I - Apesar de a lei não estabelecer para os impedimentos, ao contrário do que sucede com a recusa e a escusa, qualquer marco processual limite para o requerimento da respetiva declaração, admitindo-a em qualquer estado do processo, ela não deixa, coerentemente com a sua própria natureza e finalidades, de fixar um limite temporal para formulação desse requerimento, como resulta indiscutível da expressão “logo que [os sujeitos processuais antes referidos] sejam admitidos a intervir no processo” constante do artigo 41º, n.º 2, do CPP, no sentido de o impedimento ser deles já conhecido ou cognoscível, prevenindo qualquer estratégia processual oportunista e desleal, entorpecedora da normal tramitação do processo e da eficácia das decisões nele proferidas, sob pena de a justiça ficar refém dessas mesmas estratégias, quer os sujeitos processuais às mesmas sejam ou não avessos.
II - Na ausência de um prazo especial estabelecido nessa norma, o prazo aplicável para o exercício legítimo e admissível desse direito de requerer o impedimento do juiz reconhecido aos referidos sujeitos processuais é o prazo geral de 10 dias previsto no artigo 105º, n.º 1, do CPP, para a prática dos atos processuais.
III - Assim sendo, considerando que os recorrentes conheciam a composição da formação colegial dos juízes desembargadores incumbidos do julgamento dos recursos por eles interpostos, pelo menos, desde o dia 14 de março de 2024, quando se presume ter-lhes sido notificado o despacho do Juiz Desembargador relator de 11 de março de 2024, o prazo de 10 dias para requererem a declaração do respetivo impedimento, descontado o período de férias judicias de Páscoa intercorrente, esgotou-se no dia 2 de abril de 2024, podendo, nos termos dos artigos 104º, 107º, n.º 5, e 107º-A do CPP, por referência aos artigos 138º e 139º do CPC, estender-se até ao dia 5 desse mesmo mês e ano.
IV - Em consequência, tendo formulado o requerimento de declaração de impedimento apenas em 11 de abril de 2024, apreciado e negado pelo referido despacho do Juiz Desembargador relator, de 14 de abril de 2024, ora recorrido, forçoso é concluir que o mesmo foi apresentado fora de prazo, sendo, portanto, intempestivo e, obstativo do conhecimento do recurso.
(Impedimento)
Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. AA e BB, arguidos e recorrentes no processo de recurso penal n.º 1325/19.7PFLRS.L2, da ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), inconformados com o despacho de ........2024, nele proferido pelo Juiz Desembargador Relator, CC, que não reconheceu o impedimento por eles oposto a esse mesmo juiz e à Juíza Desembargadora 1ª Adjunta, DD, para o conhecimento dos recursos interlocutórios e do acórdão de ........2023, proferido pelo Juízo Central Criminal de Loures (JCCLRS) –..., que foi efetivamente julgado pelo acórdão do TRL, proferido no mesmo processo, em ........2024 e por ambos subscrito, dele interpuseram recurso, em ........2024, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), apresentando as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«V – Conclusões
OBJETO DO RECURSO
1 – O presente recurso adstringe-se ao despacho proferido em .../.../2024, que indeferiu um requerimento no contexto do qual se solicitou que fosse reconhecida a existência do impedimento previsto no artigo 40.º, alínea d), relativamente aos Juízes-Desembargadores CC e DD, para o conhecimento dos recursos interpostos (dos interlocutórios e do recurso da decisão final)
FACTICIDADE RELEVANTE
2 – De seguida, foi descrita a facticidade relevante para o caso ad rem, com a descrição do despacho que versou sobre o mencionado pedido de declaração de impedimento, que aqui se dá por reproduzido.
3 – Para uma adequada e total compreensão da questão controvertida, foi recortada a tramitação processual que se mostra aqui prevalecente.
4 – Por Acórdão prolatado nos autos, em .../.../2021, os arguidos, AA e EE, foram condenados pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, do Regime das Armas, nas penas de 5 anos e 3 meses de prisão e 5 anos e 9 meses de prisão.
5 – Os arguidos recorreram ambos da supradita decisão, que pôs termo à causa.
6 – Nos presentes autos, em .../.../2021, o arguido AA havia também interposto um recurso interlocutório.
7 – No recurso da decisão final, o arguido AA manteve o interesse na apreciação do citado recurso interlocutório.
8 – O recurso em pauta foi distribuído ao Tribunal da Relação de Lisboa, 3.ª Secção (Processo n.º 1325/19.7...).
9 – No contorno do indigitado recurso, em .../.../2021, a Relação de Lisboa proferiu o pertinente Acórdão, que versou sobre o mérito da causa, ou seja, sobre o objeto do processo, cujo dispositivo foi o seguinte:
“IV – Dispositivo
Por todo o exposto, acorda-se nesta 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e condenar:
1 – O arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
2 – O arguido EE, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
No mais, manter na íntegra (incluindo as penas) a douta decisão recorrida.”
10 – O Acórdão da Relação de Lisboa de .../.../2021 foi subscrito pelos Juízes-Desembargadores CC (Relator) e DD (1.ª Adjunta).
11 – Porém, o referido Acórdão foi totalmente omisso pelo tocante à apreciação do sobrecitado recurso interlocutório.
12 – Diante disso, o arguido AA invocou a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia.
13 – No consectário, em .../.../2022, a Relação de Lisboa, constituída pelos mesmos Juízes Desembargadores (FF e DD) outorgando parcialmente razão ao arguido/recorrente, decidiu o seguinte:
“Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a ... secção deste Tribunal:
i. Em julgar nulo o acórdão proferido por este Tribunal em ........2021 (refª citius ...) por omissão de pronúncia;
ii. Negar provimento ao requerido impedimento dos juízes que o mesmo subscreveram;
iii. Julgar procedente o recurso interlocutório interposto em ... de ... de 2021 pelo arguido AA e, em consequência:
a. Anular o despacho recorrido por violação do disposto no artº 340º nº 1 do C.P.P.;
b. Anular o acórdão final proferido em 1ª instância;
c. Determinar a reabertura da audiência.
d. Determina que o Tribunal a quo admita as diligências de prova requeridas pelo arguido, referentes ao exame no local e à reconstituição do facto; e que, após, seja prolatado novo Acórdão de acordo com a prova produzida.
iv. Consequentemente determina-se o reenvio do processo para 1ª instância devendo o mesmo ser julgado pelo mesmo colectivo de juízes.”
14 – Em conformidade, o processo foi, então, remetido à 1.ª instância.
15 – Na 1.ª instância, foram feitas as diligências de prova em foco, conquanto, na perspetiva do arguido, não o tenham sido com observância da determinação superior – de sorte que, pelo anunciado motivo, o arguido AA interpôs dois recursos interlocutórios, um em .../.../2023 e outro em .../.../2023.
16 – Por Acórdão exarado em .../.../2023, os arguidos, AA e EE, foram condenados (nos mesmos termos do Acórdão de .../.../2021), pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, com a agravação prevista no artigo 86.º, n.º 3, do Regime das Armas, respetivamente, nas penas de 5 anos e 3 meses de prisão e 5 anos e 9 meses de prisão.
17 – A reportada decisão reproduziu na totalidade, com um pequeno aditamento, conexo com as diligências, entretanto, realizadas, o teor do Acórdão de .../.../2021, anulado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
18 – Os arguidos recorreram ambos da citada decisão, que pôs termo à causa, e requereram a realização da audiência, e o arguido AA manteve ainda o interesse na apreciação dos mencionados recursos interlocutórios.
19 – O recurso em tela foi distribuído ao Tribunal da Relação de Lisboa, ... Secção (Processo n.º 1325/19.7...).
20 – Em .../.../2024, a Relação de Lisboa lavrou o competente Acórdão, que incidiu sobre os dois recursos interlocutórios e sobre o mérito da causa.
No dispositivo, firmou-se aí o seguinte:
“IV – Dispositivo
Por todo o exposto, acorda-se nesta... secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e:
1 - Indeferir a realização de audiência de julgamento;
2 – Julgar improcedentes ambos os recursos interlocutórios;
3 - Condenar:
a) O arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
b – O arguido EE, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
No mais, manter na íntegra (incluindo as penas) a douta decisão recorrida.”
21 – O Acórdão da Relação de Lisboa de .../.../2024 foi subscrito pelos Juízes-Desembargadores CC (Relator), DD (1.ª Adjunta) e GG (2.ª Adjunta).
22 – O sinalizado aresto reiterou na sua completude (ad litteram ou ipsis verbis), afora as questões relacionadas com os recursos interlocutórios e de exíguos acrescentos, o conteúdo do referenciado Acórdão, da mesma Relação, de .../.../2021, que posteriormente foi jugado nulo, por omissão de pronúncia.
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
23 – Relativamente ao recorte adjetivo, fez-se um excurso, com alusão ao seguinte: ao princípio do juiz natural; ao afastamento do juiz natural; e ao adjetivado no artigo 40.º, alínea d).
24 – O punctum saliens/cerne do presente recurso correlaciona-se unicamente com a exegese do artigo 40.º, alínea d).
25 – Após, foi transcrita/extratada doutrina respeitante a essa matéria, da autoria de HH, II e JJ/KK. No perímetro jurisprudencial, citou-se o Acórdão da Relação de Évora de .../.../2009.
26 – No caso em tabela, os arguidos entendem, reversamente à inteleção do Venerando Desembargador-Relator, que ocorre o sobredito impedimento, prevenido no artigo 40.º, alínea d). Na verdade, os Juízes-Desembargadores CC (Relator) e DD (1.ª Adjunta) intervieram, nas indicadas qualidades, na esfera dos Acórdãos de .../.../2021 e de .../.../2024, proferidos pela Relação de Lisboa no âmbito deste processo.
27 – Ambos os Acórdãos conheceram, a final, do mérito da causa, sc., do objeto do processo.
28 – A singularidade de o Acórdão de ... de ... de 2021 ter sido, entretanto, anulado, na sequência da invocação e solicitação feita pelo arguido, com fundamento na omissão de pronúncia, não subverte nem prejudica, de nenhuma forma, o pretextado impedimento.
29 – De um lado, a nulidade do Acórdão correlacionou-se unicamente com a omissão de pronúncia pelo que tange ao recurso interlocutório – e não no que afeta ao teor do Acórdão imbricado com o mérito da causa.
30 – De outro lado, os referidos dois Juízes, que conheceram do objeto do processo no domínio do Acórdão de .../.../2021, já se mostravam, por essa razão, comprometidos com o sentido da decisão aí prolatada, por efeito do pertinente desfecho, de sorte que era objetivamente razoável, em articulação com a ratio do predito normativo, que tal contextura tivesse inteira idoneidade para criar o risco de algum prejuízo ou preconceito relativamente à matéria a apreciar, por forma a suscitar dúvidas, legitimamente fundadas, sobre a respetiva imparcialidade
31 – E tal comprometimento foi, na realidade, totalmente ratificado, com a prolação do Acórdão de .../.../2024, que repetiu, em formato verbo ad verbum, tirante pequenas especificidades inteiramente residuais, o teor do Acórdão proferido em .../.../2021.
32 – Após, foram arrostados alguns extratos do despacho impugnado, com as consequentes objeções. Em assimetria com o perfilhado pelo Venerando Desembargador-Relator, não corresponde à verdade: * que a presente fase processual seja a mesma; e * que os juízes que subscreveram o acórdão proferido em .../.../2024, nunca antes se debruçaram sobre a questão.
33 – Impende não preterir que, por efeito do decidido no Acórdão da Relação de .../.../2022, o processo retornou à fase de julgamento e que, teoricamente, de acordo com a decisão, podia jamais voltar à fase de recurso.
34 – Ocorre que os arguidos, irresignados com a decisão, entretanto, prolatada, interpuseram novamente recurso – surgiu, então, por esse itinerário, uma nova fase processual de recurso.
35 – Não é, pois, acertado afirmar que se trata da mesma fase processual.
36 – Acresce que os dois juízes que subscreveram o acórdão proferido em .../.../2024, cujo impedimento se requestou, já se haviam pronunciado verdadeiramente sobre o mérito da causa/o objeto do processo na contextura do Acórdão exarado em .../.../2021.
37 – Tal aconteceu em resultado de uma entorse da tramitação correspondente ao conhecimento dos dois recursos interpostos (o interlocutório e o da decisão final), em que, por transposição, se conheceu o segundo recurso sem o prévio conhecimento do primeiro – o certo é que se conheceu aí do mérito da causa.
38 – O objeto do processo sobre o qual incidiu o Acórdão de .../.../2024, emergente do novo recurso interposto, é exatamente o mesmo do anterior Acórdão.
39 – É inconexo e desarrazoado arguir uma ínfima excrescência, sem nenhuma potencialidade subversiva, como o faz o Venerando Desembargador-Relator, para se declarar que a matéria factual apreciada num Acórdão não é a mesma que foi apreciada no anterior – pela sua impressividade e translucidez, basta ler os dois Acórdãos, para se concluir pela atinente mesmidade ou identidade.
40 – Dando expressão a um provérbio sumamente conhecido, a verdade é como o azeite: vem sempre ao de cima. Isso para ilustrar que o Venerando Desembargador-Relator, na sua dialética argumentativa, acaba por se emaranhar/ilaquear totalmente, quando, afinal, reconhece o seguinte: “O que os recorrentes não podem esperar é que perante a uma mesma situação factual existam decisões diferentes.”
41 – Em jeito sinótico: não assiste razão ao Venerando Desembargador-Relator pelo tocante ao indeferimento da declaração de impedimento.
42 – Ao indeferir o requerimento de impedimento, nos termos em que o fez, o Venerando Desembargador-Relator violou o disposto no artigo 40.º, alínea d).
EFEITOS
43 – Ao abrigo do preceituado no artigo 41.º, n.º 3, declarado o apropositado impedimento, concernente aos Juízes-Desembargadores CC e DD, deve ser declarado nulo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de .../.../2024.
44 – Após, o processo deve ser objeto de redistribuição para a apreciação dos recursos, com vista à prolação de outro Acórdão, em que não intervenham os Venerandos Juízes-Desembargadores que intervieram nos mencionados Acórdãos de .../.../2021 e de .../.../2024.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso; por via dele, atendendo à denegação ilegítima do pedido de impedimento, torna-se necessário, para a sanação do vício, firmar o seguinte:
i) - declarar/reconhecer a existência do impedimento previsto no artigo 40.º, alínea d), relativamente aos Juízes-Desembargadores CC e DD, para o conhecimento dos recursos interpostos (dos interlocutórios e do recurso da decisão final);
ii) - declarar a nulidade do Acórdão proferido em .../.../2024, nos termos artigo 41.º, n.º 3; e
iii) - determinar que o processo seja objeto de redistribuição para a apreciação dos sobreditos recursos, a fim de ser prolatado outro Acórdão, em que não intervenham os Venerandos Juízes-Desembargadores que intervieram nos Acórdãos de .../.../2021 e de .../.../2024.
Dessa forma, será feita a costumada JUSTIÇA.
O Advogado (…)».
2. O recurso foi admitido por despacho do Juiz Desembargador relator, de ........2024, para subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
3. O Ministério Público junto do TRL, respondeu, em ........2024, ao recurso dos arguidos, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):
«(…) III) CONCLUSÕES
1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Doravante TRL), datado de .../.../2021 – Referência: ... – foi deliberado conceder provimento parcial a recurso e condenar:
(…)
1 – O arguido AA, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
2 – O arguido EE, pela prática, em co-autoria material, de um crime de homicídio, na forma tentada, previsto e punido pelos arts. 131º, 22º e 23º, todos do Código Penal, com a agravação prevista no art. 86º, n.º 3 do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23-02, na redacção da Lei n.º 50/2019, de 24-07;
No mais, manter na íntegra (incluindo as penas) a douta decisão recorrida. (…)
2. Por acórdão do TRL, datado de .../.../2022 – Referência: ... –proferido nestes autos foi julgado nulo o acórdão proferido em .../.../2021– Referência: ... – por omissão de pronúncia;
3. O acórdão aludido em 2., deliberou, ainda:
(…)
ii. Negar provimento ao requerido impedimento dos juízes que o mesmo subscreveram;
iii. Julgar procedente o recurso interlocutório interposto em ... de ... de 2021 pelo arguido AA e, em consequência:
a. Anular o despacho recorrido por violação do disposto no artº 340º nº 1 do C.P.P.;
b. Anular o acórdão final proferido em 1ª instância;
c. Determinar a reabertura da audiência.
d. Determina que o Tribunal a quo admita as diligências de prova requeridas pelo arguido, referentes ao exame no local e à reconstituição do facto; e que, após, seja prolatado novo Acórdão de acordo com a prova produzida.
iv. Consequentemente determina-se o reenvio do processo para 1ª instância devendo o mesmo ser julgado pelo mesmo colectivo de juízes.
(…)
4. Por acórdão da 1ª instância, datado de .../.../2023 – Referência: ... – os arguidos AA e EE foram condenados – nos mesmos termos do Acórdão de .../.../2021 – Referência: ... – pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Arts. 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, alínea e), 22º, 23º e 73º, todos do C. Penal, com a agravação prevista no Art. 86º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 50/2019, de 24-07, respetivamente, na penas de 5 anos e 3 meses de prisão e 5 anos e 9 meses de prisão.
5. Por acórdão do TRL, datado de .../.../2024 –Referência: ...–além do mais, foi mantido na integra o acórdão aludido em 4. .
6. Por decisão judicial, datada de .../.../2024 – Referência: ... – foi indeferido o pedido formulado no sentido do tribunal declarar/reconhecer a existência do impedimento previsto no Art. 40º, alínea d), do C. P. Penal, relativamente aos Srs. Juízes-Desembargadores CC e DD para o conhecimento dos recursos interpostos – interlocutórios e da decisão final –.
7. Argumentam os recorrentes que os Srs. Juízes-Desembargadores CC e DD, por força do disposto no Art. 40º alínea d) supra referido, estão impedidos de intervir na elaboração do acórdão de .../.../2024, uma vez que tiveram intervenção na elaboração do acórdão de .../.../2021.
8. Como bem se assinala na decisão recorrida “…os juízes que subscreveram o acórdão proferido em ........2024, nunca antes se debruçaram sobre a questão.” (sic), sendo que para existir impedimento a matéria factual e probatória apreciada, no âmbito do acórdão prolatado em .../.../2021, teria de ser a mesma, o que manifestamente, não é o caso.
9. Com efeito, a diferença, ao nível matéria factual e probatória, entre um e o outro acórdão é inegável.
10. No acórdão, datado de .../.../2021, (referido em II) 1), não foram consideradas as diligências de prova que o arguido AA requereu e que eram devidas, razão pela qual lhe foi dado provimento parcial a recurso, através do acórdão referido em II) 2) e 3), tendo este determinado, além do mais, ao tribunal “a quo” a admissão das diligências de prova requeridas pelo arguido, referentes ao exame no local e à reconstituição do facto; e que, após, fosse prolatado novo acórdão em conformidade com a prova produzida, o que foi feito, conforme acórdão aludido em II) 4).
11. O acórdão, datado de .../.../2024, (referido em II) 5), manifestamente, apreciou matéria probatória substancialmente diferente/diversa pelo que não se mostra violado o Art. 40º alínea d) do C. P. Penal.
12. Independentemente de tal evidencia/constatação cumprirá relembrar, ainda, que, como se deixou exarado em sede de I) QUESTÃO PRÉVIA, o arguido AA, ora recorrente, não recorreu do segmento decisório, sob o ponto “.. ii ..”, do acórdão datado de .../.../2022, (referido em II 2) e 3)), razão pela qual transitou em julgado e em consequência, nessa parte, a apreciação do recurso se mostra prejudicada.
13. Podemos compreender o inconformismo dos recorrentes perante as sucessivas decisões proferidas pelo TRL, que mantiveram as penas de prisão impostas.
14. Porém, daí a considerar que a decisão judicial objeto de recurso padece de violação de lei e o acórdão, datado de .../.../2024, de nulidade afigura-se-nos, salvo o devido respeito, manifestamente, infundado e inconsequente.
15. E o certo é que concatenando todos os elementos factuais e de prova produzidos outras não podiam ser as decisões judiciais a proferir, por parte do TRL, respetivamente, em .../.../2024 e em .../.../2024 de confirmação da condenação dos recorrentes e de indeferimento do pedido de declaração de impedimento.
16. O TRL fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, dos Arts. 40º alínea d) e 41º do C. P. Penal.
17. As decisões judiciais em referência devem ser mantidas nos seus precisos termos e o recurso deve, pois, ser considerado improcedente.
Se, porém, outro, for o Juízo de V.ª s Ex. ª s, por certo, farão JUSTIÇA
(…)»
4. Neste Tribunal, o Ministério Público, em ........2024, emitiu fundamentado parecer, que rematou com a seguinte síntese conclusiva:
«(…) Em conclusão:
- Não se verifica impedimento dos Senhores juízes Desembargadores que proferiram nos autos o acórdão de ........2024, que fixou a condenação dos arguidos/recorrentes, constituindo decisão final;
- Decisão final acerca do objeto do processo que não se verificou nas anteriores decisões proferidas pelo mesmo coletivo (ou parte do mesmo);
- Decisões anteriores que nem se debruçaram acerca de toda a matéria apreciada na decisão final;
- Donde que não se mostra preenchida, em termos de impedimento, a previsão do artº 40º, nº 1, al. d), do Código de Processo Penal;
- Sendo que, mesmo a existir tal impedimento – o que não sucede – já não poderia ser requerida a respetiva declaração, nos moldes do artº 41º, nº 2, do CPP, por ultrapassado o prazo geral de 10 dias contados da data em que inicialmente os arguido/recorrentes tiveram conhecimento da situação de facto;
- Pois que – sob pena de se permitir a violação do princípio da boa fé processual e atuação com reserva mental – não se pode admitir que qualquer interveniente processual apenas invoque o vício se e quando a decisão lhe seja desfavorável.
-- Termos em que é parecer do Ministério Público que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, não se concluindo no pretendido sentido da verificação de nulidade decorrente da invocada – mas inexistente - intervenção de magistrados impedidos.
(…)».
5. Observado o contraditório, os arguidos, por requerimento de ........2024, responderam ao parecer do Ministério Público, dele divergindo e mantendo a posição expressa no seu recurso.
6. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso
1. Considerando a motivação e conclusões do recurso, as quais, como é pacífico, delimitam o respetivo objeto1, a questão nele colocada cinge-se:
a) à verificação do impedimento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 40º do CPP dos Juízes Desembargadores relator e 1ª adjunta subscritores do acórdão de ........2024, proferido no processo n.º 1325/19.7..., pendente na...Secção do TRL, e sua consequente nulidade, nos termos do artigo 41º, n.º 3, do mesmo diploma legal.
2. antes dela, porém, deverão apreciar-se as questões prévias do caso julgado do impedimento requerido e/ou da sua intempestividade, ambas obstativas do conhecimento do recurso, suscitadas na resposta e no parecer apresentados pelo Ministério Público no TRL e no STJ.
III. Fundamentação
1. Factos
Dos elementos constantes destes autos e da consulta da representação eletrónica do processo principal extrai-se, com interesse para a decisão, o seguinte:
a) por acórdão proferido em ........2021, no... do JCCLRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, foram os recorrentes AA e BB condenados, respetivamente, nas penas de 5 anos e 3 meses e de 5 anos e 9 meses de prisão, pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. p. pelos artigos 131º, 132º, nºs. 1 e 2, al. b), 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal (CP), com a agravação prevista no artigo 86º, n.º 3, do Novo Regime Jurídico das Armas e suas Munições (NRJAM), aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02;
b) inconformados com o acórdão proferido, recorreram para o TRL, o qual, por acórdão de ........2021, subscrito pelo Juiz Desembargador relator, CC, e pela Juíza Desembargadora 1ª adjunta, DD, julgou o recurso apresentado parcialmente procedente, desqualificando o crime de homicídio e mantendo o acórdão recorrido em tudo o mais;
c) o recorrente AA arguiu a nulidade do acórdão do TRL referido na alínea anterior, por omissão de pronúncia quanto a um recurso interlocutório oportunamente interposto, nos termos dos artigos 379º, n.º 1, al. c), e 425º, n.º 4, do CPP, e a declaração de impedimento dos Juízes Desembargadores subscritores para o conhecimento desse recurso interlocutório e, não sendo a respetiva decisão prejudicial do seu conhecimento, também do “concernente ao objeto/mérito da causa”;
d) por acórdão do TRL subscrito pelos mencionados Juízes Desembargadores, de ........2022, foi reconhecida e declarada a arguida nulidade, improcedente a requerida declaração de impedimento dos Juízes Desembargadores subscritores e conhecido o recurso interlocutório antes omitido;
e) recurso interlocutório sobre o qual o referido acórdão decidiu:
«(…) iii. Julgar procedente o recurso interlocutório interposto em ... de ... de 2021 pelo arguido AA e, em consequência:
a. Anular o despacho recorrido por violação do disposto no artº 340º nº 1 do C.P.P.;
b. Anular o acórdão final proferido em 1ª instância;
c. Determinar a reabertura da audiência.
d. Determina que o Tribunal a quo admita as diligências de prova requeridas pelo arguido, referentes ao exame no local e à reconstituição do facto; e que, após, seja prolatado novo Acórdão de acordo com a prova produzida.
iv. Consequentemente determina-se o reenvio do processo para 1ª instância devendo o mesmo ser julgado pelo mesmo colectivo de juízes (…)».
f) na sequência do assim decidido e na ausência de qualquer impugnação, o processo baixou à 1ª instância – ...do JCCLRS – onde, cumpridas as determinações do TRL, foi proferido novo acórdão, em ........2023, que manteve a condenação dos arguidos nos mesmos termos do anteriormente prolatado nesse mesmo juízo;
g) de novo inconformados, os arguidos AA e BB recorreram desse acórdão, em ........2023, para o TRL, admitido por despacho de ........2024, após o que subiu a este Tribunal, juntamente com dois recursos interlocutórios antes interpostos e admitidos, no qual foram atribuídos/distribuídos à respetiva ... secção, com uma formação composta pelos antes referidos Juízes Desembargadores Relator e 1ª Adjunta e por uma 2ª juíza Desembargadora Adjunta, LL;
h) colhido o visto do Ministério Público, o Juiz Desembargador Relator, CC, em ........2024, proferiu despacho no qual, entre o mais, determinou o julgamento do(s) recurso(s) em conferência, para a sessão do dia ........2024, tendo os Desembargadores Presidente da secção e Adjuntas aposto os respetivos vistos no dia ........2024, despacho que foi notificado aos recorrentes na mesma data e na pessoa do respetivo mandatário, por via eletrónica;
i) a tal despacho reagiram os arguidos/recorrentes por requerimento do dia ........2024, pedindo fosse dada sem efeito a data designada para a conferência, apreciado o pedido de audiência oportunamente formulado nos termos do artigo 411º, n.º 5, do CPP, e que, oportunamente, fosse também conhecido o recurso interlocutório intentado em ........2023;
j) este requerimento foi apreciado por despacho do Juiz Desembargador Relator de ........2024, admitindo o recurso interlocutório nele referenciado e rejeitando o mais pedido;
k) no dia ........2024 teve lugar a conferência antes agendada, da qual resultou o acórdão da mesma data que indeferiu a realização da audiência, julgou improcedentes os recursos interlocutórios interpostos pelos recorrentes e concedeu parcial provimento ao recurso por eles interposto do acórdão proferido pelo JCCLRS em ........2023, condenando-os nos mesmos termos do acórdão referido em b), o qual lhes foi notificado na pessoa do respetivo mandatário por via eletrónica, no dia ........2024;
l) por requerimento de ........2024 os arguidos e recorrentes pediram que os referidos Juízes Desembargadores Relator e 1ª Adjunta se declarassem impedidos para intervir no julgamento dos recursos conhecidos no acórdão de ........2024, nos termos do artigo 40º, n.º 1, al. d), considerando a sua intervenção no acórdão de ........2021, referido na alínea b), e, em consequência, se declarasse a nulidade daquele último aresto, nos termos do artigo 41º, n.º 3, ambos do CPP, e o processo fosse redistribuído e os recursos julgados pela nova formação que dela resultasse com exclusão daqueles;
m) tal requerimento foi indeferido por despacho do Juiz Desembargador Relator, proferido no dia ........2024, do qual foi interposto pelos arguidos, em ........2024 , o recurso aqui em apreciação.
2. Direito
Dos factos enunciados resulta indiscutível que os recorrentes apresentaram o seu pedido de declaração de impedimento dos Juízes Desembargadores Relator e 1ª Adjunta por participação no processo, apenas no dia ... de ... de 2024.
E que, como os próprios admitem na resposta ao parecer do Ministério Público, a composição da formação colegial à qual fora atribuído/distribuído o processo para julgamento dos recursos interlocutórios e do acórdão proferido pelo JCCLRS em ........2023, era deles conhecida ou cognoscível, pelo menos, desde ... de ... de 2024, data em que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 111º, 113º, n.ºs 10 a 12, e 425º, n.º 6, do CPP, se presume consumada a sua notificação do despacho proferido pelo Juiz Desembargador Relator de ... de ... de 2024 a designar o dia ... mês e ano para realização da conferência destinada a julgar aqueles recursos, como vieram efetivamente a sê-lo, por acórdão nesse mesmo dia prolatado.
Impedimento cuja declaração já antes da prolação do acórdão de ........2022 havia sido requerida pelo recorrente AA e que, nesse mesmo aresto, foi apreciada e indeferida sem contestação.
Tais circunstâncias convocam as questões prévias do caso julgado e da tempestividade do pedido de declaração de impedimento, conforme, aliás, suscitadas na resposta ao recurso e parecer do Ministério Público acima parcialmente transcritos, cuja eventual procedência obstará ao conhecimento do recurso e, entre si, da que devesse ser conhecida em segundo lugar, por serem também reciprocamente prejudiciais.
Vejamos.
2. 1. O caso julgado
Na resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público no TRL vem suscitada a questão prejudicial do caso julgado quanto ao impedimento que agora constitui o objeto do recurso em apreciação, questão a que o parecer do Ministério Público neste STJ aderiu e deu continuidade.
E, com efeito, constituindo o caso julgado exceção dilatória de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576º a 578º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi do artigo 4º do CPP, e sendo ela a primeira das suscitadas com que, cronologicamente, nos confrontamos neste caso, impõe-se analisar se a mesma nele se verifica.
O caso julgado encontra-se definido no artigo 580º do CPC.
A sua verificação pressupõe a repetição da causa depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (n.º 1) e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (n.º 2).
Por sua vez, o artigo 581º do mesmo CPC estabelece que a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (n.º 1), havendo identidade dos sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica (n.º 2), do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Ora, como resulta dos factos relevantes acima enunciados, antes do pedido de declaração do impedimento agora em apreço, já o arguido e recorrente AA havia formulado no processo o impedimento dos mesmos Juízes Desembargadores Relator e 1ª Adjunta, nos termos constantes das alíneas b) a e) do ponto 1, pedido que foi desatendido no acórdão de ........2022, por eles subscrito no processo.
Acórdão que, não tendo sido impugnado mediante recurso ou arguição de nulidades ou irregularidades, transitou em julgado, nos termos e com os efeitos previstos nas disposições conjugadas dos artigos 580º. n.º 1, 613º e 619º a 621º do CPC.
O fundamento jurídico do pedido era o mesmo do agora sob apreciação, é dizer, a intervenção dos Juízes Desembargadores no acórdão de ........2021 e o impedimento estabelecido no artigo 40º, n.º 1, al. d), do CPP.
O efeito jurídico pretendido, por seu turno, era, no primeiro caso, o afastamento dos questionados Juízes Desembargadores do julgamento da nulidade arguida daquele primeiro acórdão e do consequente julgamento do recurso interlocutório nele omitido, sendo no presente caso o da nulidade do acórdão de ........2024, por ambos subscrito na mesma qualidade funcional, juntamente com um terceiro Desembargador sorteado para integrar a formação colegial imposta pelas alterações do CPP entretanto publicadas e entradas em vigor nesse âmbito (cfr. artigos 419º e 429º do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 13/2022, de 1.08).
E os sujeitos eram no primeiro caso, os referidos Juízes Desembargadores, o Ministério Público e o arguido AA, sendo neste os mesmos Juízes, o Ministério Público e os arguidos e recorrentes AA e BB.
Em suma, pese embora se possa afirmar uma identidade do fundamento jurídico de ambos os pedidos, o mesmo não ocorre com a identidade do efeito jurídico pretendido e, mais ainda, dos sujeitos processuais, que inexiste.
Em face do exposto, impõe-se concluir pela não verificação da exceção dilatória do caso julgado suscitada pelo Ministério Público.
2. 2. A intempestividade do pedido de declaração do impedimento
Improcedendo a anterior questão, justifica-se e impõe-se a apreciação da segunda questão prejudicial suscitada relacionada com a (in)tempestividade do pedido de declaração do impedimento dos Juízes Desembargadores Relator e 1ª Adjunta, cuja verificação constitui o objeto do recurso sub judice.
Como referido, o Ministério Público, no parecer emitido neste STJ, suscitou a questão prévia da intempestividade do requerimento de declaração do impedimento dos mencionados Juízes Desembargadores relator e 1ª adjunta, por ter sido apresentado para além do 10º dia posterior ao conhecimento pelos recorrentes da intervenção no processo daqueles mesmos Juízes Desembargadores, prazo geral para a prática dos atos processuais previsto no artigo 105º do CPP, que, à falta de previsão expressa de qualquer outro no artigo 41º, n.º 2, do mesmo diploma legal, considera o aplicável neste âmbito, em linha com o decidido no acórdão deste Tribunal, que cita e transcreve parcialmente, de 28.09.2011, proferido no processo n.º 5/05.5TELSB-L.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/nsf.jstj/.
Os recorrentes, por seu turno, sem contestar que tiveram ou podiam/deviam ter tido conhecimento da intervenção no processo daqueles Juízes Desembargadores, pelo menos em ... de ... de 2024, rebatem aquela posição, afirmando que a sua atuação foi leal e não orientada por razões estratégicas e eventualmente entorpecedoras da normal tramitação do processo, em função do que viesse a ser o sentido decisório do acórdão a proferir pelo TRL, tendo a intenção de requerer a declaração de impedimento na audiência que haviam requerido e por cuja realização pugnaram, entre o mais, no requerimento que apresentaram no dia ... de ... de 2024, em reação ao despacho do Juiz Desembargador Relator de ... de ... de 2024.
Apreciemos.
A jurisprudência e a doutrina convergem no sentido de que os impedimentos, a par da recusa e da escusa, pese embora se traduzam num sacrifício dos princípios constitucionais do juiz natural ou legal e da proibição do desaforamento, consagrados no artigo 32º, n.º 9, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos artigos 9º, n.º 1, do CPP e 39ºda LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.08, visam proteger um bem maior, qual seja o da garantia da imparcialidade do juiz e, por via dela, da independência dos tribunais e da confiança na função jurisdicional indispensável à realização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva através de um processo penal justo e equitativo, conforme estabelecido nos artigos 203º e 20º da CRP.
Os impedimentos, tal como previstos e taxativamente regulados nos artigos 39º a 42º, resultam de circunstâncias pessoais e objetivas atinentes às relações interpessoais, funcionais e profissionais do juiz, no e com o processo, suscetíveis de afetar, real ou aparentemente, a sua imparcialidade perante a causa em cujo julgamento deva intervir, mesmo quando a sua imparcialidade subjetiva não esteja em causa.
Por isso se trata de situações cuja verificação impõe ao juiz que, ex officio e imediatamente e em qualquer fase do processo, se declare impedido ou que, não o fazendo ele, a respetiva declaração seja requerida pelos demais sujeitos processuais, logo que admitidos a intervir no processo, se a circunstância impeditiva já existir, ou em ato subsequente à sua verificação, se for posterior2.
Como acima referido, o impedimento aqui em apreço inscreve-se no elenco dos decorrentes da intervenção dos Juízes Desembargadores relator e 1ª adjunta em momento anterior do processo, mais precisamente no acórdão de ... de ... de 2021, posteriormente anulado pelo de ........2022, mas que, segundo os requerentes e recorrentes não afeta a realidade objetiva de nele se ter conhecido, a final, do objeto do processo, por isso o integrando na previsão do artigo 40º, n.º 1, al. d), do CPP.
Como resulta dos factos relevantes acima enunciados, os juízes aos quais foi oposto o impedimento em apreço não o declararam oficiosamente, nem o reconheceram na sequência do requerimento apresentado pelos recorrentes nesse sentido, antes o rejeitando por despacho do Juiz Desembargador, de ... de ... de 2024, cujo âmbito e eficácia subjetiva só justificará discussão, como a própria verificação do impedimento oposto, no caso de improcedência da questão prejudicial sob apreciação.
Não o fizeram pelas razões expressas nesse mesmo despacho, as quais, aliás, se mostram em parte conformes a alguma jurisprudência deste STJ e do Tribunal Constitucional, que em casos semelhantes ao do presente, considerou não se verificar o impedimento que lhes veio a ser oposto pelos recorrentes, designadamente no acórdão do STJ, de 27.06.2012, proferido no processo n.º 127/10.0JABRG.G2.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, e no acórdão n.º 147/2011 do Tribunal Constitucional, de 22.03.2011, relatado pelo Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, acessível em https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20110147.html.
Por isso, vieram os recorrentes fazê-lo por requerimento apresentado no dia ... de ... de 2024.
Reconhecem que sabiam, pelo menos desde ... de ... de 2024, que os Juízes Desembargadores relator e 1ª adjunta a quem opuseram o referido impedimento integravam a formação à qual o processo e o conhecimento dos recursos nele interpostos tinha sido atribuídos/distribuídos na ... Secção do TRL, na sequência da notificação que nessa data se presume efetuada do despacho do Juiz Desembargador relator de ... de ... de 2024, a que reagiram por requerimento de ... de ... de 2024, sem lhes oporem qualquer impedimento.
Contrapõem, no entanto, à questão da intempestividade do requerimento de declaração de impedimento daqueles juízes suscitada pelo Ministério Público, que tinham intenção de o fazer na audiência de julgamento dos recursos que oportunamente haviam requerido e que naquele dia 16 relembraram e pediram tivesse lugar, dando-se sem efeito a data designada para a conferência, que se manteve e realizou no dia ... de ... de 2024, dela resultando o acórdão da mesma data que julgou parcialmente procedente o recurso da decisão condenatória do JCCLRS, desqualificando o crime de homicídio tentado, mas mantendo as penas de prisão que nele lhes haviam sido aplicadas.
Vieram então, no dia ... de ... de 2024 requerer a declaração de impedimento dos referidos juízes e consequente nulidade daquele acórdão, nos termos dos artigos 40º, n.º 1, al. d), e 41, n.ºs 2 e 3, do CPP, pretensões indeferidas por despacho do Juiz Desembargador relator, de ... de ... de 2024, ora recorrido.
Não cabendo aqui qualificar as opções de índole processual adotadas pelos recorrentes, cuja definição lhes cabe por inteiro, sob a orientação do seu defensor e mandatário, no exercício pleno do que alguns designam por “autodeterminação processual” dos sujeitos processuais, pouco importa aferir se os recorrentes atuaram ou não segundo uma estratégia definida em função do sentido decisório do acórdão recorrido.
Com efeito, apesar de a negação dessa estratégia parecer contrariada pela assumida intenção de virem a suscitar o impedimento nas alegações orais a produzir na audiência que haviam requerido, mas cuja realização se mostrava ainda incerta, tornando assim incompreensível a razão de ser do adiamento da formalização do pedido de declaração do impedimento, que já conheciam e se impunha impeditivo da intervenção dos juízes desembargadores em qualquer ato processual, sob pena de nulidade, o que aqui releva é a questão de saber se essa declaração deve ser requerida num determinado prazo após a sua verificação e conhecimento dos interessados e, em caso afirmativo, qual.
Ora, como se sustenta no parecer do Ministério Público, em sintonia com o decidido no acórdão suprarreferido relatado pelo Conselheiro Maia Costa e com a orientação sufragada pela maioria dos comentadores acima referenciados e jurisprudência por eles resenhada, a que se adere e aqui acolhe, apesar de a lei não estabelecer para os impedimentos, ao contrário do que sucede com a recusa e a escusa, qualquer marco processual limite para o requerimento da respetiva declaração, admitindo-a em qualquer estado do processo, ela não deixa, coerentemente com a sua própria natureza e finalidades, de fixar um limite temporal para formulação desse requerimento, como resulta indiscutível da expressão “logo que [os sujeitos processuais antes referidos] sejam admitidos a intervir no processo” constante do artigo 41º, n.º 2, do CPP, no sentido de o impedimento ser deles já conhecido ou cognoscível, prevenindo qualquer estratégia processual oportunista e desleal, entorpecedora da normal tramitação do processo e da eficácia das decisões nele proferidas, sob pena de a justiça ficar refém dessas mesmas estratégias, quer os sujeitos processuais às mesmas sejam ou não avessos.
E, como também maioritariamente consideram, com igual adesão e acolhimento no presente acórdão, na ausência de um prazo especial estabelecido nessa norma, o prazo aplicável para o exercício legítimo e admissível desse direito de requerer o impedimento do juiz reconhecido aos referidos sujeitos processuais é o prazo geral de 10 dias previsto no artigo 105º, n.º 1, do CPP, para a prática dos atos processuais.
Assim sendo, considerando que os recorrentes conheciam a composição da formação colegial dos juízes desembargadores incumbidos do julgamento dos recursos por eles interpostos na sequência do acórdão do JCCLRS de ........2023 e que dois deles já haviam tido intervenção no julgamento dos recursos anteriormente interpostos do primitivo acórdão desse mesmo Juízo.
E que essa composição, resultante da atribuição/distribuição realizada em ato público anterior, conforme imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 132º, 163º e 206º e ss. do CPC, e 86º e ss do CPP, e, por conseguinte, deles conhecida ou cognoscível desde esse ato, ou, pelo menos, desde o dia ... de ... de 2024, quando se presume ter-lhes sido notificado o despacho do Juiz Desembargador relator de ... de ... de 2024, o prazo de 10 dias para requererem a declaração do respetivo impedimento, descontado o período de férias judicias de Páscoa intercorrente, esgotou-se no dia ... de ... de 2024, podendo, nos termos dos artigos 104º, 107º, n.º 5, e 107º-A do CPP, por referência aos artigos 138º e 139º do CPC, estender-se até ao dia 5 desse mesmo mês e ano.
Em consequência, tendo formulado o requerimento de declaração de impedimento apenas em ... de ... de 2024, apreciado e negado pelo referido despacho do Juiz Desembargador relator, de ... de ... de 2024, ora recorrido, forçoso é concluir que o mesmo foi apresentado fora de prazo, sendo, portanto, intempestivo.
Assim sendo, apesar de ter sido admitido pelo TRL, uma vez que essa decisão não vincula o tribunal ad quem, o recurso em apreço não pode ser conhecido, antes devendo ser rejeitado, por intempestividade do requerimento que subjaz à decisão recorrida, por aplicação conjugada dos artigos 41º, n.º 2, 414º, n.ºs 2 e 3, 420º, n.ºs 1, al. b), 2 e 3, do CPP, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões acima enunciadas e afloradas.
IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, por intempestividade do requerimento subjacente ao despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC por cada um (cfr. artigos 513º e 524º do CPP e 1º, 2º e 7º, n.ºs 1 e 4, do RCP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa), a que acrescerá o pagamento por cada um de 3 (três) UC, nos termos do artigo 420º, n.º 3, do CPP.
Lisboa, d. s. certificada
(Processado pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos subscritores)
João Rato (Relator)
Vasques Osório (1º Adjunto)
Jorge Bravo (2º Adjunto)
____________
Tudo sem prejuízo, naturalmente, da necessária correlação e interdependência entre o corpo da motivação e as respetivas conclusões, não podendo nestas acrescentar-se o que não encontre arrimo naquele e sendo irrelevante e insuscetível de apreciação e decisão pelo tribunal de recurso qualquer questão aflorada no primeiro sem manifestação nas segundas, não podendo igualmente, salvo as de conhecimento oficioso, conhecer-se de questões novas não colocadas nem consideradas na decisão recorrida, como se afirmou no acórdão deste STJ, de 23.11.2023, proferido no processo n.º 687/23.6YRLSB.S1, relatado pelo Conselheiro Jorge Gonçalves, disponível no sítio https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/.↩︎
2. Para maiores desenvolvimentos, cfr. entre outros, anotações aos artigos 39º e ss. do CPP, in “Código de Processo Penal Comentado” de António Henriques Gaspar, et al., 3ª Edição Revista, Almedina, 2021, “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”.de António Gama, et al, 2ª Edição, Almedina, 2022, “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, org..[de] Paulo Pinto de Albuquerque, 5ª Edição, UCP Editora, 2023, e “Código de Processo Penal - Notas e Comentários”, de Vinício A. P. Ribeiro, 3ª Edição, QUID JURIS, 2020, e a vasta resenha jurisprudencial delas constantes.↩︎