1. Nos princípios orientadores da intervenção para a protecção da criança destacam-se o do interesse superior da mesma, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família, não necessariamente a biológica.
2. As finalidades das medidas de proteção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e as crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a sua recuperação física e psicológica.
3. O interesse do menor deve ser entendido como o seu direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
4. No caso, a medida ajustada é a do encaminhamento da criança para a sua futura adoção.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Foi aberto um processo de promoção e proteção das crianças AA, nascida em ../../2018, filha de BB, e de CC, nascido em ../../2020, filho da referida BB e de DD.
Em 23.01.2020, foi aplicada à AA a medida provisória de acolhimento residencial, a executar no CAT ...», sito em ....
Em 04.06.2020, foi celebrado acordo de promoção e proteção, com aplicação à AA da medida de acolhimento residencial.
Em 26.06.2020, foi aplicada ao CC a medida de acolhimento residencial, a título provisório.
Em 12.01.2021, foi celebrado acordo de promoção e proteção, com aplicação ao CC da medida de acolhimento residencial.
Em 13.05.2022, foi proferido acórdão, aplicando às crianças a medida de confiança a instituição com vista à adoção.
Em 13.09.2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nos seguintes termos: “a) Revogam a medida de confiança com vista à adoção; b) Mantém por mais seis meses a medida de acolhimento residencial, autorizando-se que as crianças possam sair com os progenitores, duas vezes por mês, em dias e horas, previamente a acordar com a Casa de Acolhimento, com vista a com estes realizarem atividades de carácter lúdico, cultural ou familiar; c) Decorridos 5 meses sobre a aplicação da medida deverá ser solicitado novo relatório sobre as condições habitacionais e laborais dos progenitores com vista à revisão da medida, nos termos supra expostos.”
Em 21.10.2022, foi proferido despacho a autorizar o convívio dos irmãos AA e CC, em contexto não residencial, em dias e horas previamente acordadas entre o CAT e a família natural, duas vezes por mês.
Em conferência realizada em 29.05.2023, foi celebrado APP, com medida protetiva de acolhimento residencial, pelo prazo de 3 meses.
Por despacho proferido em 11.07.2024, foi declarada encerrada a instrução, prosseguindo os autos para debate judicial.
Realizado este, foi proferido o seguinte acórdão:
“Delibera este Tribunal Coletivo, nos termos dos artigos 1º, 3º, 4º, 34º, als. a) e b), 35º, nº 1, al. g), 38º-A e 62º-A, todos da LPCJP e artigo 1978º do Código Civil, aplicar às crianças AA e CC a medida de confiança a instituição com vista à adoção, in casu o Centro de Acolhimento Temporário N. Sr.ª dos Milagres, da Cáritas Diocesana de Coimbra, em ....
“Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais, ficando, por isso, vedadas as visitas às crianças AA e CC (artigo 1978º-A do Código Civil).
“Ao abrigo do disposto no artigo 62º-A, n.º 1, da LPCJP tal medida durará até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão, exceto situações excecionais.”
O Progenitor Pai não se conforma com a Medida decretada pelo Tribunal a quo de Confiança a Instituição com vista a Adopção, aplicada ao Menor, seu filho, CC. Porquanto,
2.º A mesma não salvaguarda o superior interesse da criança;
3.º Não se revela conforme aos princípios orientadores da intervenção do Estado.
4.º Sem qualquer fundamentação, porquanto teve por base um incorreto diagnóstico do tribunal a quo.; O qual Sentenciou com base em alicerces probatórios inexistentes, incongruentes, não provados e desvalorizando as circunstâncias abonatórias existentes nos autos a favor quer do progenitor Pai e quer da sua família alargada.
5.º O Tribunal recorrido deu como provados factos que não o eram, não deu nenhum facto como não provado, quando o devia ter feito e ainda julgou e valorou incorretamente determinados factos, o que culminou numa Sentença desproporcionada e Nula e por excesso de pronúncia.
6.º Versando, assim, o presente Recurso sobre Matéria de Facto (dada erradamente como provada e outra que o devia ter sido e não foi) e Matéria de Direito.
7.º Quanto à Matéria de facto:
8.º A) Factos dados como provados pelo tribunal a quo e que não deviam ter sido dados: O tribunal a quo deu como provado que: 1- Ponto 123 do Acórdão_ (…) Ponto 171 do Acórdão (…) Ora, face ao depoimento testemunhal da Dr.ª EE, psicóloga do CAT em sede de Debate Judicial, não poderiam tais factos ter sido dados como provados; Com efeito, da sessão realizada no dia 11 de Outubro de 2024, gravada digitalmente pelo sistema em uso no Tribunal a quo com a referência 20241011093334-2879360-2870715, pela testemunha EE foi dito: (…)
Ora, dúvidas não podem existir de que o depoimento supra descrito infirma por completo os factos dados como provados nos pontos 123 e 171 do Acórdão agora recorrido.
Face ao exposto, o Tribunal a quo não deveria ter dado como provados tais factos
relativamente ao progenitor e consequentemente, usá-los em seu desfavor na decisão proferida. Antes devia ter dado como provado que o Pai do CC após o dia 9 de fevereiro de 2024 – e durante o período em que tem estado emigrado em França a trabalhar- contactou o CAT duas vezes: a 17 de junho e 14 de agosto e visitou o CC 4 vezes: 19, 23, 30 de agosto e 4 de setembro.
Pelo que, impunha-se ao Tribunal a quo uma decisão diferente da fixada, a saber: a medida de Apoio junto do Pai.
2- Ponto 175 do Acórdão: (…)
Ora, perante o facto dado como provado no Ponto 174 do mesmíssimo Acórdão, que diz: (…)
Temos que, de forma totalmente insana e arbitrária o tribunal a quo dá como provado – e bem, porque o Requerimento foi efetivamente junto aos autos a 6 de fevereiro de 2024- a existência de uma manifestação de vontade de uma tia paterna do CC para ficar com a guarda deste, disponibilizando-se para tal, E dá igualmente como provado que “Não são conhecidos elementos da Família alargada com disponibilidade… para oferecer qualquer apoio às crianças…”???
Tal poderia ser dado como provado relativamente á “criança AA”, mas nunca quanto à “criança CC”!
O CC – filho do aqui recorrente – tem uma tia Paterna- irmã do aqui recorrente, que veio ao processo manifestar a sua disponibilidade para cuidar daquele.
Sem prejuízo de outras considerações mais à frente, resulta desde já evidente que o Tribunal a quo, nunca poderia ter dado como provado, relativamente ao CC, inexistirem elementos da família com disponibilidade para cuidar dele- Porquanto o Menor tinha a tia paterna FF.!
Em suma; o tribunal a quo nunca podia ter dado como provado o Ponto 175. Antes devia ter dado como provado que existem elementos da família alargada- em concreto uma tia paterna- que manifestou disponibilidade em cuidar do CC.
Tal facto, por verdadeiro, impunha uma Decisão diferente da tomada pelo tribunal a quo, a saber: medida de Apoio junto de outro familiar – tia paterna.
9.º Factos que não foram dados como provados e o deviam ter sido: Na página 37 do Acórdão, o Tribunal a quo expressa-se no sentido de não existirem quaisquer outros factos provados com relevância para a Decisão da causa; Tal conclusão pelo tribunal a quo não é correta. Efetivamente, da prova testemunhal realizada no Debate judicial, deveria ter sido dado por provado pelo Tribunal a quo, com relevância para a Decisão da causa, que: 1- “O CC tem uma boa interação com o pai, não rejeitando os períodos de tempo que passa com ele, nem estando em risco com o mesmo.”
Tal resulta nomeadamente do depoimento da testemunha EE, Psicóloga no CAT; com efeito, da sessão realizada no dia 11 de Outubro de 2024, gravada digitalmente pelo sistema em uso no Tribunal a quo com a referência 20241011093334-2879360-2870715, pela testemunha EE foi dito: (…)
Face ao exposto e na ausência de qualquer outro facto contraditório a este, - nomeadamente a inexistência de maus tratos perpetrados contra o CC por parte do pai- o tribunal a quo devia ter dado como provado o facto supra descrito.
Facto este que se tivesse sido dado como provado, teria de influir na decisão da causa. Mais precisamente, seria relevante tal facto para a decisão da entrega do Menor ao cuidado do pai, em vez da decisão desproporcionada e descabida de “Confiança do Menor a instituição com vista à Adoção”.
2- “Não existe vínculo afetivo entre os irmãos uterinos: AA e CC.”
Conforme resulta dos autos o CC-atualmente com 4 anos- é irmão uterino da AA, atualmente com 6 anos. Ambos foram confiados a instituição. Institucionalização unilateralmente imposta pelo estado, baseada apenas nas fragilidades da mãe e descurando a existência do pai. Ao contrario do que, se admite, seria expectável, não existe um vinculo afetivo entre estes irmãos. Tal resulta inequivocamente dos testemunhos efetuados em sede de Debate Judicial, a seguir transcritos: com efeito, da sessão realizada no dia 25 de setembro de 2024, gravada digitalmente pelo sistema em uso no Tribunal a quo com a referência 20240925095943-2879360-2870715, pela testemunha GG, Assistente Social que acompanha os Menores, foi dito: (…)
É mais, da sessão realizada no dia 25 de setembro de 2024, gravada digitalmente pelo sistema em uso no Tribunal a quo com a referência 20240925113746-2879360-2870715, pela testemunha HH, Psicóloga que acompanha a AA, foi dito: (…) E, da sessão realizada no dia 11 de outubro de 2024, gravada digitalmente pelo sistema em uso no Tribunal a quo com a referência 20241011093334-2879360-2870715, pela testemunha EE, Psicóloga do CAT, foi dito: (…)
Concluímos, pois, que mal andou o tribunal a quo ao ignorar os elementos probatórios transcritos, devendo antes ter dado como provado os pontos 1 e 2, os quais indubitavelmente implicariam uma decisão diferente da tomada, desde logo, adequada e diferenciada relativamente a cada irmão, diferentes e com pouca afinidade entre si. De facto, e resultando dos autos, por um lado que, o CC gosta de estar com o seu pai, e
que nada existe no processo que impeça o pai de estar com ele, e por outro, que inexiste
vinculo afetivo com a sua meia-irmã AA, impunha-se por parte do tribunal a quo, uma
decisão diferenciada no que concerne aos aqui irmãos; devendo a Decisão relativamente ao Menor CC ter sido a Apoio junto do seu Pai biológico: DD.
10.º Matéria de Direito:
11.º A) Violação dos Princípios Orientadores da Intervenção
B) 12.º A intervenção do Estado é pautada pelo Princípio da Prevalência da Família e pelo Princípio da Responsabilidade Parental.
13.º Contudo, o Tribunal a quo decidiu pela solução mais gravosa: Confiança a Instituição com vista a Adopção.
14.º Descurando os efeitos negativos que tal pode provocar em qualquer menor, em síntese, Violando notoriamente a letra e o espirito do art.º 35 da LPCJP.
15º “A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles oponham de modo adequado a removê-lo (art.º 3º, n.º 1 da LPCJP, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9).” – Cfr. Acórdão do TRC de 25/06/2019.
16.º “Reconhece-se, por conseguinte, a natureza primordial e insubstituível da intervenção dos pais na tarefa de educação e acompanhamento dos filhos, só se justificando a separação ou afastamento de uns e outros em casos extremos, de irresponsabilidade ou negligência.” – Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional 470/99.
17.º In casu, justifica-se a Sentença proferida? Á luz dos princípios orientadores da intervenção, não nos parece.
18.º Antes, traduz uma violência para este Pai, e em nada salvaguarda o são e integral desenvolvimento do Menor.
19.º Devendo, assim, esta Decisão ser alterada, salvaguardando os princípios orientadores da intervenção e o superior interesse do Menor CC.
20.º B) Nulidade dos Actos (nos termos do art.º 195º, art. 615.º n.º 1, d) art.º 547.º, art.º 986.º n.º 2 e art.º 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil –CPC e art.º 4.º alínea a) d) e) e h) da LPCJP.)
21.º Nos termos do art.º 100.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo –L 147/99 “O processo judicial de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo, doravante designado processo judicial de promoção e protecção, é de jurisdição voluntária.
22.º Jurisdição voluntária esta que, se é certo que não está sujeita, propriamente, a critérios (estritos) de legalidade, também é igualmente certo, que tal não lhe confere a possibilidade de e decidir “como lhe apetecer”, sem atender aos critérios de equidade exigidos para o caso em concreto.
23.º Tal resulta do art.º 547.º do CPC “o juiz dever adotar a tramitação processual adequada ás especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.”
24.º Bem como, do art.º 986.º n.º 2 do CPC, que quanto ás regras do processo de jurisdição voluntária, fixa: “2 - O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.”
25.º Independentemente, do tipo de jurisdição, há que ter presente que o fim primordial do processo é a composição justa de um litígio, o que implica a procura da verdade. Neste sentido o art.º 3.º n.º 3 do CPC “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
26.º Ora, com o devido respeito, por outro entendimento, o presente tribunal a quo, ao ignorar por completo a intervenção no processo de FF- Tia paterna do Menor CC violou todas a s normas jurídicas supra indicadas: art.º 547.º, 986.º n.º 2 e art.º 3.º n.º 3 do CPC., sendo que tal violação veio influir notoriamente na (má) Decisão da Causa.
27.º A partir do momento, em que o que está em causa é o superior Interesse do menor CC - que está desde os 10 dias de vida confiado a uma instituição- e em que, nos termos do art.º 4.º alínea e) e h) a intervenção do Estado deve ser mínima, proporcional, actual e dar prevalência á Família, em concreto, à biológica, mal andou o Tribunal ao fazer “tábua rasa “ da intervenção da Tia Paterna do CC no presente processo, onde a mesma manifestava interesse em cuidar do seu sobrinho CC.( Facto dado como Provado: Ponto 174 do Acórdão)
28.º Em sede de motivação (da sua decisão) na - pagina 55- o Tribunal a quo, referindo-se ao progenitor, diz: “Apresentou, a dada altura, uma “suposta tia paterna” do CC, pessoa que considerou ter responsabilidades para cuidar do filho - contudo, nunca juntou aos autos qualquer comprovativo de idoneidade e condições económicas para que s pudesse ponderar a possibilidade de entregar o CC a tal tia. Também nunca essa tia contactou o CAT, para saber do CC, nem o CC conhece essa pessoa e muito menos tem alguma referência afetiva com ela. Nunca foi pedida qualquer visita ao CAT por esta “tia”.
29.º Mas, analisemos a motivação, na base da Decisão, do tribunal a quo:
1.º Não foi o aqui Recorrente, que “apresentou” a “suposta tia paterna”; ANTES, foi a “suposta” tia materna que se veio apresentar, ao processo!
2.º A Sr.ª FF, não é “suposta tia paterna”, é efetivamente tia paterna do CC; tal parentesco resulta, em concreto, dos documentos juntos com o requerimento de 6 de fevereiro de 2024, que estão nos autos: fotocópia do Cartão de cidadão do CC, do cartão de cidadão do pai do CC e do passaporte da tia. Donde resulta claro o parentesco (irmãos) de FF e DD!
30.º PORÉM, e sem prejuízo do exposto, se o Tribunal ainda assim tinha dúvidas quanto ao parentesco entre Nzinga e o Menor CC, IMPENDIA sobre o tribunal a quo- na senda do superior interesse do menor- e do art.º 547.º e 986.º n.º 2 do CPC, averiguar esse parentesco! O QUE NÃO FEZ!
3.º (falta) comprovativo de idoneidade e condições económicas da Tia paterna. Se é verdade que os elementos fornecidos pela tia poderiam não ser admitidos como idóneos
pelo Tribunal, porquanto se baseavam apenas na sua palavra, mais verdade é que, nesse caso, impendia sobre o tribunal a quo, averiguar, diligenciar sobre a existência ou não dessas condições! - nos termos do art.º 986.º n.2 e 547.º do CPC.
31.º Coisa que o Tribunal não fez!
32.º O tribunal a quo fez zero quanto a esta manifestação e interesse; nem sequer notificou o Recorrente desta manifestação para o mesmo se pronunciar! Quando, processualmente o devia ter feito! É mais, esta tia preocupada com o bem-estar e futuro do seu sobrinho, nem sequer mereceu uma resposta do tribunal!
33.º 4.º- A acrescer a todas esta irregularidades, e não se bastando com tais, o Tribunal a quo ainda alega em defesa da sua (má) Decisão de Confiança do Menor a Instituição com vista a Adopção, (em vez da Decisão de Apoio junto de Familiar (a Tia paterna)) o facto desta tia nunca ter contactado ou visitado o CC no CAT.
34.º Olvida o Tribunal a quo que: 1.º Esta Tia para saber do CC não tinha que contactar o CAT; bastava-lhe falar com o aqui recorrente, o pai do CC. 2.º Sem prejuízo do exposto, dir-se-á ainda que o CAT só daria informações a esta “suposta” tia, ou deixaria visitar o CC, com autorização do tribunal a quo; o mesmo Tribunal que não respondeu sequer à manifestação de interesse da Tia, ou seja, ignorou a sua existência!
35.º Por último, é também completamente despropositada a justificação para a tomada de Decisão - de confiança do menor CC a Instituição com vista Adoção, em detrimento da Confiança do Menor junto de Outro Familiar, no caso junto da tia paterna- de que face á ausência de contacto do CC com esta tia não existe referência afetiva. Pergunta-se: E que referência afetiva existe entre o CC e os eventuais e futuros adotantes?
36.º Concluindo: é notória a violação pelo tribunal a quo das norma expressas nos art.ºs art.º 547.º, art.º 986.º n.º 2 e art.º 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil –CPC e art.º 4.º alínea a) d) e) e h) da LPCJP, ao ignorar a intervenção processual da Tia paterna do CC – a qual se traduz numa manifestação de disponibilidade para cuidar do menor CC.
37.º O Tribunal perante essa manifestação concreta de disponibilidade da tia paterna do CC, deveria – na senda do interesse superior do menor- aferir da real disponibilidade dessa tia Paterna, quer, desse logo, respondendo á mesma e quer solicitando as informações, coligir provas… que considerasse necessárias ao apuramento da verdade.
38.ºAcresce, que o Tribunal não só o não fez, como usou tal omissão (de informações, de diligências) para justificar, influir no exame e na decisão da causa. Como resulta do último parágrafo da pag.72 do Acórdão: “face aos princípios orientadores da intervenção supra aludidos, no exclusivo interesse das crianças , e também porque na família alargada não existe suporte, a intervenção deste tribunal não poderá deixar de passar, pelo acompanhamento para adoção.”
39.º Verifica-se pois que o Tribunal cometeu uma nulidade processual inominada, nos termos do art.º 195 n.º 1 do CPC;
40.º E, na ausência da realização de quaisquer diligencias por parte do tribunal para conhecer da família alargada do CC, em especifico da tia paterna- FF,- não poderia o tribunal na Decisão, conhecer das condições da mesma, quando só poderia ter conhecido na sequência da realização desses actos, diligências; LOGO, essa decisão é nula por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º n.º 1, alínea d) do CPC.
TERMOS EM QUE, deve o presente Recurso proceder, por provado:
a) Declarando-se a Nulidade da Decisão por excesso de pronúncia;
b) Revogando-se a Decisão recorrida e, em consequência: declarar-se cessada a medida aplicada de Confiança a Instituição com vista à Adoção e consequente entrega do Menor CC aos cuidados do Progenitor pai- DD.
A nulidade decorrente de ter sido ignorada a intenção manifestada pela tia paterna da criança;
A reapreciação da matéria de facto impugnada;
A medida de promoção e proteção aplicada ao CC.
Na pior das hipóteses, pelo despacho de 11.7.2024 (encerramento da instrução e notificação dos interessados para alegar e juntar provas), o Recorrente estava em condições de averiguar no processo da pretensa desconsideração do requerimento da tia paterna, devendo reclamar a falta junto do tribunal recorrido, o que não fez, vindo a participar no debate judicial subsequente. Considerando o previsto no art. 199, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), a sua invocação agora no recurso é intempestiva.
Ainda que se tratasse de uma omissão (embora o Recorrente fale em total desconsideração, o requerimento da tia foi encaminhado para os serviços sociais de acompanhamento que o abordaram em relatório), a mesma não teve e não tem qualquer influência na decisão, porquanto:
Ao longo destes anos, cuidava-se apenas de saber se os pais das crianças criavam condições para acolher os filhos;
Era notório que não havia qualquer ligação entre a tia paterna e as crianças, que nunca a viram, estando aquela no Canadá;
Decorridos quase 4 anos, desde o nascimento da criança, realizado já um primeiro debate judicial, acontecida a rutura da comunhão dos progenitores, com a saída do pai do CC para o estrangeiro, nunca se tinha falado nesta tia.
Neste contexto, como assinalou o relatório de 26.3.2024, não estando a tia proposta para a adoção, não tendo qualquer vínculo com as crianças, não podia ser considerada como medida alternativa, apesar da manifestação de interesse, em fevereiro de 2024, que só pode ser tida por tardia.
Pelo exposto, decide-se não reconhecer a arguida nulidade.
O Recorrente questiona os factos provados em 123, 171 e 175 e pede a inclusão de 2 factos que considera ainda provados.
O Recorrente invoca uma parte das declarações de EE, GG e HH, mas sem as conjugar com os relatórios correspondentes e as explicações dadas pelo tribunal recorrido.
A prova a reconsiderar está sujeita à livre apreciação do julgador.
Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do Código de Processo Civil).
Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.
Reapreciada a prova pessoal concretizada e a demais produzida, pertinente à impugnação, a nossa convicção manifesta-se no seguinte sentido:
Facto 123:
Este diz respeito ao momento em que ocorreu a rutura da comunhão entre os progenitores, no início de 2024. O facto é correto, sem prejuízo de se aceitar que, depois disso, como resulta da própria motivação de facto da decisão recorrida (pág. 45 do acórdão) e das declarações invocadas, o progenitor fez contatos a 17.6 e 14.8, com visitas em 19, 23 e 30 de agosto e 4 de setembro, sendo certo que esta é a última data de contatos (informação de 12.12.2024).
Assim, mantendo o facto 123, temporalmente delimitado, far-se-á o aditamento referido no ponto 171.
Facto 171:
Para retirar a feição relativamente conclusiva da sua redação, neste ponto iremos concretizar os contatos referidos, do ano de 2024.
Facto 175:
Conforme já analisado relativamente à pretensa nulidade, para que o facto se conjugue melhor com a manifestação de interesse da tia paterna (facto 174), decidimos retirar a parte “não são conhecidos elementos da família alargada com disponibilidade ou condições para oferecer qualquer apoio às crianças, desde logo porque”, passando o 175 a limitar-se a dizer que “ninguém tem procurado visitar as crianças (para além da mãe e do pai) durante o período de acolhimento, que se prolongou por mais de 4 anos.”
Pedido de aditamento de 2 factos:
1 - “O CC tem boa interação com o pai, não rejeitando os períodos de tempo que passa com ele, nem estando em risco com o mesmo”?
Conforme o depoimento invocado, o relatório de 26.3.2024 e as queixas da progenitora, são suficientes e claros, contrários ao proposto, os factos não impugnados dos pontos 68 a 72, 79, 80, 82 a 85, 95, 101, 105, 108, 115, 119, 120, 165, 171 e 172.
2 - “Não existe vínculo entre os irmãos”?
Conforme os depoimentos invocados, conjugados com os relatórios subscritos por tais técnicas, a falta de vínculo é contrariada pelo facto assente em 86, apesar do assente em 161, ou seja, apesar da relação complexa entre os irmãos, decorrente da desregulação emocional da AA, eles identificam-se como “manos”, sendo da iniciativa da AA a aproximação entre os dois, com intuitos protetivos dela para com ele.
Pelo exposto, julgando a impugnação parcialmente procedente, decidimos, mantendo o demais como fixado:
Alterar o ponto 171, que passará a ter a seguinte redação:
No ano de 2024, o progenitor fez contatos para a residência de acolhimento a 17.6 e 14.8, com visitas em 19, 23 e 30 de agosto e 4 de setembro, sendo esta a última data de contatos.
Alterar o ponto 175, que passará a ter a seguinte redação:
Ninguém tem procurado visitar as crianças (para além da mãe e do pai) durante o período de acolhimento, que se prolongou por mais de 4 anos.
1. AA nasceu em ../../2018, em França, sendo filha de BB.
2. É desconhecida a sua paternidade, sendo fruto de um relacionamento fortuito da mãe, quando esta se encontrava em França.
3. AA é a quarta filha de BB, tendo esta mais três filhos: II, nascida a ../../2004, filha de JJ, KK, nascido a ../../2011, e LL, nascida a ../../2013, filhos de MM.
4. A progenitora esteve acolhida com os filhos KK, LL e GG na Comunidade de Inserção Renascer, no período compreendido entre 26.09.2013 a 19.06.2014.
5. Durante o acolhimento foi verificada a existência de afeto entre mãe e filhos. Porém, foram detetadas várias fragilidades que obstaram ao estabelecimento de uma relação de maior qualidade, nomeadamente : - dificuldade em priorizar as necessidades dos filhos em detrimento das suas; - tomada de decisões de forma impulsiva, com base na sua satisfação emocional; - desorganização emocional, o que não lhe permitia ser assertiva com os filhos quando necessário ou estabelecer limites adequados; - dificuldade em perceber quais as necessidades de cada um dos filhos e, - negligência ao nível da supervisão.
6. Sem o suporte da Equipa técnica a progenitora desorganizava-se, perdia a noção de quais as melhores decisões a tomar para salvaguardar o bem-estar dos filhos, o que se prende com traços de personalidade próprios e de difícil intervenção técnica.
7. Algum tempo após a saída da progenitora da “Renascer”, a GG, o KK e a LL beneficiaram da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, tendo aquela sido acolhida na Casa de Formação Cristã e o KK e a LL foram acolhidos no CAT da Cáritas Diocesana de Coimbra, sito em ..., medida que lhes foi aplicada no âmbito do processo n.º 292/15.... Juiz ....
8. O KK e a LL, no âmbito do mencionado processo, saíram do CAT de ... e foram confiados ao respetivo progenitor, MM, inicialmente com a medida de apoio junto do pai e, por acordo do exercício das responsabilidades parentais homologado em 21 de março de 2019 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Almada – Juiz ..., com quem ficaram a residir habitualmente. A progenitora não visita estes filhos, não contribui para o seu sustento e apenas os contacta pelo telefone.
9. A progenitora voltou a ser acolhida na Comunidade de Inserção Renascer, em 15.04.2015, desta vez sozinha, por se encontrar em situação de grande vulnerabilidade – desempregada e em situação de sem abrigo.
10. Mais tarde, em final de 2017, a GG foi confiada à mãe, que se encontrava em França. Regressaram ambas de França, juntamente com a AA, em 2019, mas a GG ficou a viver com pessoas amigas, primeiro em Lisboa, depois em Santarém, sendo que a jovem nem sequer conhecia uma delas. No ano letivo 2019/2020 a GG esteve em abandono escolar.
11. A AA beneficia de acompanhamento ao nível da promoção e proteção desde 03.10.2019, tendo sido sinalizada à CPCJ de Coimbra pela CPCJ do Entroncamento, que reportou negligência na prestação dos cuidados à criança, ao nível da higiene e conforto.
12. Aquando da sinalização, a progenitora residia com o seu companheiro DD, de 46 anos de idade, num quarto arrendado sito na rua ..., ..., nesta cidade, pagando uma renda de € 350.
13. Não tinha (nem tem) rede familiar de suporte, nem rendimentos que permitissem o seu sustento e o da filha.
14. Em sede de intervenção da CPCJ foi proposto à progenitora o seu acolhimento em instituição adequada a acolher mãe e filhos, nomeadamente na “Renascer”. Porém, esta instituição não a aceitou, por ser já conhecida a instabilidade relacional de BB, com impacto no bem-estar dos filhos, pois mantém variados relacionamentos amorosos, nos quais deposita esperança no que respeita à reestruturação do seu projeto de vida, os quais terminam, retornando aquela à situação de precaridade económica, social, habitacional e emocional, sem que tal circunstancialismo tivesse operado mudanças sustentadas no seu comportamento e atitudes. Não foi possível encontrar vaga noutras instituições de acolhimento para mães e filhos, pelo que, mantendo-se a instabilidade de relacionamento entre a progenitora e o seu companheiro, foi-lhe proposto o acolhimento residencial da filha, o que recusou.
15. No dia 16.01.2020, a progenitora foi expulsa pelo companheiro, na sequência de uma discussão, tendo comparecido, cerca das 16h30m, na CPCJP de Coimbra com a AA, e solicitado o acolhimento de ambas em Casa Abrigo, em virtude de não ter qualquer suporte familiar nem autonomia financeira.
16. Foi acionada a linha 144 e, consequentemente, encaminhada para “Casa Abrigo”.
17. Na altura a progenitora estava grávida, alegadamente de quatro meses de gestação, sendo que a mesma adveio do relacionamento que manteve com DD.
18. À AA foi aplicada, em 23.01.2020, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial, executada no CAT, “...” no dia 27.01.2020 sito em ..., onde, presentemente, ainda se encontra.
19. Entretanto, a mãe saiu da Casa Abrigo e voltou a viver com o companheiro DD, em casa de uma amiga do companheiro.
20. A gravidez não foi acompanhada desde o seu início, tal só tendo acontecido, em 29.01.2020, após a instauração do processo e na sequência de sinalização do SATT.
21. Depois a progenitora e o companheiro passaram a residir numa pensão, com apoio da Cáritas e mais tarde ocorre nova separação do casal, tendo a progenitora sido acolhida por uma amiga e manifestado a intenção de ser acolhida ainda grávida numa Casa, uma vez que a relação com o DD “estava a tornar-se tensa.”
22. Em 04.06.2020 foi aplicada à AA, em sede de acordo de promoção e proteção, a medida de acolhimento residencial.
23. Na altura, a progenitora comprometeu-se a: - Arranjar condições habitacionais em termos de higiene e espaço adequados para acolher a filha; - Arranjar trabalho e, - Comparecer nas consultas de planeamento familiar.
24. em ../../2020 nasceu CC, na Maternidade ..., filho de BB e DD.
25. Após o nascimento do CC, os progenitores deste voltaram a residir juntos na pensão, onde se mantêm até setembro de 2020. Em 01.10.2020 passaram a residir numa casa que arrendaram pelo valor mensal de € 350, sita em Beco ..., ..., em ..., Coimbra. Trata-se de uma pequena moradia composta por 2 quartos, casa de banho, pequena cozinha e sala.
26. Em 26.06.2020 foi aplicada ao CC, a título cautelar, a medida de acolhimento residencial, executada no CAT “...”, no dia 02.07.2020, tendo até então ficado confiado à Maternidade ....
27. O progenitor trabalhava, desde maio, na empresa A..., na área da construção civil, auferindo o salário mínimo nacional, e a progenitora trabalhava a título precário numa empresa de limpezas, a fazer substituição de férias e/ou de baixa médica, tendo auferido, no mês de julho de 2020 a quantia de € 412.
28. A progenitora, no final de outubro de 2020, ficou desempregada, e em 03.11.2020 começou a trabalhar 3 horas na Escola ..., mantendo a prestação de RSI, no valor de € 189.
29. O progenitor do CC tem tido um percurso de grande instabilidade laboral, com constantes mudanças de entidade patronal e recorrentes períodos de desemprego. No momento atual encontra-se a prestar serviços de carpinteiro de cofragem em ..., França, para a empresa “B...”.
30. A filha da progenitora BB, a GG, integrou o agregado da mãe em final do mês de setembro de 2020, altura em que reiniciou os estudos, na Escola ..., numa turma do 8º ano. Tem uma relação parentificada com a mãe.
31. Em 10.11.2020 o progenitor do CC sofreu um AVC, esteve internado até 27.11.2020 e esteve de baixa médica até final de janeiro de 2021.
32. Em 12.01.2021, foi aplicada ao CC a medida de acolhimento residencial, em sede de acordo de promoção e proteção então firmado, comprometendo-se os progenitores a: - diligenciar pela obtenção de condições habitacionais adequadas para acolher o CC; - submeterem-se a uma avaliação psicológica das suas capacidades parentais – e manterem-se inseridos laboralmente.
33. Entretanto a progenitora voltou a trabalhar em limpezas, mas ficou novamente desempregada em maio de 2021.
34. Por sua vez, o progenitor retomou a sua atividade laboral.
35. Em outubro de 2021 a progenitora encontrava-se a trabalhar na área das limpezas, no Instituto Português do Sangue, das 13h às 21h.
36. A relação entre ambos continuava a pautar-se por conflituosidade, com frequentes discussões entre eles e violência física (BB desistiu da queixa), tal como ocorreu em 11.10.2021, em que as autoridades policiais se deslocaram a casa do casal.
37. BB manteve-se a viver com o companheiro DD por uma questão de suporte nas despesas e por não ter alternativa em termos habitacionais, não mantendo relacionamento conjugal e manifestando a intenção de se separar.
38. DD descrevia a relação do casal como normal, subvalorizando a situação de violência física, referindo ser normal haver desentendimentos no casal.
39. Os pais apresentavam narrativas diferentes relativamente ao projeto de vida do CC e dos próprios, não havendo partilha de informação entre ambos relativamente ao filho.
40. Os progenitores do CC encontram-se separados de facto desde janeiro de 2024.
41. O progenitor do CC tem quatro filhos, já adultos, que residem em Angola e cujo crescimento não acompanhou. Apenas os contacta pelo telefone.
42. Foi efetuada pelo Centro de Prestação de Serviços à Comunidade da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra avaliação das capacidades cognitivas, bem como dos modelos e práticas parentais dos progenitores do CC, referindo-se o relatório respetivo, no que concerne à mãe que: “Da análise integrada da informação recolhida sobre a mãe, considera-se estarem presentes os seguintes fatores de risco para um adequado exercício da parentalidade: “(i) ausência de modelos de parentalidade adequados na família de origem; (ii) luto não resolvido relativo à perda do pai durante a adolescência; (iii) percurso escolar pautado por dificuldades de aprendizagem e abandono precoce; (iv) percurso laboral instável; (v) parentalidade sem suporte sociofamiliar sustentável em vários momentos de vida, mesmo quando planeada (incluindo a gestação do CC); (vi); instabilidade emocional e relacional aliada com desorganização em situação de rutura amorosa (vii) padrão de vinculação insegura; (viii) filhos de relacionamentos anteriores que não estão ao seu cuidado, observando-se algum desinvestimento face ao KK e à LL (com delegação das responsabilidades no respetivo progenitor e ausência de visitas) e à GG (cuja inclusão no projeto de vida da progenitora vem variando ao longo do tempo e no sentido de ter suporte por parte da filha); (ix) meio familiar disfuncional com reincidência em padrões de relacionamento desadaptativos (alegações de violência doméstica de cariz psicológico e solicitação de acolhimento em casa-abrigo; ruturas e reconciliações); (x) precariedade socioeconómica (habitacional, laboral, financeira); (xi) indicadores de funcionamento psicológico instável, com descrição de episódios de desorganização emocional e antecedentes de acompanhamento psicoterapêutico, a que acresce a informação prestada pelo companheiro quanto à existência de prescrição de medicação antidepressiva não cumprida por orientação do mesmo; (xii) tendência para atribuição externa das responsabilidades (a outros ou às circunstâncias); (xiii) autocrítica fragilizada; (xiv) fraca adesão às orientações técnicas; (xv) fraca rede de suporte social (centrada no companheiro); e (xvi) traços desadaptativos de personalidade com relevância clínica que enquadram este padrão de funcionamento.”
43. No que diz respeito ao pai do CC refere-se: “Da avaliação efetuada e informação recolhida foi possível identificar uma extensa presença de fatores de risco para um adequado exercício da parentalidade, designadamente: “(i) contexto familiar de origem pouco estruturado (…); (ii) percurso escolar irregular; (iii) parentalidade precoce, múltipla e não exercida, com reduzido envolvimento na vida dos filhos mais velhos, que nunca estiveram ao seu cuidado; (iv) percurso laboral instável; (v) antecedentes de consumo de álcool excessivo; (vi) projeto parental (CC) sem suporte sociofamiliar sustentável; (vii) instabilidade relacional com a Sra. BB e indicadores que sugerem estereótipos de género quanto ao papel parental (com risco de delegação dos cuidados da criança na mãe, sobre quem evidencia algum ascendente); (viii) precariedade socioeconómica (habitacional, desemprego); (ix) antecedentes neurológicos (AVC); (x) tendência para atribuição externa das responsabilidades; (xi) ausência de autocrítica; (xii) postura resistente e de desqualificação perante alguns serviços (e.g. EMAT); (xiii) desvalorização do apoio necessário à companheira (psiquiátrico, como toma de medicação, que eliminou); (xiv) projeto de vida pouco estruturado e manutenção de uma frágil situação socioeconómica; e(xv) fraca rede de suporte social.”
44. As psicólogas avaliadoras concluíram que: “Assim, da informação recolhida, consideramos que os progenitores apresentam comprometimento das suas competências parentais, apesar de verbalizarem investimento afetivo. A AA e o CC devem poder beneficiar de um contexto relacional securizante, estruturado, protetor e promotor da sua segurança, bem-estar e desenvolvimento que a díade parental não parece ser capaz de providenciar.”
45. Os progenitores do CC manifestam ausência de crítica quanto às suas limitações no exercício da parentalidade.
46. A progenitora não tem capacidade de mudança.
47. A progenitora, quando a AA foi conduzida ao CAT de ..., não pegou nela ao colo, tendo-se limitado a dar-lhe um beijo, estando a criança ao colo da Técnica que a conduziu ali.
48. A criança não chorou aquando da separação, ficou sossegada e dormiu na viagem até ao CAT.
49. Após o acolhimento, a mãe visitava-a todas as semanas, às quintas-feiras entre as 15h30m e as 16h30m. A AA ficava feliz com a visita da mãe, procurando o seu contacto e com ela interagir.
50. A progenitora, durante as visitas, centrava-se no seu próprio discurso com o técnico, desviando-se da atenção que deveria dar à filha que, por vezes, ficava com ranho até à boca, batia com a cabeça na parede a brincar ou enchia a boca de gomas até se engasgar, sendo necessária a intervenção daquele para alertar a progenitora do que se passava com a AA.
51. Nas despedidas a mãe denotava tranquilidade, sendo várias as vezes em que era ela própria a alertar para o horário do final da visita, ficando a criança, aquando da despedida, muito chorosa, reagindo aquela com algum desprendimento, abandonando a interação e não a consolando.
52. Devido à pandemia, o convívio presencial foi interrompido no período compreendido entre 13 de março e 20 de maio de 2020. Durante este tempo a mãe não contactou a filha via Skype, conforme lhe foi proposto pelo CAT, mas telefonou semanalmente para saber da filha.
53. As visitas foram retomadas em 26 de maio, sendo acordadas visitas às terças e quintas-feiras, mas a AA recusou o contacto com a mãe, chorando e gritando, não tendo a mãe conseguido cativá-la, mesmo com recurso a brinquedos, tendo várias visitas sido interrompidas após intervenção do técnico, de modo a acabar com o sofrimento da criança.
54. BB reagiu a este comportamento da filha denotando sentimentos de frustração, desistência e revolta, chegando a dizer-lhe que se ia embora porque ela gostava mais do técnico do que dela.
55. Esta situação sofreu alteração apenas em 23 de julho, com os primeiros sorrisos da criança em relação às brincadeiras da mãe.
56. A mãe, não obstante alertada, trazia doces para a filha (chupa chupas, bolos, gomas), que utilizava como meio de interagir com a AA, assim como o uso excessivo e quase exclusivo do telemóvel como forma de controlar o comportamento desafiante da filha.
57. Após o acolhimento do CC, a progenitora passou a visitar os dois filhos, duas vezes por semana e em conjunto. O progenitor visitava o CC, sozinho, pois a situação pandémica impunha que apenas um adulto visitasse as crianças de cada vez.
58. A progenitora denota uma clara preferência pelo CC, por ser mais fácil de gerir, como refere à equipa técnica, não se coibindo de o fazer mesmo na presença da AA.
59. Muda o tom de voz consoante se dirija à AA ou ao CC, utilizando um tom de voz mais tranquilo e suave com este, por contraposição ao que usa com a filha, mais ríspido e autoritário.
60. A progenitora tem dificuldade em impor regras à filha, deixando-a fazer o que quer, revelando incapacidade de lidar e conter as birras da AA. Quando a criança coloca a mãe à prova, desafiando-a com o seu comportamento – v.g. não cumprindo as regras e as orientações que aquela lhe dá -, a progenitora facilmente desespera, utilizando um discurso que subentende que recorreria à punição física para a controlar referindo “se estivesses comigo já terias levado”.
61. A progenitora recorre ao telemóvel para a ocupar, enquanto se foca no CC, compara-a de forma depreciativa com o CC, dizendo-lhe que é feia e, por diversas vezes disse-lhe que a deixava e se iria embora, quando a criança assume atitudes de desafio e faz “birras”.
62. A AA, apercebendo-se desta preferência, sai da sala onde a visita decorre, procurando outros adultos que lhe dão atenção e que a valorizam, como sejam os elementos da equipa técnica ou outros funcionários do CAT.
63. A criança não tem qualquer angústia no fim da visita, à qual a própria põe fim, recusando, por vezes, dar um beijo à mãe.
64. Quando o CC está mais apático, como sucedeu no dia 11.06.2021 em que estava febril, a progenitora entregou-o ao técnico, em quem delegou a prestação dos cuidados ao filho.
65. O pai, em 2020, visitava o CC quinzenalmente. Em 2021 visitava-o duas vezes por semana, salvo no mês de março em que ocorreu apenas uma visita, sendo que a partir de 25.05.2021 a periodicidade das visitas voltou a ser quinzenal, por razões profissionais.
66. As visitas decorriam, via de regra, entre as 11h e as 12h, o que permitia ao pai acompanhar a rotina do almoço, da higiene e da sesta, sendo recetivo às indicações dos técnicos.
67. Porém, quando o CC se encontrava mais inquieto e menos colaborante, o pai recorria a estratégias desadequadas, tais como oferecer-lhe a bisnaga da pomada enquanto lhe mudava a fralda, objeto que aquele colocava logo na boca, tendo uma das vezes se arranhado na face.
68. Quando o CC estava “rabugento” o pai terminava a visita a meio, entregando-o ao técnico para que fosse dormir.
69. Não tomava a iniciativa na prestação dos cuidados ao filho, v.g. levá-lo à casa de banho para lavar o rosto ou as mãos.
70. Durante a visita está constantemente a falar e cantar, não interagindo com o CC, nem falando com ele, o que não favorece o desenvolvimento da linguagem, necessidade que o pai não consegue identificar.
71. O progenitor revelou desconhecimento da fase de desenvolvimento do filho e o que é expectável para o mesmo em termos de estimulação, como por exemplo, a dada altura não deixou o CC comer pela mão dele e continua a colocar a mesma quantidade de comida na colher que colocava quando a criança começou a comer.
72. As despedidas são fáceis, muitas vezes por iniciativa do progenitor, que traz o filho para a porta da sala procurando chamar a atenção do técnico para lho entregar.
73. No aniversário do CC, 16.06.2021, a equipa técnica do CAT propôs aos progenitores a realização de uma visita conjunta, no parque infantil exterior ao CAT, com a presença da AA.
74. Foi notória a preferência pelo CC, pois que se prepararam, logo que este lhes foi entregue, para saírem do CAT, ali deixando a AA, o que só não ocorreu devido a intervenção de um técnico, que os acompanhou ao parque levando a AA pela mão.
75. Ali a progenitora centrou-se na refeição do filho, entregando a filha ao DD. Porém, a criança procurou sempre o técnico quando precisava de alguma coisa, como por exemplo urinar.
76. Embora o progenitor do CC nunca tenha requerido autorização para visitar a AA, e disso foi informado no CAT, foi agendada uma segunda visita conjunta a 25.11.2021.
77. Em 2020 e em 2021 os progenitores solicitaram que a AA e o CC fossem passar o Natal na sua companhia, o que foi recusado, pois a progenitora revelava grande dificuldade em impor regras à filha, revelando incapacidade de lidar e conter as birras da AA, a casa dispunha apenas de dois quartos, e o da filha GG ainda não tinha mobília (em 2020), e devido à vulnerabilidade socioeconómica do atual contexto familiar dos progenitores, ao recente episódio de violência doméstica, às baixas competências parentais dos progenitores e ao seu reduzido potencial de mudança (em 2021).
78. Os progenitores, nas épocas festivas de Natal e Páscoa, não fizeram chegar ao CAT qualquer presente para as crianças.
79. O CC, quando frustrado, o que ocorre com alguma frequência uma vez que é bastante voluntarioso, reage gritando e chorando, exigindo ver os seus desejos satisfeitos, sendo necessária a intervenção de um adulto para o ajudar a regular as suas emoções, demonstrando ambos os pais dificuldade nisso.
80. Com o seu crescimento o CC tem vindo a adotar um comportamento mais exigente e necessita de estímulos, demonstrando ambos os pais dificuldades em cativá-lo, mesmo mediante a utilização de brinquedos, denotando a mãe maiores dificuldades.
81. Tal como o pai, a mãe quando o filho está mais inquieto ou “rabugento”, por vezes diz-lhe “assim a mãe vai-se embora” e socorre-se do técnico para o acalmar ou mesmo para terminar a visita.
82. Passado algum tempo da visita, o CC tem manifestações de saturação e quer sair da sala, apontando ou dirigindo-se para a porta da sala.
83. As despedidas continuam a ser breves e tranquilas por parte do CC. Os pais não manifestam qualquer angústia com a separação.
84. Nenhum dos pais é capaz de identificar questões relacionadas com os filhos, quer acerca do seu comportamento, de problemas que possam apresentar e sobre as suas necessidades e cuidados, contando com os técnicos para os assegurar.
85. Não procuram inteirar-se da situação das crianças, v.g. em termos de saúde ou da creche.
86. A AA identifica o CC como o seu “mano”, sendo da sua iniciativa a aproximação entre os dois, e é muito protetiva dele.
87. Em 13.05.2022 foi proferido acórdão determinando os juízes do tribunal coletivo misto em aplicar à AA e ao CC, a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a adoção, nos termos dos artigos 35º, nº 1, al. g) e 38º-A, al. b) da LPCJP, confiando-se os mesmos à guarda e cuidados do CAT ...» sito em ....
88. Foram interpostos recursos pelos progenitores, admitidos por despacho de 08.07.2022.
89. Em 13.09.2022 foi proferido douto Acórdão pelo Tribunal da Relação de Coimbra, decidindo nos seguintes termos: “a) Revogam a medida de confiança com vista à adoção; b) Mantém por mais seis meses a medida de acolhimento residencial, autorizando-se que as crianças possam sair com os progenitores, duas vezes por mês, em dias e horas, previamente a acordar com a Casa de Acolhimento, com vista a com estes realizarem atividades de carácter lúdico, cultural ou familiar. c) decorridos 5 meses sobre a aplicação da medida deverá ser solicitado novo relatório sobre as condições habitacionais e laborais dos progenitores com vista à revisão da medida, nos termos supra expostos.”
90. Em 21.10.2022 foi proferido despacho a autorizar o convívio dos irmãos AA e CC, em contexto não residencial, em dias e horas previamente acordadas entre o CAT e a família natural, duas vezes por mês, desde as 9h até às 18h.
91. As crianças dirigiam-se à progenitora sem grande entusiasmo com a saída, regressando da mesma forma, despedindo-se sem manifestação de angústia; não realizavam a refeição do almoço em família, comendo os irmãos ao mesmo tempo; as refeições eram compostas de sopa, prato de carne com acompanhamento e fruta, doce e água ou sumo; higiene oral após as refeições não foi referida pela mãe.
92. O lanche era composto por pães de leite, iogurte ou leite com chocolate e doces (rebuçados, gomas, chocolates).
93. A mãe visitava os filhos no CAT semanalmente, tendo o pai do CC deixado de o fazer até ao mês de março de 2023, sendo que estava desempregado.
94. As visitas da mãe são pautadas por ofertas constantes de doces (rebuçados, gomas, bombons), via de regra um pacote inteiro de cada vez, ou seja, uma quantidade excessiva para os dois, tendo sido incentivados a partilhar com outras crianças, e, no início, também brinquedos, habitualmente demasiado frágeis, e pontualmente roupa e calçado, questionando os pais o CAT sobre os tamanhos via telefone ou e-mail, não aproveitando o convívio para obter tal informação.
95. O tempo da visita, em contexto de CAT, é maioritariamente realizado com o telemóvel, estando as crianças a ver/ouvir clips do Panda, mesmo durante o lanche, realizando videochamada com o pai do CC.
96. CC manifesta, as mais das vezes, resistência ao convívio, não querendo participar, e só no fim da visita, depois de ser cativado ao lanche com guloseimas, é que ficava mais descontraído.
97. Na primeira saída com a AA e o CC nenhum dos pais solicitou qualquer informação sobre os seus hábitos ou rotinas, cuidados específicos a ter ou qualquer questão de saúde, tendo só após o mesmo ter ocorrido, questionado o CAT sobre a circunstância de não comerem arroz de cenoura, o uso de creme hidratante específico (CC tem pele atópica) ou cuidados com a entrada de água nos ouvidos.
98. Com referência a abril de 2023, os pais viviam numa casa de rés do chão, com dois quartos, sendo o maior destinado ao casal e com uma cama de grades (berço), desadequada para a idade do CC, e o quarto mais pequeno tem um beliche, sendo ocupado pela irmã uterina GG, uma cozinha que serve de sala, de pequenas dimensões e sem arejamento, e uma casa de banho.
99. Os pais estavam laboralmente inseridos.
100. Os pais verbalizaram a intenção de as crianças integrarem o agregado familiar, tendo sido orientados para a procura de valência educativa adequada, tendo avançado a resposta do projeto da creche feliz, não adequado à idade da AA e do CC, que no ano letivo 2023/2024 integraria a resposta de pré-escolar.
101. No relatório de acompanhamento de medida protetiva, em 26.04.2023, foi informado: “- A mãe manteve visitas semanais aos filhos, e o Sr. DD esteve até março sem comparecer nas visitas por se encontrar a trabalhar fora de Coimbra. Em abril deixou de comparecer por ter retomado atividade laboral; - Os progenitores passaram a beneficiar de um sábado quinzenal de acordo com plano efetuado entre a CAR e a família para convívio das crianças fora do acolhimento; - De acordo com informação da CAR datada de 05/12/2022 as crianças dirigiam-se “…à progenitora/familiares sem denotar grande entusiasmo com a saída, regressando também da mesma forma, e despedindo-se sem manifestação de angústia. Esta atitude é partilhada pela D. BB.” - Atualmente a reação perante as saídas das crianças mantém-se sendo que no regresso as crianças revelam alguma tristeza, que rapidamente é ultrapassada com as rotinas da CAR; - A mãe tem revelado que o tempo de convívio com os filhos fora da CAR tem decorrido melhor do que as suas expetativas, ainda que sejam orientados pela Equipa da CAR, relativamente a questões que vão sendo percebidas como a indicação da importância das refeições em conjunto com a restante família, bem como outros aspetos decorrentes da gestão das rotinas das crianças; - Os lanches das crianças continuam a ser compostos por alimentos muito açucarados, revelando a mãe dificuldade em acolher as orientações que há muito vão sendo prestadas no sentido de apresentar alimentos mais saudáveis. Verifica-se nas visitas que quanto a “doces são oferecidos semanalmente (rebuçados, bombons, gomas), normalmente um pacote inteiro de cada vez, quantidade excessiva para as duas crianças”; - “O tempo destinado ao convívio em contexto institucional, é maioritariamente realizado com o telemóvel como companhia …”; - De registar que nas últimas visitas realizadas em contexto da CAR, tem decorrido uma alteração com o CC, que se manifesta resistente não querendo participar e só no fim da visita, decorrido um processo para o cativar que envolve um lanche com guloseimas, é que este fica mais descontraído; - Na visita domiciliária realizada, verificou-se que os pais e a filha mais velha da D. BB residem na mesma habitação, uma casa de rés do chão, com dois quartos, sendo o maior destinado ao casal com uma cama de grades (berço), desadequada para a idade do CC e o quarto de menores dimensões tem um beliche com duas camas em que dorme a filha mais velha, mas que perspetivam para as duas meninas. A casa dispõe ainda de uma casa de banho e uma cozinha que serve de sala, sendo esta última uma divisão pequena e com pouco arejamento; - Relativamente à situação profissional, a D. BB informou que atualmente se encontra com contrato de trabalho, sendo o seu horário de trabalho das 8h às 14h e das 17H às 20H, excetuando à quinta à tarde em que não trabalha para assegurar as visitas aos filhos na CAR. A mãe informou que tendo os filhos a seu cargo, irá solicitar redução de horário das 8h às 17h, situação que já terá partilhado com a empresa; - Foi contactada a encarregada da Empresa “C...”, que informou que esta manteve uma situação de precaridade durante um período alargado (mais de um ano), assegurando férias e baixas médicas, mas que atualmente foi possível realizar contrato de trabalho; - Na visita domiciliária realizada, tomou-se conhecimento da situação de desemprego do Sr. DD, quando questionado por que não aproveitou para fazer visitas ao filho na CAR, alegou receio de assumir essa situação, por considerar que poderia ser prejudicado na revisão da medida, tendo sido alertado que o mais importante seria valorizar a oportunidade e convívio com o filho; - Relativamente à situação laboral, o progenitor referiu que a sua situação de desemprego seria provisória e que, como em fases anteriores, facilmente encontraria trabalho, o que se veio a concretizar, vindo posteriormente a informar ter conseguido trabalho em Coimbra na área da Construção Civil. De salientar que de momento, ambos os elementos do casal mantêm atividade laboral; - De salientar que nesta primeira entrevista, se verificou que o casal não tinha ainda ponderado questões práticas do planeamento do regresso dos filhos, a mãe informou do seu período de férias de verão (11 dias), referindo que gostaria de passar esse período com os filhos, nomeadamente 17 a 31 de agosto; - Ambos referiram que perante a integração de AA e CC no ambiente familiar, idealizam levar as crianças de autocarro para um jardim de infância em Coimbra, não sabendo exatamente qual, pelo que foram incitados a apresentar informações mais concretas nomeadamente para integração em equipamento de pré-escolar, contudo revelaram dificuldade em saber como proceder.”
102. Em 29.05.2023 por acordo de promoção e proteção firmado com os progenitores, foi aplicada a medida de acolhimento residencial, pelo prazo que se fixa em 3 meses, no CAT ..., Rua ..., ..., ... Coimbra, nos termos dos artigos 35º, n.º1, al. f) e 49º, 50º, 55º e 56º da LPCJP, com as seguintes cláusulas: “Segundo A progenitora e o progenitor do CC concordam em continuar a ser acompanhados e apoiados pelo ISS/EMAT, acatando as instruções que as Senhoras Técnicas entendam por convenientes, bem como a seguir as regras estipuladas pela instituição de acolhimento. Terceiro A progenitora e o progenitor do CC comprometem-se a diligenciar pela obtenção de condições habitacionais adequadas ao agregado familiar. Quarto A progenitora e o progenitor do CC concordam em ser acompanhados pelo CAFAP de Coimbra e a cumprir o plano com os objetivos da intervenção propostos. Quinto Os pais comprometem-se a manter-se inseridos laboralmente. Sexto A AA e o CC poderão passar os fins de semana com os pais, a iniciar à sexta-feira, indo estes buscá-los à creche/jardim de Infância e levá-los à segunda-feira de manhã ao mesmo local. Sétimo A progenitora e o progenitor do CC comprometem-se a acompanhar os filhos nas consultas que lhes sejam marcadas, bem como nas urgências médicas e nas restantes áreas da vida das crianças.”
103. Em 19.06.2023 o SATT veio informar que foi efetuado pedido de colaboração ao CAFAP da Associação Integrar de Coimbra, para efetuar intervenção junto da família ao nível da promoção de competências parentais e de acompanhar a dinâmica familiar aos fins de semana, e em articulação com este serviço veio a ser recebida resposta positiva para o acompanhamento familiar, nomeadamente aos fins de semana, atendendo aos convívios autorizados com pernoita dos irmãos AA e CC, com início de intervenção a 24.06.2023.
104. Com referência a 31 de julho de 2023, o pai do CC estava em situação de desemprego.
105. Após a implementação deste regime de convívio, a AA e o CC apresentaram alterações de comportamento; a AA quando confrontada com a autoridade do adulto e o CC revelou maior desestabilização, manifestada por conflitos com os pares, episódios de desregulação, com dificuldade em acalmar, desafia o adulto, provoca-o e contraria as regras.
106. Passaram a proferir expressões como “estúpida”, “levas uma palmada nesse cu”, “não gosto de ti” e “és feia”, o que não sucedia anteriormente.
107. Na visita domiciliária efetuada em 21 de julho pela TGP, a Técnica do CAT, acompanhada por uma estagiária, e as crianças, que ali ficaram para passar o fim de semana, os pais não efetuaram uma receção carinhosa às crianças.
108. Os irmãos não manifestaram entusiasmo aquando da entrada em casa, tendo AA oferecido muita resistência, tendo permanecido praticamente todo o tempo com a mão dada à técnica do CAT e muito chorosa.
109. Quando terminou a visita, o CC demonstrou tristeza e a AA reagiu de forma exacerbada, agarrada à Técnica do CAT, chorando e gritando, não se tendo os pais aproximado delas nem confortado, referindo “ela já se cala…isso depois passa-lhe.”
110. Na casa continuava a verificar-se amontoados de roupa nas diversas camas, continuando o CC a dormir num berço no quarto dos adultos e a AA dormia com a mãe, na cama de casal, dormindo o pai do CC no outro quarto.
111. Na ocasião, GG, irmã uterina das crianças, deixou de integrar o agregado familiar e foi viver com uma tia para Lisboa.
112. A mãe fez um pedido de ajuda no CAT, a 03.07.2023, referindo ter dificuldade em garantir a alimentação na 2.ª quinzena do mês; a mesma foi-lhe disponibilizada, porém, a mãe veio, posteriormente, a recusá-la, em virtude de o companheiro DD não ter tido conhecimento do pedido e ser contra a ajuda disponibilizada.
113. Com referência a 31 de outubro de 2023, DD continuava desempregado, fazendo biscates.
114. Nesta data, o casal não tinha diligenciado pela procura de resposta em equipamento social para integração da AA e do CC, não tendo efetuado matrícula em nenhum jardim de infância e, quando questionados, culpabilizaram os técnicos por os terem informado “tarde e a más horas”, sendo que desde o mês de março que vinham a ser alertados e orientados para o efeito, contudo, revelaram dificuldades em fazê-lo.
115. O momento em que as crianças iniciam o fim de semana é de tensão e de sofrimento, em particular da AA.
116. Em 18 de Janeiro de 2024, BB informou o CAT que decidira separar-se de DD, tendo dado conta de que este estava sem trabalhar há um ano, fazendo apenas biscates, sendo a própria a satisfazer as despesas domésticas (renda e consumos), tendo chegado a pedir dinheiro a uma irmã para assegurar as despesas com a alimentação.
117. DD não permitia que solicitasse ajuda aos serviços, por uma questão da “imagem” que isso daria.
118. Para além disso, o ambiente entre o casal era de grande tensão, com discussões frequentes, tendo referido que discutiam e quase se agrediam, o que ocorria também aos fins de semana, na presença das crianças.
119. DD não cuidava das crianças, passando o tempo no quarto ou ausentando-se de casa, sendo incapaz de assumir sozinho a prestação dos cuidados, tendo deixado de os ir buscar e levar ao jardim de infância, sendo que também estava ausente aquando das visitas do CAFAP.
120. Estas informações contextualizaram as alterações de comportamento da AA e do CC, mormente a recusa em saírem com os progenitores, o uso de linguagem mais agressiva e de palavrões, o comportamento mais agressivo e desafiador do CC e a preocupação manifestada pela AA com “as brigas” dos pais.
121. BB informou que a partir de 31 de janeiro iria passar a viver em ..., pretendendo inscrever os filhos em jardim de infância e manter o trabalho em Coimbra.
122. Mais informou não ter condições para ter consigo os filhos aos fins de semana, pelo que nos três fins de semana seguintes conviveu com estes apenas ao sábado.
123. DD, pai de CC, não efetuou por si qualquer atualização da situação familiar, não contactou para saber dos filhos, excetuando no dia em que foi agendada entrevista com o mesmo na Segurança Social, ou seja, no dia 09.02.2024. (Ver reapreciação da matéria de facto.)
124. Na entrevista deu poucas informações, apenas confirmou a separação de BB, referindo que “discussões todos os casais têm” (sic), mais confirmou que se mantinha a residir na mesma casa, e a trabalhar sem contrato, referindo um vencimento em média de 1150€/mês.
125. A casa onde BB passou a viver situa-se na Rua ..., ..., ..., ..., sendo uma casa de construção antiga, com condições de habitabilidade.
126. BB tinha já um novo companheiro, NN, o qual passou a integrar o agregado familiar e com quem já casou no passado mês de julho de 2024, tendo ocultado da TGP que a casa estava arrendada a este e que também nela vivia um filho do namorado, que é maior de idade.
127. No dia 29 de abril de 2024, o CAT deu notícia de que CC regressou do convívio com a mãe com marcas no rosto, tendo a mãe dito que se tratara de “um acidente”, em que, devido a ter as unhas grandes, o tinha arranhado.
128. Em momentos temporais diferentes, as crianças explicaram o “acidente” como “a mãe deu uma chapada porque eu estava a chorar”, conforme verbalizado pelo CC e corroborado pela AA, que estava presente.
129. CC foi assistido no Serviço de Urgência do Hospital Pediátrico, tendo dito à médica que o assistiu, quando perguntado quem tinha feito o arranhão, “foi a mãe” e contextualizou que “a mãe estava a tomar banho e eu estava a chorar e ela saiu do banho e deu uma chapada”, tendo, para além disso, dito que a mãe batia nele e na AA, com “chapadas e tau-tau porque portamos mal”.
130. De acordo com o exame pericial realizado pelo IMLLCF, CC apresentava: -“escoriação linear obliqua ínfero-medialmente, a nível da metade lateral da pálpebra superior esquerda, medindo 1,5 cm de comprimento; - escoriação linear obliqua ínfero-medialmente, ao nível da região malar esquerda, medindo 2,5 cm de comprimento; - escoriação linear obliqua ínfero-medialmente, estendendo-se desde a esquerda da pirâmide nasal até à extremidade medial da pálpebra inferior esquerda, medindo 1,5 cm de comprimento.
131. As lesões descritas terão resultado de traumatismo de natureza contundente, o que foi considerado compatível com a informação recolhida, determinando, em condições normais, um período de doença fixável em quatro dias.
132. De acordo com o discurso livre da criança, CC verbalizou que “quando estava a lavar os dentes e a mãe a tomar banho, ela bateu-me”.
133. AA refere que são frequentes as agressões físicas por banda da mãe, sob a forma de palmadas e de chapadas.
134. CC evidenciou um desenvolvimento mental e expressão verbal adequados à sua faixa etária, com um discurso espontâneo e fluente.
135. Refere-se na conclusão do relatório que “os dados apurados e atrás descritos configuram uma situação de risco para o examinado, requerendo, por isso, a adoção de medidas psicossociais tendentes a assegurar a sua proteção”, tendo sido instaurado inquérito com o nº 2502/24...., a correr termos na Procuradoria junto do Juízo de Competência Genérica ..., tendo sido tomadas declarações para memória futura aos irmãos.
136. Por despacho proferido em 03.05.2024, na sequência do relatado pelas crianças, foi suspenso o regime de visitas do CC e da AA a casa da mãe, situação que, presentemente, se mantém.
137. O convívio entre a mãe e os filhos passou a ocorrer no CAT, às sextas feiras, entre as 17h e as 18h, de modo a não prejudicar o horário de trabalho daquela.
138. A primeira visita ocorreu no dia 17 de maio de 2024, sendo que, quando o técnico do CAT foi buscar as crianças ao jardim de infância, foi questionado por elas para onde iam e quando lhes foi dito que iam à mãe, AA de imediato parou de despir a bata e procurou certificar-se “não é para ir para casa, é só visita”, tendo-lhes sido explicado que era apenas visita.
139. Os convívios decorreram sem incidentes, sendo à chegada os cumprimentos mecânicos, sem emoção associada e sem manifestações de afeto, e no final AA e CC regressavam ao CAT de forma tranquila e sem alterações de comportamento nem manifestações de angústia ou tristeza.
140. No dia 31 de maio de 2024, a visita iniciou-se às 17h45, por a mãe ter perdido o transporte, tendo CC estado a ouvir música no telemóvel e quando o técnico presente se dispunha a sair da sala AA disse-lhe “não vás” e ela e irmão saíram da sala acompanhando-o, tendo a visita terminado.
141. No dia 7 de junho de 2024, AA manteve-se na sala de visitas quase sempre distante da interação entre a mãe e o irmão, estando junto à janela sozinha com os olhos fixos no telemóvel, absorta e alheada.
142. A mãe trouxe um pacote de rebuçados, a pedido dos filhos, para partilharem com as outras crianças; porém, no fim da visita AA teve uma desregulação emocional, com manifestações de raiva, intolerância ao toque e ao afeto, como expressão de sofrimento que já não se manifestava há algum tempo.
143. No dia 17 de junho de 2024, AA, antes de se deslocar para a sala de visita, disse ao técnico que a acompanhava “tu ficas sempre lá… não sais da visita”, tendo a mãe estabelecido videochamada com DD, uma vez que CC fizera anos na véspera.
144. A mãe trouxe um bolo com uma vela alusiva a cinco anos, quando o filho perfazia 4 anos de idade.
145. As demais visitas decorreram de forma positiva, com interação entre a mãe e os filhos.
146. A mãe não celebrou o aniversário da AA, não tendo proposto visita nesse dia (09.10.2024).
147. AA beneficia de acompanhamento psicológico no Instituto Clínico do Mondego (ICM), desde janeiro de 2024, com periodicidade semanal, sendo que os principais motivos para a “necessidade de intervenção estão relacionados com o seu histórico familiar e pessoal, sendo que esteve em contacto direto com situações possivelmente influenciadoras de quadro traumático relacionadas com historial de inadequada supervisão parental, com dificuldades relacionais entre a figura materna e a AA.”
148. Ali se explicita que “O Questionário de Comportamentos da Criança permite obter uma categorização padronizada sobre várias áreas do funcionamento comportamental, emocional e social da criança em idade pré-escolar, sendo que a principal preocupação mencionada no questionário está ligada à “expressão emocional exacerbada em caso de contrariedade frustração, autorregulação, “birra” e “relação com família biológica”, devido à recusa às visitas ao fim de semana, sendo que “é uma criança muito afetiva, inteligente e com uma capacidade de jogar ao faz-de-conta muito grande.”
149. “Da análise dos resultados obtidos (escalas baseadas empiricamente), verifica-se que as pontuações obtidas nas escalas apontam para resultados no nível normativo, com especial atenção para as escalas Isolamento e Comportamento Agressivo no limite entre o nível normativo e o nível borderline, sendo que as escalas Reatividade Emocional e Ansiedade/Depressão estão muito perto deste limite também. Nos valores de Internalização, Externalização e Score Total os valores obtidos situaram-se no limite entre o nível normativo e borderline para Internalização, nível clínico para Externalização e nível borderline na Pontuação Total.”
150. Nas escalas orientadas para o DSM, a escala Problemas de Ansiedade e a escala Problemas de Oposição encontram-se no limite entre o nível borderline e o clínico, com sintomatologia que deve ser tida em conta, estando a escala Problemas Globais do Desenvolvimento no limite entre o nível normativo e borderline, estando as restantes escalas Problemas Afetivos e Problemas de Défice de Atenção/Hiperatividade no nível normativo.”
151. Na avaliação foi-lhe aplicada a CAT-A (“Children’s Apperception Test” – Versão com Animais), que consiste numa técnica projetiva e apercetiva que poderá dar indicações sobre como as crianças percecionam o mundo que as rodeia, as suas relações, perceção familiar, medos e conflitos, entre muitos outros.
152. Foi constatado que o “conflito significativo nas histórias da AA é o “ser abandonado”, sendo esta situação a originária dos sentimentos de ansiedade da criança da história, com ainda a existência do facto de que o querer dos pais ultrapassa, é mais importante e anula o querer da criança fantasiada.”
153. Relativamente ao “Desenho da Família”, a AA “recusou sempre, dizendo sempre que não queria desenhar a sua família, até que na última sessão iniciou a realização do desenho, tendo realizado um desenho em que se desenhou a si própria e a mim. Durante as sessões anula qualquer temática sobre a sua família ou responde de forma simples e redireciona o diálogo para outros assuntos.”
154. No relatório conclui-se que: “A sintomatologia presente no quadro clínico da AA, nomeadamente na área emocional e comportamental, aparenta estar relacionada com as suas vivências familiares, sendo que a avaliação sugere a existência de sentimentos de rejeição e abandono pelas figuras familiares, sendo que a recusa da AA em realizar dinâmicas relacionadas com a área familiar parece estar interligada com a existência de défice na qualidade da relação entre a mãe e a AA, parecendo estar bastante fragilizada e existindo comprometimento no domínio comportamental, cognitivo e afetivo da relação, como por exemplo, pouco envolvimento e preocupação com a AA e apoio emocional frágil, não existindo suporte efetivo e resultando numa vinculação desajustada entre as duas, que culmina nestes sintomas emocionais e comportamentais que a AA tem vindo a desenvolver.”
155. “Durante as sessões, a AA não menciona a mãe como figura de suporte adequada, nem verbaliza sentimentos positivos sobre esta e sobre a restante família ou verbaliza o seu querer de ir a casa, bem pelo contrário, verbalizou, num dos poucos momentos em que mencionou algo, que não quer ir a casa porque havia muitas discussões, sendo que não continuou este diálogo, não explicou melhor que tipo de discussões ou quem estaria envolvido nestas situações ou se era algo que acontecia anteriormente ou no presente. Fala muito sobre algumas pessoas da instituição e da escola de forma entusiasmada.”
156. A sua recusa às questões familiares aparenta ser um mecanismo de defesa em relação a tudo o que viveu.
157. AA é descrita como uma menina bastante carinhosa e meiga, procura muito o contacto físico (abraços/suporte) e afetividade, sendo também muito intuitiva.
158. BB e o marido NN, apresentaram como projetos comuns que gostariam que AA e CC viessem viver consigo; questionados para quando entenderiam possível esse projeto, não sabendo precisar uma data, referiram o início do ano letivo e NN comunicou que gostaria de trazer as suas duas filhas menores para Portugal, talvez em dezembro e que ficariam no quarto deixado pelo filho mais velho.
159. A ligação das crianças à mãe continua sem o estabelecimento de uma relação afetiva e securizante, sendo esta perceção mais evidente para AA, que, sendo mais velha, já se expressa com maior facilidade.
160. O CC, na hora de sair com a mãe para fim de semana, também revelava, por vezes, desconforto, nomeadamente chorando na hora de sair ou agarrando-se ao cuidador.
161. Em contexto de brincadeira com os pares, AA interage de forma diferente com o irmão relativamente às outras crianças, ralhando com este e ameaçando-o.
162. AA, desde que deixou de ir ao fim de semana a casa da mãe, anda bem; no entanto, quando a mãe a veio visitar à sexta-feira, ela transmitiu preocupação ao técnico, receando ir de fim de semana, sendo que nas despedidas as crianças reagem bem, dizem adeus e ficam tranquilas.
163. AA, ao abordar as visitas da mãe, partilhou com a TGP que já não vai de fim de semana, a mãe vem visitar à sexta-feira e que já não pode ir a casa; sendo questionada “se pudesse ir” respondeu, determinada, que não, não pode ser, e ao ser-lhe perguntada a razão disse “ralham comigo”, “não gosto de ir” (sic) e acrescentou posteriormente que o NN e a mãe “brigam”.
164. Durante a interação com a TGP e após terminar de desenhar, propôs passar a brincar de faz de conta com uma caixa de brinquedos existente na sala, nesse jogo livre adotou o papel de princesa e liderou a brincadeira, passando esse momento a “ralhar”, dizendo expressões como “estou passada”, vê lá se queres levar”, “levas uma palmada no rabo e na cara” (sic).
165. A mãe deixou de contactar telefonicamente o CAT para se inteirar sobre a situação dos filhos e DD também não o faz e não convive com o filho, tendo deixado de fazer videochamadas porque BB o bloqueou por ser incorreto consigo.
165. O pai do CC não solicitou outra forma de contacto com o filho nem tentou saber como este se encontra, contrariando as verbalizações de interesse pelo filho manifestadas no decurso do acompanhamento do processo.
166. Foi efetuada visita à casa de BB, tendo-se verificado que o quarto que seria do filho de NN se encontrava desorganizado, com muita roupa em cima da cama e manchas de humidade no teto, que aquela disse que iriam pintar, porque a casa é muito húmida.
167. O quarto das crianças estava organizado e o quarto do casal encontrava-se com a cama desfeita, sendo verificado que no geral se encontrava muito roupa amontoada, pelo que foi constatada a necessidade de guarda-fatos, sendo alertada que deveria solicitar ajuda nesse sentido.
168. A relação da mãe com NN é recente, desde janeiro de 2024, resumindo-se o tempo de convívio entre o casal sobretudo aos fins de semana, coisa que aquela inicialmente omitiu.
169. O estabelecimento de períodos de convívio entre as crianças e a família biológica tornou claro que esta não reunia condições para delas cuidar, não tendo promovido atividades lúdicas com elas, ficando em casa ou indo ao shopping, não preparando a casa para os acolher, não cuidando dos aspetos práticos tendo em vista a sua integração em valência educativa adequada, para além de os terem exposto a violência familiar.
170. Na verdade, os conflitos entre o casal mantiveram-se e culminaram na separação entre ambos, tendo as crianças assistido aos mesmos.
171. (Alterado.) No ano de 2024, o progenitor fez contatos para a residência de acolhimento a 17.6 e 14.8, com visitas em 19, 23 e 30 de agosto e 4 de setembro, sendo esta a última data de contatos.
172. Mesmo quando coabitava com BB não cuidava do filho, ausentando-se de casa ou ficando no quarto.
173. AA revelou receio das “brigas” entre a mãe e DD e, entre a mãe e NN, o marido da mãe.
174. Em 07.02.2024, FF, juntou aos autos o seguinte email:
“REQUERIMENTO PARA GUARDA DE MENOR
Exmo. (a) Sr(a). Juiz(a) de Direito
Eu, FF, de nacionalidade Canadiana, portadora do passaporte... ...42, residente no # ...20 da ... , ..., ..., Canada, educadora especial comunitária de profissão, auferindo um salario de CAN$ 2500, estado civil solteira, mãe de um jovem de 20 anos de idade, e na qualidade de irmã do Sr. DD, venho por este meio requerer ao tribunal de Família de Coimbra o interesse meu da guarda do menos CC. Para tanto, apresento os documentos anexos e nestes termos, pede deferimento. ..., ..., 6 de fevereiro de 2024 A Requerente FF”
175. (Alterado.) Ninguém tem procurado visitar as crianças (para além da mãe e do pai) durante o período de acolhimento, que se prolongou por mais de 4 anos.
(Salta a numeração para) 180. As crianças CC e AA prestaram declarações para memória futura no inquérito nº 2502/24....: - A criança CC nada disse de relevante. - A criança AA declarou, em súmula: “Quando os dois se portam mal a mãe fala alto, a mãe fica zangada”, “fica muitas vezes triste por estar em casa da mãe, gosta mais de estar na escola do que em casa da mãe, gosta mais de estar no CAT do que em casa da mãe”, explicando que “a mãe bateu várias vezes com a mão fechada na cara, não tinha feito nada; ao CC também; às vezes chora, algumas vezes dói; ficou triste. O CC chorou.”
A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, n.º 1, da CRP).
Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país (art.º 68º, n.º 1, da CRP).
As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 69º, n.ºs 1 e 2, da CRP).
A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros, da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, considerando-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontre numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe o cuidado ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) É obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados para a sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudicais à sua formação ou desenvolvimento;
e) Está sujeita, de forma directa ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
f) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3º da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP).
Entre os princípios orientadores da intervenção para a promoção e protecção da criança, destacam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e actualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família (art.º 4º da referida lei).
As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
As medidas de promoção e protecção vêm enumeradas no art.º 35º, n.º 1, da LPCJP.
Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (art.º 1878º, n.º 1, do Código Civil/CC).
Os filhos deverão ser retirados aos pais se estes, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação e o desenvolvimento do menor.
Considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e promoção dos direitos dos menores (art.º 1978º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC, na redacção conferida pela Lei n.º 31/2003, de 22.8).
O interesse da criança constitui o referencial básico de qualquer política de protecção de crianças e jovens.
E qual é o superior interesse do menor?
É a sua segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração dos seus bens; ainda a sua audição nos assuntos que lhe dizem respeito, de acordo com a sua maturidade _ é o conteúdo das responsabilidades parentais, previsto no art.1878º do Código Civil.
O interesse do menor deve ser entendido como o seu “direito ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (A.Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Rev. Infância e Juventude, 1, 1985, 18.)
No apoio deste critério legal invocam-se subcritérios relativos à criança e às pessoas que com ela se relacionam, englobando-se nos primeiros as necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, a sua idade, sexo e grau de desenvolvimento físico e psíquico, a continuidade das relações da criança, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade onde se integra e, nos segundos, a capacidade dos cuidadores para satisfazer as necessidades dela, o tempo disponível, os afetos, os estilos de vida e a estabilidade, sem prejuízo de outros pertinentes ao caso.
Importa ainda assinalar que o princípio da prevalência da família terá de ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica a todo o custo, mas sim como o assinalar do direito da criança à família, seja ela a natural (se possível), seja a adoptiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afetos” (Paulo Guerra, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 3.ª edição revista e aumentada, Almedina, 2018, p. 31).
Feito este enquadramento legal, consideremos o caso concreto:
O acórdão desta Relação, de 2022, reconhecendo o perigo em que estavam as crianças, aceitou uma possibilidade no desenvolvimento das capacidades dos progenitores e da relação afetiva entre uns e outros, e manteve o acolhimento residencial.
O que aconteceu, entretanto?
Relevantemente, como já antes indiciado, os progenitores separaram-se, o progenitor deslocou-se para França e agravou-se o estado emocional das crianças.
A factualidade revela que os progenitores não conseguem proporcionar aos filhos um ambiente familiar saudável, não conseguiram desenvolver capacidades parentais que lhes permitam enfrentar os desafios das responsabilidades parentais, apesar de acompanhados.
Mantém-se uma parentalidade não exercida, um percurso laboral instável, uma delegação de cuidados, uma ausência de autocrítica, com imputação de responsabilidades a terceiros. Os progenitores verbalizam um investimento afetivo, mas não são capazes de o concretizar.
Visitar não basta.
O Recorrente progenitor, se bem que, no início, até apresentou evolução nos cuidados que prestou ao filho recém-nascido, depois não conseguiu acompanhar o crescimento do filho, cristalizando no tempo, não conseguindo arranjar estratégias, apesar da ajuda e intervenção direta dos técnicos.
Os progenitores, também pelas suas próprias fraquezas, centram-se nos seus próprios problemas, com focos de tensão constantes e colocaram as crianças numa dinâmica familiar disfuncional.
Da avaliação psicológica ao progenitor foi possível identificar uma extensa presença de fatores de risco para um adequado exercício da parentalidade, designadamente: “(i) contexto familiar de origem pouco estruturado (…); (ii) percurso escolar irregular; (iii) parentalidade precoce, múltipla e não exercida, com reduzido envolvimento na vida dos filhos mais velhos, que nunca estiveram ao seu cuidado; (iv) percurso laboral instável; (v) antecedentes de consumo de álcool excessivo; (vi) projeto parental (CC) sem suporte sociofamiliar sustentável; (vii) instabilidade relacional com a Sra. BB e indicadores que sugerem estereótipos de género quanto ao papel parental (com risco de delegação dos cuidados da criança na mãe, sobre quem evidencia algum ascendente); (viii) precariedade socioeconómica (habitacional, desemprego); (ix) antecedentes neurológicos (AVC); (x) tendência para atribuição externa das responsabilidades; (xi) ausência de autocrítica; (xii) postura resistente e de desqualificação perante alguns serviços (e.g. EMAT); (xiii) desvalorização do apoio necessário à companheira (psiquiátrico, como toma de medicação, que eliminou); (xiv) projeto de vida pouco estruturado e manutenção de uma frágil situação socioeconómica; e(xv) fraca rede de suporte social.”
O pai do CC nunca concretizou, por si só, ser alternativa ao acolhimento do filho, o que se explica até pela sua visão de género sobre o papel parental, no sentido de ser a “mãe” a prestar os cuidados aos filhos (cfr., nomeadamente, os factos provados sob os nº 67 a 71).
Não se pode concluir pela existência de vínculo afetivo seguro entre as crianças e os progenitores, porquanto as declarações da AA e do CC, e comportamentos que vão assumindo, revelam de forma clara o sentimento de abandono e de agressividade que viveram no seu núcleo familiar, do que é notório quando a AA, em declarações para memória futura, disse que preferia o “CAT à casa da mãe, a escola à casa da mãe”.
Percebe-se que o vínculo entre eles tem vindo a deteriorar-se. As crianças passaram a rejeitar as visitas em casa da mãe, apesar de consentirem nas visitas no CAT, mas sempre procurando que esteja presente um técnico, sem o qual se recusam a entrar na sala. Não apresentam angústia na separação.
O pai do CC ausentou-se, o que revela desinteresse pelo filho, mesmo que se trate da necessidade de trabalho. Antes, nunca havia colocado em causa a sua subsistência em território nacional. A sua saída ocorre com a rutura de comunhão com a progenitora.
Em conclusão, a situação enquadra-se no artigo 1978º, nº 1, al. d) do Código Civil.
A análise desta previsão, em conjugação com o art.3 da Lei 147/99, de 1.9, permite concluir que basta uma verificação objectiva das situações ali referidas, independente de culpa da atuação dos progenitores e que o perigo para as crianças seja iminente ou provável, não sendo necessária a lesão efectiva. (cfr. Acórdãos in C.J. 2005, tomo 2, pág.102 e da Relação de Coimbra, processo 681/06, em www.dgsi.pt.)
Não pode ser dado mais tempo aos progenitores, eternizando a institucionalização.
O encaminhamento da AA transitou já em julgado.
Existe vinculação entre os irmãos, devendo procurar-se o seu encaminhamento conjunto.
A tia paterna do CC não tem qualquer relacionamento afetivo com a criança, não sendo o seu interesse obstáculo à decisão proferida.
Não é questão deste julgamento avaliar se a mesma poderia apresentar-se ao sistema/ regime das famílias adotantes.
Não se pode aceitar que uma potencial entrega a esta familiar, que não conhece a criança, que não tem com ela qualquer contacto é a mesma coisa de que ser confiada a um adotante, pois, é sabido que os candidatos são avaliados pela Segurança Social e quando selecionados existe um período de aproximação entre adotante e adotado, sujeito igualmente a avaliação, o que era inviável fazer com a tia paterna, mais não seja atenta a distância a que vive.
Assim, devemos considerar um projeto de vida alternativo para o CC e a AA, que passe pela sua integração num agregado familiar responsivo, protetor e afetivamente disponível, no âmbito regulamentado da adoção.
Não nos merece censura a decisão recorrida.
Julga-se o recurso improcedente e, relativamente ao identificado CC, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente progenitor.
Coimbra, 2025-01-28
(Moreira do Carmo)
(Luís Cravo)