciente os seus direitos e de, na mesma forma, cumprir com os seus deveres, necessitando de apoio/assistência de terceira pessoa em alguns actos e, porventura, de representação noutros. Dito de outra forma, ainda que se admita que a Examinanda possa ainda estar cognitivamente capaz para decisões de baixa complexidade, não restam dúvidas que apresenta já dificuldades em tarefas mais complexas, pelo que importa acautelar algumas situações. Acresce que, na idade em que a Examinanda se encontra, e face às situações de saúde que apresenta, o risco de agravamento ou de surgir uma complicação superveniente que agrave ainda mais o seu estado já debilitado, é grande. Por todos estes motivos, somos de parecer que se justifica a aplicação de uma medida de acompanhamento.
Nesse sentido, do ponto de vista patrimonial, consideramos que se justifica a limitação de a Examinanda levar a cabo actos mais complexos como a administração extraordinária dos seus bens, devendo ser nomeado um Acompanhante que possa assistir (e se necessário representar) a mesma nos actos de disposição de bens e actos negociais para contrair obrigações, e na celebração de contratos que impliquem concessão de crédito ou contracção de dividas, e bem assim, na administração do seu património, em tudo o que vá para além dos actos correntes da sua vida do dia-a-dia, assistindo-a na movimentação das contas bancárias (e gestão de aplicação financeiras), sob condição de movimentação/intervenção conjunta, justificando-se que a mesma fique inibida de ter acesso a cheques, cartão de débito e cartão de crédito.
Relativamente ao exercício de direitos pessoais, em rigor, a pronúncia quanto a alguns deles excede a competência pericial, porquanto tal juízo será maioritariamente valorativo. Dito isto, face à idade e à possibilidade de progressiva deterioração das funções cognitivas a curto ou médio-prazo, e porque ficou patente ter fraco juízo crítico para as dificuldades que já apresenta, somos de parecer que se justifica a limitação do direito pessoal de testar. Temos sérias dúvidas que mantenha capacidade para levar a cabo negócios da vida corrente e somos também de parecer que já não apresenta condições cognitivas para outorgar procurações forenses. Do ponto de vista dos cuidados de saúde, face à idade e aos défices cognitivos que apresenta, e sobretudo ao fraco juízo critico para as suas dificuldades, somos de parecer que já não tem autonomia na gestão do tratamento e da medicação de que necessita, bem como no agendamento e transporte a consultas e exames, pelo que propomos que as decisões de saúde sejam acometidas a um Acompanhante.
Como medidas de apoio e tratamento justifica-se seguimento regular pelo médico de clínica geral e pela especialidade de neurologia e psiquiatria, cumprindo prescrições que aí vierem a ser determinadas. Face às dúvidas acima suscitadas, somos de parecer que deveria ser avaliada pela especialidade de neurocirurgia para decisão do risco-benefício de eventual cirurgia do meningioma. Dito isto, é pouco provável que venha a existir uma melhoria significativa da situação de saúde, com reversibilidade do quadro clínico, sendo antes de esperar que a situação se agrave paulatinamente, devido às restantes comorbilidades.
Sendo que a manutenção de acompanhamento humano e inserção familiar é vantajosa, no caso em apreciação tal já só é possível mediante a prestação de cuidados por terceira pessoa, não sendo aconselhável que permaneça sozinha no domicílio. Nesse sentido, considera-se necessária a prestação de cuidados ao domicílio e/ou a integração em Centro de Dia para vigilância e implementação de estratégias de treino neurocognitivo, sendo que poder-se-á justificar no futuro a integração em E.R.P.I. (Estrutura Residencial para Idosos) caso tais cuidados não possam ser assegurados no domicílio.
Por fim, e apesar das limitações descritas, a Examinanda demonstrou ter uma noção do objectivo de um processo de acompanhamento de maior, ainda que vaga e superficial, tendo informado na 23 avaliação connosco que aceita tal apoio, devendo ser envolvida no processo da acção judicial. Dito isto, é susceptível à influência de terceiros, sem ser capaz de perceber se nestes existe uma intenção de benefício ou prejuízo, pelo que aconselhamos cautela quanto à sua pronúncia sobre quem prefere que a ajude/oss/sto (ou eventualmente represente), em tarefas de decisão ou aspectos, em que tenha reconhecidas "dificuldades".
Face ao exposto, somos de parecer que a Examinanda é portadora de situação de saúde complexa, com vários anos de evolução, de natureza maioritariamente permanente, progressiva e irreversível e que condiciona dificuldades no exercício de direitos e cumprimento de deveres, pelo que beneficiaria da nomeação de um Acompanhante com poderes de representação especial, nomeadamente para alguns actos da vida em sociedade conforme acima elencado, que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, assegurar o seu bem-estar e – dentro de certos limites – a sua recuperação, uma vez que, no caso em concreto, tal desiderato não é passível de ser garantido unicamente através dos deveres gerais de cooperação, ou da aplicação de outros regimes de apoio mais flexíveis.
Por fim, propomos a realização de uma perícia psiquiátrica oficial, a ser realizada no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, devendo desde já ser requeridos elementos clínicos às entidades de saúde onde a Examinanda tenha sido assistida no passado, com vista a uma melhor caracterização da situação de saúde de que padece, das consequências da mesma, das medidas de apoio e tratamento adequadas ao caso em concreto e às medidas de acompanhamento que se possam justificar na actualidade e num futuro próximo.
(…)”.
21. Segundo a Escala de Katz, nas Atividades Básicas (e imprescindíveis) da Vida Diária (ABVD) a Requerida/beneficiária (…) apresenta uma dependência ligeira a moderada – quatro - cinco pontos: banho (0-1 – com supervisão), vestir (0-1 – com supervisão), utilização da sanita (1), transferência (1), controlo dos esfíncteres (1) e alimentação (1).
22. Segundo a escala de Lawton & Brody, nas atividades instrumentais da vida diária a Requerida/beneficiária (…) apresenta uma dependência grave, com três pontos: utilização do telefone – (1), fazer compras – (0-1), preparação das refeições – (0), tarefas domésticas – (0), lavagem de roupa – (0), utilização de meios de transporte – (0), manejo da medicação – (1), responsabilidade em assuntos financeiros – (0).
23. Ao exame pericial a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se vígil, consciente e colaborante, com aspeto e higiene cuidados.
24. A Requerida/beneficiária (…) apresenta-se com orientação flutuante no tempo, e relativamente orientada no espaço.
25. Ao exame pericial a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se relativamente orientada na pessoa (errou na idade, refere ter 66 anos, depois, 76 anos; e, confrontada com a conta 2023-1946, escreveu 77 (anos)).
26. Ao exame pericial a Requerida/beneficiária (…) apresentou atenção relativamente captável e fixável, discurso provocado, superficial, pobre em conteúdo.
27. Ao exame pericial a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se sem alterações do pensamento (e.g. ideias delirantes ou deliroides) ou da senso-perceção (e.g. ilusões sensórias, alucinações).
28. A Requerida/beneficiária (…) apresenta memória recente e remota com compromisso moderado, e tendência a confabular.
29. A Requerida/beneficiária (…) apresenta défices cognitivos (e.g. funções executivas, planeamento e tomada de decisão).
30. Ao exame pericial a Requerida/beneficiária (…) não conseguiu executar o Teste do Relógio a indicar 10:10 horas: desenhou um circulo, depois colocou os números 12 e 10, e apenas um ponteiro orientado para o número 10; e, só depois de inquirida sobre o ponteiro dos minutos, desenhou outro ponteiro orientado para o número 10.
31. A Requerida/beneficiária (…) apresenta prejuízo no juízo abstrato.
32. A Requerida/beneficiária (…) apresenta sono e apetite regulares.
33. A Requerida/beneficiária (…) identifica o dinheiro e o seu valor transacional em operações simples.
34. A Requerida/beneficiária (…) apresenta défice de discernimento/juízo crítico (anosognosia) para o seu quadro clínico (e.g. humor depressivo, défices cognitivos e executivos), e incapacidade nas AVD (actividades da vida diária).
35. A Requerida/beneficiária (…) sofre de:
a) Doença Bipolar Tipo 2 - agora em Episódio Atual Depressivo arrastado (Código 6A61.6, da ICD-11, OMS-2018), (caracterizada por Episódios Depressivos/Melancólicos e / ou (Hipo)maníacos (com elevação do humor/energia/autoestima), tendo-se manifestado sobretudo desde o início da 5.ª década de vida, nomeadamente aos 44 anos (Fase Depressiva Grave que persistiu durante meses) após a morte da mãe. Em fases depressivas, que têm predominado de modo insidioso, como nas fases de hipomania, a Requerida/beneficiária não tem autonomia para gerir, sobretudo, o seu património, devido aos défices cognitivos e executivos, e consequente prodigalidade fácil;
Este quadro clínico crónico tendencialmente provoca a perda gradual de funções cognitivas e executivas, sobretudo com os episódios sucessivos de descompensação;
b) Síndrome/Processo Demencial SOE [sem outra especificação (neurodegenerativo, progressivo e irreversível)] ((Código 6D8Z, da ICD-11, OMS-2018), insidioso, pelo menos desde 2017, incapacitando-a, gradualmente, para gerir a sua pessoa e bens; e
c) Neoplasia – Meningioma cerebral, diagnosticado em 2021, com uma evolução lenta de anos (antes de 2017) podendo pela sua localização causar alterações do humor e cognitivas.
36. A Requerida/beneficiária (…), devido às afectações pelo Síndrome/Processo Demencial SOE e Doença Bipolar Tipo 2 - agora em Episódio Atual Depressivo arrastado, pelo menos desde 2017 não tem autonomia para gerir a sua pessoa (e.g. exercício dos direitos pessoais e cumprimento dos deveres) e, em destaque, o seu património, a título permanente e irreversível.
37. Tal incapacidade (com agravamento progressivo) da Requerida/beneficiária teve início antes de 2017.
38. No que concerne aos meios de apoio e de tratamento aconselháveis, a Requerida / beneficiária (…) deve manter o seguimento e tratamento pelas Especialidades Médicas de Neurologia e/ou Psiquiatria, Neurocirurgia (vigiar a neoplasia cerebral), além de Medicina Geral e Familiar.
39. Ainda no que concerne aos meios de apoio e de tratamento aconselháveis, a Requerida/beneficiária (…) carece, progressivamente, da supervisão / assistência de terceira pessoa em todas AVD (actividades da vida diária), seja em domicílio, Centro de Dia, ou, eventualmente, no futuro, em ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas).
40. A Requerida/beneficiária (…) não possui testamento vital.
41. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada na sua pessoa, identificando-se correctamente, o seu nome, data e freguesia e concelho de nascimento, filiação e morada, e sabendo ainda identificar o nome dos seus três filhos. (Alterado, conforme fundamentação infra)
42. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada no espaço e relativamente orientada no tempo, não tendo logrado identificar o dia do mês em que se encontrava. (Alterado, conforme fundamentação infra)
43. A Requerida/beneficiária (…) é doutorada em Farmácia, lecionou na faculdade de Farmácia, exerceu funções de directora técnica de estabelecimento de Farmácia em (…), concelho de Tavira,, e encontra-se aposentada.
44. A Requerida/beneficiária (…) reside no Largo Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Tavira, no r/c de uma casa, com cozinha, casa de banho e quarto onde a Requerida/beneficiária dorme, e o seu filho (…) reside com a esposa e dois filhos no 1º andar dessa casa, havendo uma porta para comunicação entre o r/c e o piso superior.
45. O seu filho (…) trabalha, está todos os dias com a Requerida/beneficiária, controla a toma da medicação prescrita à Requerida/beneficiária, que é colocada num recipiente com distribuição das unidades pelos dias da semana, assegura o acompanhamento médico da mesma, quer pelo médico de família quer pelo médico neurologista, e desde a Páscoa do ano de 2022 vem assegurando uma mulher para a tarefa de limpeza da/na residência da Requerida/beneficiária, com o arrumo, lavagem da roupa à máquina, e passagem da mesma a ferro, primeiramente duas vezes por semana e uma vez por semana desde Setembro de 2023. (Alterado, conforme fundamentação infra)
46. A Requerida/beneficiária (…) deambula sem necessidade de apoio, veste-se sozinha, e desloca-se uma mulher a sua casa para lhe dar banho.
47. A Requerida/beneficiária (…) apresenta-se cuidada.
48. Desde há uns meses que é o seu filho (…) quem faz chegar, à Requerida/beneficiária (…), os almoços já confecionadas num restaurante.
49. A Requerida/beneficiária (…) vinha sendo acompanhada em Neurologia no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, mas faltou à consulta aí marcada para o ano de 2023, tendo nesse ano passado ao acompanhamento em Neurologia por médico no Algarve.
50. O (…), filho da Requerida/beneficiária deixou de conseguir contactar telefonicamente com a sua progenitora nos últimos meses, por o telefone da Requerida / beneficiária se encontrar desligado.
51. A Requerente (…) reside em Lisboa, exerce a actividade de farmacêutica no Infarmed, tem interesse pelo acompanhamento da sua progenitora, procura o contacto telefónico com ela, pese embora nos últimos meses tenha deixado de o conseguir estabelecer por o telemóvel da Requerida/beneficiária, cujo número conhecia e lhe fora disponibilizado, estar desligado, e procura o contacto pessoal com a Requerida / beneficiária quando se desloca ao Algarve, como sucedeu em Julho de 2023 e Janeiro de 2024.
52. Nos últimos meses deixaram de ser possíveis os contactos ao telefone com a Requerida/beneficiária (…), por o seu telemóvel, cujo n.º fora disponibilizado a familiares e amigos, estar desligado, o que causa sofrimento e preocupação à Requerente (…).
53. Pelo mesmo motivo, o (…), filho da Requerida/beneficiária, tal como o irmão, outros familiares e amigos da Requerida, deixaram de conseguir contactar telefonicamente com a mesma.
54. A Requerida/beneficiária (…) manifesta ser bom o seu relacionamento com os seus três filhos, e que tem confiança em todos eles.
55. A Requerida/beneficiária (…) manifesta preferir que seja o seu filho (…) designado pelo tribunal como seu acompanhante, justifica essa sua preferência por ser aquele com quem tem uma maior ligação, e manifesta que pretende continuar a residir no local onde mora, em (…).
56. A Requerida/beneficiária (…) aufere uma pensão de reforma que ronda os € 800,00 (oitocentos euros) mensais.
57. A Requerida/beneficiária (…) tem como rotinas a leitura, a visualização da televisão, e a deslocação ao estabelecimento de café/restaurante, frequenta sessões de ginástica sénior duas vezes por semana, e por vezes passeia e vai almoçar fora com uma sua amiga.
58. Até ao ano de 2022, a Requerida/beneficiária (…) deslocava-se com regularidade a Lisboa, em visitas à sua filha e ora Requerente.
59. A Requerida tem uma relação de afecto e de confiança com a sua filha ora Requerente.
60. O irmão da Requerente, (…), tem apoiado a Requerida/beneficiária nos cuidados da sua vida diária.
(Acrescentados os factos provados 61 e 62, conforme fundamentação infra)
E deu como não provados os seguintes factos:
1. A Requerida/beneficiária (…) passa os dias deitada na cama, só se levantando para ir à casa de banho e para comer, com descuido na sua higiene pessoal e nas tarefas diárias,
2. acumulando em casa a loiça de vários dias por lavar e comida estragada no frigorifico,
3. tendo ainda perdido a noção do valor do dinheiro.
4. Aqueles que são mais próximos da Requerida/beneficiária (…), aproveitando-se da debilidade emocional e psíquica da Requerida, lograram apropriar-se da totalidade do respectivo património imobiliário, deixando-a sem qualquer activo relevante, situação de que a Requerida não tem consciência. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
5. A Requerida/beneficiária (…) continua a reconhecer como seus quer o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), quer os bens imóveis, transmitidos, nos últimos anos, por doação e por compra e venda para a esfera de (…), ex-marido da Requerente, e de (…), filho da Requerida e deste último, e, ainda, para sociedade unipessoal por estes controlada. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
6. Jamais a Requerida/beneficiária (…) exprimiu qualquer vontade de alienar o seu património.
7. Nada sabendo a Requerida sobre a concretização de qualquer daqueles contratos de compra e venda, nem sobre o alegado pagamento do respectivo preço. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
8. Aquelas vendas geraram a tributação da Requerida/beneficiária em sede de IRS, sendo a mesma devedora da quantia de € 18.000,00 (dezoito mil euros) emergente da liquidação oficiosa de imposto de IRS pelos referidos actos de compra e venda e mais valias realizadas.
9. A Requerida/beneficiária não tem consciência de ter outorgado procuração a favor do seu filho e desconhece qualquer acto de alienação dos imóveis acima descritos, continuando a acreditar que é dona desses três imóveis, e não recebeu qualquer quantia fosse a que título fosse. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
10. A Requerida/beneficiária desconhece que em virtude dos mencionados actos se encontra devedora à Autoridade Tributária da quantia de cerca de € 18.000,00 (dezoito mil euros), não dispondo de recursos financeiros para proceder a este pagamento.
11. A Requerida/beneficiária mantém a sua habitação num dos imóveis alienados. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
12. A Requerida/beneficiária é credora do ex-marido por pagamento de dívidas comuns do casal através da venda judicial de bens imóveis só à mesma pertencentes, na ordem de várias centenas de milhares de euros.
13. A Requerida/beneficiária vem, há anos, a ser vítima de uma actuação concertada do seu ex-marido e do filho de ambos, (…), com o objectivo último de se apropriarem em proveito próprio e directo prejuízo empobrecimento da Requerida dos activos mais relevantes do respectivo património,
14. aproveitando-se da fragilidade e vulnerabilidade emocional e psíquica da Requerida/beneficiária, fruto da sua idade e particular condição de saúde.
15. A outorga das referidas escrituras de doação, da procuração, e da escritura de compra e venda, não são conformes à vontade da Requerida/beneficiária.
16. A Requerida reconhece que não tem capacidade para, por si só, tomar as medidas necessárias à protecção dos seus interesses.
17. A Requerida não tem consciência dos contratos de “doação” e “compra e venda” acima descritos. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
18. A Requerida não tem capacidade e discernimento para apreender o significado da presente acção.
19. A Requerida conta com a Requerente para a apoiar nas decisões relativas aos seus cuidados de saúde, aceitando as suas propostas e orientações em matéria de cuidados de saúde, expressando confiança nas decisões da mesma sobre questões de organização da respectiva vida diária. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
20. A Requerida beneficia do apoio do ex-marido e para os seus cuidados da vida diária.
21. A Requerente passou anos sem manifestar qualquer interesse pelas condições de vida da mãe.
22. O ex-marido da Requerida tem apoiado a Requerida nos cuidados da sua vida diária, e reside com ela.
23. Inexiste proximidade da Requerente com a Requerida.
24. A Requerida tem temor da Requerente, sente-se amedrontada na presença de Requerente que a força à sua vontade, sentindo-se envergonhada por a Requerente lhe ter retirado o cartão do banco privando-a do acesso à sua conta bancária, que a Requerente controla à sua revelia.
25. A Requerente vale-se dos seus conhecimentos com a classe médica para contra à vontade da Requerida a tornar dependente dos médicos.
26. A Requerida não consegue apreender toda a realidade. (Eliminado, conforme fundamentação infra)
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.
1) Junção de documento
Em sede de alegações de recurso a recorrente protestou juntar um documento, o qual veio, posteriormente, a requerer a junção, conforme anteriormente havia protestado juntar.
Dispõe o art. 651.º do Código de Processo Civil, que:
1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
2- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.

Por sua vez, dispõe o art. 425.º do Código de Processo Civil que:
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.

Da conjugação destes artigos resulta que, em sede de recurso, apenas é admitida a junção de documentos, a título excecional, em duas situações, dependendo sempre tal admissão da alegação e prova (i) da impossibilidade de apresentação de tal documento em momento anterior ao do recurso; ou (ii) da necessidade de tal apresentação decorrer da introdução de um elemento de novidade em sede de julgamento do tribunal a quo. A impossibilidade de apresentação tanto pode se reportar a uma superveniência objetiva (documento que tenha sido criado em momento posterior àquele em que deveria ter sido apresentado), como a uma superveniência subjetiva (o documento só foi conhecido pela parte em momento posterior àquele em que o deveria ter apresentado). Por sua vez, a necessidade do documento implica que a decisão proferida em sede de 1.ª instância tenha introduzido um elemento de novidade ou imprevisibilidade, elemento esse que, exatamente por isso, não podia existir desde o início do processo[4].
Tratando-se de uma situação excecional, compete à parte que pretende tal junção, alegar e provar (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil) que se encontra numa das duas situações suprarreferidas.
No caso em apreço, verifica-se, desde logo, que apesar de a recorrente indicar nas alegações de recurso que pretende juntar um documento, em parte alguma dessas alegações, ou mesmo posteriormente quando solicita tal junção, veio alegar a razão pela qual pretende tal junção, sendo o ónus de alegação da sua responsabilidade. E, a ser assim, por inexistência de alegação sobre a situação excecional que levaria à admissão de tal documento, vê-se o tribunal ad quem impossibilitado de analisar se esse documento cumpriria, ou não, os requisitos para a sua admissão.
Pelo exposto, por total ausência de alegação dos factos que permitiriam a sua excecional junção, nos termos do art. 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, indefere-se a junção do documento apresentado após as alegações de recurso, mas protestado juntar nessas alegações, ordenando-se, consequentemente, o seu desentranhamento e entrega oportuna à recorrente.

2) Contradição na sentença
Entende a recorrente que existe contradição na sentença proferida, uma vez que ao mesmo tempo que decide haver necessidade de acompanhamento da maior (…), designadamente quanto aos atos de representação geral, desde 01-01-2017, aceita a procuração forense outorgada, em data posterior, pela beneficiária a favor do seu mandatário neste processo, bem como a respetiva contestação.
Ora, ainda que não o diga expressamente, tudo indica que a recorrente esteja a invocar a nulidade da sentença por contradição, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil. Porém, apenas estamos perante este vício, como resulta pacífico na nossa doutrina e jurisprudência, quando os fundamentos da sentença apontam num sentido e a decisão tomada vá em sentido oposto ou, pelo menos, diferente.
Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:[5]
(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,[6] esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:[7]
I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pág. 56).
III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»

Apreciemos, então.
No caso em apreço, a recorrente nem sequer alega qualquer contradição existente na sentença, antes sim entre o que a sentença decidiu e um determinado ato processual ocorrido em momento anterior ao da prolação da sentença, pelo que é evidente não estarmos perante esta nulidade.
Diga-se, ainda, que, entendendo a recorrente ter existido qualquer irregularidade processual em momento anterior ao da prolação da sentença, deveria tê-la arguido nos termos previstos no Código de Processo Civil e perante o tribunal a quo, e não em sede de recurso.
Pelo exposto, e quanto a esta questão, improcede a pretensão da recorrente.

3) Impugnação da matéria de facto
Entende a recorrente que os factos provados 41 e 42 devem ter outra redação; que os factos não provados 4, 5, 9, 11, 17, 18 e 19, devem passar a provados e que devem ser acrescentados três novos factos aos factos provados, tudo isto com base na conjugação dos depoimento das testemunhas (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…); nas declarações da requerente (…) e da requerida (…); no despacho proferido em 02-05-2023 conforme referência citius 128193867; na certidão de escritura pública de 07-06-2021; nos relatórios médicos constantes dos factos provados; e no relatório de avaliação elaborado pelo Prof. Doutor (…) junto aos autos em 25-07-2023, conforme referência citius 11519735.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre as partes, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.

Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal.
No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica.
Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016, no âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.
II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância.

Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016, no âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt:
I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.

E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso.
Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015, no âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso.

Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que são indicados e que, retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento.
Importa referir que a recorrente deu cumprimento ao ónus de impugnação previsto no citado art. 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Consigna-se que se procedeu à audição de todo o julgamento.
Apreciemos, então.

a) Factos provados 41 e 42
Consta destes factos que:
41. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada na sua pessoa, identificando-se correctamente, o seu nome, data e freguesia e concelho de nascimento, filiação e morada, e sabendo ainda identificar o nome dos seus três filhos.
42. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada no espaço e relativamente orientada no tempo, não tendo logrado identificar o dia do mês em que se encontrava.

Pretende a recorrente, quanto ao facto 41, que seja alterado que a beneficiária identificou corretamente o nome dos seus três filhos, bem como a sua morada; e quanto ao facto 42, que seja alterado de forma a que fique consignado que a beneficiária também não logrou identificar o mês em que se encontrava.
Ora, basta ouvir as declarações da beneficiária (…) para se dar razão à pretensão da recorrente.
Efetivamente, nas suas declarações, a beneficiária apenas indicou corretamente o nome de dois dos seus três filhos, tendo, por diversas vezes, dito que o seu filho mais velho se chama (…), que é o nome do seu ex-marido, facto, aliás, com o qual a mandatária da recorrente a confrontou, nunca tendo chegado a dizer que o nome desse seu filho é (…).
Acresce que quando lhe foi perguntado qual era a sua morada, deu uma morada em Lisboa e não a morada em (…), onde reside há vários anos.
Por fim, efetivamente, quando perguntada sobre qual o mês em que se estava, referiu maio, quando se estava em fevereiro.
Assim, os factos provados 41 e 42 passam a ter a seguinte redação:
41. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada na sua pessoa, identificando corretamente o seu nome, data e freguesia e concelho de nascimento, filiação e morada, identificando, porém, apenas o nome de dois dos seus três filhos, tendo atribuído ao filho (…) o nome do seu ex-marido.
42. Aquando da sua audição pessoal e direta, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada no espaço e relativamente orientada no tempo, não tendo logrado identificar o dia do mês e o respetivo mês em que se encontrava.

b) Factos não provados 4, 5, 9 e 17
Consta destes factos que:
4. Aqueles que são mais próximos da Requerida/beneficiária (…), aproveitando-se da debilidade emocional e psíquica da Requerida, lograram apropriar-se da totalidade do respectivo património imobiliário, deixando-a sem qualquer activo relevante, situação de que a Requerida não tem consciência.
5. A Requerida/beneficiária (…) continua a reconhecer como seus quer o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), quer os bens imóveis, transmitidos, nos últimos anos, por doação e por compra e venda para a esfera de (…), ex-marido da Requerente, e de (…), filho da Requerida e deste último, e, ainda, para sociedade unipessoal por estes controlada.
9. A Requerida/beneficiária não tem consciência de ter outorgado procuração a favor do seu filho e desconhece qualquer acto de alienação dos imóveis acima descritos, continuando a acreditar que é dona desses três imóveis, e não recebeu qualquer quantia fosse a que título fosse.
17. A Requerida não tem consciência dos contratos de “doação” e “compra e venda” acima descritos.

Pretende a recorrente que estes factos passem a provados.
Na realidade, todos estes factos, expurgados de considerações e conclusões, se reportam a um único facto, segundo o qual a recorrida (…) não tem consciência de ter efetuado os atos melhor descritos nos factos provados 8, 9, 10 e 11, nem de ter recebido qualquer preço pelas vendas aí mencionadas, continuando a reconhecer como seus quer o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), quer os bens imóveis melhor identificados nos referidos factos 9 e 11.
Ora, este facto mostra-se no essencial provado.
Das declarações da beneficiária (…) resulta, diremos nós, à evidência, de que ela não se recorda de ter passado qualquer procuração ao seu filho (…), de ter outorgado qualquer escritura relativamente a quaisquer bens imóveis ou de ter doado o estabelecimento comercial de farmácia que possuía, sendo que também afirmou que nunca recebeu qualquer cheque no valor de 127 mil euros. Aliás, dessas declarações resulta ainda que a beneficiária apenas se recorda de ser proprietária da casa onde reside e da farmácia, não se recordando de ter sido proprietária de mais dois imóveis em (…). Acresce que repetiu, por diversas vezes, ao longo das suas declarações, e com grande convicção, que a farmácia era sua e de que a casa onde reside é sua.
Também a testemunha (…), ainda que de forma titubeante, não negou que a casa, onde ele vive no 1.º andar e a beneficiária, sua mãe, no R/C, é um dos imóveis que foi vendido ao seu pai.
Não resultou de tal audição qualquer resposta evasiva ou sequer qualquer hesitação, tendo a beneficiária respondido com grande naturalidade a todas as questões e com particular enfâse ao facto de viver em casa própria e ser dona de uma farmácia.
Assim, tal facto deve ser dado como provado, fazendo-se, porém, apenas menção a que a beneficiária continua a reconhecer como seus o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), e a casa onde reside, sita no Largo Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Tavira, já não os outros dois imóveis, dos quais nem sequer se lembra.
Eliminando-se do elenco dos factos não provados os factos 4, 5, 9 e 17, passa a ser acrescentado ao elenco dos factos provados o facto 61 com o seguinte teor:
61. A recorrida (…) não tem consciência de ter efetuado os atos melhor descritos nos factos provados 8, 9, 10 e 11, nem de ter recebido qualquer preço pelas vendas aí mencionadas, continuando a reconhecer como seus quer o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), que doou, quer a casa onde reside, sita no Largo Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Tavira, que vendeu, mas já não os outros dois imóveis, dos quais nem sequer se lembra.

c) Factos não provados 11, 18 e 19
Consta destes factos que:
11. A Requerida/beneficiária mantém a sua habitação num dos imóveis alienados.
18. A Requerida não tem capacidade e discernimento para apreender o significado da presente acção.
19. A Requerida conta com a Requerente para a apoiar nas decisões relativas aos seus cuidados de saúde, aceitando as suas propostas e orientações em matéria de cuidados de saúde, expressando confiança nas decisões da mesma sobre questões de organização da respectiva vida diária.

Pretende a recorrente que estes factos passem a provados.
Relativamente ao facto 11, o mesmo já se mostra inscrito no novo facto provado 61, pelo que apenas será eliminado dos factos não provados.
Relativamente ao facto 18, importa referir que sobre este processo apenas foi questionado à beneficiária se sabia onde se encontrava, tendo a mesma respondido que estava no tribunal, nada mais lhe tendo sido questionado, pelo que este facto deve manter-se como não provado.
Relativamente ao facto 19, apenas resultou provado, quer nas declarações de parte da requerente (…), quer da própria testemunha (…), que, até ao final do ano de 2022, era a requerente quem acompanhava a beneficiária aos médicos.
Assim, elimina-se o facto não provado 19 do elenco dos factos não provados, e acrescenta-se aos factos provados o facto 62, com o seguinte teor:
62. Até ao final de 2022 era a requerente (…) quem acompanhava a requerida (…) aos médicos.

d) Três novos factos
Pretende a recorrente que sejam acrescentados aos factos provados três novos factos, sendo:
- o primeiro, o relatório elaborado pelo Prof. Doutor (…), na sequência da não comparência da beneficiária à consulta de neurologia, no Hospital de Santa Maria marcada para dia 04-09-2023, junto aos autos com o requerimento de 19-01-2024, conforme referência citius 12086003;
- o segundo, com o seguinte:
A Requerida, por direta atuação do filho (…) e do ex-marido (…), encontra-se impedida de poder comunicar e conviver de forma livre e não condicionada com os seus filhos (…) e (…), demais familiares e amigos próximos.

- o terceiro, com o seguinte teor:
Atualmente a Requerida não é titular do direito de propriedade sobre quaisquer bens, tendo doado e vendido em 2017, 2018 e 2021 todos os bens que lhe pertenciam a seu filho (…) e ao ex-cônjuge (…).

Apreciemos.
Relativamente ao primeiro facto, importa referir que, em rigor, não estamos perante um relatório médico, antes sim, perante a consignação efetuada pelo médico subscritor, que, até 04-09-2023, acompanhava a beneficiária (…), sendo que a mesma, nessa data, não compareceu à consulta; bem como que, aparentemente, apenas estava a ser aviado o medicamento Tromalyt de todos aquelas que prescreveu, tendo a sua prescrição apenas sido aviada até 31-03-2023, não se encontrando, de igual modo, aparentemente, a ser aviada a medicação receitada, em 10-10-2022, pelos médicos de Medicina Geral e Familiar.
Assim, o que relevaria não era o relatório, mas os factos aí consignados. Porém, não só facto de que faltou à referida consulta já se mostra consignado no facto provado 49, como os demais factos se mostram vagos, inexistindo qualquer prova de que atualmente a beneficiária não esteja a ser medicamente acompanhada, único facto que seria relevante, sendo que foi dado como provado o seu contrário, conforme factos provados 45 e 49, aos quais a recorrente não interpôs impugnação.
Assim, quanto a este ponto, improcede a pretensão da recorrente.
Relativamente ao segundo facto, importa referir que se trata de uma conclusão e não de um facto, visto que não se mostram descritas quaisquer atuações de onde se possa infira tal impedimento, pelo que, também quanto a este ponto, improcede a pretensão da recorrente.
Relativamente ao terceiro facto, apenas resultou como provado que a beneficiária era detentora dos bens que doou e alienou, não se tendo apurado que fosse proprietária de quaisquer outros bens imóveis ou de estabelecimentos comerciais. De qualquer modo, não foi efetuada prova bastante para concluir que esses bens, cuja propriedade pertencia à beneficiária, eram os únicos bens de que era proprietária.
Assim, também quanto a este ponto, improcede a pretensão da recorrente.

Por fim, e oficiosamente, em face dos novos factos provados 61 e 62, e de molde a evitar qualquer contradição, elimina-se dos factos não provados o facto 7 e proceder-se-á a uma ligeira alteração no facto provado 45 que passará a ter a seguinte alteração:
45. O seu filho (…) trabalha, está todos os dias com a Requerida / beneficiária, controla a toma da medicação prescrita à Requerida / beneficiária, que é colocada num recipiente com distribuição das unidades pelos dias da semana, assegura, desde 2023, o acompanhamento médico da mesma, quer pelo médico de família quer pelo médico neurologista, e desde a Páscoa do ano de 2022 vem assegurando uma mulher para a tarefa de limpeza da/na residência da Requerida / beneficiária, com o arrumo, lavagem da roupa à máquina, e passagem da mesma a ferro, primeiramente duas vezes por semana e uma vez por semana desde Setembro de 2023.

Elimina-se ainda da matéria factual não provada o facto 26, visto que, para além de ser conclusivo, em face dos factos dados como provados, é uma evidência que a beneficiária não consegue apreender toda a realidade.
Por fim, por se tratar de lapso manifesto, altera-se o facto provado 5, visto que (…) é o segundo marido da beneficiária e não o seu primeiro marido (veja-se facto provado 2).
Pelo exposto, o facto provado 5 passa a ter a seguinte redação:
5. A Requerida/beneficiária (…) tem ainda um outro filho, (…), maior, filho do segundo marido da Requerida/beneficiária, (…).

Em resumo, procede parcialmente a impugnação fáctica interposta pela recorrente, e, em consequência:
- Altera-se a redação dos factos provados 5, 41, 42 e 45, nos seguintes termos:
5. A Requerida/beneficiária (…) tem ainda um outro filho, (…), maior, filho do segundo marido da Requerida/beneficiária, (…).
41. Aquando da sua audição pessoal e directa, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada na sua pessoa, identificando corretamente o seu nome, data e freguesia e concelho de nascimento, filiação e morada, identificando, porém, apenas o nome de dois dos seus três filhos, tendo atribuído ao filho (…) o nome do seu ex-marido.
42. Aquando da sua audição pessoal e direta, a Requerida/beneficiária (…) apresentou-se orientada no espaço e relativamente orientada no tempo, não tendo logrado identificar o dia do mês e o respetivo mês em que se encontrava.
45. O seu filho (…) trabalha, está todos os dias com a Requerida/beneficiária, controla a toma da medicação prescrita à Requerida/beneficiária, que é colocada num recipiente com distribuição das unidades pelos dias da semana, assegura, desde 2023, o acompanhamento médico da mesma, quer pelo médico de família quer pelo médico neurologista, e desde a Páscoa do ano de 2022 vem assegurando uma mulher para a tarefa de limpeza da/na residência da Requerida/beneficiária, com o arrumo, lavagem da roupa à máquina, e passagem da mesma a ferro, primeiramente duas vezes por semana e uma vez por semana desde Setembro de 2023.

- Acrescenta-se à matéria de facto provada, os factos 61 e 62, com o seguinte teor:
61. A recorrida Maria Luísa Cesário não tem consciência de ter efetuado os atos melhor descritos nos factos provados 8, 9, 10 e 11, nem de ter recebido qualquer preço pelas vendas aí mencionadas, continuando a reconhecer como seus quer o estabelecimento comercial de farmácia designado por “Farmácia (…)”, sito em (…), que doou, quer a casa onde reside, sita no Largo Dr. (…), s/n, freguesia de (…), concelho de Tavira, que vendeu, mas já não os outros dois imóveis, dos quais nem sequer se lembra.
62. Até ao final de 2022 era a requerente (…) quem acompanhava a requerida (…) aos médicos.

- Eliminam-se do elenco dos factos não provados os factos 4, 5, 7, 9, 11, 17, 19 e 26.

4) Alteração do acompanhante designado
Entende a recorrente que o tribunal a quo, ao ter designado como acompanhante (…), violou o disposto no art. 143.º, n.º 2, do Código Civil, tendo confundido dois conceitos, o de cuidador com o de acompanhante, optando pelo critério da proximidade espacial na sua escolha.
Referiu ainda a recorrente que, apesar de residir em Lisboa, tem capacidade e idoneidade para assumir o cargo de acompanhante, sendo que a preferência manifestada pela beneficiária, em sede de julgamento, não deve ser de valorar, quer pela circunstância de, atualmente, a beneficiária não ter liberdade para poder conviver com os outros filhos, nem com o seu irmão, nem com os demais familiares e amigos próximos, o que limita, de forma intolerável, a sua autonomia; quer por o filho (…) ter sido interveniente direto nos negócios inexplicáveis celebrados desde 2017, através dos quais a beneficiária ficou sem imóveis na sua esfera jurídica, sendo que a beneficiária não possui qualquer consciência de que tais imóveis não lhe pertencem.
Concluiu, assim, que, em face da factualidade provada, o interesse superior da beneficiária não se mostra acautelado pela escolha de (…), impondo-se outra escolha, encontrando-se a requerente disponível para exercer esse cargo, de forma a que sejam protegidos quer os direitos pessoais da beneficiária (designadamente, o direito ao convívio com familiares e amigos), quer os seus direitos patrimoniais, designadamente promovendo a anulação dos atos realizados em seu prejuízo.
Apreciemos.
Dispõe o art. 143.º do Código Civil que:
1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.
2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:
a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;
b) Ao unido de facto;
c) A qualquer dos pais;
d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;
e) Aos filhos maiores;
f) A qualquer dos avós;
g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;
h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;
i) A outra pessoa idónea.
3 - Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.

Dispõe igualmente o art. 139.º, n.º 1, do mesmo diploma Legal, que:
1 - O acompanhamento é decidido pelo tribunal, após audição pessoal e direta do beneficiário, e ponderadas as provas.

Determina também o art. 146.º do Código Civil que:
1 - No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada.
2 - O acompanhante mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.

Estatui ainda o art. 150.º do mesmo Diploma Legal, que:
1 - O acompanhante deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado.
2 - A violação do dever referido no número anterior tem as consequências previstas no artigo 261.º
3 - Sendo necessário, cabe-lhe requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes.

Determina ainda o art. 1948.º do Código Civil que:
Pode ser removido da tutela:
a) O tutor que falte ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revele inaptidão para o seu exercício;
b) O tutor que por facto superveniente à investidura no cargo se constitua nalguma das situações que impediriam a sua nomeação.

Em face da conjugação dos artigos citados, o acompanhante designado deve ser o escolhido pelo acompanhado, desde que este se revele detentor de uma vontade livre e esclarecida.[8]
Acresce que para que o tribunal nomeie como acompanhante a pessoa indicada pelo acompanhado é necessário que aquele se revele pessoa idónea, ou seja, capaz de privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada, abstendo-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado.
Efetivamente, não faz sentido nomear como acompanhante pessoa que, apesar de indicada pelo acompanhado, não se revela capaz para cumprir os deveres próprios do cargo ou que revela inaptidão para o seu exercício, visto que tais características determinam a sua remoção do cargo, pelo que também não deverão permitir a sua investidura no cargo.
Vejamos, então, o caso concreto.
Resultou provado nos autos que a beneficiária sofre de:
a) Doença Bipolar Tipo 2 - agora em Episódio Atual Depressivo arrastado (Código 6A61.6, da ICD-11, OMS-2018), (caracterizada por Episódios Depressivos/Melancólicos e / ou (Hipo)maníacos (com elevação do humor/energia/autoestima), tendo-se manifestado sobretudo desde o início da 5.ª década de vida, nomeadamente aos 44 anos (Fase Depressiva Grave que persistiu durante meses) após a morte da mãe. Em fases depressivas, que têm predominado de modo insidioso, como nas fases de hipomania, a Requerida/beneficiária não tem autonomia para gerir, sobretudo, o seu património, devido aos défices cognitivos e executivos, e consequente prodigalidade fácil; Este quadro clínico crónico tendencialmente provoca a perda gradual de funções cognitivas e executivas, sobretudo com os episódios sucessivos de descompensação;
b) Síndrome/Processo Demencial SOE [sem outra especificação (neurodegenerativo, progressivo e irreversível)] ((Código 6D8Z, da ICD-11, OMS-2018), insidioso, pelo menos desde 2017, incapacitando-a, gradualmente, para gerir a sua pessoa e bens; e
c) Neoplasia – Meningioma cerebral, diagnosticado em 2021, com uma evolução lenta de anos (antes de 2017) podendo pela sua localização causar alterações do humor e cognitivas.
Acresce que a beneficiária apresenta uma dependência ligeira e moderada nas atividades básicas e imprescindíveis da vida diária (banho, vestir, utilização da sanita, transferência, controlo dos esfíncteres e alimentação) e dependência grave nas atividades instrumentais da vida diária (utilização do telefone, fazer compras, preparação de refeições, tarefas domésticas, lavagem de roupa, utilização de meios de transporte, manejo de medicação, responsabilidade em assuntos financeiros).
Acresce que a beneficiária, quando ouvida em declarações, não foi capaz de dizer o nome de um dos seus três filhos, confundindo-o com o nome do seu ex-marido, e não foi capaz de dizer o dia e o mês em que se encontrava.
Consta ainda do relatório transcrito no facto provado 20 que a beneficiária “é susceptível à influência de terceiros, sem ser capaz de perceber se nestes existe uma intenção de benefício ou prejuízo, pelo que aconselhamos cautela quanto à sua pronúncia sobre quem prefere que a ajude/oss/sto (ou eventualmente represente), em tarefas de decisão ou aspectos, em que tenha reconhecidas "dificuldades".”
Consta ainda dos factos provados que a beneficiária apresente défices cognitivos quanto a funções executivas, planeamento e tomada de decisão, não tendo conseguido executar o Teste do Relógio, relativo às 10h10m; apresenta prejuízo no juízo abstrato e “défice de discernimento/juízo crítico (anosognosia) para o seu quadro clínico (e.g. humor depressivo, défices cognitivos e executivos), e incapacidade nas AVD (actividades da vida diária)”.
Em face do exposto, a beneficiária não demonstra ser detentora de uma vontade livre e esclarecida, pelo que na nomeação do acompanhante deve atender-se ao interesse imperioso do beneficiário, nos termos do n.º 2 do citado art. 143.
O tribunal a quo escolheu como acompanhante da beneficiária o filho Eduardo Tavares por ter sido escolhido pela acompanhada e por considerar que é a pessoa que se encontra em melhores condições para salvaguardar o interesse imperioso da beneficiária, não vislumbrando razões que desaconselhem tal opção.
Porém, não é isso o que resulta da matéria factual dada como provada. Na realidade, em data posterior à qual o tribunal considerou que a beneficiária necessitava de medidas de acompanhamento (01-01-2017), o filho (…) participou ativamente no negócio de doação do estabelecimento comercial de farmácia, que pertencia à requerente, para uma sociedade, da qual esse mesmo filho é o único sócio gerente; no negócio de doação de dois bens imóveis, pertencentes à beneficiária, a favor do seu pai; e no negócio de doação de um terceiro bem imóvel, em que a sua mãe e o seu pai, à data ainda casados, lhe doam tal imóvel, sendo que, pasme-se, nessa doação, efetuada a seu favor, consta uma reserva de usufruto vitalício da totalidade do imóvel, mas apenas a favor do doador marido!
Por fim, como os seus pais se separaram, o filho (…), através de uma procuração passada pela sua mãe, vende ao seu pai os dois imóveis, pertencentes à sua mãe e anteriormente doados ao marido, por um preço manifestamente irrisório (em 2021, pelo valor de € 127.534,75 – facto provado 11), atendendo ao seu valor de mercado (já em 2017 valiam € 377.000,00 – factos provados 13 e 14), sendo que não foi feita qualquer prova do efetivo pagamento desse preço.
Por outro lado, dos factos que foram dados como provados, apenas resulta que a beneficiária possui atualmente uma pensão de reforma no valor mensal de € 800,00.
Em face destes factos, é manifesto que o filho (…) não possui o mínimo interesse em salvaguardar o património da mãe, atuando, em representação desta, em evidente conflito de interesses, e prejudicando-a a nível patrimonial.
Acresce que resultou provado que os outros dois filhos da beneficiária, o irmão e a sobrinha desta, bem como várias amigas, deixaram de conseguir contactar a beneficiária, nos últimos meses, por o telemóvel desta estar sempre desligado (factos provados 50, 51, 52 e 53), sendo que igualmente se provou que a beneficiária tem uma relação de afeto e de confiança com os seus filhos (…) e (…), não tendo qualquer intenção de cortar relações com estes ou mesmo com os demais membros da sua família e amigos. Atente-se que uma das dependência grave da beneficiária é exatamente a utilização do telefone/telemóvel (aliás, em sede de julgamento, a beneficiária julgava que tinha o telemóvel ligado e, quando confrontada com o facto de ele não tocar, tentou ligá-lo e não conseguiu, nem sequer conseguiu perceber a razão pelo qual o mesmo não se ligava), sendo que o filho (…), apesar de apoiar a mãe nos cuidados da vida diária (facto provado 60), nada faz para que esta tenha um telemóvel a funcionar, de molde a poder contactar com a restante família e amigos, contribuindo, desse modo, para o isolamento da mãe e também para que os demais familiares, designadamente a filha (…), que se preocupa com a mãe (facto provado 52), possa saber do seu estado de saúde.
Mostram, assim, os autos que o filho (…) não possui idoneidade para exercer o cargo de acompanhante da mãe (…), sendo que, pelo contrário, em face dos factos dados como provados 51, 52, 54 e 62, tal idoneidade e interesse em exercer o facto mostra-se patente na filha (…), com quem a beneficiária possui uma relação de afeto e confiança (facto provado 59).
Nesta conformidade, por ser manifesta a falta de idoneidade do filho (…) para o desempenho do cargo de acompanhante, revoga-se tal decisão, quanto às alíneas c) e k) da parte decisória, substituindo-se tal nomeação pela filha (…), decidindo-se igualmente que a acompanhante, agora nomeada, manterá um contacto regular com a maior acompanhada (…), devendo visitá-la pelo menos com uma periodicidade mensal.
Pelo exposto, procede, aqui, a pretensão da recorrente.

4) Nomeação de conselho de família
Entende a recorrente que, dada a situação patrimonial e pessoal da beneficiária, deve ser nomeado o conselho de família.
Apreciemos.
Na realidade, não se consegue compreender como num contexto como o que resulta da matéria factual, com a venda e doação do património da acompanhada, em data posterior àquela em que a acompanhada foi considerada necessitada de acompanhamento, não só se atribui o cargo de acompanhante a quem participou nesses negócios jurídicos, como, pasme-se, se dispensa o conselho de família, sendo que da sentença recorrida inexiste sequer qualquer fundamentação a justificar tal dispensa.
Na esteira do acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 12-09-2024, no âmbito do processo n.º 29/24.3T8RMR.E1,[9] entende-se que “sendo designado como acompanhante de um beneficiário um dos seus filhos deverá, em regra, ser constituído conselho de família integrado pelos outros, o que lhes permitirá a participação nas decisões mais relevantes da vida do seu progenitor e a vigilância sobre o modo como o acompanhante designado exerce as suas funções”.
Assim, e apesar da alteração do acompanhante, entende-se que deve ser nomeado conselho de família, o qual tem de ser constituído por dois vogais (art. 1951.º do Código Civil). Uma vez que se entende que o filho (…) não possui igualmente idoneidade para assumir o cargo de vogal, e possuindo a beneficiária apenas mais um filho, importará apurar quem, para além do filho (…), poderá ser nomeado para vogal, o que, não dispondo este tribunal dos necessários elementos para proceder a tal nomeação, terá tal nomeação de ser efetuada no tribunal a quo, em obediência ao disposto nos arts. 1950.º a 1953.º do Código Civil.
Nesta conformidade, procede, também nesta parte, a pretensão da recorrente.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto, e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida, concretamente nas als. c), k) e m) da parte decisória, que se substitui nos seguintes termos:
c) Designa-se (…), filha da beneficiária, como acompanhante da maior (…).
k) Decide-se que a acompanhante manterá um contacto regular com a maior acompanhada (…), devendo visitá-la pelo menos com uma periodicidade mensal;
m) Determina-se a designação de um Conselho de Família, em obediência ao disposto nos arts. 1951.º a 1953.º do Código Civil, para o qual não poderá ser nomeado (…), por falta de idoneidade.
Sem custas (art. 4.º, n.º 2, al. h), do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Évora, 30 de janeiro de 2025
Emília Ramos Costa (relatora)
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Maria Domingas Simões; 2.º Adjunto: Vítor Sequinho dos Santos.
[2] Doravante (…).
[3] Posteriormente (…).
[4] Vejam-se, designadamente os acórdãos do STJ, proferido em 30-04-2019, no âmbito do processo n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2; do TRC, proferido em 18-11-2014, no âmbito do processo n.º 628/13.9TBGRD.C1; e do TRG, proferido em 24-04-2019, no âmbito do processo n.º 3966/17.8T8GMR.G1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[5] 3.ª ed., pág. 333.
[6] 2.ª ed., págs. 689-690.
[7] No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Vide acórdão do TRP, proferido em 12-07-2023 no âmbito do processo n.º 2588/22.6T8VNG.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[9] Consultável em www.dgsi.pt.