Compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento.
Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 1
RELAÇÃO N.º 196
Relator: Alberto Taveira
Pinto dos Santos
Maria da Luz Seabra
AS PARTES
A.: A..., SA.
R.: AA
A[2] A., apresentou junto do BNI requerimento de injunção contra o R., concluindo por pedir o pagamento da quantia de € 1 955,51, respeitante a Capital: € 1 781,65 Juros de mora: € 97,36 e Taxa de Justiça paga: € 76,50.
Alega para o efeito e em síntese não se tratar de transacção comercial, mas antes de contrato com consumidor, de fornecimento de bens ou serviços, referente ao período compreendido entre 29-06-2019 a 29-04-2024.
Mais alega que
“1.A Requerente é uma sociedade que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel.
2.No âmbito da referida exploração, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de MATOSINHOS, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos.
3.O Requerido é proprietário do veículo com a matrícula ..-EB-...
4.Enquanto utilizador do referido veículo, o Requerido estacionou, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de MATOSINHOS, sem se dignar proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local”, nos termos que melhor concretiza, concluindo que se encontra em dívida a quantia de “€ 1.781,65, que o Requerido, apesar das inúmeras insistências da Requerente, se vem recusando a pagar até hoje.”.
Indicou como Tribunal competente em caso de distribuição: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Unidade Central de Matosinhos.
O requerido deduziu oposição, vindo os autos à distribuição, sendo os autos tramitados como acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias.
Foi proferido despacho, determinando a notificação à A. “para, querendo, responder à matéria de excepção vertida na oposição; concretizar a factualidade alegada, mormente no que se refere à fonte da obrigação que imputa ao R., devendo juntar ademais título no qual funda a sua legitimidade substantiva (v.g contrato de concessão e outros elementos que tenha por pertinentes, nomeadamente para apuramento dos valores de que se arroga credora) e concretizar quais as “regras” afixadas no/s local/ais e qual o valor concreto imputado a cada uma das situações descritas, concretizando o modo como o alcançou.”.
Veio a A. alegar a sua natureza de sociedade comercial anónima e o seu objecto social – dedicada, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel. Mais alega que “celebrou com a Câmara Municipal de Matosinhos, contrato de Concessão de Exploração, para o fornecimento, instalação e exploração de parquímetros coletivos, em zonas de estacionamento automóvel de duração limitada.”, passando a explorar, gerir e manter parques de estacionamento automóvel na cidade de Matosinhos.
Mais alega que “a Câmara não delegou na A., quaisquer poderes para cobrar taxas ou tributos, nem tão pouco lhe delegou a prestação de qualquer tipo de serviço público, para o qual, de resto, a A. não está vocacionada. (…) Aceitando-se que a taxa serve para pagar uma percentagem do serviço público que é fornecido, a verdade é que a A. não presta serviços públicos, nem direta, nem indiretamente. Não existe qualquer diferença entre o parqueamento de viaturas numa garagem particular, ou numa garagem pertencente a uma entidade pública, que cedeu a respetiva exploração a uma empresa particular. Sendo o contrato de utilização dos parqueamentos explorados pela A... SA, um contrato de natureza privada,”
Juntou documento denominado “Contrato de concessão Gestão, exploração, manutenção e fiscalização dos lugares de estacionamento pago na via pública e de dois parques públicos de estacionamento para viaturas”, outorgado com o Município de Matosinhos, representado pelo presidente da Câmara, “em execução da deliberação da Câmara Municipal”.
Pugna pela competência material deste Tribunal para apreciação da causa.
*
Foi proferida DECISÃO nos seguintes termos:
“Estabelece o artigo 33.º, n.º 1, al. rr) do Regime Jurídico Das Autarquias Locais que Compete à câmara municipal: Deliberar sobre o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos.
E por seu turno, o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais que Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(…)
d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos;
e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;
(…)”.
Ora, como se vê do que vai dito supra, ao abrigo da sua competência legal, a Câmara municipal de Matosinhos deliberou concessionar à A. a “Gestão, exploração, manutenção e fiscalização dos lugares de estacionamento pago na via pública e de dois parques públicos de estacionamento para viaturas”, tendo sido outorgado tal contrato junto aos autos.
Do referido acordo mais resulta que o município ”por justificado interesse público” “pode proceder ao resgate” da concessão, mais resultando do referido acordo que “o município pode, mediante sequestro da concessão, tomar a seu cargo o desenvolvimento das actividades concedidas, designadamente nas situações previstas no Código dos Contratos Públicos, bem como adotar todas e quaisquer medidas que considere necessárias para a normalização da situação”, resultando ainda que “em tudo o mais não previsto neste contrato ou no caderno de encargos, serão aplicadas as disposições do Código dos Contratos Públicos”.
-
Atento o que fica dito, entende-se, salvo o devido respeito por opinião diversa, que a aquisição e colocação em vários locais de Matosinhos de máquinas para pagamento de estacionamento se traduz numa situação de direito público, já que a competência para deliberar sobre tal matéria cabe à câmara municipal, podendo, transferir tal prerrogativa para entidades terceiras, nos termos da legislação aplicável, como sucedeu no caso concreto em apreço
No fundo, a A. exerce determinadas funções de carácter e interesse público que pertencem às funções do Município, mas que este deliberou concessionar à A. Consequentemente, a cobrança do crédito em causa nesta acção só é possível porque a recorrente está investida em poderes de autoridade, que se impõem aos particulares. De contrário, jamais a A. podia cobrar, de quem quer que fosse, uma taxa pela ocupação temporária de um espaço público - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-10-2010, processo n.º 1984/09.9TBPDL.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, alegando a requerente que no âmbito da sua atividade, (…) celebrou com a Câmara Municipal de Matosinhos, contrato de Concessão de Exploração, para o fornecimento, instalação e exploração de parquímetros coletivos, em zonas de estacionamento automóvel de duração limitada e tendo em conta que tal contrato está sujeito ao Código dos Contratos Público que pretende a cobrança de taxa alegadamente devida pelo parqueamento, resulta, para nós inequívoco que o objecto dos autos se enquadra nos aludidos normativos.
Em face do que vai dito, cumpre concluir que é da jurisdição administrativa a competência material para apreciar o caso concreto, ao abrigo das citadas disposições legais.
A incompetência assim verificada, de conhecimento oficioso, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da acção e implica a absolvição do R. da instância (cfr. arts. 96º al. a), 99º, 278º, nº1 alínea a), 576º nº1 e 2, 577º alínea a) e 578º, todos do NCPC), caso a A. não venha no prazo de 10 dias requerer a remessa do processo ao Tribunal em que a acção devia ter sido proposta, para apreciação da matéria, não oferendo o R. oposição justificada.
Face ao exposto, julga-se verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, e declara-se este Tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito da acção, sendo competente o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.“
A A. A... SA,, vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
“Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, ser a douta sentença recorrida substituída por outra, que julgando competente o juízo local cível de Matosinhos, ordene o prosseguimento dos autos, conforme é do direito e da justiça “.
“a) Vem o presente recurso apresentado contra o Douto Despacho A Quo, que decidiu julgar a incompetência material do Juízo Local Cível de Matosinhos, para cobrança dos créditos da Autora A... SA.
b) No âmbito da sua atividade, a A. celebrou um contrato de concessão com a Câmara Municipal de Matosinhos, através do qual lhe foi cedida a exploração particular de zonas de estacionamento automóvel na cidade sem cedência de quaisquer poderes de autoridade, ou de disciplina.
c) No seguimento deste contrato de concessão, a A... adquiriu e instalou em vários locais da cidade de Matosinhos, dispendiosas máquinas para pagamento dos tempos de estacionamento automóvel, para as quais desenvolveu o necessário software informático.
d) Enquanto utilizador do veículo automóvel ..-EB-.., o Réu estacionou o mesmo em diversos Parques de Estacionamento que a A. explora comercialmente na cidade de Matosinhos, sem, contudo, proceder ao pagamento dos tempos de utilização, num total em dívida de € 1781,65 que o Réu recusa pagar.
e) Para cobrança deste valor, a Recorrente viu-se obrigada a recorrer aos tribunais comuns, peticionando o seu pagamento, pois a sua nota de cobrança está desprovida de força executiva, não podendo, portanto, dar lugar a um imediato processo de execução administrativo ou fiscal.
f) A natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço de parqueamento é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária.
g) As ações intentadas pela A. contra os proprietários de veículos automóveis inadimplentes, que não tenham procedido ao pagamento dos montantes devidos, não se inserem em prorrogativas de autoridade pública munida de ius imperii, mas sim no âmbito da gestão enquanto entidade privada.
h) A recorrente ao atuar perante terceiros, não se encontra munida de poderes de entidade pública, e sim com poderes de entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, o contrato estabelecido entre si e os automobilistas, relativo à utilização dos parqueamentos explorados, é de direito privado, cuja violação é suscetível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
i) A doutrina qualifica este tipo de contrato como uma relação contratual de facto - em virtude de não nascer de negócio jurídico - assente em puras atuações de facto, em que se verifica uma subordinação da situação criada pelo comportamento do utente ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
j) O estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança.
k) Comportamento de confiança, que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento, mediante retribuição.
l) Proposta tácita temporária da A., que se transforma num verdadeiro contrato obrigacional, mediante aceitação pura e simples do automobilista, o qual, ao estacionar o seu automóvel nos parques explorados pela A., concorda com os termos de utilização propostos pela A., amplamente publicitados no local.
m) Essencial para se determinar a competência dos tribunais administrativos é, a existência de uma relação jurídica administrativa.
n) Sabendo-se que a concretização de tal conceito constitui tarefa difícil, podemos, no entanto, definir a relação jurídica administrativa como aquela que «por via de regra confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração».
o) O conceito de relação jurídica administrativa pode ser tomado em diversos sentidos, seja numa aceção subjetiva, objetiva, ou funcional, sendo certo que nenhuma das acessões permite englobar a presente situação.
p) Caso contrário, teríamos de entender como públicas quaisquer relações jurídicas, já que todo o interesse de regulação, é em si mesmo um interesse público e nessa medida, tudo seria público, até à mais ténue e simples regulamentação de relações entre particulares, desde que geradoras de direitos e obrigações suscetíveis de ser impostos coativamente.
q) A A... SA., não efetua atos de fiscalização, não tendo poderes para autuar coimas ou multas por incumprimento das regras estradais, tarefa que está exclusivamente atribuída às autoridades públicas de fiscalização do espaço rodoviário da cidade.
r) Nos termos do disposto no artigo 2º do DL 146/2014 de 09 de outubro, a atividade de fiscalização incide exclusivamente na aplicação das contraordenações previstas no artigo 71º do Código da Estrada, o qual estabelece as coimas aplicáveis às infrações rodoviárias ali identificadas.
s) Os montantes cobrados pela A... SA., não consubstanciam a aplicação de quaisquer coimas, nem a empresa processa quaisquer infrações praticadas pelos utentes dos parqueamentos.
t) Verificada a violação da obrigação contratual de pagamento do tempo de imobilização dos seus veículos, nos parqueamentos explorados pela A... SA., são os automobilistas posteriormente notificados para procederem ao pagamento omitido, sendo então cobrado o tempo máximo de utilização, por falta de referência concreta ao tempo efetivo de utilização.
u) Quaisquer infrações ou coimas que devam ser aplicadas aos automobilistas prevaricadores de regras estradais, ficam a cargo da Autarquia, sem qualquer intervenção ou conexão com a atividade da empresa concessionária.
v) A A..., ao contrário o que vem referido na douta sentença, nunca atuou em substituição da autarquia, munida de poderes concessionados.
w) Fundamental é que a Recorrente carece, em absoluto, de poderes de autoridade, fiscalização ou ordenação efetiva, apenas podendo registar os incumprimentos de pagamento e tentar recuperar judicialmente, sem acesso direto a um título executivo, os valores que tiverem sido sonegados, em violação da relação contratual de confiança, pelos utentes.
x) Por tudo o que se alegou, mal andou o Tribunal “a quo” ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois, o Tribunal recorrido é o competente, motivo pelo qual foram violados, entre outros, os artigos 96º, al. a), 278º, Nr.1 al. a), 577º al. a) e 578º do CPC, quer o artigo 4º nr.1, al. e) do ETAF, quer ainda o artigo 40º da Lei 62/2013 de 26 de agosto.“.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Como se constata do supra exposto, a questão a decidir, é a seguinte:
Os Tribunais Comuns são competentes em razão da matéria para conhecer do pedido de condenação da R. pelo pagamento do tempo de utilização do parqueamento/estacionamento na via pública.
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Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos e bem como aqueles que constam do requerimento inicial de injunção, com os esclarecimentos do seu requerimento de 24.09.2024.
1. A A. é uma sociedade comercial anónima que se dedica, além do mais, à exploração e prestação de serviços na área do parqueamento automóvel.
2. No âmbito da sua atividade, a A., celebrou com a Câmara Municipal de Matosinhos, contrato de Concessão de Exploração, para o fornecimento, instalação e exploração de parquímetros coletivos, em zonas de estacionamento automóvel de duração limitada. Vide DOC 1, que ora se junta e dá como reproduzido para os devidos e legais efeitos.
3. Mediante esse contrato, a A... SA passou a explorar, gerir e manter parques de estacionamento automóvel na cidade de Matosinhos.
4. Conforme contratado com o Município, para o desempeno da sua atividade, a Requerente adquiriu e colocou, em vários locais da cidade de MATOSINHOS, máquinas para pagamento de estacionamento automóvel, com a indicação dos preços e condições de utilização dos mesmos.
5. O Réu, por sua vez, é proprietário do veículo automóvel, matrícula ..-EB-...
6. Enquanto utilizador do referido veículo, o Réu estacionou o referido veículo, nos vários parques de estacionamento que a Requerente explora na cidade de MATOSINHOS, com especial incidência nos parqueamentos da Rua ..., sem se dignar proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
7. Violando a sua obrigação de pagamento do tempo de imobilização do seu veículo, nos parqueamentos explorados pela Requerente, foi o Oponente notificado para proceder ao pagamento omitido, sendo-lhe cobrado o tempo máximo de utilização diária, por falta de referência concreta ao tempo de utilização no dia do incumprimento de pagamento do parque.
8. Assim sucedeu, nomeadamente nos seguintes locais, que se discriminam: (…)
9. O total do valor em dívida ascende a € 1781,65, que o Réu, apesar das insistências da A., sempre recusou pagar, até hoje.
10. Os juros de mora vencidos, somam € 97,36 calculados à taxa legal em vigor desde a data do vencimento dos respetivos avisos de pagamento até 24.05.2024, data do Requerimento Injuntivo.
11. Deste modo, tem a A. o direito de receber do Réu o crédito no montante global de € 1955,51 e ainda o direito a executar o património da devedora nos termos do disposto no Art.817º do Código Civil.
(…)
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Nestes autos a A, formula o seguinte pedido:
“O(s) requerentes(s) solicita(m) que seja(m) notificado(s) o(s) requeridos, no sentido de lhe(s) ser paga a quantia de € 1 955,51 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: Capital: € 1 781,65 Juros de mora: € 97,36 à taxa de: 0,00%, desde até à presente data; Outras quantias: € 0,00 Taxa de Justiça paga: € 76,50”
A A. deduziu o presente procedimento de injunção para pagamento de quantias respeitante a estacionamento do veículo do R. em zonas que a A. explora como concessionária cobrando as tarifas determinadas e fixadas pela CM de Matosinhos.
Dos autos resulta que a CM de Matosinhos celebrou com a A. um contrato de concessão, pela qual esta explora em nome daquela a actividade pública:
Cláusula primeira do contrato de concessão.
Claramente que o contrato de concessão é um contrato de direito público.
Estamos perante uma relação entre a A. e R., no âmbito de uma concessão celebrada com a município de Matosinhos. Aquela por força da dita concessão cobra os utentes um determinado valor pela ocupação da via pública – estacionamento. Quem define as regras de tal exploração é o município e não a A.. As diversas tarifas são definidas por regulamento municipal que é obrigatoriamente publicado em Diário da República.
A responsabilidade para definir o estacionamento de veículos nas vias públicas e demais lugares públicos é de natureza pública, constituindo atribuição das Câmaras (cfr. artigo 33.º, nº 1, alínea rr) da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro) podendo, em contrapartida, exigir dos utentes o pagamento de uma taxa previamente determinada.
Em face do exposto, a actividade que a A. leva a cabo, exploração dos espaços de estacionamento nas vias públicas e demais espaços públicos prossegue fins de interesse público, estando, por conseguinte, munida dos necessários poderes públicos de autoridade.
Em conclusão, estamos perante uma relação, entre a A. e R., que tem natureza administrativa.
Tendo por assente, estes considerandos, nada mais resta do que afirmar que os tribunais comuns são incompetentes em razão da matéria para conhecer da causa.
De harmonia com o disposto no artigo 212.º, N.º 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Trata-se de matéria que cai na previsão da alínea o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, cabendo, por isso, na esfera de competência dos tribunais administrativos e fiscais.
Pelo exposto, a questão suscitada pela apelante em apreço terá que soçobrar. A jurisprudência é unânime em afirmar que o caso dos autos é da competência dos Tribunais administrativos e fiscais.
O Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado que compete aos TAFs conhecer destas questões. Acórdão Supremo Tribunal Administrativo 0167/17, de 25.10.2017, relatado pelo Cons ARAGÃO SEIA, onde se pode ler:
“De facto, tanto naquele acórdão, como no acórdão datado de 28.10.2015, rec. n.º 0125/14, como em muitos outros acórdãos, já este Supremo tribunal esclareceu com suficiente clareza que o requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos TAFs, com a seguinte argumentação: Ora, no caso em apreço, a recorrente apresenta requerimento de injunção, por não terem sido pagas «as facturas nº (...) com as datas de vencimento de (...) relativas aos serviços contratados de abastecimento de água e saneamento, efectivamente prestados pela Requerente ao requerido (...)», ou seja, a acção consubstancia-se num procedimento de injunção relativo a quantia resultante de tarifas unilateralmente fixadas e aprovadas nos termos do enquadramento legal aplicável, tendo o recorrida contestado a obrigação de pagamento de tal dívida.
Porém, não obstante a providência de injunção se destinar a conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações (cfr. art. 7º do DL nº 269/98, de 1/9, na redacção introduzida pelo DL nº 32/2003, de 17/2) no caso, tendo sido deduzida oposição à injunção esta deixou de se destinar, tendencialmente, à formação de um título executivo, convertendo-se numa petição inicial declarativa, já que o título executivo apenas se formaria na hipótese de ausência de oposição/contestação (cfr. arts. 14º e ss. do DL nº 269/98).
Sendo que a autora e ora recorrente é concessionária do serviço público de fornecimento de água do concelho de Barcelos e nessa medida, actua em substituição do Município e munida dos poderes que lhe são atribuídos nessa área.
Daí que, como se consignou na supra citada jurisprudência do Tribunal de Conflitos (a que se adere sobretudo pela importância da uniformidade na interpretação e aplicação da lei, que encontra consagração no art.º 8º, nº 3, do Código Civil) e nomeadamente no Acórdão de 25.11.2014, proferido no processo 40/14, «Dúvidas não existem, pois, que prossegue fins de interesse público, estando para tanto munida dos necessários poderes de autoridade, o que nos permite dar como certo que, subjacente à questão em controvérsia, está uma relação jurídica administrativa na medida em que se entende como tal aquela em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido - neste sentido, ver Vieira de Andrade “in” “A Justiça Administrativa”, Lições, 2000, página 79.
Concluímos, assim, tendo em atenção aquela jurisprudência do Tribunal de Conflitos e o disposto nas alíneas f) do nº 1 do artigo 4º e c) do nº 1 do art. 49º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que a presente acção é da competência dos tribunais de jurisdição administrativa e fiscal, sendo competentes os tribunais administrativos e fiscais, através dos tribunais tributários.” Em igual sentido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, 11379/14, de 09.10.2014, relatado pela Des CRISTINA DOS SANTOS.
De igual modo o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido em igual sentido. Entre outros, Acórdão 1984/09.9TBPDL.L1.S1, de 12.10.2010, relatado pelo Cons MOREIRA ALVES, sumariado, “I - Sendo a autora concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados. II - Os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos, e só por isso tem a autora direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma. III - Contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no art. 4.º, al. f), do ETAF. IV - Sendo, por conseguinte, do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos.”
De igual modo os diversos Tribunais da Relação têm declarado de modo consistente e repetido o mesmo entendimento. Assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto 79534/24.2YIPRT.P1, de 11.12.2024, relatado pela Des ISABEL PEIXOTO PEREIRA, declarou que “Compete à jurisdição administrativa conhecer de uma acção para pagamento/condenação em quantia pecuniária, na qual a autora, concessionária da exploração e manutenção de parques de estacionamento em espaços públicos, em conformidade com determinado regulamento municipal, pede a condenação do réu no pagamento de quantias devidas pela utilização desses parques, a saber, taxas.”, Acórdão Tribunal da Relação de Évora 42536/24.7YIPRT.E1, de 16.12.2024, relatado pela Des MARIA JOÃO SOUSA E FARO, sumariado “O requerimento de injunção para cobrança de taxas ou tarifas apresentado pelos concessionários municipais ao qual haja sido deduzida oposição, consubstancia-se, nos termos da lei, numa acção cujo conhecimento é da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais (cfr. alínea o) do nº 1 do artigo 4º do ETAF).”, Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 1950/09.4TBPDL.L1-2, de 22.04.2010, relatado pelo Des EZAGÜY MARTINS, sumariado “Compete aos tribunais administrativos e fiscais conhecer de acção intentada por empresa a quem o Município adjudicou a concessão da exploração e gestão de zonas de estacionamento de duração limitada, para haver de particular utilizador daquelas a importância de tarifas devidas pela falta de pagamento da taxa correspondente à utilização da zona de estacionamento.” e Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa 466/09.3TBPDL-A.L1-6, de 24.06.2010, relatado pelo Des JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO.
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Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão da primeira instância.
Custas a cargo da apelante (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 28 de Janeiro de 2025
Alberto Taveira
Pinto dos Santos
Maria da Luz Seabra
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.
[2] Seguimos de perto o relatório elaborado pela Exma. Senhora Juíza.