RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
IDENTIDADE DE FACTOS
TRÂNSITO EM JULGADO
ACORDÃO FUNDAMENTO
TEMPESTIVIDADE
Sumário


O prazo previsto no número 4 do artigo 215.º, do Código de Processo Penal, para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade do processo, é o prazo supletivo de 10 dias previsto no artigo 105º, nº 1 do Código de Processo Penal e o mesmo pode ser encurtado pelo juiz?

Texto Integral

Acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

I.1. O arguido AA, não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Junho de 2024, transitado em julgado a 11 de Julho de 2024, acórdão recorrido, do mesmo, veio interpor recurso extraordinário para FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 437.º e seguintes do Código de Processo Penal.

Invoca como Acórdão fundamento o proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa 08 de Janeiro de 2008, no Processo n.º 10110/2007-5, transitado em julgado e publicado em www.dgsi.pt

I.2. O recorrente apresentou as seguintes conclusões:

I

Em 05/09/2023 foi o Arguido notificado da intenção do Tribunal a quo de proceder à “declaração de especial complexidade do processo, nos termos do artigo 215º, n.º3 e 4, do Código de Processo penal.”, para tanto determinou que “… se proceda à notificação do Ministério Público, bem como dos arguidos, para, querendo, e em 5 (cinco) dias, se pronunciarem sobre a (eventual) declaração de especial complexidade do processo.”

II

O Recorrente em tempo suscitou a irregularidade do referido despacho.

III

Em 11/03/2024 o Tribunal de 1ª instância indeferiu a Irregularidade suscitada pelo Arguido.

IV

Em 09/04/2024 o Arguido recorreu desse despacho para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

V

Em 18/06/2024 o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entendeu que:

“Isto é, o prazo supletivo não pode ser entendido, a nosso ver, como um prazo mínimo intransponível. Intransponível será aquele prazo que obsta ao efetivo exercício do contraditório, que como vimos já, pode até ser (em situações extremas) o de 24 horas.


Deste modo, porque na situação em apreço a redução do prazo a 5 dias não inviabilizou o exercício do contraditório e foi fundada na natureza urgente do processo, na fase processual e prazos em curso e, bem assim, na comunicação aos arguidos dos argumentos que se entendiam sustentar essa mesma decisão, entendemos que não foi uma decisão meramente arbitrária.

Assegurando o processo criminal todas as garantias de defesa e, por via disso, o exercício do contraditório, nos termos do art. 32º, nºs.1 e 5, da CRP, resulta que ao arguido/recorrente foi dada a oportunidade de se pronunciar em prazo consentâneo com a celeridade e com a necessidade que os autos revelam, sem exceder a natural compressão justificada pelo tipo de decisão a proferir e pelas finalidades impostas pela especificidade encerrada nos autos, e desse modo, inexistiu qualquer violação dos arts. 20º, 32º, 202º, 203º 205º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.”

VI

Em consequência, decidiu:

Em face de todo o exposto, acordam as Juízas da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em:

1 – Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA do despacho exarado a 11.03.2024, julgando inexistir qualquer nulidade ou irregularidade do mesmo.”

VII

Porém, sobre a mesma questão de direito – determinação de prazo para exercício do Direito ao Contraditório na declaração de Excecional Complexidade do Processo – e no domínio da mesma legislação, o mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu em sentido manifestamente oposto, por Acórdão de 08/01/2008, proferido no âmbito do processo n.º 10110/2007-5, publicado em www.dgsi.pt, transitado em julgado (acórdão fundamento);

VIII

Como se defendeu no Acórdão fundamento:

Não indicando o n.º 4 do artigo 215º, do CPP, o prazo para o arguido e o assistente se pronunciarem sobre a excepcional complexidade do processo, a conclusão que se impõe é a de que esse prazo é o de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 105º do CPP (cfr.neste sentido o acórdão do STJ de 14 de Novembro de 2007,disponível em http://www.dgsi.pt/jstj).


Em primeiro lugar, concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo, só o arguido – pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido – podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o acto processual antes de o mesmo se esgotar. Esta é a solução que resulta do disposto no artigo 107º, n.º 1, do CPP.

Em segundo lugar, embora se colham nas disposições do Código de Processo Penal exemplos de atribuição de poderes ao juiz para fixar prazos para a prática de certos actos processuais (cfr. artigos 157º,n.º 3, e 165º, n.º 2), não se extrai do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribuam ao juiz o poder de reduzir, unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, um prazo fixado na lei para ele exercer os seus direitos de defesa.

Em terceiro lugar, embora a lei preveja, em casos de urgência, modificações no tempo dos actos processuais e reduções dos prazos para cumprimento de termos e mandados (cfr. artigos 103º, n.º 2,alínea a), e 106º, n.º 2, ambos do CPP), é, no entanto, inequívoco que essas modificações e essas reduções de prazos são estabelecidas sempre a favor do arguido e do seu direito à liberdade e nunca contra ele ou a favor da privação da sua liberdade. (Vide doc.1)

IX

Com o devido respeito considerando os Princípios Constitucionais da Presunção da Inocência e da Prisão preventiva como última ratio, apenas esta interpretação faz sentido.

X

Acresce, igualmente, que apenas a interpretação sufragada no Aresto citado se compadece com os princípios da Certeza, transparência e Segurança Jurídica.

XI

Um dos corolários do Estado de Direito Democrático é o princípio da legalidade.

XII

Estipula o art. 105.º, n.º 1, do CPP que o prazo para a prática de actos processuais:

1 – Salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias ...”

XIII

No CPP não existe dispositivo legal que estabeleça prazo para que o arguido se pronuncie sobre a EXCEPCIONAL COMPLEXIDADE dos autos, pelo que, será aplicado in casu, o prazo geral, nos termos da norma supra citada.

XIV

Também não existe no CPP norma que encurte esse prazo geral, ou que permita ao Tribunal, discricionária e arbitrariamente, determinar o prazo que entenda conveniente para a defesa dos Arguidos, nomeadamente, se não obtiver a concordância deste.

XV

A concessão ao ora arguido um prazo inferior a 10 dias configura uma evidente irregularidade. A defesa do Arguido suscitou, em tempo, a referida Irregularidade e nunca prescindiu do prazo de 10 dias para responder.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão deve o presente recurso ser recebido e obtendo provimento deve ser fixada jurisprudência no sentido que, nos termos do artigo 215º, n.º4 do C.P.P.:

“Concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo, só o arguido – pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido – podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o acto processual antes de o mesmo se esgotar.”

Assim, decidindo farão V. Exas. a esperada

JUSTIÇA

I.3. O Ministério Público respondeu ao recurso, não apresentando conclusões mas concluindo nos seguintes termos: “Assim, e caso se entenda por verificados os requisitos formais para fazer uso do regime constante do artigo 437º e segs. do CPP, como pretende o Recorrente, a Jurisprudência a fixar deverá ser sempre no sentido de permitir o estabelecimento de prazo inferior a 10 dias aos sujeitos processuais, a fim de que se possam pronunciar sobre alguma questão suscitada ao longo do processo, ficando a duração do mesmo dependente de análise fundamentada do Tribunal, pelo que o sentido da Jurisprudência preconizado no Recurso apresentado pelo Arguido deve ser vigorosamente rejeitado por V. Exas.

I.4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer concluiu: “Estão, pois, os dois acórdãos em oposição em relação à questão de direito enunciada, pelo que deve ser declarada a oposição de julgados, determinando-se o prosseguimento do processo - artigo 441.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Penal.

I.5. O recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, voltando a pugnar pela procedência do recurso.

I.6. Efectuado o exame preliminar, o processo foi aos vistos e remetido à conferência, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 440.º do Código de Processo Penal.

Cumpre apreciar e decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO

II.1. Sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o artigo 437.º do Código de Processo Penal, no que tange à interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:

«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.

2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.

5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».

Por sua vez o artigo 438º, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, dispõe:

“1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.

3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.”

II.2. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência visa a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, “no interesse da unidade do direito”, resolvendo o conflito suscitado (artigo 445.º, n.º 3, do Código de Processo Penal), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, para situação de facto idêntica e no domínio da mesma legislação, assim fomentando os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.

Como se diz no acórdão nº 5/2006 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.» Por isso se lhe atribui carácter normativo.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2021, “constitui jurisprudência assente deste Supremo Tribunal que só havendo identidade de situações de facto nos dois acórdãos é possível estabelecer uma comparação que permita concluir, quanto à mesma questão de direito, que existem soluções jurídicas opostas, bem como é necessário que a questão decidida em termos contraditórios seja objeto de decisão expressa, isto é, as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas (ac. STJ 30.01.2020, proc. n.º 1288/18.6T8CTB.C1-A.S1, 5.ª, ac. STJ 11.12.2014, proc. 356/11.0IDBRG.G1-A.S1 – 5.ª).”1

O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo igualmente a reiterar que a interposição do recurso para fixação de jurisprudência, depende da verificação de pressupostos formais e materiais.2

São requisitos de ordem formal:

i. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis) e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o Ministério Público);

ii. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito;

iii. o trânsito em julgado de ambas as decisões;

iv. tempestividade (a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar).

São requisitos de ordem material:

i. a existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;

ii. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;

iii. oposição referente à própria decisão e não aos fundamentos;

iv. as decisões em oposição sejam expressas;

v. a identidade de situações de facto.

II.3. Da verificação dos pressupostos formais no caso concreto.

Legitimidade e interesse em agir: O arguido tem legitimidade e interesse em agir (artigo 437º, nº 5 do Código de Processo Penal).

Tempestividade: Nos termos do artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o recurso para fixação de jurisprudência deve ser interposto no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido.

O acórdão recorrido foi proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa 18 de Junho de 2024, transitou em julgado 11 de Julho de 2024.

O presente recurso foi interposto em 31 de Julho de 2024, portanto dentro dos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado do mesmo.

O Acórdão fundamento, proferido em 08 de Janeiro de 2008, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. nº NUIPC 140/06.2JFLSB, cuja cópia foi junta aos autos, o qual transitou em julgado.

Assim, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido.

Invocação, identificação, cópia do acórdão fundamento (só um) e indicação da sua publicação (artigo 438, nº 2): Para oposição de julgados como acórdão fundamento o Recorrente invocou o acórdão proferido a 08 de Janeiro de 2008, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do Proc. nº NUIPC 140/06.2JFLSB e do mesmo juntou cópia.

Com o que preenchido está também este pressuposto de invocação de um único acórdão fundamento.

Trânsito em julgado dos dois acórdãos contraditórios de tribunais superiores: está em causa a contraditoriedade de dois acórdãos da mesma Relação e os dois transitaram em julgado (arts 438, nº 1, e 437, nº 4).

Justificação da oposição, de facto e de direito (438, nº 2): O arguido recorrente explicita bem a oposição entre o decidido nos dois acórdãos. E, na concretização das idênticas situações de facto e na comparação das opostas decisões de direito, resume-a considerando que no acórdão recorrido foi decidido que o prazo supletivo de 10 dias previsto no artigo 105º do Código de Processo Penal, não é prazo mínimo intransponível para efeitos do artigo 215°, n° 4 do Código de Processo Penal e no acórdão fundamento foi decidido que “Não indicando o n.º 4 do artigo 215º, do CPP, o prazo para o arguido e o assistente se pronunciarem sobre a excepcional complexidade do processo, a conclusão que se impõe é a de que esse prazo é o de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 105º do Código de Processo Penal.”

Mostra-se, pois, verificado o pressuposto da justificação da oposição.

Não se conhece jurisprudência fixada pelo STJ na questão que vem suscitada.

Por tudo isto, estão verificados todos os pressupostos formais de que depende a admissibilidade do recurso ordinário para fixação de jurisprudência.

II.4. Da verificação dos pressupostos materiais/substanciais no caso sub judice.

Oposição de dois acórdãos de tribunais superiores tirados sob o domínio da mesma legislação (artigo 437, nºs 1 e 2): A oposição tem de ocorrer entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça tirados em processos diferentes ou um acórdão da Relação que não admite recurso ordinário e que não tenha decidido contra jurisprudência fixada e outro anterior de tribunal da mesma hierarquia ou do Supremo Tribunal de Justiça.

Aqui estamos efetivamente na presença de dois acórdãos prolatados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, com uma diferença temporal de dezasseis anos. O Recorrente descreveu a oposição e delimitou a visada uniformização.

Os acórdãos em oposição foram proferidos no âmbito da mesma legislação, (437, nº 3) ou seja, durante o intervalo de tempo da sua prolação, cerca de dezasseis anos, não sobreveio modificação legislativa que interferisse, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.

No caso, não houve alteração legislativa nem no que concerne ao prazo supletivo previsto no Código de Processo Penal, nem na obrigatoriedade de audição dos sujeitos processuais sobre a declaração de especial complexidade.

Prolação de decisões opostas (437, nº 1): No caso concreto as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos, consagraram soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito, as quais ditaram “soluções opostas” na interpretação e aplicação das mesmas normas perante factos idênticos.

Analisando o acórdão recorrido proferido nos autos de que este recurso é apenso e o acórdão fundamento (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 08 de Janeiro de 2008, no Processo n.º 10110/2007-59), verificamos que se reportam à mesma questão de direito, que é a de saber se o prazo previsto no número 4 do artigo 215.º, do Código de Processo Penal, para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade do processo, é o prazo supletivo de 10 dias previsto no artigo 105º, nº 1 do Código de Processo Penal e, se o mesmo pode ser encurtado pelo juiz.

Além disso, também do confronto do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, verifica-se que há identidade de factos entre ambas as decisões, que foram objeto de recurso.

É evidente a consagração de soluções opostas.

Vejamos.

No acórdão recorrido considerou-se, além do mais, “(…) Nos termos do disposto no art. 215°, n° 4 do Código de Processo Penal, a excecional complexidade pode ser declarada durante a 1ª instância, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Publico, ouvidos o arguido e o assistente.

Este artigo não estabelece um qualquer prazo para o exercício do contraditório. Porém, estabelece o art. 105°, n° 1 do Código de Processo Penal que, salvo disposição em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer ato processual.

A questão da possibilidade de encurtamento deste prazo supletivo não é pacífica, existindo jurisprudência dos tribunais superiores que entende que tal não é possível, salientando-se nesta o Acórdão do TRL de 08.01.2008 [processo 10110/2007-5, disponível in www.dgsi.pt] que o recorrente cita e, bem assim, o acórdão do TRL de 08.10.2009, disponível in CJ Ano XXXIV, T. IV, 2009, pág. 139 a 142, este com um voto de vencido.

Em sentido contrário, o Acórdão do STJ de 11.10.2007 [processo n° 07P3852, disponível in www.dgsi.pt] e os Acórdãos do TRE de 28.10.2010 e de 04.04.2017 [proferidos no processo n° 98/08.3PESTB-C.E1 e no processo n° 12/13.4SVLSB-J.E1, ambos disponíveis in nwww.dgsi.pt].

Cremos que a fixação deste prazo supletivo não imporá, por si só, a impossibilidade de o Juiz, na ponderação do caso concreto, poder fixar um prazo inferior, desde que, naturalmente, esse prazo permita assegurar o cumprimento efetivo do direito ao contraditório

Aliás, no Acórdão do STJ de 11.10.2017 acima referido, admite-se que o prazo do contraditório, se razões ponderosas o justificarem (como sejam a de estar a findar o prazo de prisão preventiva) possa ser reduzido a 24 horas.

Isto é, o prazo supletivo não pode ser entendido, a nosso ver, como um prazo mínimo intransponível. Intransponível será aquele prazo que obsta ao efetivo exercício do contraditório, que como vimos já, pode até ser (em situações extremas) o de 24 horas.

Aliás, como é salientado no voto de vencido aposto no acórdão do TRL de 08.10.2009 (acima mencionado): "Não indicando o n° 4 , do art. 215° o prazo para o arguido e se pronunciarem sobre a excecional complexidade do processo, assinalando a lei no art. 105° n° 1 do Código de Processo Penal, 10 dias o prazo para a pratica de qualquer ato processual, haverá que ajuizar se o encurtamento de tal prazo não confere uma efetiva oportunidade para o exercício do contraditório.

(...)

Não indicando a lei processual penal qual o prazo mínimo para a prática de um ato processual, sendo que exemplificativamente , nos casos prevenidos no art. 358°, n° 1 do Código de Processo Penal (comunicação ao arguido de alteração não substancial dos factos descritos na acusação, verificados em audiência para preparação da defesa), esse prazo estritamente necessário para preparação da defesa pode ser inferior ao prevenido no art. 105° do Código de Processo Penal, o prazo supletivo previsto neste, pode ceder no caso do art. 215°, n° 4 do Código de Processo Penal, impor determinação do JMÍ\ desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da acção penal e do dever funcional de não exceder os prazos de prisão preventiva, exercido que se mostre o direito de audição do arguido

E assim é, porque, em processo penal, para além dos direitos de defesa, há outros princípios não menos importantes como os da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar e punir os seus responsáveis.”

Por sua vez, no acórdão fundamento, considerou-se, além do mais, “(…) Conforme se escreveu acima, o que se discute no presente recurso é o prazo para o exercício deste contraditório.

Não indicando o n.º 4 do artigo 215º, do CPP, o prazo para o arguido e o assistente se pronunciarem sobre a excepcional complexidade do processo, a conclusão que se impõe é a de que esse prazo é o de 10 dias previsto no n.º 1 do artigo 105º do CPP (cfr. neste sentido o acórdão do STJ de 14 de Novembro de 2007, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj).

Com efeito, nos termos desta disposição, salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo a prática de qualquer acto processual.

Deste modo pode responder-se à primeira questão acima enunciada, afirmando-se que a lei estabelece o prazo de 10 dias para o arguido se pronunciar, nos termos do n.º 4, do artigo 215º, do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sobre a excepcional complexidade do processo.

Embora o Meritíssimo juiz a quo e o Ministério Público concordem com o entendimento de que, salvo disposição legal em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto no processo penal, alinham, no entanto, várias razões a favor da legalidade da fixação ao arguido de um prazo peremptório de 24 horas para se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo.

Em primeiro lugar, concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo, só o arguido – pessoa em benefício da qual o prazo foi estabelecido – podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o acto processual antes de o mesmo se esgotar. Esta é a solução que resulta do disposto no artigo 107º, n.º 1, do CPP.

Em segundo lugar, embora se colham nas disposições do Código de Processo Penal exemplos de atribuição de poderes ao juiz para fixar prazos para a prática de certos actos processuais (cfr. artigos 157º, n.º 3, e 165º, n.º 2), não se extrai do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribuam ao juiz o poder de reduzir, unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, um prazo fixado na lei para ele exercer os seus direitos de defesa.

Em terceiro lugar, embora a lei preveja, em casos de urgência, modificações no tempo dos actos processuais e reduções dos prazos para cumprimento de termos e mandados (cfr. artigos 103º, n.º 2, alínea a), e 106º, n.º 2, ambos do CPP), é, no entanto, inequívoco que essas modificações e essas reduções de prazos são estabelecidas sempre a favor do arguido e do seu direito à liberdade e nunca contra ele ou a favor da privação da sua liberdade. Ora, no caso concreto, a urgência foi invocada pelo despacho recorrido em sentido contrário: para reduzir ao mínimo o prazo para o arguido exercer o contraditório e para elevar o prazo de duração máxima da sua prisão preventiva.

Apreciemos, de seguida, a argumentação desenvolvida pelo Ministério Público na resposta ao recurso a favor da legalidade do despacho recorrido. Para tanto irá seguir-se a ordem das conclusões. Importa dizer que esta argumentação reproduz, no essencial, a que foi utilizada no Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2007, processo n.º 07P3852, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.

O primeiro argumento invocado é o de que da norma do artigo 215º, do CPP, considerada no seu todo, resulta que há prazos imperativos que determinam o tempo máximo de prisão preventiva em determinada fase processual e, portanto, os actos processuais que lhe dizem respeito têm de ser praticados em momento consentâneo. E são os prazos máximos de prisão preventiva que nunca devem ser ultrapassados e não é o prazo supletivo que tem de ser sempre observado.

É certo que o artigo 215º do CPP estabelece prazos de duração máxima da prisão preventiva, variáveis em função da fase do processo, e que os actos processuais, que dizem respeito a cada uma dessas fases, têm de ser praticados em momento consentâneo com esses prazos.

Porém, daqui não se retira qualquer argumento para a defesa da legalidade do despacho recorrido.

Em primeiro lugar, não tem fundamento legal a invocação de uma medida estabelecida a favor do arguido e do direito à liberdade, como sucede com a fixação de prazos de duração máxima da prisão preventiva, para limitar o exercício dos direitos de defesa do arguido.

Em segundo lugar, não se vê qualquer relação entre a concessão ao arguido do prazo legal para se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo e o desrespeito do prazo máximo de duração da prisão preventiva. Eram totalmente compatíveis entre si o respeito do prazo de duração máxima da prisão preventiva e o respeito do prazo legal para o arguido se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo. O prazo de 24 horas assinalado ao arguido não serviu para respeitar o prazo de duração máxima da prisão preventiva. O prazo de 24 horas assinalado ao arguido serviu para elevar o prazo máximo de duração da prisão preventiva.

Em terceiro e último lugar, se é certo que os actos processuais devem ser praticados durante o inquérito de forma a serem observados os prazos de prisão preventiva, também é certo que o destinatário deste dever é o Ministério Público, a quem compete dirigir o inquérito.

Lançando um olhar sobre os fundamentos que o Ministério Público invocou para obter a declaração da excepcional complexidade do processo, não pode deixar de concordar-se com o recorrente quando afirma que o Ministério Público podia ter obtido esta declaração com o consequente alargamento do prazo máximo de prisão preventiva para 12 meses, antes das alterações ao artigo 215º do CPP.

O segundo argumento invocado pelo Ministério Público em abono da legalidade do despacho recorrido é o de que o prazo supletivo previsto pelo n.º 1 do artigo 105º, do CPP, pode ceder no caso do artigo 215º, n.º 4, do mesmo diploma legal, por determinação do juiz, desde que estejam postos em causa os interesses relevantes da prossecução da acção penal e do dever funcional de não exceder a prisão preventiva e desde que seja evidente que o direito de defesa teve uma efectiva possibilidade de ser exercido eficazmente.

Salvo o devido respeito, este argumento também não colhe.

Em primeiro lugar e conforme já foi dito anteriormente, a concessão ao arguido do prazo legal para se pronunciar acerca da excepcional complexidade do processo não determinava o desrespeito do prazo máximo de duração da prisão preventiva.

Em segundo lugar, a concessão desse prazo também não contenderia com quaisquer interesses relevantes da prossecução da acção penal, designadamente a celeridade e a prossecução do interesse público na investigação dos crimes. Só assim seria se a concessão do prazo de 10 dias determinasse o encerramento do inquérito e impedisse a continuação da investigação. Ora, nada disto se passaria. Na verdade, mesmo a violação dos prazos de duração máxima do inquérito não determina a inviabilidade da prossecução penal. Esta violação, além de constituir o magistrado titular do inquérito na obrigação de a comunicar ao superior hierárquico (artigo 276º, n.º 4, do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), pode determinar apenas a aceleração processual (artigo 276º, n.º 6, do CPP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto). Conforme refere Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume III, páginas 92, “os prazos máximos de duração do inquérito não são, pois, prazos peremptórios, o que bem se compreende, dado não ser possível demarcar o tempo de duração de uma investigação”.

O terceiro argumento invocado para sustentar a manutenção do despacho recorrido é o de que, sendo a audição do arguido, antes da declaração de excepcional complexidade, um acto processual, o prazo para a sua efectivação é um prazo processual, aplicando-se, por isso, o artigo 103º do CPP e, neste caso, a excepção prevista pelo seu n.º 2, pelo que, estando em causa uma decisão susceptível de determinar um agravamento do prazo máximo de prisão preventiva, ou, ao invés, a cessação de tal medida, nada obstava a que o prazo fixado pelo juiz pudesse ser mais reduzido que o prazo supletivo de 10 dias.

Salvo o devido respeito, este argumento também não colhe.

O artigo 103º do CPP diz respeito ao tempo da prática dos actos no processo penal, estabelecendo o n.º 1 que esses actos praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.

O n.º 2 estabelece várias excepções a esta regra, sendo que a única susceptível de ter alguma relação com o caso dos autos é a da alínea a). Nos termos desta alínea, os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas podem ser praticados fora dos dias úteis, fora das horas de expediente dos serviços de justiça e dentro do período de férias judiciais.

É, assim, claro que da norma da alínea a), do n.º 2 do artigo 103 do CPP, não decorre a atribuição ao juiz de qualquer poder para reduzir unilateralmente os prazos legais.

Porém, se algum contributo se pudesse extrair da norma em causa para a decisão do caso presente, esse contributo seria certamente o de que a prática de actos fora do tempo normalmente previsto para tanto tem por função garantir a liberdade e não a privação da liberdade. Assim sendo, não tem cabimento invocar a alínea a), do n.º 2 do artigo 103º, do CPP, para justificar uma solução cujo resultado é a manutenção da privação da liberdade do arguido.

O quarto argumento invocado pelo Ministério Público foi o de que o prazo de 24 horas concedido pelo Meritíssimo juiz para o arguido se pronunciar nos termos do artigo 215º, n.º 4, do CPP, era imperioso face à iminência de estar a findar o prazo máximo da prisão preventiva e de se inviabilizar a prossecução penal, em virtude da mudança da lei processual e o efémero período de vacatio legis que provocou a situação.

Este argumento já obteve, de alguma forma, resposta.

Em primeiro lugar, não há qualquer norma ou princípio que sustentem que, estando iminente o fim do prazo de duração máxima da prisão preventiva, sejam encurtados os prazos reconhecidos por lei ao arguido para exercer os seus direitos de defesa.

Em segundo lugar, pelo que se deixou escrito mais acima, não tem fundamento a afirmação de que a concessão do prazo de 24 horas ao arguido era imperioso para evitar a inviabilidade da prossecução penal. Só assim seria se houvesse norma ou princípio que estabelecessem que, no caso de a prisão preventiva se extinguir por ter decorrido o prazo da sua duração máxima, não era viável o prosseguimento do processo penal. Ora é manifesto que não há norma ou princípio com este alcance.

Um quinto argumento invocado na resposta ao recurso foi o de que o arguido teve efectiva oportunidade de se pronunciar uma vez que foi notificado num dia e logo no dia imediato veio arguir a irregularidade do despacho em causa, podendo ter-se pronunciado, como se lhe pedia, sobre a complexidade dos autos.

É manifesto que este argumento também não colhe.

Em primeiro lugar, o facto de o arguido invocar, no dia imediatamente a seguir à sua notificação, a ilegalidade do prazo que lhe foi concedido não significa que teve efectiva oportunidade de se pronunciar. Se a lei assinala um prazo de 10 dias para o exercício do contraditório relativamente a uma questão processual isso significa que aos olhos da lei – e salvo renúncia da pessoa em benefício do qual o prazo é estabelecido – só o referido prazo confere uma efectiva oportunidade para o exercício do contraditório. Não cabe ao juiz alterar este juízo do legislador nem interferir no exercício do contraditório por parte do interessado.

Ao arguir, no dia imediatamente a seguir à sua notificação, a ilegalidade do prazo de 24 horas, o arguido não exerceu o contraditório; o arguido agiu cautelarmente em defesa do contraditório.

A vingar o argumento ora em apreciação ficaria sem sentido o regime de arguição das irregularidades previsto no n.º 1, do artigo 123º, do CPP, como não se compreenderia que o legislador tenha previsto expressamente a hipótese de o interessado, a quem não foi efectuada uma notificação ou uma convocação para um acto processual, compareça apenas com a intenção de arguir a nulidade respeitante à falta ou a vício de notificação ou de convocação para acto processual (cfr. artigo 121º, n.º 2 e 3, do CPP).

Um sexto argumento é o de que o artigo 268º, n.º 4, do CPP manda que o juiz de instrução se pronuncie, no prazo máximo de 24 horas, sobre os requerimentos apresentados pelo Ministério Público.

Este argumento também não colhe pois o prazo de 24 horas previsto no n.º 4, do artigo 268º, do CPP, é aplicável exclusivamente às decisões do juiz de instrução sobre as matérias previstas nesse artigo.

Feito este percurso conclui-se que o despacho que concedeu 24 horas ao arguido para se pronunciar sobre a excepcional complexidade do processo é ilegal porque violou o disposto nos artigos 105º, n.º 1, e 215º, n.º 4, ambos do CPP.

Esse despacho constituiu um acto irregular, pois a lei não comina a nulidade para a inobservância do disposto nos artigos 105º, n.º 1, e 215º, n.º 4, ambos do CPP (artigo 118º, n.ºs 1 e 2, do CPP).

Como resulta das transcrições supra, em ambas as decisões em confronto neste recurso extraordinário, isto é, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, há identidade de factos.

Acresce que, os acórdãos recorrido e fundamento, apesar de partirem de idêntica situação de facto e de serem proferidas no domínio da mesma legislação, referindo-se à mesma questão de direito, chegaram a soluções opostas, decidindo expressamente de forma oposta.

Com efeito, perante a mesma questão de direito, a saber, se o prazo previsto no número 4 do artigo 215.º, do Código de Processo Penal, para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade do processo é o prazo supletivo de 10 dias previsto no artigo 105º, nº 1 do Código de Processo Penal e se o mesmo pode ser encurtado pelo juiz, proferiram decisões divergentes.

Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer: “No caso vertente, do cotejo dos acórdãos recorrido e fundamento verifica-se que ambos incidem sobre uma situação idêntica, de facto e de direito.

Com efeito, a questão que foi discutida em ambos os acórdãos foi a de saber se o prazo previsto no número 4 do artigo 215.º, do CPP, para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excecional complexidade do processo é de 10 dias (105.º n.º 1 do CPP) e, se o mesmo pode ser encurtado pelo juiz.

Quanto à primeira parte da questão, ambos os acórdãos responderam de forma idêntica, considerando que, o prazo para o arguido se pronunciar sobre a declaração de excepcional complexidade do processo, é de 10 dias, face a aplicação subsidiária do disposto no artigo 105.º n.º 1 do C.P.P.

Mas já em relação à segunda parte da questão – a de saber se o prazo de 10 dias pode ser encurtado – o acórdão recorrido e fundamento tiveram posições divergentes.

De facto, ao contrário do que se decidiu no acórdão fundamento, no acórdão recorrido o tribunal entendeu que tal prazo pode ser encurtado, já que, o mesmo não é um prazo mínimo intransponível e, na ponderação do caso concreto, pode fixar-se um prazo inferior, desde que, naturalmente, esse prazo permita assegurar o cumprimento efetivo do direito ao contraditório.

E assim é, porque, em processo penal, para além dos direitos de defesa, há outros princípios não menos importantes como os da celeridade e da prossecução do interesse público em investigar e punir os seus responsáveis

Já no acórdão fundamento, o Tribunal da Relação decidiu diversamente pois, aplicando a mesma norma legal em similar enquadramento factual, considerou que concedendo a lei, ao arguido, um prazo de 10 dias para ele se pronunciar sobre a excecional complexidade do processo, só o arguido podia renunciar ao decurso do prazo ou praticar o ato processual antes de o mesmo se esgotar. Considerou-se, aqui, que não se extraindo do Código de Processo Penal qualquer norma ou princípio que atribua ao juiz o poder de reduzir aquele prazo, este não pode decidir unilateralmente e contra a vontade expressa do arguido, reduzir um prazo fixado na lei para que este exerça os seus direitos de defesa.

Verifica-se assim que os acórdãos recorrido e fundamento foram proferidos no domínio da mesma norma -o artigo 215.º n.º 4 do CP, na sua atual redação, e deram respostas opostas ao âmbito da sua previsão, como se assinalou.

Estão, pois, os dois acórdãos em oposição em relação à questão de direito enunciada, pelo que deve ser declarada a oposição de julgados, determinando-se o prosseguimento do processo - artigo 441.º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Penal.

Tem inteira razão o Senhor Procurador-Geral Adjunto.

Estamos, na verdade, perante decisões em oposição que são bem expressas nos dois acórdãos (recorrido e fundamento) em análise.

Recorrido e fundamento assentaram, pois, em soluções de direito opostas, no domínio da mesma legislação, sobre situação de facto idêntica, pelo que este Supremo Tribunal de Justiça terá de decidir em termos de uniformização da jurisprudência.

Nestes termos, concluindo-se pela verificação de todos os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário de jurisprudência, deve o presente recurso prosseguir, nos termos do artigo 441, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal.

III. DECISÃO

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª Secção, acorda em julgar procedente o recurso e verificada a oposição de julgados e, em conformidade, ordenar o prosseguimento do recurso, nos termos do artigo 441, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Dezembro de 2024.

Antero Luís (Relator)

Carlos Campos Lobo (1º Adjunto)

António Augusto Manso (2º Adjunto)

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1. Proc. nº 613/95.0TBFUN-A.L1-C.S1, disponível em www.dgsi.pt

2. Veja- se por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2024, proc.298/22.3YUSTR.L1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt