FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
FACTOS INSTRUMENTAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
FACTOS CONCRETIZADORES
PRINCÍPIO GERAL DE APROVEITAMENTO DO PROCESSADO
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
ADEQUAÇÃO FORMAL
PROCESSO EQUITATIVO
PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Sumário


I. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.
II. O atual Código de Processo Civil consagra um modelo enformado pelos princípios da prevalência do fundo sobre a forma e do aproveitamento (sempre que possível) dos atos processuais, implícitos em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547º, do CPC), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de "processo justo" ("fair trial"; "due process").
III. Assiste-se, assim, a uma tendência para a superação do formalismo e rigidez que tradicionalmente dominavam as abordagens daquela problemática, com base, precisamente, na ideia de que não há uma exata separação entre a matéria de facto e a matéria de direito.
IV. No contexto do conjunto da factualidade provada e das posições assumidas pelas partes nos articulados, afigura-se-nos que as formulações em discussão na revista, embora contendo algumas valorações, se encontram suficientemente concretizadas e contêm um substrato factual relevante, sendo certo que a apreensão do seu sentido global não suscita dificuldades significativas a um destinatário normal.
V. Tratando-se de elemento decisivo para a boa decisão da causa, na fixação dos factos provados e não provados impunha-se às instâncias – relativamente ao âmbito, teor e alcance dessa alegação – uma dimensão corporizadora (traduzida na concretização do adequado e indispensável conteúdo factual), mediante o uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento de facto, seja, nos termos gerais, no respeitante à consideração de factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602º, nº 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, no tocante a factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art. 72º, do CPT.

Texto Integral


Revista n.º 2315/23.0T8PTM.E1.S1

MBM/JG/JES


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, KKKK, LLLL, MMMM, NNNN, OOOO, PPPP, QQQQ, RRRR, SSSS, TTTT, UUUU, VVVV, WWWW, XXXX, YYYY, ZZZZ, AAAAA, BBBBB, CCCCC, DDDDD , EEEEE, FFFFF, GGGGG, HHHHH, IIIII, JJJJJ, KKKKK, LLLLL, MMMMM, NNNNN, OOOOO, PPPPP, QQQQQ, RRRRR, SSSSS, TTTTT, UUUUU, VVVVV, WWWWW, XXXXX, YYYYY, ZZZZZ, AAAAAA , BBBBBB, CCCCCC, DDDDDD, EEEEEE, FFFFFF, GGGGGG, HHHHHH, IIIIII, JJJJJJ, KKKKKK , LLLLLL, MMMMMM, NNNNNN, OOOOOO, PPPPPP, QQQQQQ, RRRRRR, SSSSSS, TTTTTT, UUUUUU e VVVVVV intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.

2. Na 1.ª Instância, a ação foi julgada procedente, decidindo-se:

a) Declarar que todos os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem;

b) Condenar a ré a atribuir aos autores 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 23.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 33.º, 36.º, 38.º, 43.º, 44.º, 47.º, 48.º, 49.º, 53.º, 54.º, 56.º, 58.º, 59.º, 63.º, 65.º, 69.º, 70.º, 72.º, 73.º, 76.º, 78.º, 82.º, 86.º, 88.º, 90.º, 97.º, 99.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 105.º, 106.º, 108.º, 110.º, 115.º, 118.º, 119.º, 120.º, 124.º, 125.º e 126.º os pontos referentes ao ano civil em que os mesmos iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos, a acrescer aos pontos constantes da comunicação remetida em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;

c) Declarar que todos os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros da mesma categoria profissional que a sua (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e contratados por este no regime de contrato de trabalho em funções públicas;

d) Condenar a ré a pagar aos autores 1.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 31.º, 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 38.º, 39.º, 40.º, 44.º, 45.º, 49.º, 52.º, 53.º, 56.º, 57.º, 58.º, 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 69.º, 70.º, 72.º, 73.º, 76.º, 77.º, 80.º, 84.º, 85.º, 87.º, 88.º, 90.º, 91.º, 93.º, 94.º, 95.º, 96.º, 97.º, 99.º, 100.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 107.º, 108.º, 109.º, 110.º, 112.º, 114.º, 115.º, 117.º, 118.º, 119.º, 120.º, 122.º, 123.º, 125.º e 126.º os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01.01.2018 até 31.12.2021 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), num total de 8.768,47 €;

e) Condenar a ré a pagar aos autores 2.º, 7.º, 10.º, 11.º, 16.º, 21.º, 25.º, 34.º, 37.º, 41.º, 42.º, 43.º, 46.º, 47.º, 50.º, 51.º, 54.º, 55.º, 60.º, 61.º, 62.º, 71.º, 74.º, 78.º, 79.º, 81.º, 83.º, 89.º, 92.º, 98.º, 106.º, 111.º, 113.º, 116.º, 121.º e 124.º:

i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01.01.2018 até 31.12.2018 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), num total de 978,31 €; e

ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01.01.2019 até 31.12.2021 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), num total de 15.580,45 €;

f) Condenar a ré a pagar aos autores 3.º, 9.º, 30.º, 48.º, 59.º, 68.º, 75.º, 82.º, 86.º e 105.º:

i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01.01.2018 até 31.12.2019 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), num total de 2.986,43 €;

ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01.01.2020 até 31.12.2021 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), num total de 11.564,08 €;

g) Condenar a ré a pagar aos autores, sobre as quantias identificadas nas alíneas d), e) e f), juros de mora, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento;

h) Condenar a ré a pagar aos autores os acréscimos remuneratórios referentes ao trabalho suplementar, noturno, ou prestado em dia feriado ou de descanso (obrigatório ou complementar) por estes, cujo apuramento se relega para incidente ulterior de liquidação.

3. A R. apelou, tendo o Tribunal da Relação de Évora (TRE), concedendo parcial provimento ao recurso, decidido:

a) Declarar que todos os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem;

b) Condenar a ré a contabilizar aos autores 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 23.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 33.º, 36.º, 38.º, 43.º, 44.º, 47.º, 48.º, 49.º, 53.º, 54.º, 56.º, 58.º, 59.º, 63.º, 65.º, 69.º, 70.º, 72.º, 73.º, 76.º, 78.º, 82.º, 86.º, 88.º, 90.º, 97.º, 99.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 105.º, 106.º, 108.º, 110.º, 115.º, 118.º, 119.º, 120.º, 124.º, 125.º e 126.º os pontos referentes ao ano civil em que os mesmos iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos, a acrescer aos pontos constantes da comunicação remetida em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data do respetivo vencimento até integral pagamento;

c) Quanto ao mais, revogar a sentença recorrida e absolver a ré dos pedidos.

4. Os AA. interpuseram recurso de revista.

5. A R. contra-alegou.

6. O Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido do improvimento do recurso, em Parecer a que responderam os recorrentes, em linha com as posições antes assumidas nos autos.

7. Em face das conclusões da alegação de recurso, e inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), as questões a decidir1 são as seguintes:

a. Se os pontos nº 20 a 23 da factualidade assente na 1ª instância – e eliminados pelo TRE – têm natureza conclusiva;

b. Se foi violado o princípio da proibição de discriminação e a inversão do ónus da prova consagrada no art. 25º, nº 2, do CT;

c. Em caso negativo, se a recorrida agiu com abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium [enquanto causa de pedir dos pedidos subsidiários que constam das alíneas k) a m) da petição inicial].

Decidindo.


II.


8. Com relevo para a decisão, foi fixada no acórdão recorrido a seguinte matéria de facto:

1. Entre os autores e a ré foram celebrados contratos individuais de trabalho, tendo cada um dos autores passado a exercer as funções de enfermeiro, sob a autoridade e a direção da ré, nas seguintes datas [entre os anos de 2001 e 2010]:

(…)

2. Funções essas inerentes à atividade de enfermeiro, com a prática dos atos materiais e atividade profissional que correspondem à categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem.

3. Atualmente os autores prestam a sua atividade no horário de 35 horas semanais, nos serviços clínicos da ré que constam dos respetivos talões de vencimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

4. (…) Com exceção dos autores 1.º, 24.º, 31.º, 39.º, 56.º e 121.º, que cessaram as suas funções nas seguintes datas: 1.º autor: 10-10-2022; 24.º autor: 24-07-2022; 31.º autor: 20-11-2022; 39.º autor: 15-10-2022; 56.º autor: 01-01-2023; e 121.º autor: 10-11-2022.

5. A ré tem por objeto a prestação de cuidados de saúde à população e o desenvolvimento de atividades de investigação e ensino e é composta por três unidades hospitalares: ..., ... e ....

6. Todos os autores exercem as suas funções na unidade hospitalar de ..., à exceção dos autores 17.º, 41.º e 129.º, que as exercem na unidade de ....

7. No âmbito da organização da ré, existem enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho – como é o caso de todos os autores – e enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos de trabalho em funções públicas.

8. No ano de 2019, o Conselho de Administração da ré remeteu a todos os autores uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção até 2018, inclusive, conforme se discrimina:

(…)

9. Posteriormente, no ano de 2023, a ré remeteu a todos os autores uma nova comunicação dos pontos acumulados desde a data em que os mesmos iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção até 2020, inclusive, conforme se discrimina:

(…)

10. A ré não atribuiu aos autores 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 23.º, 26.º, 27.º, 30.º, 31.º, 33.º, 36.º, 38.º, 43.º, 44.º, 47.º, 48.º, 49.º, 53.º, 54.º, 56.º, 58.º, 59.º, 63.º, 65.º, 69.º, 70.º, 72.º, 73.º, 76.º, 78.º, 82.º, 86.º, 88.º, 90.º, 97.º, 99.º, 101.º, 102.º, 103.º, 104.º, 105.º, 106.º, 108.º, 110.º, 115.º, 118.º, 119.º, 120.º, 124.º, 125.º e 126.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram as suas funções (1,5 pontos), uma vez que foram admitidos ao seu serviço já no decurso do 2.º semestre do respetivo ano civil.

11. Por não se conformarem com a não atribuição dos 1,5 pontos referentes ao ano civil em que foram admitidos ao serviço da ré, os autores supra referidos apresentaram reclamação.

12. Essa reclamação foi indeferida pela ré.

13. No ano de 2019, o Conselho de Administração da ré remeteu a WWWWWW, XXXXXX, YYYYYY, ZZZZZZ, AAAAAAA, BBBBBBB, CCCCCCC, DDDDDDD, EEEEEEE, FFFFFFF, GGGGGGG, HHHHHHH e IIIIIII, todos eles enfermeiros ao seu serviço, admitido ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer as suas funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção e até 31-12-2018.

14. Na sequência de tal comunicação, mais precisamente no mês de setembro de 2019, e uma vez que todos estes enfermeiros já tinham acumulados, até 31-12-2018, 10 ou mais pontos, a ré procedeu à alteração do seu posicionamento remuneratório em conformidade com os pontos acumulados e comunicados, tendo tais enfermeiros transitado para a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem.

15. Estes enfermeiros passaram, desde Setembro de 2019 até Novembro de 2019, a auferir uma remuneração base de € 1.355,95 (correspondente à remuneração base da 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem acrescida de 75% do acréscimo remuneratório correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e, posteriormente, desde Dezembro de 2019 em diante, uma remuneração base de € 1.407,45 (correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), ao invés da remuneração auferida até Agosto de 2019 de € 1.201,48 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem).

16. Em outubro de 2019, tais enfermeiros receberam ainda os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a Janeiro de 2019 e de acordo o pagamento faseado, num total de € 1.184,27.

17. A ré não reposicionou a remuneração dos autores, a partir de 01-01-2019, em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2018, tendo-o feito aos seus trabalhadores enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, que viram a sua posição remuneratória e remuneração base serem alteradas em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017;

18. (…) Como sucedeu aos enfermeiros JJJJJJJ e KKKKKKK, ambos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas, que tinham acumulados até ...-12-2017 mais de 10 pontos.

19. Continuando os autores a auferir a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021.

20. (…)2

21. (…)3

22. (…)4

23. (…)5

24. O nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:

(…)

25. O nível remuneratório 19 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde Janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:

(…).

26. O nível remuneratório 23 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde Janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:

(…)


III.


a) – Considerações prévias:6

9. Como se sabe, a matéria de facto incluída na sentença “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”7, pelo que as questões de direito que constarem da seleção da matéria de facto devem considerar-se não escritas8.

Deste modo, apesar de “afastada a rigidez na seleção estrita das questões de facto nos quesitos, não pode, o Juiz no novo modelo processual, ignorar a demarcação técnica entre questões de facto e de direito”9, como tem sido sustentado pela jurisprudência10, são de afastar − na sentença − expressões de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo, destituídas de qualquer suporte factual, que sejam suscetíveis de influenciar o sentido da solução do litígio, ou seja, que invadam o domínio de uma questão de direito essencial11.

Embora só acontecimentos ou factos concretos possam integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão (“o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstratos com que os descreve a norma legal, por que tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste”12), são ainda de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum13, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.14

Vale isto por dizer, também na expressão de Anselmo de Castro, que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes”.15

10. O atual Código de Processo Civil consagra um modelo enformado pelos princípios da prevalência do fundo sobre a forma e do aproveitamento (sempre que possível) dos atos processuais, implícitos em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547º, do CPC), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de "processo justo" ("fair trial"; "due process").

Compreende-se, pois, que se assista a uma tendência para a superação do formalismo e rigidez que tradicionalmente dominavam as abordagens da problemática em causa nos autos, com base, precisamente, na ideia de que não há uma exata separação entre a matéria de facto e a matéria de direito.

11. Sobre o uso de factos conclusivos no processo (embora não centrado no estrito contexto da sentença, se bem se compreende), escreveu expressivamente Miguel Teixeira de Sousa: 16

«Os factos jurídicos são factos com relevância jurídica, mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo. A linguagem do direito não é "insípida", "inodora" e "incolor".

Era por isto que a exclusão do antigo questionário de factos sobre os quais recaía o anátema de serem "factos conclusivos" era inaceitável. Havia uma linguagem legal que era "proibida" nos tribunais.»

E ainda sobre o mesmo tema: 17

« [O]s chamados "factos conclusivos" não são mais que os factos que integram a previsão de uma regra jurídica, ou seja, os factos jurídicos; ora, se não for possível operar com os "factos conclusivos", está a negar-se a existência dos factos jurídicos e a impossibilitar o preenchimento da previsão de qualquer regra jurídica.

Dito de outro modo: o juiz do processo vai ter necessariamente de recorrer à figura dos "factos conclusivos", dado que em algum momento ele vai ter de verificar se a previsão de uma regra jurídica está preenchida ou não preenchida. Portanto, o que se impõe não é combater os "factos conclusivos", mas antes concluir que esses factos são inerentes à aplicação do direito a um caso concreto. Sem "factos conclusivos" não há a conclusão de nenhum processo.

(…)

Excluir da realidade processual os "factos conclusivos" é contrariar a solução que, de forma adequada, foi finalmente consagrada no regime processual civil português: a de que não há uma estrita separação entre a matéria de facto e a matéria de direito. Afinal, qualquer facto provado em processo só tem relevância se for um facto jurídico, ou seja, um (…) "facto conclusivo". Em direito, não há senão factos jurídicos, pelo que de duas, uma:

– Do facto que é provado em processo não se pode inferir nenhum facto jurídico, porque esse facto não é subsumível à previsão de nenhuma regra jurídica; esse facto é um facto juridicamente irrelevante e não justifica a aplicação de nenhuma regra jurídica;

– Do facto que é provado em processo pode inferir-se um facto jurídico, ou seja, um facto que é subsumível à previsão de uma regra jurídica; o tribunal pode aplicar esta regra, isto é, pode aplicar ao caso concreto a estatuição dessa regra.

Em suma: em vez de serem combatidos, os "factos conclusivos" devem ser vistos como algo inerente ao carácter inferencial da prova e ao preenchimento das previsões das regras jurídicas; a única coisa que se impõe fazer é substituir a equivocada expressão "factos conclusivos" pela correta expressão "factos jurídicos".»

12. Expressões tradicionalmente tidas por “conclusivas”, não se reconduzem, afinal, nalguns casos, a puros conceitos normativos, concluindo-se, antes, que determinados adjetivos, “se devidamente, interpretados, densificam e concretizam uma realidade de facto” (cfr. Ac. do STJ de 28.09.2017, Proc. nº 659/12.6TVLSB.L1.S1, 7ª Secção).

Do mesmo modo, determinados pontos da matéria de facto, “pese embora algum défice de densificação e concretização no plano factual, uma vez que não acolhem conceitos normativos de que dependa a solução do caso, no plano jurídico, e na medida em que contêm um inquestionável substrato factual, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual provado, devem subsistir como factos materiais a considerar” (cfr. Ac. do STJ de 12.12.2017, 2211/15.5T8LRA.C2.S1, 4ª Secção).

Conexamente, “não deve o Tribunal da Relação eliminar como conclusivos factos que contenham um substrato factual relevante, ainda que acompanhado de valorações” (Ac. do STJ de 19.05.2021, Proc. n.º 9109/16.8T8PRT.P2.S1, 4.ª Secção) .

Noutro caso, embora se reiterando que a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de locuções genéricas ou conclusivas ou de valorações jurídicas e que “os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam e a prevenir obscuridade, contradição ou incompletude”, afirma-se que “a linguística deixou, hoje, de ser confinada às suas duas dimensões primárias – a dimensão gramatical (lógico-sintática) e a dimensão semântica – para se alcandorar, agora, numa nova dimensão, que é a dimensão pragmática, a qual relaciona a linguística com os contextos vivenciais e com as estratégias comunicacionais”, bem como que “na formulação dos juízos probatórios, devem ser empregues enunciados que sejam portadores de um alcance semântico o mais consensual possível, no contexto relacional em causa, de forma a denotar a correspetiva substância factual, para além das formas meramente epidérmicas da expressão linguística”, não bastando assim “apelar ao mero significado linguístico ou etimológico de determinado vocábulo ou locução, de forma atomizada, mas antes considerar o seu alcance semântico e pragmático no contexto narrativo em que se encontrem inseridos”. E, dentro destes parâmetros, conclui-se que, nas circunstâncias do caso concreto, a expressão reportada à utilização de certa construção pelos A.A., como parte integrante de um imóvel, se afigurava “suficientemente representativa do seu domínio empírico sobre aquela construção, à luz do consenso social” (Ac. de 11.03.2021, Proc. nº 1205/18.3T8PVZ.P1.S1, 2.ª Secção).

Noutra perspetiva, “factos conclusivos traduzidos na consequência lógica retirada de outros factos uma vez que, ainda assim, constituem matéria de facto, devem permanecer na factualidade provada quando facilitem a apreensão e compreensão da realidade visando uma melhor adequação e ponderação de todas as circunstâncias na resolução do litígio” (Ac. de 13.10.2020, Proc. nº 2124/17.6T8VCT.G1.S1, 6.ª Secção).

E, especificamente quanto à interpretação do art. 395º, nº 1, do CT, esta Secção Social já decidiu, por exemplo, que “[c]umpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual” (Ac. de 21.10.2018, Proc. nº 16066/16.9T8PRT.P1.S1).

13. Em linha com tudo o antes exposto, uma nota adicional se impõe, para sinalizar que a deficiência ou insuficiência dos factos descritos na petição inicial não implica necessariamente a improcedência da ação, ainda que estejam em causa factos essenciais, integrantes da causa de pedir.

Como se decidiu no Ac. de 11.09.2024, Proc. nº 2695/23.8T8LSB.L1.S1, a propósito de determinado facto tido por conclusivo e com relevância determinante para a decisão do litígio:

“Apesar da natureza conclusiva do ponto em questão, afigura-se-nos que os autores – embora deficientemente – cumpriram o seu ónus de alegação quanto à matéria aí contida em termos que processualmente não permitem desvalorizá-lo e, muito menos, ignorá-lo.

Na verdade, a petição inicial não foi julgada inepta e decorre da contestação que a ré interpretou perfeita e convenientemente aquele articulado (cfr. art. 186º, n.º 3), sendo certo que a conduta processual das partes deve ser compreendida e valorada à luz das exigências de cooperação, boa-fé e lealdade processual a que se encontram adstritos aquelas e, em geral, todos os intervenientes no processo (cfr. arts. 7º e 8º).

Por outro lado, e determinantemente, não podem olvidar-se os imperativos de aproveitamento dos atos processuais, princípio geral implícito em vários dos demais princípios estruturantes do nosso paradigma processual civil, como é o caso do direito à tutela judicial efetiva (art. 20.º, da CRP), da confiança (corolário dos princípios da boa-fé e da lealdade processual), da adequação formal e da prevalência do fundo sobre a forma (v.g., arts. 6º, 146º, nº 2, 278º, nº 3, 411º e 547º), sem olvidar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos na ideia de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP, e 547º, do CPC), na sua dimensão de " processo justo " ("fair trial"; "due process").

Tratando-se de elemento decisivo para a boa decisão da causa, na fixação dos factos provados e não provados impunha-se às instâncias – relativamente ao âmbito, teor e alcance da matéria contida no art. 45º da petição inicial – uma dimensão corporizadora (traduzida em adequado conteúdo factual), mediante o uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento de facto, seja, nos termos gerais, no respeitante à consideração de factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602º, nº 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, no tocante a factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art. 72º, do CPT.

Vale por dizer que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, impondo-se, para o efeito, a remessa dos autos à Segunda Instância (art. 682º, nº 3), isto sem prejuízo da possibilidade que a Relação sempre tem de determinar que na 1ª Instância se proceda a novo (complementar) julgamento, se assim o entender necessário para a boa decisão da causa [art. 662º, nº 2, c)].”

b) – Se os pontos nº 20 a 23 da factualidade assente na 1ª instância, eliminados pelo TRE, têm natureza conclusiva:

14. Os pontos nº 20 a 23 da factualidade assente na 1ª instância, eliminados pelo TRE, têm a seguinte redação:

20. Os autores, vinculados por contrato individual de trabalho, e os trabalhadores enfermeiros da ré com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, a mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e a mesma duração e intensidade.

21. Todos têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.

22. Tanto os autores como os trabalhadores enfermeiros da ré acima identificados [WWWWWW, XXXXXX, YYYYYY, ZZZZZZ, AAAAAAA, BBBBBBB, CCCCCCC, DDDDDDD, EEEEEEE, FFFFFFF, GGGGGGG, HHHHHHH e IIIIIII], que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho e estão afetos à unidade hospitalar de ..., produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.

23. Tais enfermeiros são titulares da mesma categoria que a dos autores (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.

15. No contexto do conjunto da factualidade provada e das posições assumidas pelas partes nos articulados, afigura-se-nos que as formulações em discussão na revista, embora contendo algumas valorações, se encontram suficientemente concretizadas e contêm um substrato factual relevante, sendo certo que a apreensão do seu sentido global não suscita dificuldades significativas a um destinatário normal.

Aliás, foi o Exmº Desembargador Relator que na Relação, por despacho de 19.04.2024, suscitou oficiosamente a questão (posição contra a qual, exercendo o contraditório, se insurgiram-se os autores, sustentando que corresponderia à exigência de uma probatio diabolica), não tendo o R., na contestação, denotado dificuldades na compreensão dos factos alegados na petição inicial, tal como, por seu turno, não articulou factos que suficientemente ponham em crise o teor dos segmentos em análise, sendo ainda certo que se impõe a sua conjugação com os todos os demais factos assentes, como é o caso da (significativa) antiguidade dos autores, que foram admitidos ao serviço do réu entre 16.04.2001 e 22.11.2010.

Para além do mais, refira-se que a matéria em causa, extraída dos 54.º, 56.º, 70.º e 71º da petição inicial, foi expressamente impugnada no art. 8º da contestação, não integrando o elenco dos artigos da PI que no art. 9º (da contestação) foram considerados como tendo “matéria de direito, interpretativa e conclusiva, matéria que, pela sua natureza, não tem de ser impugnada”.

Tais factos devem, pois, subsistir, no elenco da factualidade provada.

16. Todavia, como acima se referiu, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de considerar que os autores cumpriram o seu ónus de alegação quanto à matéria aí contida em termos que processualmente não permitem desvalorizá-lo e, muito menos, ignorá-lo, pelo que, Tratando-se de elemento decisivo para a boa decisão da causa, na fixação dos factos provados e não provados impunha-se às instâncias – relativamente ao âmbito, teor e alcance dessa alegação – uma dimensão corporizadora (traduzida na concretização do adequado e indispensável conteúdo factual), mediante o uso dos amplos poderes-deveres colocados à disposição do tribunal no plano do julgamento de facto, seja, nos termos gerais, no respeitante à consideração de factos instrumentais, complementares e concretizadores [cfr. arts. 5º, nº 2, a) e b), e 602º, nº 1, in fine, do CPC], seja, inclusive, no tocante a factos essenciais, à luz do regime especial consagrado no art. 72º, do CPT.

Assim deverá ainda proceder o Tribunal recorrido, naturalmente, caso venha a concluir no sentido da insuficiência dos factos provados, isto sem prejuízo da possibilidade que a Relação sempre tem de determinar que na 1ª Instância se proceda a novo (complementar) julgamento, se assim o entender necessário para a boa decisão da causa [art. 662º, nº 2, c), do CPC].

Ao contrário do entendimento constante do acórdão do TRE, não nos parece que no caso assuma relevância decisiva o “Departamento/Serviço” em que cada autor trabalha, ou, do mesmo modo, se os trabalhadores referidos no artigo 13.º da p.i. correspondem a todos os trabalhadores que nessa unidade hospitalar exercem funções em regime de contrato individual de trabalho (cfr. fls. 31 – 33 do acórdão recorrido). Mas este ponto ilustra bem os imperativos de complementação da matéria de facto que sobre as instâncias impendem, sempre que tal se revele útil para a boa decisão da causa.

17. Procedendo, assim, o recurso, impõe-se – com prejuízo das demais questões suscitadas na revista – a remessa dos autos ao TRE para, em face do julgado no tocante à matéria de facto, proceder ao reexame da questão de saber se as funções exercidas pelos autores/recorridos ao serviço da ré/recorrente, em regime de contrato individual de trabalho (CIT) são, no dizer dos próprios, “absolutamente iguais” às exercidas pelos enfermeiros ao serviço da mesma ré/recorrente, afetos a cada serviço, mas em regime de contrato de trabalho em funções públicas (CTFP), ou aos trabalhadores identificados no n.º 22 da matéria de facto provado que se encontram em regime de contrato individual de trabalho (que são os precisos termos em que a questão foi identificada no acórdão recorrido), bem como à decisão de todas as demais questões de direito suscitadas na apelação que não venham a ficar prejudicadas pela solução dada a esta ou a outra que depois dela venha a ser examinada, lançando-se mão, se necessário, dos instrumentos processuais mencionados em supra nº 13 e 16.


IV.


18. Em face do exposto, concedendo a revista, acorda-se em:

a. Revogar o acórdão recorrido na parte em apreço (nº 3 do respetivo dispositivo), determinando-se, consequentemente, a integração dos eliminados factos nºs 20 a 23 no elenco da factualidade provada;

b. Remeter os autos à Relação, para os precisos fins mencionados em supra nº 17.

Custas da revista a cargo do réu.

Lisboa, 15.01.2025

Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

José Eduardo Sapateiro

SUMÁRIO

DESCRITORES

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1. O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais não vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.↩︎

2. Facto eliminado pelo TRE.↩︎

3. Facto eliminado pelo TRE.↩︎

4. Facto eliminado pelo TRE.↩︎

5. Facto eliminado pelo TRE.↩︎

6. Seguindo no essencial o exposto no Ac. de 11.12.2024 desta Secção Social, Proc. n.º 1794/23.0T8MTS-A.P1.S1.↩︎

7. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, Lex, 1997, p. 312.↩︎

8. Embora o CPC vigente não contenha norma correspondente à do art. 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o atual art. 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os factos que julga provados.↩︎

9. Ac. do STJ de 25.05.2023, Proc. nº 22773/19.7T8PRT.P1.S1, 2.ª Secção.↩︎

10. V.g., ainda, Acs. do STJ de 05.07.2022, 638/19.2T8FND.C1.S1, 6.ª Secção, de 28.10.2021, Proc. nº 4150/14.8TBVNG-A.P1.S1, 2.ª Secção, de 28.09.2017, Proc. nº 809/10.7TBLMG.C1.S1, 7ª Secção, e de 07.04.2016, Proc. nº 7895/05.0TBSTB.E1.S1, 2ª Secção.↩︎

11. Na expressão do Ac. do STJ de 09.12.2010, Proc. nº 838/06.5TTMTS.P1.S1, 4ª Secção.↩︎

12. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, 268-269.↩︎

13. “Pagar”, “arrendar”, “emprestar”, “vender”, etc.↩︎

14. Cfr. Anselmo de Castro, ibidem.↩︎

15. Ibidem.↩︎

16. Cfr. https://blogippc.blogspot.com/2023/06/factos-conclusivos-ja-nao-ha-motivos.html↩︎

17. Cfr. https://blogippc.blogspot.com/2024/01/algumas-conclusoes-sobre-os-factos.html↩︎