ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário


1 – Numa situação em que à lesada, com 42 anos de idade à data do acidente (44 anos aquando da data de consolidação das lesões), foi atribuído um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos por força das lesões sofridas em acidente de viação, compatível com o exercício da atividade habitual de professora do ensino básico, mas a exigir a realização de esforços suplementares, que auferia uma remuneração líquida mensal de € 1.090,66, afigura-se ajustado o montante de € 180.000,00 fixado na 1ª instância para indemnizar as repercussões patrimoniais futuras do dano biológico.
2 – É de manter a indemnização no valor de € 100.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pela referida lesada, considerando as graves lesões sofridas, externas e internas, incluindo múltiplas fraturas, as 6 intervenções cirúrgicas a que se submeteu, os 292 dias em que esteve com um défice funcional temporário total, os 525 dias com um défice funcional temporário parcial, o longo período de internamento em hospitais ou casas de saúde para tratamentos e recuperação das lesões, cuja consolidação ocorreu a 25.06.2021 (acidente ocorrido a 01.04.2019), o quantum doloris de grau 6, numa escala de 1 a 7, o dano estético permanente de grau 5, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixada no grau 2, a repercussão permanente na atividade sexual de grau 2, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos, a circunstância de ter passado a depender regularmente, e até ao fim da vida, de medicação analgésica e antidepressiva, sem a qual a Autora não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária, a dependência regular, até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares e da utilização de tala anti-equino e de uma canadiana para se deslocar, a necessidade de futuramente se submeter a cirurgia para renovação da prótese total da anca, e a tristeza, a depressão e o desgosto que as lesões e respetivas lhe têm vindo a causar.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., SA, formulando os seguintes pedidos:

«A) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros) peticionada no pretérito artigo 124º, a título de danos morais;
B) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) peticionada no pretérito artigo 125º, a título de afirmação pessoal e sexual;
C) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 1.635,59 (mil, seiscentos e trinta e cinco euros e cinquenta e nove cêntimos) peticionada no pretérito artigo 132º, que o marido deixou de auferir durante o período de um mês que teve de deixar de trabalhar para efectuar o acompanhamento da mesma;
D) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora o montante que se vier a liquidar em execução de sentença e relativo aos salários a pagar à terceira pessoa, computados na quantia de € 500,00 (quinhentos euros) mensal, desde a data em que ocorreu o acidente até àquela em que a Autora possa exercer ela própria as lides de casa;
E) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) peticionada no pretérito artigo 151º, a título de incapacidade permanente;
F) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 32.469,15 (trinta e dois mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e quinze cêntimos) peticionada no pretérito artigo 152º, referente ao período que esteve com repercussão temporária na actividade profissional total, de 852 dias;
G) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) peticionada no pretérito artigo 153º, a título de dano estético;
H) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia global de € 420,95 (quatrocentos e vinte euros e noventa e cinco cêntimos) peticionada no pretérito artigo 154º, respeitante ao valor dos bens e objectos pessoais que se danificaram em sequência do acidente descrito nos presentes autos;
I) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora a quantia global de € 2.119,45 (dois mil, cento e dezanove euros e quarenta e cinco cêntimos) peticionada no pretérito artigo 155º, respeitante às despesas efectuadas na sequência do acidente descrito nos autos;
J) Deve a Ré ser condenada a pagar à Autora os montantes que se vierem a liquidar em execução de sentença, relativos às despesas com tratamentos, cirurgias, consultas, aquisição de medicação, sessões de fisioterapia, sessões de psiquiatria e de dor, nomeadamente acompanhamento médico pelas Especialidades de Psiquiatria, Ortopedia e Fisiatria, acompanhamento Psicoterapêutico, e em consulta de Dor Crónica, uso de medicação analgésica e anti-inflamatória (AINEs) nos períodos de agudização álgica e medicação do foro Psiquiátrico, tratamentos de Medicina Física e Reabilitação, revisão da Prótese Total da anca esquerda de que é portadora, veículo automóvel adaptado (caixa automática), extracção de material de osteossíntese de que ainda é portadora, ao nível do membro superior esquerdo e anca esquerda, que no futuro terá de realizar».
Para o efeito, alegou ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência do acidente de viação que descreve, consistente num embate entre o veículo ligeiro com a matrícula ..-..-MI, conduzido por BB e seguro pela Ré, e o veículo ligeiro com a matrícula ..-..-VC, conduzido pela Autora. Imputa a ocorrência do acidente à conduta do condutor do veículo de matrícula ..-..-MI, uma vez que, ao efetuar uma ultrapassagem a um veículo pesado, invadiu a faixa de rodagem contrária, por onde seguia o veículo conduzido pela Autora, embatendo frontalmente na frente deste.

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A Ré apresentou contestação, assumindo a responsabilidade pela verificação do acidente, mas impugnando parte dos factos relativos aos danos e os montantes indemnizatórios peticionados.
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1.2. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença, a julgar a ação parcialmente procedente e a condenar «a Ré a pagar à Autora a quantia global líquida de € 278.942,53, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 178.942,53, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 100.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que a Autora comprovar ter despendido, até ao fim da vida, com (i) medicação analgésica e antidepressiva, (ii) tratamentos médicos regulares, designadamente, de consultas de ortopedia, com frequência anual, de sessões de fisioterapia, com frequência semanal, e de hidroterapia, com frequência semanal, (iii) com uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas actividades da vida diária, e com uma tala anti-equino (que devem ser substituídas consoante o uso e desgaste), (iv) com a cirurgia para a renovação da prótese total da anca; e (v) com a adaptação/aquisição de um veículo automóvel com transmissão automática.»
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1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, aduzindo as seguintes conclusões:

«A) Da impugnação parcial da matéria de facto.
I. A decisão sobre a matéria de facto relativamente à alínea vvv) dos factos provados não foi a mais correcta, uma vez que a prova produzida (ou melhor, não) não consente, no entendimento da R., que aquela seja a boa decisão a esse propósito;
II. Na verdade, percebe-se facilmente da fundamentação da douta sentença a esse respeito - «(...) No que se refere às consequências patrimoniais do evento para a Autora, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas uuu) a www), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se na análise e subsequente valoração conjugada dos teores dos documentos juntos aos autos de fls. 247 a 283 (recibos de remunerações), 67v a 95v (recibos de pagamento de serviços e bens). (...)». (itálico nosso) – e bem assim do alegado pela A. nomeadamente em 138º do petitório e ainda dos docs. nºs. 14 e 15 que esta juntou (recibos de remuneração de Fevereiro e Março de 2019, apenas estes) aos autos que o rendimento médio líquido mensal da A. fixado na aquela alínea dos factos provados de € 1.143,28 (e subsequentemente a «extrapolação» que daí foi feita para um rendimento líquido anual de € 16.005,92) que aquele montante foi «achado» pura e simplesmente dividindo por 2 (€ 1.143,28 = € 1.169,56 + € 1.116,99 ÷ 2) o valor daqueles recibos;
III. Porém, analisados estes (e única prova carreada para os autos a este respeito pela A.), a conclusão tem de ser diversa, porquanto, sabido que apenas o rendimento líquido releva para estes efeitos (cfr., por todos, o ac. do STJ de 21.01.2021 (proc. nº 6705/14.1T8LRS.L1.S1; Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; consultável em www.dgsi.pt), então a conclusão a tirar não poderá ser outra que o rendimento líquido daqueles dois meses é antes de € 1.101,16 (Fevereiro de 2019) e de € 1.080,16 (Março de 2019), visto que importa, para lá de o subsídio de refeição não poder ser «acrescentado» ao rendimento, «descontar os montantes deduzidos para sindicatos, ADSE, CGA e IRS;
IV. Ora, seguindo idêntico raciocínio (assim parece, pelo menos) ao da douta sentença, o rendimento líquido médio mensal da A. seria inferior ao ali considerado, de € 1.090,66 (= € 1.101,16 + € 1.080,16 = € 2.181,32 ÷ 2) e o anual, líquido também, de 15.269,24 (= € 1.090,66 x 14 meses);
V. Assim, entende a R. que aquela alínea dos factos provados deve ser alterada, passando dela a constar o seguinte:
- provado que «A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.090,66.»

Posto isto,

B) Da discordância com a decisão de mérito.

B.1) Da indemnização arbitrada à A. pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que aquela A. ficou a padecer em consequência do sinistro dos autos.
VI. Atendendo ao raciocínio seguido pela sentença do Tribunal a quo no que respeita ao chamado dano biológico, e sendo evidente que um dos factores/pressupostos ponderado (para além da idade, da esperança média de vida e, naturalmente, do DFPIF-P) é, salvo o devido respeito, e como se viu da primeira parte deste recurso, um rendimento que não corresponde à realidade relativamente ao facto que deve constar como provado na alínea vvv), o rendimento líquido à data do sinistro e, logo, errado, então a conclusão não poderá ser outra que não seja a de que a indemnização de € 180.000,00 fixada a tal título está muito longe de ser a correcta e a justa;
VII. De resto, e apenas por mera curiosidade ou porventura até mais que isso, veja-se e compare-se que a A. peticionou o montante de € 200.000,00 a este título (vide artigos 148º e 151º da p. i.) e que a douta sentença arbitrou os tais € 180.000,00, embora, obviamente, se deva ainda observar que aquela pretensão formulada pela A. tinha por base mais 7 pontos de DFPIF-P (51 pontos) do que aqueles que os autos permitiram dar como provados (44 pontos);
VIII. Depois, não pode a ora apelante concordar com a circunstância de se ter considerado como horizonte temporal, particularmente para efeitos de cálculo, a esperança média de vida da A.;
IX. Com efeito, convirá não esquecer que a A. era e continua a ser funcionária pública (professora), pode continuar a exercer a sua profissão, embora com esforços acrescidos, e é altamente previsível que se mantenha nessa sua actividade profissional até à idade da reforma, sendo que, aí chegada, as sequelas de que padece não a afectarão negativamente do ponto de vista patrimonial e nem a A. terá de desenvolver esses esforços suplementares para obter o seu rendimento/pensão de reforma daí em diante;
X. Por isso, defende a apelante, vistas os «contornos» deste caso concreto, que é mais justo, adequado e equitativo que se tenha em consideração o limite da vida activa, comummente fixado nos 70 anos de idade e não já, como se fez na douta sentença, a esperança média de vida;
XI. Assim, vistos os dados relevantes e utilizando-se a fórmula de cálculo que nos parece mais simples do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, chegaríamos então ao seguinte resultado:
- € 1.090,66 x 14 meses = € 15.269,24 x 26 anos x 44 pontos (%) DFPIF-P = € 174.680,11;
XII. Contudo, como decorre de vária jurisprudência, importa atender à circunstância de a A. beneficiar da antecipação do pagamento/recebimento, o que, ainda que não «assumidamente», parece decorrer da douta sentença;
XIII. E essa redução (que, se bem percebe, a douta sentença considerou ser de pouco mais de 20%, feita a necessária proporção entre o valor resultante apenas do cálculo e o valor «final» decidido a este propósito) deverá ser da ordem dos 25% ou ¼;
XIV. Vale isto por dizer que, utilizando aquela fórmula de cálculo, o valor a considerar ascenderá a € 131.010,08 (€ 174.680,11 x ¼ = € 43.670,03; € 174.680,11 - € 43.670,03 = € 131.010,08), se se considerar a redução de 25%, ou a € 139.744,09 (= € 174.680,11 x 1/5 = € 34.936,02; € 174.680,11 - € 34.936,02 = € 139.744,09), se se atender a uma redução de 20%;
XV. Ora, vistos todos estes factores e ponderados (ainda que de forma meramente indicativa) vários «tipos» de cálculo, chega-se a um valor que se admite, temperado com o recurso à equidade, possa chegar a um máximo de € 135.000,00;
XVI. Várias são, aliás, as decisões jurisprudenciais (de que são exemplo o Acórdão do STJ de 29/10/2019 com o n° de processo 7614/15.2T8GMR.G1.S1, o Acórdão do STJ de 21/01/2016, proferido no processo 1021/11.3TBABT.E1.S1 e o Acórdão da Relação de Lisboa 11/11/2014, proferido no processo 987/11.9TBPDL.L) de que se extrai, com facilidade, e ainda que se refiram a DFPIF-P mais baixos que aquele da A., terem sido arbitradas indemnizações proporcionalmente muito inferiores àquela aqui arbitrada à A. a este título.
Finalmente,
B.2) Da indemnização arbitrada à A. a título de danos não patrimoniais.
XVII. Também no que concerne aos danos não patrimoniais, parece à R., vista designadamente e por comparação com decisões jurisprudenciais dos Tribunais Superiores (de que constituem exemplo os Acórdãos do S.T.J., datado de 23.02.2012 e proferido no âmbito do processo n. 31/05.4TAALQ.L2.S1 e da Relação de Lisboa de 11/11/2014, proferido no processo 2987/11.9TBPDL.L-71, mas também aquele recente do TRL de 23.01.2024 (proc. nº 11741/19.9T8LRS.L 1-7) e todos aqueles por este último citados), particularmente no que toca à gravidade das lesões/sequelas que, neste último caso, «versou» p. ex. sobre um DFPIF-P de 53 pontos e de alguém que jamais pôde exercer a sua profissão, que o montante arbitrado pela douta sentença de € 100.000,00 a este título peca, salvo o respeito devido, por manifestamente excessivo;
XVIII. Assim, feita a necessária comparação/proporção, é a R. de opinião que os danos não patrimoniais da A. devem ser fixados neste caso em não mais de € 65.000,00;
XIX. A sentença recorrida violou, salvo o devido respeito, o disposto nos artigos 342º, nº 1, 496.º, 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil, devendo ser revogada e alterada nos moldes defendidos nestas linhas.
Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio,
XX. Ademais, não parece que se possa/deva esquecer e deixar de fazer uma espécie de «análise de «conjunto», o mesmo é dizer que não pode deixar de se fazer a soma entre a verba respeitante ao dano patrimonial e aqueloutra referente ao dano não patrimonial para avaliar da justeza da decisão e do próprio uso da equidade da sentença (que se traduziu num total – que se entende ser exagerado - de 280.000,00€ a esses títulos);
XXI. De resto, e como sabido, os Tribunais superiores têm vindo a entender e decidir que o chamado dano biológico inclui, para além de uma vertente patrimonial, também uma perspectiva não patrimonial, o que vale por dizer que se corre o sério risco de se verificar, pelo menos numa parte, uma duplicação;
XXII. De sorte que, feita essa aproximação e também por aí, entende a R. que uma verba total correspondente à soma das parcelas antes avançadas de uma forma isolada, por assim dizer, ou seja, a quantia total de € 200.000,00 (= € 135.000,00 + € 65.000,00), mas sem prejuízo, naturalmente, da dedução que há a fazer de € 3.176,92 que a R. pagou à A., corresponde a uma indemnização/compensação à A. mais justa e adequada no caso concreto.»
*
A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questões a decidir

Nas conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a Recorrente suscita as seguintes questões:

i) Modificação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto vvv) dos factos provados;
ii) Diminuição do quantitativo da indemnização da vertente patrimonial do dano biológico para o valor de € 135.000,00;
iii) Diminuição do valor da compensação pelos danos não patrimoniais para o montante de € 65.000,00;
iv) Duplicação (sobreposição) de montantes indemnizatórios.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

«a) No dia 01 de Abril de 2019, cerca das 08:50 horas, na Estrada Nacional n.º ...3, Km 7,800, na freguesia ..., do concelho ..., ocorreu um acidente de viação;
b) No mesmo foram intervenientes o veículo automóvel matrícula ..-..-MI, propriedade de BB e pelo mesmo conduzido, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ..-..-VC, propriedade do marido da Autora, CC, e por esta conduzido;
c) A Autora conduzia o ..-..-VC na Avenida ...), no sentido ... – ... e dentro da sua mão de trânsito, faixa direita atento o sentido seguido;
d) Quando assim está, a Autora é surpreendida por um veículo, de matrícula ..-..-MI, conduzido por BB, que circulava em sentido contrário ao que a Autora circulava, ou seja, ... – ...;
e) O ..-..-MI ultrapassa um veículo pesado que seguia à sua frente e que circula no mesmo sentido;
f) Toma a faixa esquerda atento o mesmo sentido;
g) E vai embater frontalmente na frente do ..-..-VC;
h) O MI invade a faixa esquerda no preciso momento em que na mesma circulava o veículo conduzido pela Autora;
i) O embate deu-se precisamente na faixa direita atento o sentido seguido pelo ..-..-VC, sensivelmente a meio da mesma, local onde ficaram vestígios dos veículos, nomeadamente óleo e vidros;
j) A via, no local, tem 7 metros de largura, é betuminosa e estava em bom estado;
k) O tempo estava seco e a via estava seca e limpa;
l) Em consequência do embate a Autora sofreu fractura completa do ilíaco e acetábulo esquerdo com lesão neurológica do ciático ipsilateral. Fractura cominutiva do antebraço esquerdo, fracturas do apêndice xifóide esquerdo, fractura complexa da bacia esquerda com hematoma de 5 volume pélvico ipsilateral adjacente, fractura cominutiva do acetábulo à esquerda, atingindo a asa do ilíaco, a base do remo ísquio púbico e iliopúbico, subluxação da cabeça femoral, tracção hemática peri-ilíaca nomeadamente da vertente lateral da pelve estendendo-se à região obturadora, indiciando infiltração hemática associada à fractura, traumatismos nos membros superiores e inferiores, traumatismos torácico e abdominal, traumatismo occipital, hematoma no MIE com deformidade do MSE, hematoma da grade costal esquerda e hematoma no flanco esquerdo;
m) Ficou encarcerada no veículo que conduzia, tendo sido desencarcerada pelos bombeiros;
n) E foi conduzida ao serviço de urgência da Unidade Local de Saúde ... (Unidade Local de Saúde ...);
o) Local onde efectuou vários TAC, RX, foi entubada, manteve imobilização, e lhe prescreveram medicação;
p) Na referida instituição, a Autora esteve totalmente imobilizada no leito durante dois dias, local onde efectuava as necessidades, tomava as refeições, e fazia a sua higiene pessoal, sempre com a ajuda de terceira pessoa;
q) Após, e devido à gravidade das lesões, a Autora foi internada na Unidade de Cuidados Intermédios Polivalente, sob tracção esquelética do fémur esquerdo;
r) Na referida Unidade, a Autora continuou totalmente imobilizada, sofrendo dores extremas quando a viravam para ser efectuada a sua higiene pessoal ou sempre que era obrigada a fazer qualquer movimento;
s) A 12 de Abril de 2019 a Autora foi submetida a cirurgia da parede posterior do acetábulo por se constatar presença de fragmento ósseo intro-articular;
t) Durante a cirurgia foi removido à Autora o fragmento e foi constatada a presença de fractura subcondral com lesão da cartilagem da cabeça femoral;
u) Foi aplicada osteossíntese do muro posterior e a fractura multicominutiva com fragmento da coluna posterior muito desviado;
v) Foi efectuado à Autora controlo radiológico;
w) A Autora manteve tracção esquelética e repouso no leito para tratamento das fracturas da coluna anterior e dome do acetábulo;
x) O pós-operatório da Autora cursou com lesão do ciático com dor neuropática e défice de força de extensão dos dedos e tornozelo esquerdos;
y) Foi aplicada à Autora tala antiequino;
z) A Autora igualmente foi submetida a osteossíntese com 3 placas da fractura segmentar do antebraço, osteossíntese proximal do radio sem estabilidade absoluta pelo que ficou também com gesso braquipalmar – apenas constatadas défices de força de extensão de dedos e punho;
aa) Foram prescritos à Autora planos de reabilitação em unidade de cuidados continuados de média duração para a qual devia ser transferida;
bb) A Autora esteve internada na Unidade Local de Saúde ..., Epe até ao dia ../../2019, continuando sempre totalmente imobilizada no leito, local onde tomada as refeições, fazia as suas necessidades bem como a sua higiene pessoal, sempre com auxílio de terceira pessoa;
cc) No dia ../../2019, a Autora é transportada de ambulância, para a Santa Casa da Misericórdia dos ...;
dd) A Autora esteve internada na Santa Casa da Misericórdia dos ... até ao dia ../../2019;
ee) Onde efectuou sessões de recuperação;
ff) E na fase final do internamento já conseguia movimentar-se com duas canadianas;
gg) Veio novamente de ambulância da Casa da Misericórdia dos ... para a Unidade Local de Saúde ..., Epe a fim de efectuar novos exames, TAC;
hh) Após os exames, constataram que a Autora necessitava de nova intervenção cirúrgica;
ii) Tendo a Autora dado entrada no bloco operatório a ../../2019 a fim de efectuar cruentação de fractura do cúbito e do radio proximal, colheita e colocação de enxerto ósseo do ilíaco esquerdo, reossoteossíntese com placas bloqueadas – placa variax cotovelo e placa variax radio distal cortadas, ficando a Autora novamente imobilizada com tala gessada;
jj) O pós-operatório apresentou um novo agravamento da paresia radial, a Autora só fazia extensão de D5, o que foi constatado a ../../2019, pela Sra. Dra. DD, na Unidade Local de Saúde ..., Epe;
kk) A Autora regressou à Santa Casa da Misericórdia dos ... a fim de efectuar tratamentos de recuperação a ../../2019;
ll) Ficando internada nesse estabelecimento até ../../2019;
mm) A ../../2019 a Autora regressou de ambulância à sua residência, local onde se mantinha imobilizada e acamada;
nn) Em 13 de Fevereiro de 2020, foi internada na Casa de Saúde ..., no ..., onde efectuou uma nova cirurgia (artroplastia total da anca esquerda por luxação da prótese);
oo) Estando acamada na referida instituição até ../../2020;
pp) No entanto, após cerca de três semanas de ter sido submetida à operação, foi constatado que a Autora era portadora de uma infecção na anca e, por tal facto, ficou novamente internada durante 17 dias, sendo submetida a nova intervenção cirúrgica a 09 de Março de 2020;
qq) Durante esse internamento foi infectada por Covid-19, tendo sido transferida para o ... por necessidade de cuidados especiais, vindo a ter alta em 16 de Abril;
rr) Permaneceu internada no Centro Hospitalar ... desde 28.03.2020 até 16.04.2020 para tratamento da infecção Covid-19, tendo sido registado como intercorrência a suspensão o tratamento com vancomicina pela leucopenia iatrogénica, que recuperou após suspensão do fármaco;
ss) Após, começou a caminhar com dificuldades e a efectuar sessões de fisioterapia, bem como começou a efectuar sessões de psiquiatria e de consulta de dor;
tt) Nas deslocações, a Autora necessitava e necessita sempre de ajuda de terceira pessoa, e apoio de duas canadianas;
uu) A 24 de Setembro de 2020 a Autora efectuou nova cirurgia na Casa de Saúde ..., no ..., isto aos tendões da mão esquerda, tendo em vista alterar a posição do seu polegar, o qual, devido ao acidente, ficou caído e sem força;
vv) A 25 de Setembro de 2020 a Autora teve alta hospitalar, regressando à sua residência;
ww) Em sequência das lesões sofridas, a Autora usa permanentemente uma canadiana para caminhar, sendo que tem dificuldade em fazê-lo em qualquer tipo de terreno;
xx) Em sequência das lesões sofridas, a Autora tem dificuldade em pegar em objectos do chão;
yy) Em sequência das lesões sofridas, a Autora usa ortótese no pé esquerdo para evitar o pé equino;
zz) A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro superior esquerdo: (i) de cicatrizes nacaradas de aspecto cirúrgico, não aderentes e não hipertróficas, referindo anestesia ao toque das mesmas, sendo estas, a primeira, cicatriz na face anterior do antebraço com 18cm, a segunda, cicatriz na face posterior do antebraço, com 13cm, a terceira, cicatriz na face anterior do punho com 6cm, a quarta, cicatriz no terço inferior da face posterior do antebraço, com 3.5cm, a quinta, cicatriz na face dorsal da mão, sobre o 1º metacarpo, com 2.5cm; (ii) amiotrofia braquial, medida a 16cm desde o olecrano (38cm à direita e 36cm à esquerda) e antebraquial, medida a 10cm do olecrano (30cm à direita e 29 cm); (iii) ao nível do cotovelo apresenta um arco de mobilidade de 0º a 120º, com 15º menos que no lado contralateral; ao nível do punho, limitação muito severa da supinação e moderada do desvio cubital; (iv) ao nível da mão, limitação de força do 1º, 2º, 4º e 5º dedo, assim como da sensibilidade a este nível; limitação da mobilidade muito acentuada da mobilidade do 1º dedo, nas três articulações; (v) restantes dedos com mobilidade completa mas com força grau IV/V; (vi) parestesias desde o ombro;
aaa) A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro inferior esquerdo: (i) de duas cicatrizes de aspecto cirúrgico, ao nível da anca, uma posterior com 28cm e outra anterior com 23cm; (ii) três cicatrizes nacaradas e circulares, uma situada no terço médio da face anterior da perna e duas nas faces laterais do joelho, cada uma com 1cm de diâmetro; (iii) amiotrofia da coxa medida a 15cm do polo superior da rótula, com 58cm à esquerda e 59cm à direita; (iv) de palpação dolorosa das cristas ilíacas, púbis e articulações sacro-ilíacas; (v) de rotação externa dolorosa (mobilidade da anca); (vi) de pé pendente, sem flexão do tornozelo de forma activa ou flexão do hállux;
bbb) A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer de diminuição da memória, diminuição da concentração, dificuldade em adormecer e, uma vez acordada, dificuldade em voltar a adormecer;
ccc) A Autora, em consequência das lesões ficou limitada e sente dores no acto sexual em algumas posições;
ddd) Passou a ter dores na anca esquerda, com irradiação para o joelho, dores na coluna, por causa do uso da canadiana;
eee) Ficou ainda com dificuldade em levantar o pé esquerdo, levando-a a tropeçar amiúde;
fff) Ficou com dificuldade em cozinhar, por não ter mobilidade total no punho esquerdo;
ggg) Ficou impossibilitada de pegar nos sacos de compras;
hhh) A Autora iniciou processo de avaliação e acompanhamento psicológico no Centro Hospitalar ..., em 09 de Julho de 2019, por apresentar alterações psicopatológicas decorrentes do acidente de viação, que necessitam o acompanhamento psicológico, sendo que necessitou e necessitará deste tratamento, o qual ainda faz;
iii) A Autora é acompanhada em Consulta Externa de Psiquiatria na Unidade Local de Saúde ... desde Junho de 2019, “por quadro clínico compatível com o diagnóstico Perturbação de Stress Pós-Traumático, na sequência de grave acidente de viação e múltiplas intercorrências; apresenta à data sintomatologia ango-depressiva proeminente, com labilidade emocional marcada, irritabilidade fácil, descrevendo sentimentos e revolta perante perda de funcionalidade/dependência, e alterações de padrão de sono, nomeadamente insónia inicial e percepção de sono pouco reparador, com hiperactivação autonómica após despertar; reexperienciação de situação traumática em alguns locais/contextos; apresenta queixas álgicas constantes e altamente incapacitantes, astenia marcada e queixas cognitivas nomeadamente dificuldade de concentração; dada a sintomatologia descrita foi feito ajuste terapêutico, estando actualmente medicada com Duloxetina 90mg/dia, Amissulprida 50mg/dia, Trazodona 150mg/noite, Lorazepam 2,5mg/noite, Quetiapina 50mg/noite e Tramadol SOS; encontra-se em acompanhamento Psicoterapêutico, também na Unidade Local de Saúde ..., estando a próxima consulta agendada para dia 29 do presente mês; a patologia que padece causa impacto significativo na sua funcionalidade a nível pessoal, social e laboral;
jjj) As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe:
- Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 292 dias;
- Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 525 dias;
- Um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 817 dias;
- Um quantum doloris fixável no grau 6, numa escala de 1 a 7;
- Um Dano Estético Permanente fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7;
- Uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
- Uma Repercussão Permanente na Actividade Sexual, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
- Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 44 pontos;
kkk) A Autora obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 25.06.2021;
lll) As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares;
mmm) Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de medicação analgésica e antidepressiva, sem a qual a Autora não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária;
nnn) Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares, designadamente, de consultas de ortopedia, com frequência anual, e de sessões de fisioterapia, com frequência semanal, e de hidroterapia, com frequência semanal;
ooo) Vai ter de se submeter a cirurgia para renovação da prótese total da anca;
ppp) Passou a depender, regularmente e até ao fim da vida, de uma tala anti-equino e de uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas actividades da vida diária, devendo ser substituídas consoante o uso e desgaste;
qqq) Necessita de usar um veículo com transmissão automática;
rrr) A Autora sente-se deprimida, desgosta e infeliz com as lesões e sequelas de que ficou a padecer;
sss) De acordo com o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso foi atribuída à Autora, pela Junta Médica presidida pelo Dr. EE, um grau de incapacidade de 0,7290, conforme se retira do teor da cópia do referido atestado junta aos autos a fl. 61 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ttt) A Autora nasceu no dia ../../1976, conforme se retira da cópia do Cartão de Cidadão junta aos autos a fl. 45v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
uuu) A Autora era, à data do embate, e é, actualmente, professora do 1º Ciclo;
vvv) A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.143,28;
www) Em consequência do embate supra referido e dos tratamentos a que teve de se submeter, a Autora despendeu: (i) a importância de € 640,00 (seiscentos e quarenta euros), paga à Casa de Saúde ..., respeitante à primeira cirurgia a que a Autora foi submetida e respectivo período de internamento, de 13.02.2020 a ../../2020; (ii) a importância de € 575,00 (quinhentos e setenta e cinco euros), paga à Casa de Saúde ..., respeitante à segunda cirurgia a que a Autora foi submetida e respectivo período de internamento, de 07.03.2020 a 28.03.2020; (iii) a importância de € 25,00 (vinte e cinco euros), paga à Casa de Saúde ..., respeitante à terceira cirurgia a que a Autora foi submetida e respectivo internamento, nos dias 24 e 25 de Setembro de 2020; (iv) a importância global de € 168,00 (cento e sessenta e oito euros), paga à EMP02... Unipessoal, Lda., respeitante a avaliação individual e sessões de Hidrocinesioterapia realizadas pela Autora, nos períodos compreendidos entre 10 a 31 de Dezembro de 2019, 01 a 31 de Janeiro de 2020 e 01 a 29 de Fevereiro de 2020; (v) a importância de € 4,50 (quatro euros e cinquenta cêntimos), paga ao Centro de Saúde ..., respeitante a consulta efectuada pela Autora a 17 de Fevereiro de 2020; (vi) a importância global de € 128,00 (cento e vinte e oito euros), paga à EMP03..., Lda., respeitante à aquisição de almofada abdução e cinta antiequin box, efectuada pela Autora, em 19 de Fevereiro de 2020 e 07 de Agosto de 2020; (vii) a importância global de € 225,62 (duzentos e vinte e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), despendida nas farmácias pela Autora, e respeitante à aquisição de medicação variada, nos dias 20 de Fevereiro de 2020, 17 de Fevereiro de 2021, 30 de Março de 2021, 04 de Maio de 2021, e 04 de Agosto de 2021; (viii) a importância global de € 95,75 (noventa e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) despendida pela Autora a título de despesas de alimentação, nos dias 13, 14, 15, 18, 20 e ../../2020, e nos dias 09, 10, 11, 13, 16 e 18 de Março de 2020; (ix) a importância global de € 257,58 (duzentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), despendida pela Autora a título de despesas de transporte, nos dias 17 de Fevereiro de 2020, 12, 15, 16, 17, 18 e 29 de Setembro de 2020, 08 e 12 de Março de 2021, 19 e 24 de Abril de 2021; 04 e 21 de Maio de 2021, 14, 18, 22, 28 e 30 de Junho de 2021, 01, 02, 05, 07, 12, 15, 16, 19, 21, 22, 23, 26 e 28 de Julho de 2021;
xxx) O marido da Autora, CC, não trabalhou entre ../../2019 e ../../2019, para acompanhar e prestar auxílio àquela;
yyy) Não tendo recebido a quantia de € 1.635,59;
zzz) A Ré entregou à Autora, entre ../../2019 e ../../2020, a título de adiantamentos por conta da indemnização final, despesas de deslocação, despesas hospitalares e despesas de farmácia/medicamentos, a quantia global de € 13.294,71, conforme as parcelas discriminadas nos artigos 50º a 55º da contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sendo € 3.176,92, por conta de adiantamentos por conta da indemnização final;
aaaa) Para a Ré estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula ..-..-MI, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...03, conforme se retira da cópia do documento junto aos autos a fls. 114-115 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.»
*
2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
«Da petição inicial: artigos 4º, 11º, 17º, 25º, 26º e 27º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea m), 32º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jjj), 43º, 44º e 45º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jjj), 47º, 50º, 51º e 52º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea ss), 60º, 61º e 62º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jjj), 63º a 66º, 70º a 72º, 75º, 78º, 79º a 82º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas qq) e rr), 86º, 88º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea vv), 89º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jjj), 90º a 123º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas ww) a sss), 127º, 130º, 131º e 132º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas xxx) e yyy), 139º, 140º e 141º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jjj), 142º a 144º, 145º a 149º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas ww) a sss), 152º, 154º.»
Da contestação da Ré: inexistem enunciados a que cumpra, neste âmbito, responder.»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto
Segundo especifica na conclusão I das suas alegações, a Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância no que concerne ao ponto vvv) dos factos provados, o qual tem o seguinte teor:
«vvv) A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.143,28».
A Recorrente sustenta que «o rendimento médio líquido mensal da A. fixado naquela alínea dos factos provados de € 1.143,28 (…) foi «achado» pura e simplesmente dividindo por 2 (€ 1.143,28 = € 1.169,56 + € 1.116,99 ÷ 2) o valor daqueles recibos». Como «apenas o rendimento líquido releva para estes efeitos (…), a conclusão a tirar não poderá ser outra que o rendimento líquido daqueles dois meses é antes de € 1.101,16 (Fevereiro de 2019) e de € 1.080,16 (Março de 2019)», pelo que «o rendimento líquido médio mensal da A. seria inferior ao ali considerado, de € 1.090,66 (= € 1.101,16 + € 1.080,16 = € 2.181,32 ÷ 2)».
Conclui que aquele ponto de facto deve ser alterado, passando a dele constar o seguinte:
«A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.090,66.»

O Tribunal a quo motivou a decisão sobre o ponto vvv) dos factos provados:
«No que se refere às consequências patrimoniais do evento para a Autora, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas uuu) a www), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se na análise e subsequente valoração conjugada dos teores dos documentos juntos aos autos de fls. 247 a 283 (recibos de remunerações), 67v a 95v (recibos de pagamento de serviços e bens).»
Por conseguinte, no que respeita à alínea vvv) dos factos provados, o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão exclusivamente nos dois recibos de vencimento juntos com a petição inicial como documentos nºs 14 e 15, onde se pode verificar que o vencimento mensal bruto (sem descontos e sem o acréscimo do subsídio de refeição) é de € 1.614,11. O primeiro é o recibo de vencimento da Autora referente ao mês de fevereiro de 2019, onde consta um valor líquido de € 1.169,56, onde se mostra incluído o subsídio de refeição. O segundo é o recibo de vencimento do mês de março de 2019, com um valor líquido de € 1.116,99. No mês de fevereiro os descontos (CGA, IRS, ADSE e Sindicato) importaram em € 539,95 e em março € 587,75, onde se mostra incluído o valor de € 53,80 por greve.
O valor constante da alínea vvv) corresponde à média aritmética dos valores líquidos recebidos pela Autora nos meses de fevereiro e março de 2019 (€ 1.169,56 + € 1.116,99 ÷ 2 = € 1.143,28).
Por conseguinte, o valor de € 1.143,28, que o Tribunal a quo fez constar do ponto de facto objeto da impugnação da Recorrente, corresponde efetivamente à quantia líquida mensal recebida pela Recorrida, pelo que nenhuma discrepância existe relativamente à realidade. Aquele valor é verdadeiro.
A Recorrente entende que o valor assim obtido não corresponde ao «rendimento médio líquido mensal da A.», mas essa asserção encerra uma qualificação jurídica sobre o que se deve entender como rendimento mensal líquido. Daquela alínea não consta que o mencionado valor é o rendimento mensal líquido, mas sim a «quantia líquida» mensal. É esse o valor que a Recorrida recebeu em consequência da sua atividade laboral, no sentido de quantia que mensalmente transitava para a sua esfera patrimonial ou, se quisermos, em termos mais comuns e leigos, de quantia que efetivamente “levava para casa mensalmente”.
Por isso, tendo em vista a posterior apreciação da questão jurídica subjacente, importa apenas esclarecer que aquela quantia líquida inclui subsídio de refeição e qual o respetivo valor se o não incluir. Se não incluir subsídio de refeição, a quantia mensal líquida auferida é de € 1.090,66 (€ 1.101,16 + € 1.080,16 = € 2.181,32 ÷ 2 = € 1.090,66), tal como preconizado pela Recorrente.

Assim, na parcial procedência da impugnação, decide-se modificar a alínea vvv) dos factos provados, que passará a ter o seguinte teor:

vvv) A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.143,28, incluindo subsídio de refeição, sendo de € 1.090,66 sem o subsídio de refeição.

Dado que a modificação da decisão da matéria de facto se cinge à apontada redação do ponto vvv) dos factos provados, matéria que é de fácil apreensão, não transcreveremos a totalidade dos factos provados e não provados.
*
2.2.2. Da indemnização pela repercussão patrimonial do dano biológico

Conforme explicitado no artigo 151º da petição inicial, a Autora peticionou na ação uma indemnização no montante de € 200.000,00, «a título de incapacidade permanente», com base na concreta incapacidade que apresenta, na «retribuição média mensal líquida da Autora à data do acidente, de € 1.143,28», nos «42 anos de idade» e na «esperança de vida ativa» de 75 anos.
Na sentença fixou-se essa indemnização, «pela perda da capacidade de ganho futuro, em € 180.000,00»
A Ré, no seu recurso, preconiza a diminuição do valor desta indemnização para € 135.000,00 (v. conclusão XV).

A questão suscitada respeita à indemnização devida pelo reflexo patrimonial do dano biológico, entendido este como a afetação da integridade física e psíquica[1], especificamente o dano pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.
O dano biológico, no nosso quadro normativo estritamente dicotómico, tem repercussões tanto patrimoniais como não patrimoniais, sendo fonte de indemnizações que, tendo a mesma origem (ofensa da integridade física e psíquica), não se devem confundir, pois destinadas a ressarcir danos (consequências negativas do evento lesivo) que não se sobrepõem, antes se complementam – danos patrimoniais (as consequências patrimoniais da incapacidade geral ou genérica do lesado, ou seja, a expressão patrimonial da perda da capacidade de ganho) e danos não patrimoniais (como é o caso do sofrimento físico e psíquico resultante das sequelas das lesões corporais).
Está agora apenas em causa a vertente patrimonial do dano biológico, partindo do demonstrado pressuposto de que as sequelas das lesões sofridas no acidente de viação determinaram para a Autora um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos (em 100 possíveis). Apesar de as sequelas não serem impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual (professora do ensino básico), implicam esforços suplementares significativos, os quais são facilmente percetíveis se atendermos às severas limitações psicofísicas de que passou a padecer.
O défice funcional irreversível da integridade físico-psíquica que implica perda de capacidade para o exercício de atividades económicas tem consequências patrimoniais, suscetíveis de avaliação pecuniária, e por isso constitui um inequívoco dano patrimonial, que se projeta no futuro de quem o sofre. Um défice de 44 pontos produz inequivocamente a apontada perda de capacidade.

A nossa lei refere-se ao dano futuro no artigo 564º do CCiv., nos seguintes termos:

«1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Como é sabido, em matéria de danos patrimoniais, o princípio geral é o da reconstituição natural, expresso no artigo 562º do CCiv. e, quando esta seja impossível ou inviável (artigo 566º, nº 1, do CCiv.), vale a indemnização em dinheiro, a fixar de acordo com a teoria da diferença, nos termos do artigo 566º, nº 2, do mesmo Código, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano.
Porém, nos termos do nº 3 do artigo 566º do CCiv., «se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
Portanto, a ressarcibilidade dos danos futuros assenta na sua previsibilidade, sendo que a sua determinabilidade ou averiguação do valor exato dos danos já é um problema distinto, para o qual a lei também aponta uma solução.
No nosso entender, em regra é previsível a ocorrência de danos patrimoniais futuros decorrentes de um défice funcional irreversível da integridade físico-psíquica, em especial se atingir a expressão quantitativa de 44 pontos, pelo que a tarefa principal do julgador acaba por ser a do apuramento do valor desses danos.
Como se observa no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 19.04.2018 (relator António Piçarra)[2], proferido no processo 196/11.6TCGMR.G2.S1 «a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”, dano primário, do qual podem derivar, além de incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício de actividades económicas, como tal susceptíveis de avaliação pecuniária».
Uma incapacidade, desde que não seja em grau despiciendo, dificilmente não gera uma desvantagem para a pessoa que dela sofre. As limitações do corpo ou da mente representam uma perda de aptidão da vítima para realizar atividades com expressão económica, bem como, em geral, para se realizar enquanto pessoa nas suas diferentes dimensões, e existem sempre, em cada caso concreto, elementos objetivos que nos permitem concretizar, com maior ou menor dificuldade, a representação patrimonial deste tipo de dano, partindo da avaliação médico-legal. Por isso, o problema não reside propriamente na constatação da existência de uma expressão patrimonial de tal dano, mas sim na definição de critérios que sejam tendencialmente uniformes na quantificação da indemnização a atribuir.
Mais do que tudo, há que tomar uma posição pragmática que não se deixe enredar em discussões axiomáticas sem verdadeira aptidão para resolver os problemas concretos.
Porém, também não podemos deixar de salientar que, segundo o acórdão do STJ de 01.03.2018 (relatora Maria da Graça Trigo), «a fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º, 2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º, 3 do CC)». A esse propósito no acórdão do STJ de 06.12.2017, proferido no processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 (relator Manuel Tomé Gomes), refere-se que no caso de dano biológico, «a solução seguida pela jurisprudência do STJ é a de fixar um montante indemnizatório por via da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566º, n.º 3, do CC, em função das circunstâncias concretas de cada caso, segundo os padrões que têm vindo a ser delineados, atentos os graus de gravidade das lesões sofridas e do seu impacto na capacidade económica do lesado, considerando a expectativa de vida activa não confinada à idade-limite para a reforma». Como equidade não significa discricionariedade, devem ser levados em conta os fatores objetivos que o processo revela, os elementos que são acessíveis à generalidade das pessoas e do conhecimento público como é o caso da esperança média de vida, e os montantes indemnizatórios fixados pelos Tribunais superiores para casos semelhantes, dada a necessidade de segurança jurídica, que exige uma tendencial homogeneidade de decisões e rejeita a disparidade aleatória dos valores das indemnizações. A referida ponderação revela, como elemento norteador principal, que quanto maior e mais intensa for a repercussão das lesões psicofísicas sofridas pelo lesado na sua capacidade geral ou funcional, maior deverá ser o montante da indemnização.

Nesta conformidade, sendo certo que na fixação da indemnização devida pelos reflexos patrimoniais do dano biológico deve ser ponderada a situação global da lesada, no concreto caso dos autos são especialmente relevantes os seguintes factos:

- O acidente de viação dos autos ocorreu a 01.04.2019 (a);
- «Em consequência do embate a Autora sofreu fractura completa do ilíaco e acetábulo esquerdo com lesão neurológica do ciático ipsilateral. Fractura cominutiva do antebraço esquerdo, fracturas do apêndice xifóide esquerdo, fractura complexa da bacia esquerda com hematoma de 5 volume pélvico ipsilateral adjacente, fractura cominutiva do acetábulo à esquerda, atingindo a asa do ilíaco, a base do remo ísquio púbico e iliopúbico, subluxação da cabeça femoral, tracção hemática peri-ilíaca nomeadamente da vertente lateral da pelve estendendo-se à região obturadora, indiciando infiltração hemática associada à fractura, traumatismos nos membros superiores e inferiores, traumatismos torácico e abdominal, traumatismo occipital, hematoma no MIE com deformidade do MSE, hematoma da grade costal esquerda e hematoma no flanco esquerdo» (l);
- A Autora nasceu a ../../1976 (ttt), tendo 42 anos à data do acidente;
- «A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro superior esquerdo: (i) de cicatrizes nacaradas de aspeto cirúrgico, não aderentes e não hipertróficas, referindo anestesia ao toque das mesmas, sendo estas, a primeira, cicatriz na face anterior do antebraço com 18cm, a segunda, cicatriz na face posterior do antebraço, com 13cm, a terceira, cicatriz na face anterior do punho com 6cm, a quarta, cicatriz no terço inferior da face posterior do antebraço, com 3.5cm, a quinta, cicatriz na face dorsal da mão, sobre o 1º metacarpo, com 2.5cm; (ii) amiotrofia braquial, medida a 16cm desde o olecrano (38cm à direita e 36cm à esquerda) e antebraquial, medida a 10cm do olecrano (30cm à direita e 29 cm); (iii) ao nível do cotovelo apresenta um arco de mobilidade de 0º a 120º, com 15º menos que no lado contralateral; ao nível do punho, limitação muito severa da supinação e moderada do desvio cubital; (iv) ao nível da mão, limitação de força do 1º, 2º, 4º e 5º dedo, assim como da sensibilidade a este nível; limitação da mobilidade muito acentuada da mobilidade do 1º dedo, nas três articulações; (v) restantes dedos com mobilidade completa mas com força grau IV/V; (vi) parestesias desde o ombro» (zz);
- «A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro inferior esquerdo: (i) de duas cicatrizes de aspeto cirúrgico, ao nível da anca, uma posterior com 28cm e outra anterior com 23cm; (ii) três cicatrizes nacaradas e circulares, uma situada no terço médio da face anterior da perna e duas nas faces laterais do joelho, cada uma com 1cm de diâmetro; (iii) amiotrofia da coxa medida a 15cm do polo superior da rótula, com 58cm à esquerda e 59cm à direita; (iv) de palpação dolorosa das cristas ilíacas, púbis e articulações sacro-ilíacas; (v) de rotação externa dolorosa (mobilidade da anca); (vi) de pé pendente, sem flexão do tornozelo de forma ativa ou flexão do hállux» (aaa);
- «A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer de diminuição da memória, diminuição da concentração, dificuldade em adormecer e, uma vez acordada, dificuldade em voltar a adormecer» (bbb);
- «Passou a ter dores na anca esquerda, com irradiação para o joelho, dores na coluna, por causa do uso da canadiana» (ddd);
- «Ficou ainda com dificuldade em levantar o pé esquerdo, levando-a a tropeçar amiúde» (eee);
- «Ficou com dificuldade em cozinhar, por não ter mobilidade total no punho esquerdo» (fff);
- «Ficou impossibilitada de pegar nos sacos de compras» (ggg);
- A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 25.06.2021 (kkk), data em que a Autora tinha 44 anos de idade;
- As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos (jjj):
- «As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual mas implicam esforços suplementares» (lll);
- «A Autora era, à data do embate, e é, atualmente, professora do 1º Ciclo» (uuu);
- «A Autora auferia, à data do embate, mensalmente, a quantia líquida de € 1.143,28, incluindo subsídio de refeição, sendo de € 1.090,66 sem o subsídio de refeição» (vvv);
- A esperança média de vida situa-se, atualmente, para as mulheres, nos 83 anos (fonte Pordata).

Na sentença fixou-se a indemnização, «pela perda da capacidade de ganho futuro, em € 180.000,00», considerando os seguintes fatores:
- o rendimento médio anual de € 16.005,92 (embora sem o explicitar, o Mmo. Juiz terá considerado um rendimento mensal de € 1.143,28, que multiplicou por 14);
- a data de nascimento da Autora, em ../../1976;
- «a perda de rendimento desde a data da consolidação médico-legal, ou seja, 25.06.2021, na altura já com 44 anos, até 2060 (39 anos), uma vez que a esperança média de vida situa-se, actualmente, para as mulheres, nos 83 anos.»

A Ré, no seu recurso, preconiza a diminuição do valor desta indemnização para € 135.000,00 (v. conclusão XV), com base nos seguintes argumentos:
- o rendimento líquido médio mensal da Autora é de € 1.090,66 (conclusão iv);
- «a A. era e continua a ser funcionária pública (professora), pode continuar a exercer a sua profissão, embora com esforços acrescidos, e é altamente previsível que se mantenha nessa sua actividade profissional até à idade da reforma, sendo que, aí chegada, as sequelas de que padece não a afectarão negativamente do ponto de vista patrimonial e nem a A. terá de desenvolver esses esforços suplementares para obter o seu rendimento/pensão de reforma daí em diante» (ix);
- «é mais justo, adequado e equitativo que se tenha em consideração o limite da vida activa, comummente fixado nos 70 anos de idade e não já, como se fez na douta sentença, a esperança média de vida» (X);
- «utilizando-se a fórmula de cálculo que nos parece mais simples do Sr. Conselheiro Sousa Dinis, chegaríamos então ao seguinte resultado: € 1.090,66 x 14 meses = € 15.269,24 x 26 anos x 44 pontos (%) DFPIF-P = € 174.680,11» (xi);
- «importa atender à circunstância de a A. beneficiar da antecipação do pagamento/recebimento» e essa redução «deverá ser da ordem dos 25% ou ¼», pelo que «o valor a considerar ascenderá a € 131.010,08 (€ 174.680,11 x ¼ = € 43.670,03; € 174.680,11 - € 43.670,03 = € 131.010,08), se se considerar a redução de 25%, ou a € 139.744,09 (= € 174.680,11 x 1/5 = € 34.936,02; € 174.680,11 - € 34.936,02 = € 139.744,09), se se atender a uma redução de 20%» (xii, xiii e xiv);
- «vistos todos estes factores e ponderados (ainda que de forma meramente indicativa) vários «tipos» de cálculo, chega-se a um valor que se admite, temperado com o recurso à equidade, possa chegar a um máximo de € 135.000,00» (XV).
Valorando a argumentação da Recorrente, nenhuma objeção merece a posição defendida sobre o subsídio de refeição não integrar o rendimento mensal líquido. Isto porque o subsídio de refeição não tem a natureza de salário, vencimento, remuneração (retribuição) ou rendimento, mas de mera compensação monetária paga pela entidade patronal ao trabalhador pelos custos ou gastos diários incorridos com a refeição realizada durante os dias de prestação efetiva de trabalho. No caso específico dos funcionários públicos, como sucede com um professor com vínculo ao Estado (situação da Recorrida), o subsídio de refeição é habitualmente considerado um subsídio diário que tem a natureza de benefício social a conceder pelo empregador público como comparticipação nas despesas resultantes de uma refeição tomada fora da residência habitual, nos dias de prestação efetiva de trabalho.
Por isso, tal como sustenta a Recorrente, é de considerar o entendimento constante do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.01.2021, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, proferido no processo nº 6705/14.1T8LRS.L1.S1, segundo o qual «[p]ara o cálculo de indemnizações por danos patrimoniais, passados ou futuros, nos quais o montante das remunerações auferidas à data da lesão assume um relevo determinante, deve ser considerada a remuneração líquida do lesado.»[3]
Daí que se deva considerar a remuneração líquida mensal da Autora, no valor de € 1.090,66.

Já não procede a argumentação da Recorrente no sentido de se considerar a idade da reforma aos 70 anos e não a esperança média de vida para as mulheres, que é presentemente de 83,7 anos, sendo de 83,6 anos à data do acidente (fonte Pordata).
Sem prejuízo de existirem pontuais divergências, os nossos Tribunais, sobretudo o Supremo Tribunal de Justiça, têm vindo a decidir que no cálculo de indemnizações por danos patrimoniais resultantes de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica deve ser considerada a esperança média de vida do lesado e não a sua previsível idade de reforma.
Neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 21.04.2022 (rel. Fernando Baptista), proferido no processo 96/18.9T8PVZ.P1.S1, onde se escreveu que «se deve atender à esperança média de vida do lesado (à data do acidente) e não à sua previsível idade de reforma, na medida em que a afectação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas»[4]. Concretizando tais repercussões, refere Maria da Graça Trigo[5]: «Directas pelo reflexo que, mesmo após a reforma do lesado, tal incapacidade terá no exercício de outras actividades de valor económico; indiretas pelas consequências que a afetação da capacidade geral tem na carreira contributiva do lesado, com reflexos sobre o aumento das prestações sociais a auferir no período após a reforma.»[6] Também no já citado acórdão do STJ de 06.12.2017, proferido no processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 (relator Manuel Tomé Gomes), se considerou que «o dano biológico abrange um espetro alargado de prejuízos incidentes na esfera patrimonial do lesado, incluindo a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer atividades ou tarefas de cariz económico, mesmo fora da atividade profissional habitual, bem como os custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expetáveis»; também aí se referiu que «a jurisprudência, com particular destaque para a do STJ, tem vindo a reconhecer o chamado dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado.» Ainda, segundo o acórdão do mesmo STJ, de 29.10.2020, proferido no processo 111/17.3T8MAC.G1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, «de acordo com a jurisprudência do STJ, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes fatores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências. A que acresce um outro fator: a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as qualificações e competências do lesado)».

Nesta conformidade, parece-nos correta a posição tomada pelo Tribunal recorrido, que considerou 39 anos de expetativa de vida ativa por parte da Autora, não podendo acolher-se a solução preconizada pela Recorrente, quanto à consideração de 26 anos até à sua previsível idade de reforma (70 anos).

Finalmente, observa-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, segundo cremos de forma quase uniforme, que no cálculo da indemnização do dano futuro por défice funcional deve operar-se a dedução de uma sua proporção por ocorrer uma antecipação do seu pagamento. Não havendo unanimidade na jurisprudência sobre o quantitativo deste desconto, o mais frequente é corresponder entre um quarto e um quinto do valor correspondente à perda global de rendimentos no período entre a data da consolidação das lesões e o do termo da esperança média de vida. É de notar que em alguns arestos mais recentes já se vê defendido que a proporção desse desconto deve ser inferior a um quinto.

Aplicando a fórmula preconizada pela Recorrente, teríamos: € 1.090,66 x 14 meses = € 15.269,24 x 39 anos x 44 pontos (%) DFPIF-P = € 262.020,16. Operando a dedução de ¼, obteríamos o valor de € 196.515,12[7].
Tendo o Tribunal recorrido fixado o valor de € 180.000,00 para a indemnização pelos apontados danos patrimoniais, à partida, não se afigura que tal valor possa ser considerado excessivo tendo por base a própria fórmula de cálculo invocada pela Recorrente.
Apesar de o valor da indemnização fixada se mostrar conforme com o apontado cálculo matemático, importa ainda fazer um derradeiro teste à sua adequação e equilíbrio, inerente a um juízo equitativo, mediante confronto com os valores que vêm sendo fixados pela jurisprudência em casos semelhantes, conforme decorre do nº 3 do artigo 8º do CCiv. Por razões de segurança e de igualdade jurídicas, a fixação da indemnização deve respeitar o evoluir dos padrões adotados pela jurisprudência.
 Como se refere no acórdão do STJ de 21.02.2013, «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição».

Como vem sendo geralmente observado, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, mas um juízo comparativo incidente sobre montantes indemnizatórios apenas poderá ser realizado em relação a decisões não apenas temporalmente próximas, mas também em que estejam em causa situações fácticas essencialmente similares e nem sempre é fácil encontrar decisões em que os dados ou elementos a considerar sejam semelhantes.
Nesta conformidade, para aferir se a indemnização fixada na sentença é ou não ajustada à situação, vamos considerar alguns acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos desde 2019 (ou seja, nos últimos cinco anos, tendo por referência a data da sentença, pois é o valor fixado nesta que está a ser analisado), relativamente aos quais possa ser estabelecido algum tipo de paralelismo.

Assim, no acórdão do STJ de 29.10.2020 (rel. Nuno Pinto Oliveira), proferido no processo 2631/17.0T8LRA.C1.S1, ao lesado, de 48 anos de idade à data do acidente, professor do ensino secundário e com défice funcional permanente de 31%, foi atribuída pelo Tribunal da Relação uma indemnização de € 125.000,00 a título de dano biológico na sua vertente patrimonial. Destaca-se que o aludido lesado, com a mesma profissão da Autora, era mais velho 6 anos e ficou afetado com um índice de incapacidade 13 pontos inferior ao da Autora.
Num juízo valorativo proporcional, o valor da indemnização atribuída à Autora mostra-se em linha com o decidido no citado aresto.

Ainda no âmbito da mesma atividade laboral, no acórdão de 03.02.2022 (FF), no processo 24267/15...., considerou-se equitativa a indemnização no valor de € 35.000,00 pelo dano biológico na vertente patrimonial, a um professor de 50 anos de idade, com um défice funcional permanente de 10 pontos e que auferia um rendimento mensal de € 1.053,43.
Sendo a incapacidade da Autora 4,4 vezes superior, tendo menos 8 anos de idade e sendo os rendimentos muito semelhantes, também a indemnização fixada nos autos se mostra proporcional à fixada naquele acórdão do nosso mais alto Tribunal.

Abordando agora uma situação referente a uma profissão menos qualificada do que a da Autora, no acórdão do STJ de 06.06.2023 (Manuel Capelo), no processo 9934/17.2T8SNT.L1.S1, julgou-se «adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas.»
Embora haja uma diferença de sete anos de idade relativamente à Autora, o défice desta é 3,7 vezes superior, pelo que o valor fixado pelo Tribunal a quo também é proporcional ao estabelecido no mencionado acórdão do STJ.

No acórdão de 31.01.2024 (Maria Amélia Ribeiro), proferido no processo 639/20.8T8PNF.P1.S1, o STJ considerou adequada uma indemnização de € 220.000,00 pelos danos patrimoniais futuros emergentes do dano biológico, a um lesado de 41 anos de idade (nascido a ../../1977), com base num salário mensal de € 1.562,60, emigrante na ..., a quem foi fixado um défice funcional de 18 pontos.
No acórdão do STJ de 23.05.2019, no processo 2476/16.5T8BRG.G1.S2, atribui-se uma indemnização no valor de € 250.000,00, pela vertente patrimonial do dano biológico, a uma lesada de 44 anos de idade à data do acidente, que ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância, mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades, que auferia uma retribuição mensal de € 1.706,20 e que ficou com um défice funcional de 26 pontos.
No acórdão do STJ de 19.09.2019 (Maria do Rosário Morgado), no processo 2706/17.6T8BRG.G1.S1, fixou-se a indemnização de € 200.000,00 pela «perda de capacidade de ganho e dano biológico (no plano estritamente material e económico)», a um lesado que contava 45 anos de idade à data do acidente, afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos, que o impede de exercer a sua profissão habitual de serralheiro mecânico, bem como qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e que auferia um rendimento mensal ilíquido de € 788,00, à data do acidente, que subiu cerca de dois meses depois para € 816,00.

Prosseguindo na comparação com a jurisprudência do STJ, veja-se o caso do recentíssimo acórdão de 27.11.2024 (Maria dos Prazeres Beleza), onde se considerou adequada a indemnização no valor de € 50.000,00 pelo défice funcional de 13 pontos de que ficou a padecer um lesado de 32 anos de idade, que auferia uma remuneração ilíquida de € 580,00, acrescida de € 65,06 a título de horas suplementares.
O lesado em causa no citado acórdão tem menos dez anos do que a Autora, mas o défice funcional desta é 3,39 vezes superior, assim como o rendimento mensal médio é quase o dobro. Igualmente aqui se observa uma obediência da decisão recorrida aos critérios do STJ.

Finalmente, no acórdão do STJ de 16.01.2024 (Luís Correia de Mendonça), proc. 3527/18.4T8PNF.P2.S1, entendeu-se como «adequado fixar uma indemnização de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros) para ressarcir dano patrimonial futuro sofrido por um jovem de 27 anos, que, por virtude das sequelas de que ficou a padecer como consequência das lesões que lhe resultaram de uma colisão estradal, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual (carpinteiro de cofragem), na qual auferia retribuição anual global de €20.636,70, ainda que continuando a poder trabalhar, com menor remuneração, noutro ramo de actividade (motorista), com uma incapacidade funcional de 15 pontos.»

Como o valor fixado na sentença está de harmonia com os parâmetros e critérios estabelecidos pelo Supremo Tribunal de Justiça para casos análogos, carece de fundamento a pretendida redução do montante da indemnização pelas consequências patrimoniais do dano biológico.
*

2.2.3. Da indemnização por danos não patrimoniais

A título de danos não patrimoniais, o Tribunal recorrido considerou adequada uma indemnização de € 100.000,00.
Na sua apelação, a Ré defende que a compensação por tais danos deve ser fixada em € 65.000,00.

Vejamos se se justifica o decréscimo do quantum indemnizatório.
Segundo o nº 1 do artigo 496º do CCiv, são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objetivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjetividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
Cumprido o critério da gravidade dos danos, o montante da indemnização, nos termos do nº 4 do artigo 496º, deve ser fixado pelo tribunal com recurso à equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos.
Os danos não patrimoniais, por natureza insuscetíveis de avaliação em dinheiro devido a não atingirem bens integrantes do património do lesado, incidem sobre bens como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a beleza, a liberdade, a honra, o bom-nome, a reputação, da afetação dos quais resulta o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação. Na feliz síntese feita no acórdão do STJ de 15.01.2002 (proc. 4048/01 - 2ª Secção), os componentes mais importantes do dano não patrimonial, são os seguintes: o “dano estético” – que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação social” – dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissio­nal, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade” – em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valo­riza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis” – que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris” – que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
Como os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente, sendo possível, todavia, em certa medida, compensar o dano mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro, isto é, proporcionar ao lesado uma compensação monetária que, de algum modo, alivie os sofrimentos que o facto lesivo lhe provocou, ou lhos faça esquecer. O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória.
Na concreta determinação do quantitativo da compensação, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjetivismo e procurar alcançar uma aplicação tendencialmente uniformizadora – ainda que evolutiva – do direito, devem ser considerados os padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência em casos análogos[8].

Para a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto essencialmente os seguintes factos provados:
- O acidente de viação dos autos ocorreu a 01.04.2019 (a);
- A Autora nasceu a ../../1976 (ttt), tendo 42 anos à data do acidente;
- «Em consequência do embate a Autora sofreu fractura completa do ilíaco e acetábulo esquerdo com lesão neurológica do ciático ipsilateral. Fractura cominutiva do antebraço esquerdo, fracturas do apêndice xifóide esquerdo, fractura complexa da bacia esquerda com hematoma de 5 volume pélvico ipsilateral adjacente, fractura cominutiva do acetábulo à esquerda, atingindo a asa do ilíaco, a base do remo ísquio púbico e iliopúbico, subluxação da cabeça femoral, tracção hemática peri-ilíaca nomeadamente da vertente lateral da pelve estendendo-se à região obturadora, indiciando infiltração hemática associada à fractura, traumatismos nos membros superiores e inferiores, traumatismos torácico e abdominal, traumatismo occipital, hematoma no MIE com deformidade do MSE, hematoma da grade costal esquerda e hematoma no flanco esquerdo» (l);
- Ficou encarcerada no veículo que conduzia, tendo sido desencarcerada pelos bombeiros (m) e foi conduzida ao serviço de urgência da Unidade Local de Saúde ... (n), local onde efetuou vários TAC, RX, foi entubada, manteve imobilização, e lhe prescreveram medicação (o); aí esteve totalmente imobilizada no leito durante dois dias, local onde efetuava as necessidades, tomava as refeições, e fazia a sua higiene pessoal, sempre com a ajuda de terceira pessoa (p);
- Seguidamente, devido à gravidade das lesões, foi internada na Unidade de Cuidados Intermédios Polivalente, sob tração esquelética do fémur esquerdo (q), onde continuou totalmente imobilizada, sofrendo dores extremas quando a viravam para ser efetuada a sua higiene pessoal ou sempre que era obrigada a fazer qualquer movimento (r);
- A 12.04.2019, foi submetida a cirurgia da parede posterior do acetábulo por se constatar presença de fragmento ósseo intro-articular (s), durante a qual foi removido à Autora o fragmento, foi constatada a presença de fratura subcondral com lesão da cartilagem da cabeça femoral (t), a que se aplicou osteossíntese do muro posterior, e de fratura multicominutiva com fragmento da coluna posterior muito desviado (u), sendo efetuado controlo radiológico (v);
-  Manteve tração esquelética e repouso no leito para tratamento das fraturas da coluna anterior e dome do acetábulo (w) e o pós-operatório da Autora cursou com lesão do ciático com dor neuropática e défice de força de extensão dos dedos e tornozelo esquerdos (x), razão pela qual foi aplicada tala antiequino (y);
- Foi igualmente foi submetida a osteossíntese com 3 placas da fratura segmentar do antebraço, osteossíntese proximal do radio sem estabilidade absoluta pelo que ficou também com gesso braquipalmar – apenas constatadas défices de força de extensão de dedos e punho (z);
- Foram prescritos à Autora planos de reabilitação em unidade de cuidados continuados de média duração para a qual devia ser transferida (aa);
- Esteve internada na Unidade Local de Saúde ..., EPE, até ../../2019, continuando sempre totalmente imobilizada no leito, local onde tomada as refeições, fazia as suas necessidades bem como a sua higiene pessoal, sempre com auxílio de terceira pessoa (bb);
- Em ../../2019 foi transportada de ambulância, para a Santa Casa da Misericórdia dos ... (cc), onde esteve internada até ../../2019 (dd), efetuou sessões de recuperação (ee) e na fase final do internamento já conseguia movimentar-se com duas canadianas (ff);
- Foi novamente de ambulância da Casa da Misericórdia dos ... para a Unidade Local de Saúde ..., EPE a fim de efetuar novos exames, TAC (gg), após os quais constatou-se que a Autora necessitava de nova intervenção cirúrgica (hh), pelo que deu entrada no bloco operatório a 21.06.2019 a fim de efetuar cruentação de fractura do cúbito e do rádio proximal, colheita e colocação de enxerto ósseo do ilíaco esquerdo, reossoteossíntese com placas bloqueadas – placa variax cotovelo e placa variax radio distal cortadas, ficando a Autora novamente imobilizada com tala gessada (ii);
- No pós-operatório apresentou um novo agravamento da paresia radial, pois a Autora só fazia extensão de D5, o que foi constatado a 24.06.2019 na Unidade Local de Saúde ... (jj);
- A Autora regressou à Santa Casa da Misericórdia dos ... a fim de efetuar tratamentos de recuperação a 24.06.2019 (kk), ficando internada nesse estabelecimento até 29.11.2019 (ll), altura em que regressou de ambulância à sua residência, local onde se manteve imobilizada e acamada (mm);
- Em 13.02.2020, foi internada na Casa de Saúde ..., no ..., onde efetuou uma nova cirurgia, consistente em artroplastia total da anca esquerda por luxação da prótese (nn), permanecendo acamada na referida instituição até ../../2020 (oo);
- Após cerca de três semanas de ter sido submetida à operação, foi constatado que a Autora era portadora de uma infeção na anca e, por tal facto, ficou novamente internada durante 17 dias, sendo submetida a nova intervenção cirúrgica a 09.03.2020 (pp);
- Durante esse internamento foi infetada por Covid-19, tendo sido transferida para o ... por necessidade de cuidados especiais, vindo a ter alta a 16.04.2020 (qq), tendo permanecido internada no Centro Hospitalar ... desde 28.03.2020 até 16.04.2020 para tratamento da infeção Covid-19, registando como intercorrência a suspensão o tratamento com vancomicina pela leucopenia iatrogénica, que recuperou após suspensão do fármaco (rr);
- Após, começou a caminhar com dificuldades e a efetuar sessões de fisioterapia, bem como começou a efetuar sessões de psiquiatria e de consulta de dor (ss);
- Nas deslocações, necessitava e necessita sempre de ajuda de terceira pessoa, e apoio de duas canadianas (tt);
- A 24.09.2020 efetuou nova cirurgia na Casa de Saúde ..., no ..., aos tendões da mão esquerda, tendo em vista alterar a posição do seu polegar, o qual, devido ao acidente, ficou caído e sem força (uu), tendo alta hospitalar a 25.09.2020 e regressado à sua residência (vv);
- Em sequência das lesões sofridas, a Autora:
- Usa permanentemente uma canadiana para caminhar, sendo que tem dificuldade em fazê-lo em qualquer tipo de terreno (ww);
- Tem dificuldade em pegar em objetos do chão (xx);
- Usa ortótese no pé esquerdo para evitar o pé equino (yy);
- «A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro superior esquerdo: (i) de cicatrizes nacaradas de aspeto cirúrgico, não aderentes e não hipertróficas, referindo anestesia ao toque das mesmas, sendo estas, a primeira, cicatriz na face anterior do antebraço com 18cm, a segunda, cicatriz na face posterior do antebraço, com 13cm, a terceira, cicatriz na face anterior do punho com 6cm, a quarta, cicatriz no terço inferior da face posterior do antebraço, com 3.5cm, a quinta, cicatriz na face dorsal da mão, sobre o 1º metacarpo, com 2.5cm; (ii) amiotrofia braquial, medida a 16cm desde o olecrano (38cm à direita e 36cm à esquerda) e antebraquial, medida a 10cm do olecrano (30cm à direita e 29 cm); (iii) ao nível do cotovelo apresenta um arco de mobilidade de 0º a 120º, com 15º menos que no lado contralateral; ao nível do punho, limitação muito severa da supinação e moderada do desvio cubital; (iv) ao nível da mão, limitação de força do 1º, 2º, 4º e 5º dedo, assim como da sensibilidade a este nível; limitação da mobilidade muito acentuada da mobilidade do 1º dedo, nas três articulações; (v) restantes dedos com mobilidade completa mas com força grau IV/V; (vi) parestesias desde o ombro» (zz);
- «A Autora, em consequência das lesões ficou a padecer, no membro inferior esquerdo: (i) de duas cicatrizes de aspeto cirúrgico, ao nível da anca, uma posterior com 28cm e outra anterior com 23cm; (ii) três cicatrizes nacaradas e circulares, uma situada no terço médio da face anterior da perna e duas nas faces laterais do joelho, cada uma com 1cm de diâmetro; (iii) amiotrofia da coxa medida a 15cm do polo superior da rótula, com 58cm à esquerda e 59cm à direita; (iv) de palpação dolorosa das cristas ilíacas, púbis e articulações sacro-ilíacas; (v) de rotação externa dolorosa (mobilidade da anca); (vi) de pé pendente, sem flexão do tornozelo de forma ativa ou flexão do hállux» (aaa);
- Em consequência das lesões, a Autora ficou a padecer de diminuição da memória, diminuição da concentração, dificuldade em adormecer e, uma vez acordada, dificuldade em voltar a adormecer (bbb), passou a ter dores na anca esquerda, com irradiação para o joelho, dores na coluna, por causa do uso da canadiana (ddd), ficou com dificuldade em levantar o pé esquerdo, levando-a a tropeçar amiúde (eee), dificuldade em cozinhar, por não ter mobilidade total no punho esquerdo (fff) e ainda ficou impossibilitada de pegar nos sacos de compras (ggg);
- Iniciou processo de avaliação e acompanhamento psicológico no Centro Hospitalar ..., em 09.07.2019, por apresentar alterações psicopatológicas decorrentes do acidente de viação, que necessitam o acompanhamento psicológico, sendo que necessitou e necessitará deste tratamento, o qual ainda faz (hhh);
- É acompanhada em Consulta Externa de Psiquiatria na Unidade Local de Saúde ... desde Junho de 2019, “por quadro clínico compatível com o diagnóstico Perturbação de Stress Pós-Traumático, na sequência de grave acidente de viação e múltiplas intercorrências; apresenta à data sintomatologia ango-depressiva proeminente, com labilidade emocional marcada, irritabilidade fácil, descrevendo sentimentos e revolta perante perda de funcionalidade/dependência, e alterações de padrão de sono, nomeadamente insónia inicial e perceção de sono pouco reparador, com hiperactivação autonómica após despertar; reexperienciação de situação traumática em alguns locais/contextos; apresenta queixas álgicas constantes e altamente incapacitantes, astenia marcada e queixas cognitivas nomeadamente dificuldade de concentração; dada a sintomatologia descrita foi feito ajuste terapêutico, estando actualmente medicada com Duloxetina 90mg/dia, Amissulprida 50mg/dia, Trazodona 150mg/noite, Lorazepam 2,5mg/noite, Quetiapina 50mg/noite e Tramadol SOS; encontra-se em acompanhamento Psicoterapêutico, também na Unidade Local de Saúde ..., estando a próxima consulta agendada para dia 29 do presente mês; a patologia que padece causa impacto significativo na sua funcionalidade a nível pessoal, social e laboral (iii);
- As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe:
- Um período de défice funcional temporário total de 292 dias;
- Um período de défice funcional temporário parcial de 525 dias;
- Um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 817 dias;
- Um quantum doloris fixável no grau 6, numa escala de 1 a 7;
- Um dano estético permanente fixável no grau 5, numa escala de 1 a 7;
- Uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
- Uma repercussão permanente na atividade sexual, fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
- Um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos (jjj);
- A consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 25.06.2021 (kkk), data em que a Autora tinha 44 anos de idade;
- Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de medicação analgésica e antidepressiva, sem a qual a Autora não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária (mmm);
- Passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares, designadamente, de consultas de ortopedia, com frequência anual, e de sessões de fisioterapia, com frequência semanal, e de hidroterapia, com frequência semanal (nnn);
- Vai ter de se submeter a cirurgia para renovação da prótese total da anca (ooo);
- Passou a depender, regularmente e até ao fim da vida, de uma tala anti-equino e de uma canadiana para se deslocar, de forma a obter uma maior autonomia e independência nas atividades da vida diária, devendo ser substituídas consoante o uso e desgaste (ppp);
- Sente-se deprimida, desgosta e infeliz com as lesões e sequelas de que ficou a padecer (rrr).

Reapreciada a situação, entendemos que inexistem razões substanciais para divergir do juízo de equidade formulado pelo Tribunal recorrido.

Em primeiro lugar, como resulta dos factos que atrás especificamos, a Autora sofreu lesões objetivamente graves, as quais demandaram um longo período de tratamentos e de recuperação.
Foi submetida a seis intervenções cirúrgicas, a última das quais em 24.09.2020.
Esteve internada em estabelecimentos de saúde desde a data do acidente de viação, ocorrido a 01.04.2019, até 16.04.2020, apenas com um interregno entre 29.11.2019 e 13.02.2020, período durante o qual esteve acamada na sua residência. Mesmo assim, nos dias 24 e 25 de setembro de 2020 esteve novamente internada na Casa de Saúde ..., no ..., para a última cirurgia.
Só no Verão de 2021 conseguiu reunir condições mínimas para o exercício de atividade laboral, ainda assim com fortes limitações.

Em segundo lugar, as lesões e respetivas sequelas, bem como os próprios tratamentos, causaram à Autora elevadíssimo sofrimento físico e psíquico durante o período que mediou entre a data do evento (01.04.2019) e a data da consolidação das lesões (25.06.2021), fixável no grau 6 (numa escala de 7 graus de gravidade crescente).
Depois da consolidação das lesões, o seu padecimento físico e psíquico não terminou, pois continua e continuará a ter dores, designadamente na anca esquerda, com irradiação para o joelho, e na coluna por causa do uso da canadiana.
Vai ter de se submeter a cirurgia para renovação da prótese total da anca e, em consequência, é previsível que sofra as dores e os constrangimentos sempre inerentes a uma cirurgia relevante.
No plano mais subjetivo do estado de espírito da Autora e das consequências produzidas na sua integridade psíquica, verifica-se que esta sente-se deprimida, desgostosa e infeliz com as lesões e sequelas de que ficou a padecer.
Devido às sequelas das lesões vai depender, até ao fim da sua vida, de medicação analgésica e antidepressiva, sem a qual não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária.
Mais, passou a depender regularmente, e até ao fim da vida, de tratamentos médicos regulares, designadamente, de consultas de ortopedia, com frequência anual, e de sessões de fisioterapia, com frequência semanal, e de hidroterapia, com frequência semanal.

Em terceiro lugar, como elemento que materializa as limitações que a Autora passou a ter, verifica-se que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é de 44 pontos.
O referido índice não é uma abstração, pois, para além da incapacidade e inaptidão físicas de que a Autora passou a padecer, as lesões deixaram sequelas psíquicas, como a diminuição da memória e da capacidade de concentração, a labilidade emocional marcada, a irritabilidade fácil, o sentimento de revolta perante a perda de funcionalidade/dependência, as alterações do padrão de sono e a depressão (necessitará, segundo se deu como provado, até ao fim da vida, de medicação antidepressiva), o que tudo representa uma limitação para se realizar como pessoa que deve ser considerada no plano não patrimonial. Não só a Autora sente e vive essas limitações, como há razões objetivas e justificadas para as sentir.

Em quarto lugar, ainda no plano das consequências não patrimoniais do dano biológico, há que considerar também um conjunto de circunstâncias que no atual contexto sociocultural têm muita importância, sendo relevantes para a generalidade das pessoas que integram a nossa sociedade. Desde logo, as lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe um grave e elevado dano estético permanente de grau 5 (escala de 1 a 7). Depois, causaram-lhe uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2. Por último, mas não menos relevante, apresenta uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 2.

Numa ponderação global e porque os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados, afigura-se-nos que os factos provados, em especial os elementos factuais que realçamos, traçam um quadro de padecimento físico e psíquico muito significativo, cuja compensação, a nosso ver, é adequadamente concretizada com o valor fixado na primeira instância, isto é, € 100.000,00.
Este valor não contrasta com os montantes que vêm sendo fixados pelo Supremo Tribunal de Justiça, como resulta dos acórdãos que passamos a enunciar, entre os quais figuram várias situações menos graves do que a da Autora (desde logo ao nível do défice funcional), mas que motivaram a fixação de compensações significativas e que permitem concluir pela justeza do montante fixado pelo Tribunal a quo.
No acórdão do STJ de 17.09.2024 (relator António Magalhães), proferido no processo 2481/20.7T8BRG.G1.S1, concluiu-se: «Considerando que frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano lectivo em consequência das lesões sofridas, que as lesões de que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão, que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4, que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5), que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7, que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares e que necessita actualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico, atribui-se a indemnização por danos não patrimoniais de € 90.000.»
No acórdão do STJ de 14.05.2024 (Luís Espírito Santo), no processo 2736/19.3T8FAR.E1.S1, considerou-se «equitativa a atribuição da compensação no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º, nº 1, do Código Civil, ao A./lesado, de 72 anos de idade, que ao travessar na passadeira destinada aos peões foi colhido por uma viatura automóvel, sendo violentamente projectado no solo e sofrendo luxação do ombro direito, e que, em consequência das sequelas decorrentes das lesões sofridas, registou Défice Funcional Temporário Total de 19 dias; Défice Funcional Temporário Parcial de 948 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 930 dias; Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 37 dias; Quantum Doloris no grau 5/7; um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 20 pontos em 100 (plexopatia braquial direita); Dano Estético Permanente no grau 3/7; e que, neste contexto, deixou de poder utilizar a mão direita para as mais elementares tarefas do dia a dia (escrever, comer, apertar os botões da camisa, apertar e desapertar as calças, lavar dos dentes, pentear-se, manusear o telemóvel ou o comando da televisão), necessitando da ajuda de terceiros para a realização das tarefas diárias básicas, o que acontecerá durante o resto da sua vida; de poder pescar ou caçar, conduzir o seu barco e frequentar actividades associativas e partidárias que antes desenvolvia com habitualidade e prazer; sentindo-se por tudo isto deprimido e muito triste, sem gosto e interesse pela vida, impotente e revoltado, com pesadelos e desânimo constantes, quando antes do atropelamento era uma pessoa activa e dinâmica».
No acórdão do STJ de 10.04.2024 (Maria Olinda Garcia), no processo nº 987/21.0T8GRD.C1.S1, foi fixada a quantia indemnizatória de € 70.000,00 a uma lesada de 45 anos de idade, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária, ficou com um dano estético permanente de grau 2, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 e que não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares.
No acórdão do STJ de 06.06.2023 (Manuel Capelo), no processo 9934/17.2T8SNT.L1.S1, decidiu-se: «É adequada a indemnização de € 50.00,00 por danos não patrimoniais de quem foi atropelado numa passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes; com sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funciona permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo».
No acórdão do STJ de 21.06.2022 (António Magalhães), no processo 1991/15.2T8PTM.E1.S1, fixou-se em € 85.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 30 anos que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 39 pontos, um quantum doloris de grau 5, numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 e consequências permanentes na sua atividade sexual de grau 3.
No acórdão do STJ de 24.02.2022 (relatora Graça Trigo), no processo 1082/19.7T8SNT.L1.S1, foi fixada a quantia indemnizatória de € 50.000,00 a lesado de 39 anos de idade, tendo por base um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos e que com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões).
*
2.2.4. Da duplicação de indemnizações

No âmbito da apelação, a Recorrente defende que não se pode «deixar de fazer uma espécie de «análise de «conjunto», o mesmo é dizer que não pode deixar de se fazer a soma entre a verba respeitante ao dano patrimonial e aqueloutra referente ao dano não patrimonial para avaliar da justeza da decisão e do próprio uso da equidade da sentença (que se traduziu num total – que se entende ser exagerado - de 280.000,00€ a esses títulos)», uma vez que «se corre o sério risco de se verificar, pelo menos numa parte, uma duplicação».

Ressalvada a devida consideração, não há qualquer razão para efetuar uma análise de conjunto para aferir se o valor global de € 280.000 é equitativo, pois estão em causa duas indemnizações independentes entre si e que são fixadas de forma autónoma. É verdade que na sua origem está o dano biológico, mas este não constitui, no nosso ordenamento jurídico, um tertium genus, isto é, uma terceira categoria de danos, ao lado dos danos patrimoniais e dos danos não patrimoniais. O dano biológico, como já se explicitou atrás, é considerado na nossa jurisprudência um dano-evento e o que releva são as suas consequências, patrimoniais ou não patrimoniais. O referido dano não é autonomamente indemnizado.
Na prática surgem com alguma frequência questões sobre se determinada repercussão da violação da integridade físico-psíquica deve ser considerada nos danos patrimoniais ou nos não patrimoniais, mas isso não significa que possa ser valorada na mesma qualidade simultaneamente nas duas categorias de danos.  Se o for, então existirá sobreposição, com a inerente duplicação indemnizatória na parte sobreposta.
Em regra, esgrime-se o aludido argumento relativamente ao défice funcional permanente da integridade físico-psíquica. Todavia, esse índice é considerado na fixação dos danos patrimoniais enquanto elemento significativo de uma perda de rendimento no âmbito do apuramento dos danos futuros. É apenas nessa vertente que é considerado nos danos patrimoniais.
No âmbito da determinação da compensação pelos danos não patrimoniais, o défice funcional serve de referência como elemento aferidor das repercussões das lesões no plano não patrimonial. É sobretudo um elemento que introduz alguma objetividade numa matéria que é por natureza subjetiva.
Portanto, embora em abstrato seja possível uma sobreposição entre a vertente patrimonial do dano biológico e a expressão não patrimonial deste, com a correspondente duplicação das correspondentes indemnizações, no caso dos autos não houve sobreposição alguma.
Comparando a fundamentação da decisão relativa à vertente patrimonial do dano biológico, em termos de danos patrimoniais futuros, e dos danos unicamente não patrimoniais, conclui-se que não houve duplicação.
Com efeito, na sentença, a indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 180.000,00, destinou-se a ressarcir a Autora pela «perda da capacidade de ganho futuro», enquanto na compensação no valor de € 100.000,00 foram considerados apenas fatores relativos aos danos não patrimoniais, como bem se pode constar no extrato que a seguir transcrevemos:
«Assim, atendendo ao número de dias em que a Autora esteve com um défice funcional temporário total (292 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (525 dias), ao período de repercussão temporária na actividade formativa total (817 dias), ao défice permanente (44 pontos), às dores sofridas (6/7), ao dano estético permanente (5/7), à repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer (2/7), à repercussão permanente na actividade sexual, sendo de sublinhar a circunstância de ter ficado com dor crónica, ter visto a sua qualidade de vida, quer do ponto vista físico, quer do ponto de vista social e psiquiátrico, afectada, de ter ficado limitada funcionalmente na vida activa, e, em qualquer juízo de prognose que fizer quanto ao seu futuro, se concluirá que nas actividades mais quotidianas e normais do dia-a-dia necessitará de desenvolver esforços suplementares e de se submeter a tratamentos regulares, consideramos justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 100.000,00.»
Termos em que improcede totalmente a apelação.
***
III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas, na vertente de custas de parte, a suportar pela Recorrente.
*
*
Guimarães, 16.01.2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
António Beça Pereira
Afonso Cabral de Andrade


[1] Na expressão da Portaria nº 377/2008, de 26 de maio.
[2] Disponível para consulta, tal como todos os demais que se citarem no presente acórdão sem indicação da respetiva fonte, em www.dgsi.pt.
[3] Em idêntico sentido, os acórdãos do STJ de 12.03.2009 – proc. 1807/08, de 21.06.2011, proc. 250/07.9TBBGC.P1.S1, de 21.01.2016 – proc. 76/12.8 T2AND.P1.S1, de 07.02.2013 – proc. 3557/07.1TVLSB.L1.S1, de 19.10.2016 – proc. 1893/14.0TBVNG.P1.S1, de 21.03.2019 – proc. 1069/09.8TVLSB.L2.S2, de 19.06.2019 – proc. 80/11.3TBMNC.G2.S1, de 05.02.2020 – proc. 10529/17.6T8LRS.L1.S1 e de 30.03.2023 – proc. 15945/18.3T8PRT.P1.S1.
[4] Aí se refere, de forma contundente, que «a jurisprudência actual é unânime em considerar, para ponto de partida do quantum indemnizatório a título de dano biológico, não a vida activa, mas a esperança média de vida, sendo que esta se cifra, no caso das mulheres já bem acima dos 80 anos de idade».
[5] Revista Julgar, nº 46 (janeiro-abril de 2022), edição da ASJP, pág. 267.
[6] No caso dos autos, as sequelas descritas na matéria de facto afetam a Autora de forma muito significativa e têm uma representação quantitativa no défice funcional da integridade física e psíquica, que lhe diminui a capacidade física e de ganho. A manutenção das limitações e das dores decorrentes do acidente são um fator desestabilizador da vida profissional da Autora e da sua situação económica, dadas as consequências diretas e indiretas que a jurisprudência geralmente aponta como sendo previsíveis, tais como as enunciadas nos arestos citados no texto.
Como bem se pondera no acórdão do STJ de 04.07.2023 (Jorge Leal), proferido no processo 342/19.1T8PVZ.P1.S1, tendo-se provado que a lesada, em resultado do acidente, «passou a sofrer de um défice funcional permanente relevante, que necessariamente afeta a sua capacidade de trabalho, reduzindo a sua eficiência, qualidade e produtividade. Assim, é de prever que esse handicap atual e futuramente se reflita no património da A., através da perceção de rendimentos fruto da sua força de trabalho inferiores àqueles com que a A. podia legitimamente contar se mantivesse as qualidades físicas e psíquicas que tinha antes do acidente.»
[7] A referida fórmula de cálculo e a mesma proporção de desconto foram utilizadas no recente acórdão do STJ de 27.11.2024 (Maria de Deus Correia), proferido no proc. 9774/21.4T8PRT.P1.S1.
[8] Deve considerar-se preponderante a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, dada a natureza da sua intervenção e a função de uniformização da jurisprudência.