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ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CRIME DE ROUBO
CONVOLAÇÃO
CRIME DE FURTO
DEFESA DO ARGUIDO
Sumário
I - O que está na base da equiparação do regime da alteração da qualificação jurídica ao da alteração não substancial dos factos é a ideia de que o arguido tem o direito de se defender dos factos que lhe são imputados, bem como da qualificação jurídica dos mesmos, exigindo esta última uma defesa técnica. II - Quando o crime acusado inclui já os elementos do crime da condenação, não passando este de um minus em relação àquele, a comunicação da alteração da qualificação jurídica não é imposta, dado que a finalidade para a qual a norma do artigo 358º, n.º 3 do CPP foi criada –garantia de defesa técnica – está naturalmente assegurada pela relação jurídica de concurso aparente entre o crime acusado e o ‘provado’, pois a defesa técnica do primeiro implica a defesa do segundo. III - Vindo os arguidos acusados do cometimento em coautoria de um crime de roubo, mas não se provando os factos da acusação relativos à violência, passando os seus comportamentos a integrar apenas um crime de furto, a alteração de qualificação jurídica daí resultante, uma vez que não afeta o seu direito de defesa técnica, pois que o furto está compreendido dentro do crime de roubo que estruturalmente mais não é do que um furto qualificado pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir, verificando-se até uma relação de concurso aparente entre o furto e o roubo, consumindo este aquele, não está sujeita ao dever de comunicação previsto no artigo 358º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Texto Integral
Processo n.º 829/23.1PHMTS.P1
Sumário (da responsabilidade do relator):
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Relator: William Themudo Gilman
1º Adjunto: José António Rodrigues da Cunha
2º Adjunto: Elsa Paixão
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No processo comum nº 829/23.1PHMTS do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3, após julgamento foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide: a) Absolver os arguidos, AA e BB da prática, da prática em coautoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal b) Convolar o crime de roubo pelo qual os arguidos vinham acusados num crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º n.º 1 do Código Penal c) Condenar os arguidos AA e BB da prática, em coautoria material e na forma consumada de 1 (um) de um crime de furto, previsto e punido pelos artigos 26.º e 203.º n.º 1 do Código Penal, na pena, a cada um dos arguidos de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50, o que perfaz o total de € 440,00 d) Condenar os arguidos acima identificados no pagamento das custas processuais, fixando a taxa de justiça no mínimo legal, isto é, 2 (duas) unidades de conta, para cada um dos arguidos; e) Manter os arguidos sujeitos às obrigações decorrentes dos TIR prestados, até extinção das penas. (…)»
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Não se conformando com esta sentença, ambos os arguidos recorreram para este Tribunal da Relação, pedindo cada um deles a revogação da sentença recorrida e a respetiva absolvição. Ambos concluíram a motivação dos seus recursos argumentando, em resumo, que estavam acusados em coautoria do cometimento de um crime de roubo do artigo 210º, n.º 1 do Código Penal e acabaram condenados pelo cometimento em coautoria de um crime de furto do 203.º n.º 1 do mesmo diploma legal, sem que antes lhes tivesse sido feita a comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos prevista no artigo 358.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Penal, mais se violando o princípio do contraditório previsto no artigo 32º, n.º 1 e 5 da Constituição e sendo nula a sentença nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal.
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O Ministério Público, nas suas alegações de resposta para cada um dos recursos, pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida deve ser mantida, «seguindo a posição da jurisprudência, claramente dominante, que segue orientação diversa, defendendo que quando o crime pelo que o arguido é condenado constitui um “minus” relativamente ao crime que constava da acusação ou da pronúncia, a alteração da qualificação jurídica não carece de ser comunicada ao arguido, nos termos do art.358º Código de Processo Penal, precisamente por se imputar um crime menos grave. A alteração da qualificação jurídica dos factos apenas deve ser comunicada ao arguido quando esta alteração é tomada contra ele, implicando um encurtamento inadmissível das possibilidades da sua defesa, o que não foi claramente o caso.»
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Nesta instância, o Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se sentido de a decisão recorrida não merecer qualquer censura e que deve ser negado provimento aos recursos interpostos.
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Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO 2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, a questão a apreciar e decidir é a de se saber se havendo uma redução de facto da matéria constante da acusação que leve à imputação de um crime menos grave do que o imputado, mas neste incluído, como no caso de roubo para furto, se terá de proceder à comunicação prevista no artigo 358º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal, sob pena da sentença incorrer em nulidade. 2.1.2-A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto (factos provados e não provados) e da matéria de direito (parcialmente), que é a seguinte (transcrição):
«III. FUNDAMENTAÇÃO a) Factos Provados 1) No dia 23/07/2023, pelas 17h30, na Rua ..., em ..., Matosinhos, os arguidos, na execução de um plano conjunto previamente delineado entre ambos, abordaram o ofendido CC. 2) Em acto contínuo, o arguido AA abraçou o ofendido e retirou-lhe a bolsa que o mesmo trazia ao tiracolo, entregando-a ao arguido BB. 3) Antes de a entregar a bolsa ao arguido BB, o arguido AA remexeu na referida bolsa e retirou do seu interior o telemóvel do ofendido marca Hono, modelo ..., cor preta, com o IMEI ..., com o valor comercial de 350,00€ (trezentos e cinquenta euros), ficando na sua posse. Seguidamente o arguido BB devolveu a bolsa ao ofendido. 4) Após, os arguidos afastaram-se do ofendido, na posse do telemóvel subtraído, que fizeram seu. 5) No dia 28/07/2023, pelas 14h55, o arguido AA deslocou-se voluntariamente à esquadra da PSP ..., onde entregou o telemóvel subtraído ao ofendido. 6) Os arguidos actuaram sempre em comunhão de esforços, na execução de um plano previamente delineado entre ambos, com o propósito de conseguir fazer seu o mencionado objecto que o ofendido transportava consigo, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legitimo proprietário. 7) Os arguidos actuaram de forma voluntário, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. Mais se apurou quanto aos arguidos; (…) b) Factos não provados a) Para satisfazerem os seus intentos apropriativos, os arguidos não se abstiveram de intimidar o ofendido através da sua superioridade numérica, bem sabendo que ao actuarem dessa forma lhe causavam receio, como causaram, conscientes de que tal conduta era apta a impedi-lo de oferecer resistência. Consigna-se que não foi levada em consideração a matéria que consta da acusação pública que corresponda a referências (factuais ou não factuais) genéricas, a juízos conclusivos ou que não tenha qualquer carácter factual. (…) d) Motivação de direito Os arguidos vêm acusados em co-autoria e na forma consumada, na prática de um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26.º e 210.º, n.º 1, do Código Penal. Do crime de roubo (…) Subsumindo a factualidade provada ao supra explanado quadro legal resulta que não é possível imputar o comportamento dos arguidos ao crime de roubo, dado que não se extraiu da factualidade provada que os arguidos tivessem empregue qualquer tipo violência para que o ofendido lhe entregasse o telemóvel subtraído. Como acima referido, para o tipo legal de roubo se preencher, é necessário que tenha havido a efectiva subtracção (o que ocorreu) ou que tenha sido entregue ao agente, uma coisa móvel alheia; mas é ainda necessário que tenha havido efectivo constrangimento. O que não resulta da factualidade provada. Por tudo o exposto, devem os arguidos ser absolvidos da prática, na forma consumada e em coautoria material, de 1 (um) crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal Ora, não se subsumindo a factualidade provada ao crime de roubo, tal não significa que esta não possa ser susceptível de enquadramento noutros tipos penais e, em particular, no crime de furto. O roubo consome o crime de furto dele se distinguindo pelo elemento pessoal. Conforme refere Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª edição, Coimbra, a págs. 641., «O crime de roubo distingue-se do de furto porque no primeiro há violência (...) ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir, o que não acontece no furto.» (…) Do crime de furto Fazendo, novamente, a subsunção da factualidade assente ao vertido quadro legal, resulta que, dúvidas não restam, que, desta feita, os arguidos, com o seu comportamento preencheram os elementos típicos objectivos e subjectivos previstos neste ilícito. Os arguidos, após terem delineado um plano para subtraírem o telemóvel do ofendido, atraíram-no ao local indicado em 1), e efectivamente retiraram o telemóvel da posse do CC, fazendo-o seu. Já no que tange à acusação em co-autoria, é certo que os arguidos para a efectivar a consumação do crime, distribuíram as tarefas a exercer por cada um, como acima já descritas. A participação de ambos os arguidos é idêntica entre si na medida em que cada uma das actuações individuais é igualmente relevante para a consumação do crime, já que ambos tinham o domínio do facto, isto é, podiam parar o desenrolar da acção típica. Caso faltasse a execução de qualquer das tarefas, o crime não se teria consumado na forma planeada. Actuaram, ambos os arguidos com consciência e vontade, isto é, com dolo directo – art.º 14.º, n.º 1, do CP. Inexistindo factos que permitam afastar a ilicitude de tal crime e/ou a censura dirigira aos arguidos, importa concluir que os mesmos cometeram, em co-autoria material, o crime de furto previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 do Código Penal. (…) »
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
Procuremos então responder à questão colocada: havendo uma redução de facto da matéria constante da acusação que leve à imputação de um crime menos grave do que o imputado, mas neste incluído, designadamente de roubo para furto, o tribunal deverá proceder à comunicação prevista no artigo 358º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal, sob pena da sentença ficar ferida de nulidade?
O nosso processo penal tem estrutura acusatória (artigo 32º, n.º 5 da CRP), sendo a entidade que investiga e acusa distinta da que julga, o que garante a objetividade e imparcialidade da decisão judicial. A tarefa de investigar e acusar cabe ao ministério público e ao juiz comete proceder ao julgamento.[1] E também por força do acusatório, a fase de instrução é presidida pelo juiz de instrução que fica impedido de intervir em julgamento caso tenha presidido ao debate instrutório.
Por outro lado, são asseguradas todas as garantias de defesa (artigo 32º, n.º 5 da CRP), nomeadamente o direito de audição e ao contraditório, bem como o direito a um processo justo e equitativo como imposto pelos artigos 20º, n.º 4 da CRP e 6º, n.º 3 da CEDH.
Da conjugação do princípio do acusatório e da tutela do direito de defesa do arguido decorre a vinculação temática do tribunal do julgamento à acusação ou ao despacho de pronúncia, que definem e fixam os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado[2].
A este efeito da vinculação temática do tribunal ligam-se o princípio da identidade (o objeto do processo deve manter-se o mesmo desde que é fixado até ao trânsito em julgado da decisão), o princípio da unidade (o objeto do processo deve ser conhecido e julgado na sua totalidade) e o princípio da consunção (mesmo quando não tenha sido conhecido e julgado na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido)[3].
A vinculação temática do tribunal constitui a pedra angular de um efetivo e consistente direito de defesa do arguido que assim fica protegido contra arbitrários alargamentos da atividade cognitiva e decisória do tribunal e dá-lhe a garantia de não ser surpreendido com novos factos na audiência de julgamento, podendo aí exercer o direito de contraditar os factos que lhe são imputados na acusação[4].
Ora, o princípio do contraditório, característico de todo o processo acusatório quando visto da parte do arguido, constitui uma das garantias de defesa que o processo criminal lhe deve assegurar e está constitucionalmente consagrado no artigo 32, n.º 5 da Constituição, parte final (... estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.)[5].
Não obstante a Constituição consagrar expressamente no artigo 32º, n.º 5 que o processo criminal tem estrutura acusatória, a verdade é que o nosso sistema processual penal não segue o modelo puro do sistema acusatório. Com efeito, no nosso sistema processual penal a estrutura acusatória do processo é integrada por um princípio subsidiário de investigação (ou da verdade material) a cargo do juiz, devendo, por força do carater indisponível do processo, da intenção de prosseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade material, esclarecer e instruir autonomamente o facto sujeito a julgamento criando ele próprio as bases da decisão, limitado embora à validade processual da sua atuação e à garantia dos direitos das pessoas, mas respeitando sempre a proteção dos direitos dos sujeitos e intervenientes processuais[6].
Do princípio da investigação e da descoberta da verdade material resulta que o tribunal pode trazer à audiência, sob determinadas condições, factos novos que surgiram durante a discussão da causa e que alterem os anteriormente descritos na acusação, condições essas estabelecidas no regime dos artigos 358º e 359º do CPP[7].
No nosso processo penal distinguem-se as alterações entre relevantes e irrelevantes para a decisão da causa. Só as primeiras estão sujeitas ao regime dos artigos 358º e 359º do CPP.
Sendo as alterações relevantes para a decisão causa, tanto podem ser substanciais como não substanciais.
Alteração substancial é, nos termos do n.º 1, al.- f) do CPP «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
Alteração não substancial é, por contraposição à alteração substancial, aquela que não tiver por efeito a imputação ao arguido dum crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
O regime da alteração não substancial dos factos vem previsto no artigo 358º do CPP, que dispõe o seguinte:
«1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»
No n.º 3 deste artigo há uma referência à alteração da qualificação jurídica, equiparando o seu regime ao da alteração não substancial dos factos. Há alteração da qualificação jurídicados factos quando estes se mantêm, alterando-se somente a sua qualificação jurídica[8].
A alteração da qualificação jurídica dos factos é questão distinta da alteração dos factos, desde logo porque a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia – artigo 339º, nº4 do CPP.
O que está na base da equiparação do regime da alteração da qualificação jurídica ao da alteração não substancial dos factos é a ideia de que o arguido tem o direito de se defender dos factos que lhe são imputados, bem como da qualificação jurídica dos mesmos, exigindo esta última uma defesa técnica[9].
Mas será que toda a alteração da qualificação jurídica dos factos deve seguir o regime da alteração não substancial dos factos?
Para podermos responder a esta questão haveremos de considerar que a base da equiparação do regime da alteração da qualificação jurídica dos factos ao da alteração não substancial dos factos assenta na integridade do direito de defesa do arguido, neste caso da defesa técnica.
Ora, casos há em que é notório que não se verifica qualquer prejuízo da defesa, nomeadamente quando o crime acusado inclui já os elementos do crime da condenação. Por exemplo, no caso do roubo e do furto, em que, estruturalmente, o roubo mais não é do que um furto qualificado pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir. Aliás, verifica-se uma relação de concurso aparente entre o furto e o roubo, consumindo este aquele.
Nestes casos, a necessidade de comunicação da alteração da qualificação jurídica não é imposta, dado que a finalidade para a qual a norma do artigo 358º, n.º 3 do CPP foi criada – para garantia de defesa técnica – está naturalmente assegurada pela relação jurídica de concurso aparente entre o crime acusado e o ‘provado’, pelo que a defesa técnica do primeiro implica a defesa do segundo.
O crime da condenação não passa de um minus em relação ao acusado. A alteração da qualificação jurídica é irrelevante em termos de direitos de defesa do arguido.
Voltando ao caso dos autos, temos que o crime imputado era de roubo e o crime da condenação foi o de furto por não terem resultado provados, pelo menos, os factos relativos ao dolo do roubo.
Em primeiro lugar não existe alteração não substancial dos factos, nos termos previstos no artigo 358.º CPP, pois que a factualidade dada como provada consiste numa mera redução daquela que já constava da acusação.
Por outro lado, a alteração da qualificação jurídica – de roubo para furto - sendo irrelevante em termos de afetação do direito de defesa do arguido não se encontra abrangida pelo âmbito do artigo 358º, n.º 3 do CPP, nem viola as garantias de defesa consagradas no artigo 32º, n.º 1 e 5, da CRP[10].
Em resumo, vindo os arguidos acusados do cometimento em coautoria de um crime de roubo, mas não se provando os factos da acusação relativos à violência, passando os seus comportamentos a integrar apenas um crime de furto, a alteração de qualificação jurídica daí resultante, uma vez que não afeta o seu direito de defesa técnica, pois que o furto está compreendido dentro do crime de roubo que estruturalmente mais não é do que um furto qualificado pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir, verificando-se até uma relação de concurso aparente entre o furto e o roubo, consumindo este aquele, não está sujeita ao dever de comunicação previsto no artigo 358º, n.º 1 e 3 do Código de Processo Penal.
Assim, improcedem os recursos.
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3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento aos recursos, confirmando a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes com 4 UC de taxa de justiça para cada um deles (artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, artigo 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
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Notifique.
Porto, 5 de fevereiro de 2025
William Themudo Gilman
José António Rodrigues da Cunha
Elsa Paixão
_______________ [1] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 26, 92-94; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, 1981, p 136-137 [2] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 93, 218-224; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, 1981, p 144-145. [3] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 93-94. [4] Cfr Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, 1981, p 145; Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 94; [5] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 95. [6] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 26-27; Jorge de Figueiredo Dias, Sobre os Sujeitos do Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, 1991, p.34; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, 1981, p 72; para a justificação do princípio, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol I, 2017, p..92. [7] Cfr. sobre esta adução de material de facto, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, primeiro volume, 1981, p. 196. [8] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 222. [9] Cfr. Maria João Antunes, Direito Processual Penal, 5ª edição, 2023, p. 224. [10] Cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos: STJ de 18.05.2023, proc. 23/20.3GABNV.L1.S1 (Orlando Gonçalves, in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/afd00ed1a3ee43fb802589b4003b1547?OpenDocument. Ac.TRE de 21.06.2022, proc. 80/20.2PAENT.E2 (Moreira das Neves), in https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/99388e0ceb1370a28025887800539416?OpenDocument ; Ac. TRL de 22.10.2024, proc. 68/21.6GFVFX.L1-5 (João Grilo Amaral), in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2cc010bb2bb90fb180258bc4005c22bb?OpenDocument ; Ac. TRL de 08.01.2020, proc. 56/17.7T9OER.L1-3 (Alfredo Costa), in https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/0eedd75e16e7236c802585050032f4a9?OpenDocument.