CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
DEVER DE VIGILÂNCIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESUNÇÃO DE CULPA
INUNDAÇÃO
Sumário

1- O não atendimento, na sentença, de um facto que se encontre provado, não se traduz em vício de omissão de pronúncia, dado que a consideração de factos não constitui, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC; antes consubstancia um erro de julgamento a corrigir pelo tribunal ad quem nos termos do 607º nºs 3 e 4, 2ª parte.
2- O art.º 1437º do CC atribui a qualidade de substituto processual ao administrador do condomínio, já que permite que este administrador possa, como parte processual, demandar ou ser demandado em substituição do condomínio; porém, materialmente vinculado aos efeitos da sentença não é o condomínio, visto ser pessoa meramente judiciária, mas o conjunto dos condóminos que o integram, na proporção das respectivas permilagens.
3- Na alçada do art.º 493º nº 1 do CC podem cair, por mais inócuo que em abstracto se revele o seu potencial danoso, todas as coisas que fazem parte do tráfego e que estejam em poder de um sujeito que as deva vigiar.
4-Em face da presunção de culpa que sobre ela recai, a pessoa onerada com o dever de vigilância pode exonerar-se da sua responsabilidade comprovando que: (i) cumpriu os respectivos deveres de custódia; ou (ii) que o dano se produziria ainda que os tivesse cumprido.
5- Se os autores provam que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do ramal de esgotos comuns, mostra-se preenchido o ónus da prova (art.º 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância do administrador do condomínio (art.º 493.º, n.º 1, do CC).

Texto Integral

Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO

1- SAF e, JAF, instauraram acção declarativa, com processo comum, contra Condomínio do Prédio sito na Rua …, nº…, pedindo:
a)- A condenação do réu no pagamento da quantia de 36.347,83€ a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes ainda não ressarcidos;
b)- A condenação no pagamento da quantia de 41.000€ a título de danos emergentes;
c)- Subsidiariamente, a condenação no pagamento dessas quantias a título de enriquecimento sem causa;
d)- Juros de mora desde a citação e, sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 829-A do CC.
Alegaram, em síntese, serem proprietários de fracção autónoma no prédio em questão e, em Fevereiro de 2018 ocorreu inundação na sua fracção autónoma decorrente de ruptura na prumada de esgotos do edifício que provocou danos na fracção que a impediu de ser utilizada como clínica de enfermagem para que havia sido licenciada. Descrevem os danos na fracção. A administração do condomínio providenciou pela reparação da prumada dos esgotos mas não procedeu às reparações na fracção autónoma, cujo custo de reparação orçou em 47 216,36€; os autores receberam pagamentos parciais no montante de 10 065,85€, estando em dívida 36 347,83€. Como clínica de enfermagem, os autores receberiam uma renda mensal de 1 000€ que, contados desde Março de 2018 perfazem 41 000€. Subsidiariamente, pedem a condenação a título de enriquecimento sem causa.

2- Citado o condomínio veio contestar.
Invoca a excepção de prescrição do direito de indemnização dos autores.
Invocam a excepção de ilegitimidade passiva do réu, alegando que os autores aceitaram que a responsabilidade pela reparação dos danos pertencia a cada um dos condóminos na proporção das respectivas permilagens.
Arguem a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial.
Impugnam que os danos ocorridos tenham sido na extensão dos invocados e desconhece os factos relativos à indemnização pelos alegados lucros cessantes.
Entende que os autores devem ser condenados por abuso de direito nos prejuízos sofridos pelo réu com a necessidade de contestar a acção, em honorários e despejas judiciais.

3- Os autores responderam às excepções, pugnando pelas respectivas improcedências.

4- Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que decidiu:
- Improcedência da excepção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial;
- Improcedência da excepção de ilegitimidade passiva;
- Improcedência da excepção de prescrição.
Foi enunciado o objecto do litígio e os temas de prova.

5- Por requerimento de 25/10/2023, os autores vieram ampliar o pedido, peticionando que os danos patrimoniais sejam actualizados para 63 332,57 e, os lucros cessantes actualizados em 1 000€ mensais desde propositura da acção até integral pagamento.

6- O réu pugnou pela inadmissibilidade da ampliação do pedido.

7- Foi admitida a ampliação do pedido.

8- Teve lugar a audiência final, em duas sessões e, com data de 24/04/2024 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
III - DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência,
I. condena-se o réu “Condomínio do Prédio sito na rua …, nº…” a pagar aos autores SAF e JAF as seguintes quantias:
a. € 45.998,66 (quarenta e cinco mil novecentos e noventa e oito euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, quantia que será objeto de atualização de acordo com o valor da inflação ocorrida entre outubro de 2018 e abril de 2024, e relativa ao custo de mão de obra e ao valor dos materiais de construção e dos bens a fornecer (constantes do orçamento que constitui o documento n.º 34 junto com a p. i.), a liquidar em execução de sentença e
b. € 1.217,70 (mil duzentos e dezassete euros e setenta cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento,
II. absolvendo-se o réu do demais peticionado.”

9- Inconformado, o réu interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I – A sentença recorrida enferma de nulidades, bem como de erro na apreciação da prova produzida e na aplicação da legislação aplicável, o que motiva o presente recurso.
II - O Tribunal recorrido condenou o Réu ora recorrente a pagar aos Autores as quantias de € 45.998,66 (quarenta e cinco mil, novecentos e noventa e oito euros, sessenta e seis euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, quantia que será objeto de atualização de acordo com o valor da inflação ocorrida entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar em execução de sentença, e de € 1,217,70 (mil, duzentos e dezassete euros, setenta cêntimos), acrescida
dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento “, a título de ressarcimento dos danos dados como provados.
III – Ora, não só não foi feita prova da existência dos danos cujo ressarcimento importe no valor de € 45.998,66, como não pode o Réu ser condenado no pagamento deste valor ou sequer de quaisquer danos reclamados pelos Autores.
IV – A sentença recorrida enferma, desde logo, de manifesta nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, por não se ter pronunciado sobre uma questão de que deveria, obrigatoriamente, ter tomado conhecimento, qual seja a imputação das quantias recebidas pelos Autores da parte das seguradoras, ao abrigo das apólices individuais de cada fração autónoma, a título de ressarcimento proporcional pelos danos, recebimento que o Tribunal deu expressamente como provado no ponto 24º da Enunciação dos factos provados.
V – O mesmo se diga quanto à falta de imputação das quantias disponibilizadas aos Autores pelas várias seguradoras ao abrigo das apólices de seguros individuais, sobre as quais o Tribunal deu como provado, no ponto 25º, que os Autores não procederam ao levantamento dos respetivos cheques por ser necessária a assinatura de recibo de quitação, não retirando, porém, de tais factos as necessárias consequências jurídicas.
VI - A sentença recorrida, pese embora dê como provado que os Autores receberam, por parte das diversas seguradoras que cobriam os riscos das frações autónomas, o montante total de 10.065,85€ (dez mil, sessenta e cinco euros, oitenta e cinco cêntimos), bem como que estas seguradoras pagaram ou disponibilizaram aos Autores a quase totalidade do pagamento da quota parte imputável aos seus segurados (vide factos provados nºs 21 e 24 da Enunciação dos Factos Provados), na parte decisória limita-se a condenar o Réu ao pagamento da totalidade dos danos dados como provados, por remissão para o orçamento no valor de 45.998,66€, sem se pronunciar sobre a imputação dos valores já recebidos pelos Autores para ressarcimento dos prejuízos.
VII - Tal omissão de pronúncia sobre o facto de os Autores terem recebido quantias para ressarcimento dos prejuízos, ainda que pagos por outrem que não o Réu, constitui manifesta nulidade de sentença, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 615º nº 1 do CPC, a qual se invoca expressamente.
VIII - Conforme reconhecido na sentença recorrida, o condomínio é constituído pelo conjunto de todos os condóminos, sobre os quais impede, através da figura unitária do condomínio, a obrigação legal de zelar pela conservação e manutenção das partes comuns, pelo que os pagamentos efetuados aos Autores pelas seguradoras no âmbito das apólices de seguros individuais de cada condómino têm necessariamente de ser imputadas no ressarcimento dos prejuízos sofridos pelos Autores, o que o Tribunal não fez.
IX - Na verdade, sobre este pagamento, o Tribunal apenas se pronuncia em sede de apreciação do pedido de abuso de direito por parte dos Autores, pedido formulado pelo Réu, que o Tribunal entendeu indeferir por não se mostrarem verificados os pressupostos do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, questão esta diversa e que não se mostra prejudicial à apreciação do pagamento aos Autores por parte das seguradoras dos vários condóminos.
X - A sentença recorrida enferma ainda de nulidade nos termos da alínea c) do nº 1 do citado artigo 615º do CPC, uma vez que a não pronúncia sobre a imputação dos pagamentos feitos aos Autores pelas seguradoras ao abrigo das apólices de seguro individuais de cada fração, pagamentos esses que, conforme resulta do facto provado sob o nº 21, em conjunto com os valores disponibilizados pelas mesmas seguradoras, constituem a quase totalidade do pagamento da quota parte imputável aos segurados individualmente considerados, criou uma manifesta ambiguidade e / ou obscuridade que torna a decisão ininteligível nesta parte.
XI - Para além das nulidades acima invocadas, os Réus discordam da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quer quanto à decisão da matéria de facto quer quanto à decisão de direito, discordância que fundamenta, igualmente, o presente recurso.
XII - No ponto 7 da Enunciação dos Factos Provados, o Tribunal “a quo” discrimina, em várias alíneas, os trabalhos necessários à reparação da fração dos Autores com vista à reposição da mesma no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito nos pontos 4 e 5 dos mesmos factos, fundamentando a resposta positiva a este ponto, tal como a do ponto 6, nas fotos juntas com a petição inicial (documentos nº 4 a 32), nas declarações de parte da Autora e no depoimento das testemunhas SD, JA, RA e MJ, esta última perita averiguadora da empresa GEP, Gestão de Peritagens, SA, que fez a peritagem e apresentou o orçamento
que se encontra junto aos autos sob documento nº 38 da petição inicial, ao serviço de uma das seguradoras envolvidas (vide pontos 19 e 20 dos factos provados).
XIII - Ora, a prova positiva da matéria de facto constante deste ponto 7 é de natureza eminentemente técnica, não se podendo suportar apenas em prova fotográfica e testemunhal e muito menos em declarações da parte, pelo que não poderia a mesma ser dada como provada para além dos danos discriminados no relatório e orçamento que constitui o documento nº 38 da petição inicial elaborado e confirmado em audiência pela testemunha MJ, uma vez que, para além desta, nenhuma outra testemunha depôs sobre quais as reparações necessárias à reposição da fração no estado em que se encontrava antes do sinistro, tendo-se limitado a depor sobre o estado em que
se encontrava o imóvel, sendo certo que as fotografias juntas sob documentos nº 4 a 32 não são suscetíveis de sustentar a prova sobre quais os trabalhos necessários à reparação dos danos.
XIV – Da análise da sentença na parte respeitante à Motivação do julgamento de facto, constata-se que o Tribunal, na verdade, assentou a resposta positiva ao ponto 7 ( trabalhos necessários à reparação da fração) na descrição dos trabalhos elencados no orçamento junto sob o documento nº 34 da petição inicial, orçamento da empresa “Melon”, que constitui o único suporte probatório da resposta positiva ao ponto 26 dos factos provados (documento não apto a fazer prova dos trabalhos necessários à reparação) e não na prova que enunciou na motivação do julgamento de facto.
XV - Consequentemente, por absoluta falta de prova das reparações necessárias à reposição da fração dos Autores no estado em que se encontrava antes do sinistro, para além da prova elencada nos pontos 19 e 20, deveria tal facto ser dado como não provado e, por consequência, também os factos constantes do ponto 26, factos cuja prova não poderá deixar de ser negativa, à semelhança do que aconteceu com os demais danos e orçamentos apresentados pelos Autores e considerados pelo Tribunal como não provados
sob a alínea d. da Enunciação dos factos não provados.
XVI – Não podendo, por absoluta falta de prova, ser o Réu condenado no pagamento da quantia discriminada no ponto 26.
XVII - Em bom rigor, ainda que provada a existência de danos na sequência do sinistro descrito nos pontos 4 e 5, tais danos não podem exceder os discriminados nos pontos 19 e 20 dos factos provados, danos esses que foram corroborados pela testemunha MJ, ao contrário dos demais, não confirmados por qualquer meio probatório produzido nos presentes autos.
XVIII – Para além de, no que se refere à responsabilidade do Réu pelo ressarcimento dos danos, ter que ser feita a imputação nos mesmas das quantias já pagas aos Autores, no montante de € 10.065,85, através das apólices de seguros das frações individualmente consideradas, sob pena de enriquecimento sem causa dos Autores nesse montante, bem como das demais quantias disponibilizadas pelas várias seguradores das frações individuais aos Autores, atendendo à matéria de facto dada como provada nos pontos 21, 22, 24 e 25 da Enunciação dos factos provados.
XIX – Tais pagamentos e disponibilização de pagamentos através do envio de cheques, que não foram devolvidos pelos Autores, em data que não resultou provada mas que importa apurar, tem necessariamente reflexo não só nos juros
 e mora a pagar, mas também na condenação do Réu no pagamento dos danos atualizados de acordo com a taxa de inflação ocorrida entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, decisão que, nesta parte, se releva ainda injustificada e desproporcional.
XX - A sentença recorrida traduz-se, nesta parte, num manifesto enriquecimento dos Autores, à custa do Réu, no valor de €10.065,85, acrescido do valor da sua atualização de acordo com a inflação e dos juros de mora respetivos, valor que já tinham recebido em data não apurada nos autos mas que a prova produzida permite situar no ano de 2018,
enriquecimento esse sem qualquer causa justificativa, uma vez que os pagamentos feitos pelas seguradoras, o foram para ressarcimento dos mesmos prejuízos dos Autores, provenientes do mesmo sinistro e, em substituição do condomínio através da parte proporcional que cada condómino detém nas partes comuns, mostrando-se, assim, violado pelo Tribunal “a quo” o disposto no artigo 473º do CC.
XXI - O Tribunal “a quo” considerou, ainda, verificados, nos presentes autos, os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, responsabilidade extracontratual, condenando, em consequência, o Réu condomínio no pagamento dos danos que considerou provados.
XXII - Este entendimento, enferma, salvo melhor e douta opinião, de erro, desde logo quanto à legitimidade substantiva do Réu condomínio pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos Autores mas também quanto à verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
XXIII- Conforme reconhecido na sentença recorrida, o condomínio mais não é do que o conjunto de todos os condóminos, ou seja os proprietários das várias frações que compõem o prédio em regime de propriedade horizontal, pelo que se a totalidade dos condóminos, cuja responsabilidade civil se encontra transferida para seguradoras, assume o ressarcimento dos danos através de participação do sinistro às respetivas seguradoras, que assumem a responsabilidade civil, nos termos da peritagem que realizaram, não é o Réu condomínio responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pelos Autores uma vez que essa responsabilidade foi assumida individualmente por cada um dos condóminos que compõem o condomínio.
XXIV - A esta conclusão não obsta o facto de existirem frações cuja responsabilidade não estava transferida para seguradoras ou segurados que não efetuaram o pagamento, uma vez que, por deliberação datada de 12/04/2019, exarada na acta da assembleia de condóminos número 21 (junta aos autos como documento nº 1 da contestação), não impugnada pelos Autores, tal como as anteriores, a assembleia de condóminos deliberou que, nesses casos, os pagamentos proporcionais a essas frações seriam assumidos pelos próprios condóminos, não existindo nos autos qualquer prova de recusa desses pagamentos por parte dos condóminos respectivos.
XXV - Os Autores receberam, da parte das várias seguradoras, os valores que não implicavam recibo de quitação, tendo posteriormente, e por não concordarem com o montante da indemnização arbitrada pelo conjunto das seguradoras, que aderiram ao orçamento identificado nos pontos 19 e 20 dos factos provados, solicitado o valor remanescente para os valores que consideraram devidos não às entidades que realizaram o pagamento inicial mas sim ao Réu condomínio, atitude que viola as regras legais em vigor, bem como os mais elementares princípios jurídicos como o principio da boa fé negocial, existindo, assim, claramente, uma manifesta ilegitimidade substantiva do ora Réu.
XXVI - Conforme, resulta da sentença ora em recurso, a responsabilidade civil do condomínio encontra-se condicionada pela verificação cumulativa de todos os pressupostos da responsabilidade civil, a saber, o facto ilícito, o nexo de imputação subjetivo, o dano e o nexo de causalidade., tal como prescreve o artigo 483º do Código Civil.
XXVII - Assim, a responsabilidade civil extracontratual do condomínio exige que a sua atuação (seja por ação seja por omissão) tenha sido ilícita, culposa e causa adequada dos danos, pressupostos cuja verificação não se demonstrou provada nos presentes autos.
XXVIII - O Réu condomínio está vinculado ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do prédio e, incumprindo esse dever, por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspetiva e critério de um bom pai de família (artigos 487º e 493º do CC) obriga-se a indemnizar o condómino pelo dano que este sofreu no seu património, como consequência direta dessa omissão ilícita e culposa.
XXIX – Contudo, de toda a prova produzida, não resulta qualquer omissão negligente por parte do Réu condomínio do zelo que lhe era exigível, pois apesar da prova de que a rutura da prumada de esgotos existiu e causou danos na fração dos Autores, a verdade é que não resultou provado que essa rutura resulte de qualquer ação ou omissão, culposa ou negligente, do Réu.
XXX - Quando muito, a haver omissão negligente, terá sido dos próprios Autores, que não cumpriram o dever de vigilância do seu próprio imóvel, não tendo dado conta, em tempo útil, das infiltrações ocorridas e delas participado atempadamente ao Réu, que, diligenciaria pela sua reparação imediata, tal como fez com a rutura objecto dos presentes autos, detetada pelo próprio Réu e por este prontamente reparada (ponto 4 da Enunciação dos factos provados).
XXXI – Nos termos do disposto no artigo 1420º do Código Civil, cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo os encargos de conservação e fruição pagos pelos condóminos na proporção do valor das suas frações (cf. nº 1 do art.º 1424º do CC) e competindo-lhes naturalmente a conservação e vigilância de tais partes comuns, tal como se encontram vinculados à obrigação de vigiar e conservar a fração de que são proprietários exclusivos, independentemente de qualquer interpelação (obrigação propter rem do proprietário e, nesta medida, do condómino, na sua qualidade de comproprietário das partes comuns).
XXXII- Mesmo a entender-se que a culpa do Réu seria presumida, por aplicação da norma do artigo 493º nº 1 do Código Civil, o certo é que o Réu ilidiu claramente a presunção de culpa, uma vez que se provou inequivocamente que foi o próprio Réu, sem que os Autores se tivessem sequer queixado de quaisquer problemas na sua fração, que detetou a infiltração, contactou os Autores e reparou a mesma no próprio dia.
XXXIII - De toda prova produzida nos autos não resultou sequer alegado e muito menos provado qual o motivo da rutura da prumada de esgotos comum que passa na parte superior da fração dos Autores, sendo certo que a rutura se deu dentro da fração destes, onde o Réu não tem acesso, não se lhe podendo exigir a vigilância das partes comuns que passam no interior de uma fração autónoma, propriedade de um condómino, incumbindo esse dever de vigilância ao respectivo proprietário/condómino, sendo-lhes aplicável plenamente as regras estatuídas nos artigos 493º e 486º do Código Civil.
XXXIV - Consequentemente, mesmo a considerar-se a responsabilidade civil extracontratual do Réu, o que apenas de concebe por mera hipótese de raciocínio, não se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, nomeadamente a actuação ilícita, culposa e adequada do Réu condomínio na verificação dos danos, tendo o Réu ilidido qualquer presunção de culpa.
XXXV – A sentença recorrida, viola, assim, de forma flagrante o disposto nos artigos 483º, 486º, 487º e 493º, todos do Código Civil.
XXXVI - Pelo que, por todos os fundamentos supra expostos, se impõe decisão diversa, no sentido da absolvição do Réu dos pedidos.

10- Os autores contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
A. O Recorrente identificou o objeto do presente recurso, a saber:
a. Nulidade da Sentença:
i. Nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C.;
ii. Nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C.;
b. Impugnação da matéria de facto;
c. Impugnação da matéria de direito.
B. O Réu começa por invocar a nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C..
C. A este propósito, argumenta o Réu, ora Recorrente, que o Tribunal a quo, pese embora ter dado como provado que os Autores, ora Recorridos, receberam por parte de diversas seguradoras o montante total de € 10.065,85 (ponto 24. da enunciação dos factos provados), não considera este valor recebido pelos Autores, ora Recorridos, no valor da indemnização a que condena o Réu no respetivo pagamento.
D. Na opinião do Réu, ora Recorrente, esta circunstância configura uma omissão de pronúncia sobre o facto de os Autores, ora Recorridos, terem recebido quantias, para ressarcimento dos seus danos, pagos por outrem que não o Réu, a qual gera a nulidade da sentença prevista na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C.. Ora, salvo o devido respeito, que é muito
E. A verdade é que o facto de os Autores terem recebido tal quantia por parte daquelas Seguradoras foi, desde logo, alegado pelos próprios Autores, ora Recorridos, em sede de Petição Inicial (art.º 40º.).
F. O facto de o Tribunal a quo ter considerado que o valor total dos danos sofridos pelos Autores, é coincidente com o valor do orçamento junto com a Petição Inicial sob Doc. 34, a saber, € 45.998,66, acrescidos de € 1.217,70,
G. Sem ter feito referência expressa no dispositivo da sentença ao valor recebido pelos Autores por parte das Seguradoras não constituiu qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
H. Os Autores, ora Recorridos têm perfeita consciência de que esse valor já recebido terá que ser abatido ao valor total dos danos ao qual o Réu, ora Recorrente foi condenado.
I.
J. A situação de enriquecimento sem causa que o Recorrente alega decorre da própria lei, não necessitando de ser declarada pelo Tribunal a quo, desde logo, porque foi assumido, desde a Petição Inicial pelos Recorridos que o valor recebido por parte das Seguradoras é parte do seu ressarcimento pelos danos sofridos.
K. Pelo que, não existiu qualquer omissão de pronúncia do Tribunal a quo nesta matéria, que gere a nulidade da sentença, nos termos do disposto na alínea d), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C., conforme invocado pelo Recorrente.
L. Pelos mesmos motivos supra expostos, também não se verifica a nulidade da sentença prevista na alínea c), do n.º 1, do art.º 615º., do C.P.C.,
M. Daí não decorrendo qualquer ambiguidade ou obscuridade, que possa tornar a decisão ininteligível.
N. Na impugnação da matéria de facto, vem o Recorrente impugnar os factos considerados provados nos pontos 6., 7. e 26. da enunciação dos factos provados. Ora,
O. O art.º 640º., do C.P.C. impõe ao Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o chamado ónus da especificação.
P. Com efeito, o ónus de impugnação da matéria de facto julgada exige que, cumulativamente, o Recorrente indique os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os meios probatórios e as exatas passagens dos depoimentos que os integrem que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância – para cada um dos factos que pretende impugnar – e a decisão que deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Q. Nem das alegações, nem das conclusões do Recurso apresentado pelo Réu resulta que este tenha cumprido o ónus de impugnação imposto pelos n.º 1 e 2 do art.º 640º., do C.P.C.. Com efeito,
R. O Recorrente impugna os factos provados sob os pontos 6., 7. e 26., aludindo ao depoimento de algumas testemunhas, e dizendo que tal não resultou do depoimento de outras e, concluindo que não foi produzida prova cabal e suficiente de tais factos. Ora,
S. Tal não basta para que se tenha por cumprido o ónus de impugnação que o legislador faz impender sobre o Recorrente, quando este pretende impugnar matéria de facto. Com efeito,
T. Se é certo que o legislador é menos exigente quando à forma de cumprimento do ónus previsto na alínea a), do n.º 2, do art.º 640º., do C.P.C., do que para o cumprimento do ónus previsto no seu n.º 1,
U. Também é certo que essa exigência mais diminuída não pode significar fazer-se letra morta do disposto nessa alínea a), desse n.º 2.
V. A verdade é que é manifesto que o Recorrente não cumpriu minimamente esse ónus.
W. E incumprindo o Recorrente o ónus de impugnação previsto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 640º., dado que, o disposto em ambos os números é cumulativo, terá o seu recurso que ser rejeitado, nesta parte, uma vez que no recurso relativamente à matéria de facto não se admite despacho de aperfeiçoamento. Mas ainda que assim não se entendesse, ou seja, ainda que, se entendesse que não seria de rejeitar o recurso, quanto à impugnação da matéria de facto, sempre se diria que
X. O Tribunal de recurso não pode pôr em causa a valoração da prova efetuada em primeira instância, nem estabelecer qualquer censura por dar prevalência a um elemento de prova em detrimento de outro, conforme pretende o Recorrente,
Y. Salvo se apurar um erro de julgamento no quadro da prova produzida e esta impuser uma factologia diferente, o que, in casu, não sucede, nem é alegado pelo Recorrente.
Z. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras depende, pelo menos, em parte, desse juízo de valoração realizado pelo juiz de primeira instância com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
AA. Não se verifica, pois, neste âmbito, qualquer situação que gere qualquer vício na apreciação da prova, não tendo sido violada qualquer disposição legal neste âmbito, nem tal é alegado pelo Recorrente.
BB. Neste âmbito, vem o Recorrente pôr em causa, dois aspetos, intimamente relacionados entre si:
a. Por um lado, a alegada ilegitimidade do Réu Condomínio no âmbito da presente relação material controvertida;
b. Por outro lado, a alegada não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil. CC. Alega, pois, o Recorrente, que, nesta parte, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 483º., 486º., 487º. e 493º., todos do Código Civil.
DD. Perante isto, defende o Recorrido que não tem legitimidade na presente relação material controvertida, e que também não se encontra preenchido o requisito da culpa,
EE. Por não resultar da prova produzida “(…) qualquer omissão negligente por parte do Réu condomínio do zelo que lhe era exigível.” Acontece, porém, que,
FF. É sobre a Administração do Condomínio, enquanto órgão executivo das deliberações da assembleia de condóminos quanto às partes comuns, e sobre o conjunto dos condóminos, através da respetiva assembleia enquanto órgão deliberativo, que recai o dever de administrar e conservar as partes comuns, de modo a que destas não decorram danos para terceiros ou para outro condómino, ao nível da sua própria fração autónoma.
GG. Significa isto que o titular de uma das frações do prédio em propriedade horizontal que vê a sua fração afetada em resultado de algo ocorrido nas partes comuns do edifício pode exigir a respetiva responsabilidade do condomínio verificados todos os pressupostos da responsabilidade
civil extracontratual, que são o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o anexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
HH. Nesse sentido, e por força da aplicação do regime do art.º 493º., n.º 1, do Código Civil, quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos causados pela coisa, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
II. Certo é que, nos termos da mencionada disposição legal são presuntivamente responsáveis pelos danos causados pela coisa aqueles que tiverem o dever de a vigiar (arts. 1420º., n.º 1, 1421º., n.º 1, 1424º., n.º 1 e 1430º., n.º 1, todos do Código Civil), assumindo a lei que não tomaram as medidas cautelares idóneas a evitar a lesão.
JJ. Subsumindo estas disposições legais ao caso concreto, dir-se-á que no caso em apreço, em que os danos foram resultantes da rutura da prumada de esgotos do edifício, que é indubitavelmente parte comum, presume-se a culpa do Réu Condomínio, por ser este que tem o dever de vigiar o seu estado de conservação, respondendo, assim, pelos danos originados na fração dos Autores, ora Recorridos, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa (art.º 493º., n.º 1, do C.P.C.).
KK. Aos Autores, ora Recorridos, basta provar, como fizeram, que a água e os dejetos que inundaram a sua fração provieram do interior da conduta de esgotos do prédio.
LL. Era ao Recorrente que cabia provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou, em alternativa, que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa.
MM. E foi isto que o Recorrente não logrou alegar, nem tão pouco provar, conforme se pode constatar pelo acervo dos factos provados e não provados.
NN. Daqui decorrendo que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer vício, nomeadamente, dos apontados pelo Recorrente, não merecendo, assim, qualquer reparo.
Julgando, assim, totalmente improcedente o presente Recurso, nos termos e pelos motivos ora expostos, deverão V. Exas. manter, na íntegra, a Douta Sentença Recorrida.

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II-FUNDAMENTAÇÃO.

1- Objecto do Recurso.

1- É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (art.º 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a)- As Nulidades da Sentença;
a)- A Impugnação da Matéria de Facto;
b)- A Revogação da Sentença, com a consequente absolvição do réu dos pedidos.

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2- Fundamentação de Facto.

A 1ª instância decidiu a meteria de facto do seguinte modo:
- Factos Provados.
1. Os autores são donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao R/c direito do Bloco 1, para Serviços, pertencente ao prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Rua …, nº, da Freguesia de ..., concelho de …, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de … sob o número 2…, e inscrito na respetiva matriz predial, da sobredita freguesia, sob o artigo 2… com a licença de utilização número 44, emitida pela Câmara Municipal de …, em 21/02/2005.
2. À fração autónoma descrita em 1 foi concedido o alvará de autorização de utilização n.º 16/2011, emitido pela Câmara Municipal de … em 18 de fevereiro de 2011, para a respetiva de utilização como Clínica de Enfermagem.
3. A par dos administradores eleitos para o exercício das funções decorrentes do disposto no artigo 1435.º, do Código Civil, a sociedade “F – Gestão de Condomínios, Unipessoal, Lda” foi nomeada como empresa gestora do Condomínio réu.
4. Em 16 de fevereiro de 2018 a administração do réu detetou uma rotura na prumada de esgotos que passa na parte superior da fração dos autores, ocorrida em data não concretamente apurada, mas que se situa no início daquele mês.
5. Em consequência da mencionada rotura todo o esgoto das casas de banho do lado esquerdo do Bloco 1 passou a ser direcionado diretamente para o teto da fração dos autores, e deste para os dois pisos da mesma fração, inundando-a com dejetos.
6. O sinistro descrito em 4. e 5. causou danos na fração dos autores, designadamente, nos registos de extração, ramais das condutas, filtros e unidades de insuflação, pavimentos, rodapés, paredes, portas, escadas, tetos, divisórias de pladur, janelas, caixilharias,
armários, roupeiros, casas de banho, loiças de casa de banho, torneiras, bancadas, espelhos e vidros, calhas técnicas e aparelhagem, unidades interiores de ar condicionado, focos de iluminação e do detetor ótico de fumo, e nos sinalizadores de ação
nela existentes.
7. Para reparar tais danos, repondo a fração dos autores no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5., é necessário:
a. desmontar, limpar e desinfetar os registos de extração em toda a fração;
b. limpar os ramais das condutas em toda a fração;
c. substituir os filtros e unidades de insuflação em toda a fração;
d. limpar e desinfetar os pavimentos (exceto o descrito infra, na alínea r.), rodapés (exceto os descritos infra, na alínea n.), paredes, portas (exceto as descritas infra, na alínea h.), escadas, tetos (exceto os descritos infra, na alínea i.), divisórias de pladur (exceto as descritas infra, na alínea k.), janelas, caixilharias, armários, roupeiros, casas de banho, loiças de casa de banho, torneiras, bancadas, espelhos e vidros em toda a fração;
e. remover, limpar e recolocar todas as calhas técnicas e aparelhagem do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2
(piso 0), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1) do Gabinete 5 (piso -1) e do Gabinete 6 (piso -1);
f. substituir, se a limpeza não for possível, os rodapés em alumínio do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0) e do Gabinete 2 (piso 0);
g. reparar e pintar as paredes do hall de entrada (piso 0), do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1;
h. substituir quatro portas de madeira de acesso aos gabinetes do corredor de circulação (piso 0) e as portas de madeira de acesso ao Gabinete 3 (piso -1), ao Gabinete 4 (piso -1), ao Gabinete 5 (piso -1), ao Gabinete 6 (piso -1) e à instalação sanitária do piso -1;
i. substituir o teto falso do corredor de circulação (piso 0), do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1; j. substituir, se a limpeza não for possível, o lavatório, torneira e acessórios do Gabinete 1 (piso 0);
k. substituir as paredes divisórias em pladur entre os Gabinetes 1 e 2 (piso 0), entre o Gabinete 2 (piso 0) e a escada, entre os Gabinete 3 e 6 (piso -1), entre os Gabinetes 4 e 5 (piso - 1), entre o Gabinete 5 e a área de circulação (piso -1) e entre Gabinete 6 e a área de circulação (piso -1);
l. substituir a unidade interior de ar condicionado do Gabinete 1 (piso 0) e do Gabinete 2 (piso 0);
m. substituir os focos de iluminação e o detetor ótico de fumo do Gabinete 1 (piso 0), do Gabinete 2 (piso 0), da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1), do Gabinete 6 (piso -1) e da instalação sanitária do piso -1;
n. substituir os rodapés da área de circulação (piso -1), do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso -1), do Gabinete 5 (piso -1) e do Gabinete 6 (piso -1);
o. substituir o sinalizador de ação do Gabinete 3 (piso -1), do Gabinete 4 (piso 1), do Gabinete 5 (piso -1) e Gabinete 6 (piso -1);
p. substituir, se a limpeza não for possível, o lavatório, a torneira e os acessórios da instalação sanitária do piso -1;
q. substituir a base de duche e respetivos acessórios da instalação sanitária do piso -1 e r. substituir o pavimento da instalação sanitária do piso -1.
8. Na sequência do sinistro descrito em 4. e 5., a administração do réu providenciou pela reparação da prumada de esgotos do edifício.
9. Na assembleia geral de condóminos realizada em 2 de março de 2018 a administração do réu informou os condóminos que tinha detetado a rotura descrita em 4. e 5., e procedido à reparação descrita em 8.
10. Mais informou que existiam «danos avultados» na fração dos autores, tendo sido deliberado pelos presentes a marcação de uma assembleia extraordinária para apresentação de orçamentos para as reparações necessárias na mencionada fração.
11. Na assembleia geral de condóminos realizada em 9 de novembro de 2018 foi analisado um orçamento pedido pela “F”, cujo valor da reparação era no montante total de € 45.998,66, IVA incluído, e foi deliberado, em relação ao primeiro ponto da ordem de trabalhos («rotura na coluna de esgoto e danos causados na Loja do Bloco 1 – R/C dto»), que «para dar início ao processo deve a proprietária da fração A, lesada, fazer a participação ao seguro da sua fração e mediante a resposta por escrito da Companhia de seguros da lesada, será marcada nova Assembleia para análise do assunto».
12. Apesar de terem votado contra esta deliberação, os autores não a impugnaram judicialmente.
13. À data do sinistro a fração dos autores nunca tinha sido utilizada para qualquer atividade, e tinha no seu interior um sofá de 3 lugares, um sofá individual, um móvel de sala em madeira maciça de pinho mel e um lava-louça em inox.
14. Os quais ficaram, em consequência do sinistro descrito em 4. e 5., totalmente danificados.
15. Para a reparação e estufagem dos mencionados sofás e substituição dos outros do móvel de sala e lava-loiça os autores terão de despender valor total não inferior a € 1.217,70, IVA incluído.
16. Em 16 de fevereiro de 2021 os autores não eram titulares de seguro válido que cobrisse a sua fração autónoma, o que comunicaram, por escrito à sociedade “F”, comunicação que foi lida, em voz alta, na assembleia geral extraordinária de condóminos realizada no dia 14 de dezembro de 2018, e transcrita para a respetiva ata nos seguintes termos: «Antes de 16 de fevereiro de 2018 não tinha seguro válido para a minha fração, assim como muitos condóminos ainda hoje não o têm. No entanto, tal facto, não muda absolutamente em nada a realidade dos factos, porquanto, o seguro que houvesse, nessa altura, apenas cobriria a minha quota parte (calculada com base na minha permilagem) da reparação da conduta e, eventualmente, a minha quota parte (calculada da mesma forma) nos danos que tive no interior da minha fração. Não é essa quota parte que estou a reclamar do Condomínio, pois, como é evidente, essa quota parte cabe-me a mim suportar. Por esse motivo e também porque, ainda que houvesse seguro válido anterior a essa data, os prazos de reclamação já estão mais do que ultrapassados, não posso apresentar qualquer resposta escrita por parte da minha Seguradora. Tais factos não ilibam o Condomínio, ou seja, os restantes condóminos de assumir a responsabilidade de suportar (por si, ou pela respetiva seguradora) a respetiva quota parte nos danos
por mim sofridos. Desta forma, aquilo que a Assembleia Geral deverá decidir é se está na disposição de aprovar uma comparticipação extraordinária para suportar o valor dos danos, independentemente de quem tiver seguro e quiser acioná-lo, fazê-lo. Caso a Assembleia Geral não esteja nessa disposição, deverão todos os condóminos serem informados de que intentarei, de imediato, a competente ação judicial, de molde a ser ressarcida de todos os prejuízos que esta situação me causou e continua a
causar, sendo incluídos neles os danos emergentes e os lucros cessantes, até integral pagamento.»
17. Na referida assembleia foi, de seguida, deliberado que «todos os condóminos têm de fazer a participação ao seguro da sua fração, até ao dia 15 de janeiro de 2019, sendo todos os elementos necessários fornecidos pela “F – Gestão de Condomínios, Unipessoal, L.da”.
18. Para além da fração dos autores, a fração “B”, correspondente ao R/C esquerdo do Bloco 1 também não tinha seguro à data do sinistro descrito em 4. e 5..
19. Após a participação do mencionado sinistro às diversas seguradoras que cobriam os riscos das frações autónomas, e respetiva quota parte das partes comuns do réu, as referidas seguradoras diligenciaram pela averiguação do sinistro e peritagem à fração dos
autores, tendo sido elaborado um orçamento de reparação pela “GEP, Gestão de Peritagens, S. A.”, ao serviço da “Companhia de Seguros Fidelidade, S. A.”.
20. Neste orçamento foi atribuído o valor total de € 20.346,39 para se proceder às reparações que se entenderam necessárias levar a cabo na fração dos autores.
21. Na sequência da adesão das demais seguradoras ao orçamento descrito em 19., as seguradoras pagaram, ou disponibilizaram, aos autores a quase totalidade do pagamento da quota parte imputável aos seus segurados.
22. O mencionado orçamento foi comunicado aos autores no âmbito dos processos de regularização do sinistro descrito em 4. e 5..
23. Os autores não concordaram com o teor deste orçamento por entenderem que o mesmo não apresentava formas de intervenção/reparação aptas a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5.. Ainda assim,
24. Os autores receberam, dos pagamentos mencionados em 21., efetuados por transferência bancária, o montante total de €10.065,85. No entanto,
25. Os autores não procederam ao levantamento dos cheques que lhes foram enviados pelas referidas seguradoras porque era necessário a assinatura de recibo de quitação, com a declaração de nada mais terem a reclamar no que ao sinistro descrito em 4. e 5. diz respeito.
26. Em outubro de 2018 os autores teriam de despender quantia não inferior a € 45.998,66 (IVA incluído) para procederem às obras necessárias a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5.

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Factos não Provados:
a). que antes da ocorrência da rotura descrita em 4. e 5. dos factos dados como provados a fração dos autores estivesse toda preparada e equipada para o exercício da atividade de uma clínica de enfermagem;
b). que quando ocorreu a inundação que afetou a fração autónoma dos autores, estes estavam a tentar arrendar a mesma para o exercício de atividade Clínica de Enfermagem, tendo tido, inclusivamente, algumas propostas de pessoas interessadas para renda mensal na ordem dos 1.200,00;
c). o valor locativo da fração dos autores e
d). o valor alegado pelos autores para a reparação necessária a repor a sua fração no estado em que se encontrava antes do sinistro descrito em 4. e 5. para além do que ficou provado sob o ponto n.º 26.

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3- As Questões Enunciadas.

3.1- As Nulidades da Sentença.
O apelante invoca que a sentença padece de duas nulidades: uma, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615º nº 1, al. d) do CPC e, outra, nos termos da alínea c) do mesmo artigo, por obscuridade, ambiguidade e ininteligibilidade.
Vejamos cada uma delas.
3.1.1- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Pretende, em primeiro lugar, o apelante, que a sentença é nula, por omissão de pronúncia, porque, em síntese, entende que a sentença se limitou a condenar em 45.998,66€, valor do orçamento do junto aos autos (doc. 34 da p.i.), omitindo que os autores já receberam, por conta dos danos orçamentados, 10 065,85€ das seguradoras, conforme provado no ponto 24 dos factos provados, não se pronunciando a sentença sobre essa questão.
Vejamos.
A sentença, efectivamente, não levou em consideração, na decisão final, o recebimento, pelos autores, do valor de 10.065,85€, pagos por seguradoras por conta do valor orçamentado, de 45.998,66€, necessários à reparação (orçamentada) dos danos na fracção autónoma.
Constituirá, essa circunstância, uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia?
Pois bem, quando no art.º 615º nº 1, al. d) do CPC, se comina com nulidade a sentença, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença ou do acórdão. Na verdade, o art.º 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o art.º 608º, relativo às questões a resolver na sentença. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (art.º 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente. Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (art.º 608º nº 2). Na lição de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, Almedina, pág. 142) “A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e à causa de pedir (melhor, à fungibilidade ou infungibilidade de umas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.”.
Temos assim que as questões referidas no art.º 608º nº 2 e, por conseguinte, a que se reporta o art.º 615º nº 1, al. d), são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizado pelo pedido deduzido (incluindo o reconvencional, quando o haja) e pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias opostas. Assim sendo, qualquer falta de pronúncia do juiz sobre um determinado facto não constitui uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia
Na verdade, como bem se esclarece no acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes):
I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte… do CPC.” (www.dgsi.pt).
Afigura-se-nos que o ensinamento deste acórdão é de aplicar à situação dos autos: a não consideração do facto dado como provado no ponto 24 – recebimento, pelos autores, de 10.065,85€ por conta do montante necessário à reparação dos danos na fracção autónoma – traduz um erro de julgamento e não uma omissão de pronúncia e, por conseguinte, não integra uma nulidade da sentença, antes implicando a sua correção em sede de apreciação do mérito da sentença. (como, de resto, importa considerar, também, o que os autores invocaram, no ponto 39º da petição inicial: têm de suportar, eles próprios, a quantia de 802,68€, correspondente a sua responsabilidade pelos danos sofridos, apurada em função da permilagem da sua fracção).
A esta vista, somos a concluir que a sentença não enferma da invocada nulidade, mas, antes de erro de julgamento que será apreciado e, sede própria: apreciação do mérito da sentença como, aliás, o apelante também peticiona.
Improcede, pois, a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

3.1.2- Nulidade da sentença por ininteligibilidade.
Defende o réu/apelante que a sentença é nula, nos termos do art.º 615º nº 1, al. c) do CPC, porque não se pronunciou sobre os pagamentos feitos por conta do valor orçamentado dos danos, o que cria “…uma manifesta ambiguidade e/ou obscuridade que torna a decisão ininteligível nesta parte.”.
Será assim?
O art.º 615º nº 1, al. c) do CPC determina que:
1 - É nula a sentença quando:
a) (…);
b) (…);
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)
Ou seja, o art.º 615º nº 1, al. c), parte final, determina que a sentença é nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Fala-se em obscuridade quando a sentença contenha algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou quando da sentença não se consiga retirar sentido algum. Isto é, quando a própria decisão não é compreensível nos termos gerais do art.º 236º, ex vi do art.º 295º do CC.
Já a ambiguidade verifica-se nas situações em que de uma parte da decisão puder retirar-se mais que um sentido
Coisa diversa da obscuridade ou da ambiguidade da decisão, é o reclamante ter compreendido, mas com ela não concordar: caberá recurso se entender que para tal tem fundamento (Cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Cível, cit., pág. 84 e seg.).
No caso, não vislumbramos que a sentença padeça de qualquer obscuridade ou de ambiguidade. O que se descortina é a discordância, do apelante, da decisão extraída na sentença. De resto, reitera o mesmo fundamento que havia invocado para fundamentar a arguição de nulidade por omissão de pronúncia. Mas a discordância com a decisão não é causa de nulidade.
Em suma, a sentença não padece de nulidade por ininteligibilidade.

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3.2- Impugnação da Matéria de Facto.

O autor impugna a decisão da 1ª instância relativamente aos pontos 7 e 26 dos factos provados, defendendo que deveriam ter sido considerados não provados.
Para o efeito, diz que o tribunal referiu ter-se baseado nas fotos juntas com a petição inicial, nas declarações de parte da Autora e no depoimento das testemunhas SD, JA, RA e MJ, esta última perita averiguadora da empresa GEP, Gestão de Peritagens, SA, que fez a peritagem e apresentou o orçamento que se encontra junto aos autos sob documento nº 38 da petição inicial, ao serviço de uma das seguradoras. Que “…a prova positiva da matéria de facto constante deste ponto 7 é de natureza eminentemente técnica, não se podendo suportar apenas em prova fotográfica e testemunhal e muito menos em declarações da parte”. Que com excepção da testemunha MJ, as demais testemunhas apenas confirmaram a ocorrência do sinistro e não se pronunciaram sobre as reparações necessárias à reposição da fracção no estado anterior ao sinistro. Que a única testemunha que depôs sobre as obras necessárias realizar foi a testemunha MJ e, essa reafirmou o teor do relatório de perícia que elaborou como documento 38. Da comparação do teor das diversas alíneas do ponto 7 com o documento 34, resulta que este foi o único suporte para os trabalhos elencados em 7 e não a prova indicada pelo tribunal para a fundamentação desse facto.

A questão que se coloca é a de saber se, perante a alegação apresentada, se pode deferir a pretensão de revogação dos pontos 7 e 26 dos factos provados, dando-os como não provados.
Adiantando a resposta, entendemos que não por duas razões:
i)- incumprimento dos ónus de impugnação;
ii) aptidão probatória da prova testemunhal, documental e por declarações de parte para demonstração dos factos dos pontos 7 e 26 dos factos provados.
Vejamos.
                                                                      
3.2.1- Incumprimentos dos ónus de impugnação da matéria de facto.
Como é sabido, o art.º 640º do CPC impõe ao recorrente, que impugne matéria de facto, o cumprimento de certos ónus sob pena de rejeição do recurso quanto a essa impugnação.
Concretizando.
Estabelece o art.º 640º do CPC:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
Por comparação com o art.º 685º-B do anterior código, verifica-se um reforço desses ónus de alegação que impõe ao recorrente, sob pena de rejeição:
(i)- especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
(ii) especificar os meios de prova constantes do processo que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
(iii) indicar a resposta que, no seu entender deve ser dada às questões de facto impugnadas. E,
(iv) “…relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes…”(Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, 2016, Almedina, pág. 136 e segs, mormente a 139 e seg.).
Abrantes Geraldes (Recursos…, cit., pág. 142), sintetiza as situações de rejeição total do recurso respeitante à impugnação da matéria de facto, quando se verifique alguma das seguintes situações:
a)- Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artºs 635º nº 4 e 641º nº 2 al. b):
b)- Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art.º 640º nº 1, al. a);
c)- Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g, documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.;
d)- Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e)- Falta da motivação expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
No caso dos autos, o apelante limita-se a firmar que as testemunhas referidas pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão de dar como provado o ponto 7, declarações de parte da Autora e testemunhas SD, JA, RA, apenas depuseram sobre a ocorrência do sinistro e não sobre as concretas obras necessárias à reposição da fracção autónoma no estado em que se encontrava anteriormente; apenas a testemunha MJ referiu as obras concretas necessárias, confirmando as que relacionou no relatório de peritagem da sua autoria e que consiste no documento 38.
Daqui resulta que o apelante não observa o ónus de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que se funda para “concluir” que aquelas testemunhas mencionadas na fundamentação da sentença, não se pronunciaram sobre as obras necessárias à reparação da fracção; ónus esse imposto pelo art.º 640º nº 2, al. a) do CPC. Nada diz, de concreto, sobre o que cada uma dessas testemunhas e a autora referiram.
Tanto basta para rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

3.2.2- Aptidão probatória da prova testemunhal, documental e por declarações de parte para demonstração dos factos dos pontos 7 e 26 dos factos provados.
Segundo o apelante, a prova positiva da matéria de facto constante deste ponto 7 é de natureza eminentemente técnica, não se podendo suportar apenas em prova fotográfica e testemunhal e muito menos em declarações da parte.
Será assim?
Segundo se percebe, o apelante entende que, por as obras elencadas no ponto 7 dos factos provados terem “natureza técnica” não podem ser provadas nem por documentos, nem por prova testemunhal, nem por declarações de parte. Não diz o apelante qual o meio de prova que, no seu entender, seria apto a demonstrar cada um dos concretos ponto das alíneas do ponto 7 dos factos provado. Seria a prova pericial?
Pois bem, deve esclarecer-se que a prova pericial, tal como a prova testemunhas e a prova por declarações de parte estão sujeitas ao mesmo princípio: prova livre que se estriba na livre convicção do julgador. Com efeito, determina o art.º 389º do CC que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
O mesmo é dito no art.º 396º do CC quanto à prova testemunha: a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Idem quanto à prova por declarações de parte: o tribunal aprecia-as livremente, excepto se as mesmas constituírem confissão.
Não se vê fundamento, nem, em rigor, o apelante o especifica, para considerar que a prova testemunhal, documental e por declarações de parte é insuficiente para permitir considerar provado as diversas alíneas do ponto 7 dos factos provados.
E o mesmo se diga em relação à matéria de facto do ponto 26: a pessoa que elaborou o orçamento referido nesse ponto de facto depôs nos autos e confirmou a respectiva elaboração.
Em suma, somos a entender que improcede o recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
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3.3- A revogação da sentença, com a consequente absolvição do réu dos pedidos.
O réu/apelante defende a improcedência da acção, invocando:
(i)- a sua ilegitimidade;
(ii)- a falta de culpa na ocorrência da ruptura da conduta de esgotos porque ilidiu a presunção da sua culpa;
(iii)- não foi alegada a causa da ruptura da conduta dos esgotos;
(iv)- a sentença não teve em consideração que os autores já receberam 10.065,85€ por conta da indemnização orçamentada em 45.998,66€, o que traduz um enriquecimento dos autores.

Vejamos cada um destes fundamentos invocados pelo réu para a improcedência da acção.
Assim:

3.3.1- A ilegitimidade do réu condomínio.
Segundo o réu, a responsabilidade da reparação dos danos é da totalidade dos condóminos e não do condomínio e, no caso, os condóminos individualmente considerados assumiram responsabilidade de reparação dos danos sofridos pelos autores, por isso, o condomínio é parte passiva ilegítima.
Será assim?
No despacho saneador a 1ª instância apreciou a excepção de ilegitimidade do réu, por este arguida em moldes semelhantes aos que agora invoca, julgando-a improcedente, argumentado, em síntese, que “…considerando que a legitimidade se afere pela posição das partes na relação material controvertida tal como é configurada pelos autores, tem de se concluir que o réu é parte legítima nesta acção.”
Vejamos então o caso em apreço.
À data da instauração da acção vigorava o art.º 1437º do CC na versão anterior às alterações introduzidas pela Lei 8/2022, de 10/01.
Era a seguinte a letra do preceito, com epígrafe “Legitimidade do administrador”:
1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.”
E, pela Lei 8/2022 passou a ter a seguinte redacção, com epígrafe “Representação do condomínio em juízo”:
1 - O condomínio é sempre representado em juízo pelo seu administrador, devendo demandar e ser demandado em nome daquele.
2 - O administrador age em juízo no exercício das funções que lhe competem, como representante da universalidade dos condóminos ou quando expressamente mandatado pela assembleia de condóminos.
3 - A apresentação pelo administrador de queixas-crime relacionadas com as partes comuns não carece de autorização da assembleia de condóminos.”
Ora bem, este preceito deve relacionar-se como que determina o art.º 12º al. e) do CPC que ficciona personalidade judiciária ao condomínio.
Como refere Carvalho Fernandes (Da natureza jurídica do direito de propriedade horizontal, Cadernos de Direito Privado, nº 15, Jul./Set. de 2006, pág. 9) “…os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio. Correspondentemente, por referência à personalidade judiciária que lhe é reconhecida, do que no fundo se trata é atribuir, ao administrador, legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.” * sublinhado nosso.
E no acórdão do STJ, de 04/10/2007 (Santos Bernardino) realça-se que “…este normativo refere-se à capacidade processual e não à legitimidade adjectiva (ad causum) do condomínio…” (…) “Fica claro, com o preceito em apreço [art.º 1437.º CC], que o administrador da propriedade horizontal, na execução das funções que lhe pertencem ou quando munido de autorização da assembleia de condóminos – relativamente a assuntos que, exorbitando da sua competência, cabem, todavia, na competência desta assembleia – pode accionar terceiros ou qualquer dos condóminos, ou por eles ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício”.
Como bem salienta Miguel Mesquita (A personalidade judiciária do condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, pág. 41 e segs., concretamente a pág. 47) referindo-se ao art.º 1437º nº 2 do CC, “Ao contrário do que a epígrafe do preceito enuncia, o administrador não tem legitimidade alguma, mas, antes, poderes de representação da parte, que é o condomínio. A legitimidade, ou seja, a susceptibilidade de ser a parte certa, pertence ao condomínio e não ao administrador. (…) O administrador limita-se a representar o condomínio em juízo, a ser, no fundo, a “voz do condomínio”, e isto porque este, naturalmente, não pode estar por si só em juízo…”.
O Prof. Teixeira de Sousa, a propósito da alteração legislativa operada pela Lei 08/2022, esclarece: “6. Por tudo o que se expôs, cabe reafirmar, em termos simples, o que já várias vezes se afirmou neste Blog: (…) - Em concreto, aqueles preceitos atribuem a qualidade de substituto processual ao administrador do condomínio, já que permitem que este administrador possa, como parte processual, demandar ou ser demandado em substituição do condomínio.” (Nota “A posição em juízo do administrador do condomínio analisada sem confusões.” Blog do IPPC de 03/01/2022).
E não se confunda esta realidade processual com a responsabilidade substantiva pelo ressarcimento de danos provocados por partes comuns. Na verdade, esclarece Rui Pinto (A execução de dívidas do condomínio, Novos Estudos de Processo Civil, 1, pág. 183) “Mas, apesar de ser uma parte meramente judiciária ou formal, o condomínio não dispõe de personalidade jurídica material. O condomínio não é uma pessoa colectiva. Por isso, uma sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes (…) ou seja, a parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual – condomínio – pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica que não é parte processual – condóminos. Isto sem prejuízo de o administrador também pode ser demandado, em representação do condomínio, conforme art.º 1437º nº 2.”
Aliás, no mesmo sentido, veja Paula Costa e Silva (O manto diáfano da personalidade judiciária, Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, vol. II, pág. 1882) que entende que em situações em que intervêm no processo as partes formais, devem ser considerados substitutos processuais e, por isso, “A parte vinculada aos efeitos da decisão não é a parte processual, pessoa meramente judiciária, mas a pessoa jurídica, que não é parte processual”.
Portanto, o condomínio actuará no processo como um substituto processual dos condóminos e, precisamente por isso, os efeitos da decisão estendem-se a estes.
Também Remédio Marques (A acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3ª edição, 2011, pág. 358) entende “…os proprietários das fracções autónomas (…) acham-se vinculados por efeito de uma substituição processual e os efeitos da acção produzem-se directamente sobre os substituídos”.
Igualmente, Miguel Mesquita (A personalidade judiciária do condomínio nas acções…cit., pág. 49) afirma “…a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes.”
Por tudo isto, reitera-se: não se confunda esta realidade processual com a responsabilidade substantiva pelo ressarcimento de danos provocados por partes comuns.
A esta vista, sem necessidade de outras considerações, resta concluir que não pode ser atendida a pretensão de “ilegitimidade passiva” do condomínio.

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3.3.2- A falta de culpa na ocorrência da ruptura da conduta de esgotos porque ilidiu a presunção da sua culpa.
Segundo o apelante, apenas pode existir responsabilização civil desde que exista culpa do agente; que, no caso, não ficou demonstrada qualquer negligência do condomínio na ocorrência da ruptura do ramal comum de esgotos; e que o réu ilidiu a presunção de culpa do art.º 493º nº 1 do CC porque foi a própria administração do condomínio réu que se apercebeu da ruptura e, de imediato, procedeu à reparação e, não porque os autores se tivessem queixado, conforme decorre dos postos 4, 5, 8, 9 e 10 dos factos provados.
Será assim?
Vejamos.
Em primeiro lugar, recordemos a letra do art.º 493º nº 1 do CC, com epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades”, estabelece que:
1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.”
Pois bem, estabelece-se no preceito uma cláusula geral de responsabilidade dos vigilantes pelos danos provocados por quaisquer coisas sob a sua guarda, independentemente da respectiva perigosidade.
Esta responsabilização pode ser explicada segundo a teoria das esferas de responsabilidade: quem está ou participa no tráfego mediante o controlo de determinados meios, ainda que não perigosos, assume a correspondente competência funcional de providenciar as necessárias medidas de segurança para evitar que desses elementos materiais sobre o seu domínio resultem lesões danosas para terceiros, encontrando-se em situação especialmente favorável, pela sua actuação de facto em relação à coisa, para demonstrar que o prejuízo não resultou da falta ou insuficiência dessas providências (Cf. Rui Mascarenhas de Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres no Tráfego, Colecção Teses, Almedina, 2019, pág. 357).
Portanto, na alçada do art.º 493º nº 1 podem cair, por mais inócuo que em abstracto se revele o seu potencial danoso, todas as coisas que fazem parte do tráfego e que estejam em poder de um sujeito que as deva vigiar.
Em face da presunção de culpa que sobre ele recai, a pessoa onerada com o dever de vigilância pode exonerar-se da sua responsabilidade comprovando que cumpriu os respectivos deveres de custódia ou que o dano se produziria ainda que os tivesse cumprido.
Estão abrangidas as coisas que, podendo ser objecto de custódia, sejam susceptíveis de causar danos, só estando incluídas as coisas corpóreas que tenham existência física, que ocupando um certo espaço possam, por via das mais diversas forças, incluindo a gravidade, adquirir dinamismo próprio susceptível de ofender interesses juridicamente tutelados. (Cf. Rui Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil…cit., pág. 362).
O cerne da imputação radica não nas qualidades naturais da coisa, mas na inobservância da vigilância necessária a evitar os danos.
A presunção de culpa não se baseia na própria coisa mas na situação do homem relativamente a ela; em qualquer caso, está-se sempre em face de um dano que a coisa não teria causado sem um comportamento indevido do seu guarda (Vaz Serra, Responsabilidade civil pelos danos causados por coisas ou actividades, BMJ 85, pág. 368).
Ora a jurisprudência do STJ tem aplicado o artigo 493º nº1 do CC a situações de infiltração de águas entre imóveis. Assim, o acórdão do STJ, de 27/04/1999 (Lemos Triunfante) decidiu que o dono de uma fracção responde pelos danos causados em fracção situada no piso inferior, em consequência de inundação, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos seriam igualmente produzidos (Cf. ainda ac. do STJ de 31/01/2002, Moitinho de Almeida, bem como ac. do STJ de 07/12/2005, Lucas Coelho).
Igualmente importante é o acórdão do STJ, de 14/09/2010 (Salazar Casanova) que determinou que se o autor provar que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento dos réus, mostra-se preenchido o ónus de prova (art.º 342º do CC) não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) da inundação (uma eventual ruptura da canalização, uma torneira deixada a correr por mera incúria ou distracção, etc.).
Por outro lado, e no que toca à delimitação do âmbito subjectivo da aplicação da norma.
O artigo determina que o responsável pelos danos causados por coisas é a pessoa que as tem em seu poder com o dever de as vigiar.
Pois bem, como refere Rui Mascarenhas Ataíde (Responsabilidade Civil…, cit., pág. 387), “Apesar da sua aparente simplicidade, a formulação encerra razoável teor de complexidade sobre o exacto alcance do âmbito de vinculação”.
Ora, o critério de identificação das pessoas vinculadas centra-se no puro controlo da coisa e, requer o corpus possessório: só os sujeitos que dispõem do controlo material da coisa reúnem as condições para cumprir aquele dever de vigilância.
À vinculação imposta pelo art.º 493º nº 1 do CC é absolutamente indiferente que o dever de guardar a coisa, evitando que cause danos a terceiros, se baseie ou não em qualquer título jurídico, satisfazendo-se com o simples poder de facto sobre a coisa que dure o tempo suficiente para viabilizar a efectiva posição de domínio.
Brandão Proença (Balizas perigosas e responsabilidade civil – Ac. STJ de 26/02/2006, Cadernos de Direito Privado, nº 17, Jan./Março 2007, pág. 35) realça que a presunção de culpa do art.º 493º nº 1 do CC impende sobre todos os que, no interesse próprio ou alheio, com fins lucrativos ou não lucrativos, têm o dever de vigiar coisas móveis ou imóveis que estejam, de forma duradoura ou temporária, na sua esfera de poder efectivo e que pela sua natureza, estrutura ou utilização são susceptíveis de causar danos (proprietário, depositário, comodatário, locatário, transportador, vigilante contratado, credor pignoratício, empreiteiro, empresário, cabeça-de-casal, comissário, administração de condomínio).
No caso dos autos, salvo o devido respeito, o réu, rectius, a administração do condomínio, não ilidiu a presunção de culpa que o art.º 493º nº 1 do CC lhe atribui. A circunstância de ter sido ela (administração) a detectar a ruptura do ramal do esgoto comum e de ter mandado repará-la, de imediato, não afasta aquela presunção de culpa. Para o conseguir, teria de invocar e provar que, por exemplo, fez vistorias periódicas, tinha mandado verificar anteriormente, ou que tivessem ocorrido fenómenos geológicos ou outros como sismos que levaram à debilitação da tubagem e à respetiva cedência/ruptura, ou que ocorreu intervenções de terceiros ou de algum dos condóminos que ocasionaram a ruptura.
A detecção da ruptura não é sinónimo da sua causa: o “condomínio” foi quem detectou e mandou reparar mas, não demonstrou que não teve culpa ou que a culpa é de terceiros, ou que a ruptura ocorreria na mesma.
Enfim, a esta vista, somos a entender que não foi ilidida a presunção de culpa da administração do condomínio e, por consequência, deste.

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3.3.3 - Não foi alegada a causa da ruptura da conduta dos esgotos.
Parece o réu entender que não pode ser responsabilizado pela reparação dos danos decorrentes da ruptura da prumada geral dos esgotos porque os autores não alegaram a causa da ruptura da conduta.
Pois bem, de um modo simples, dir-se-á que o réu não tem a mínima razão quando pretende livrar-se da responsabilidade pelos danos por não terem os autores invocado a concreta causa da ruptura. Bastará invocar a decisão do STJ, de 14/09/2010 (Salazar Casanova) acima referida e que ora se repete:
I- Se o autor prova que as águas que inundaram e danificaram o seu apartamento provieram do interior do apartamento dos réus, mostra-se preenchido o ónus da prova (art.º 342.º do CC) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância dos réus (art.º 493.º, n.º 1, do CC), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) da inundação (uma eventual ruptura da canalização, uma torneira deixada a correr por mera incúria ou distracção, etc.).
Ou seja, os autores não tinham de alegar a concreta causa da ruptura da tubagem de esgotos.
Sem necessidade de outros argumentos, conclui-se não ter razão o réu ao pretender desonerar-se da culpa que sobre ele recai.

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3.3.4- A sentença não teve em consideração que os autores já receberam 10.065,85€ por conta da indemnização orçamentada em 45.998,66.
Invoca o réu que a sentença deve ser alterada porque não teve em consideração o facto provado em 24: os autores receberam 10.065,85€ por transferências bancárias pagos pelas seguradoras como ressarcimento parcial dos danos.
Pois bem, afigura-se-nos que, neste aspecto, o réu tem razão.
Na verdade, logo na petição inicial os autores alegaram: que o valor necessário à reparação dos danos na fracção é de 45.998,66€ (orçamento sob documento 34), mais 1.217,70€ (orçamento sob o nº 34, correspondente aos sofás e lava-louça), num total de 47.216,36€ (ponto 38 da p.i.). E que a esse valor deve ser deduzida a quantia correspondente à sua permilagem de17%ºº, que montará a 802,68€ (ponto 39 da p.i.), bem como a quantia de 10.065,85€ já recebidos por transferências bancárias de algumas seguradoras (ponto 40 da p.i.). Daí, terem formulado o pedido de condenação do réu em 36.347,83€. Trata-se de operação aritmética simples.
Porém, a sentença condenou o réu no pagamento de 45.998,66€ (correspondente ao valor do orçamento – doc. 34 – relativo a materiais necessários e mão de obra) e na quantia de 1.217,70€ de móveis (sofás e lava-loiça).
Claramente, a sentença omitiu a dedução dos 10.065,85€ que os próprios autores afirmam já terem recebido, bem como omitiu o valor correspondente à permilagem de 17%ºº que lhes cabe suportar.
Por outro lado, importa ter presente a ampliação do pedido. Por ele, os autores pretendem a actualização dos custos para reparação, que se mostram desactualizados, designadamente por força da inflação e, formularam um pedido de 63.332,57€.
Quanto a este aspecto, a sentença limitou-se a determinar que os custos de materiais e mão de obra necessários à reparação – referindo-se, implicitamente, aos pontos 7 e 15 dos factos provados - seriam actualizados de acordo com a inflação, ocorrida entre Outubro de 2018 e Abril de 2024 a “liquidar em execução de sentença”; e, além disso, mandou acrescer juros de mora à taxa de 4%.
Uma primeira nota para referir que a condenação não pode ser, simultaneamente, em quantia a actualizar de acordo com a inflação, a liquidar posteriormente e, simultaneamente, actualizada em juros de mora à taxa legal, desde a citação. Na verdade, basta atentar no que determina o art.º 805º nº 3 do CC: se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido (in iliquidis non fit mora).
Assim sendo, importa alterar a sentença, em termos de condenar o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo coma inflação, entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63.332,57€, descontando os valores de: i)- 10.065,85€ já recebido pelos autores; e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%ºº a suportar pelos autores.
Neste aspecto, o recurso procede parcialmente.

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III-DECISÃO

Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a sentença sob impugnação e condenam o réu a pagar aos autores a quantia correspondente ao valor/custo dos materiais e mão de obra necessários à reparação da fracção, discriminados nos pontos 7 e 15 dos factos provados, actualizados de acordo coma inflação entre Outubro de 2018 e Abril de 2024, a liquidar posteriormente, até ao limite de 63 332,57€, descontando os valores de: i)- 10 065,85€ já recebido pelos autores e, ii)- o valor correspondente à permilagem de 17%ºº a suportar pelos autores.

Custas: pelos autores e pelo réu, na proporção do decaimento, a apurar posteriormente.

Lisboa, 23/01/2025
Adeodato Brotas
Vera Antunes
Eduardo Petersen Silva