O Arguido Condenado na pena única de 3 anos de prisão, aplicada em cúmulo jurídico ut art 77 do CP de 4 penas parcelares cada de 1 ano 6 meses pela co-autoria material de cada crime (doloso) de roubo simples p.p. pelo art 210-1 do CP, não beneficia do perdão de 1 ano de prisão do art 3-1 da Lei 38-A/2023 de 2/8 por se verificar a 'excepção subjectiva' do 'tipo de vítima' in casu 'crimes praticados contra ... vítimas especialmente vulneráveis' in art 7-1-g daquela Lei, como são sempre as 'vítimas de roubo' ut arts 67-A-1-b-3, 1- e 1-l do CPP.
Acórdão em Conferência do Colectivo de Desembargadores sorteados no
Recurso Penal 1011/20.5GBVNG-C.P1 vindo de
Juiz 1 do Juízo Central Criminal de V N Gaia
Recorrente > o MINISTÉRIO PÚBLICO
RECORRIDO > o Arguido / Condenado AA
BB / CC / 13-12-1995
solteiro / Rua ..., ... ... ... / S M Feira / ut art 342-1 do CPP
PARTE I <> RELATÓRIO DA TRAMITAÇÃO PENAL PROCESSUAL PENAL RELEVANTE A DECISÃO
> ACÓRDÃO 426 958 193 lido em 15 e depositado em 30 JUL 21 e transitado em 07 JAN 2022 no PCC 1011/ 20.5GBVNG que decidiu:
«… Condenar o arguido AA como co-autor com dolo directo e em concurso real de quatro crimes de roubo p. e p. pelo art° 210 n° 1 do Código Penal na pena única de 3 (três) anos de prisão a que correspondem 4 penas singulares de 1 ano e 6 meses.
Suspender a execução de tal pena por 5 anos com sujeição a regime de prova e a tratamento médico (sujeito ao consentimento do arguido) com vista ao abandono do consumo de estupefacientes e de álcool.»
> PROMOÇÃO 453 392 374 de 04-11-2023
« O arguido AA foi condenado, por acórdão de fls. 733 a 741, proferido em 30.07.2021, transitado em julgado em 7.01.2022, como co-autor com dolo direto e em concurso real de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art° 210 n° 1 do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, a que correspondem 4 penas singulares de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução durante 5 anos, com sujeição a regime de prova e a tratamento médico (sujeito ao consentimento do arguido) com vista ao abandono do consumo de estupefacientes e de álcool.
O plano de reinserção social foi homologado a 17.05.2022 (referência Citius 43672519), tendo nessa data o arguido iniciado o cumprimento do regime de prova que lhe foi aplicado, o qual veio a cumprir, pelo menos, até 10-09-2022, data em que a DGRSP informou que o arguido estava com paradeiro desconhecido na sequência de uma queixa por violência doméstica apresentada pela ex-companheira no mesmo dia, que deu origem ao Inquérito 191/22.0 GEVNG, a correr termos na 2.ª secção do DIAP Regional do Porto.
Segundo informação da DGRSP o arguido compareceu no CRI ..., Equipa de Tratamento de ..., no dia 21-04-2022, mas o arguido faltou à consulta subsequente, no dia 26-05-2022, sem qualquer justificação e nunca mais remarcou qualquer consulta.
Resulta dos autos que o arguido foi condenado, por Acórdão proferido em 20.09.2023, e transitado em acórdão, em 20.10.2023, no Processo 191/22.0GEVNG, JC Criminal de VNG, Juiz 2, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. b) e 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por igual período, subordinando-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido a regime de prova, por factos praticados desde 2018 e até 9 de Setembro de 2022.
O arguido tem antecedentes criminais nos processos seguintes:
- Processo 346/22.7PDPRT, por factos ocorridos no dia 21.08.2022, pela prática de um crime de crime de condução sem habilitação legal, da previsão do artigo 3.°, n.° 1, do DL n.' 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 10 meses de prisão,
- Processo n.° 368/22.8PTPRT, por factos ocorridos a 09.09.2022, pela prática de um crime de crime de condução sem habilitação legal, da previsão do artigo 3.º, n.° 1, do DL n.° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 10 meses de prisão,
- Processo 402/22.1PDPRT, por factos ocorridos a 12.10.2022, foi o arguido condenado na pena 80 dias de multa à taxa diária de € 6.00, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.°, n.° 1, do Código Penal.
O arguido tem ainda pendente o Processo n° 4910/22.6JAPRT, o qual aguarda a audiência de julgamento, pela prática dos crimes de roubo, sequestro, furto qualificado e tráfico de estupefacientes, por factos praticados em Outubro de 2022 e Março de 2023.
Procedeu-se à audição do arguido, no dia 11/10/2023, conforme ata de fls. 1018.
Conforme dispõe o art. 55º do Código Penal: “Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de condutor impostos, ou não corresponder ao plano de inserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência, b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações, b) Impor novos deveres ou regras de conduta ou d) Prorrogar o período de suspensão.
Dispõe o art. 56º do Código Penal que: “A suspensão da execução da pena de prisão é re vogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
Assim, não restam dúvidas que o arguido não cumpriu as condições impostas no douto acórdão condenatório, que tinham como objetivo a sua integração na sociedade e a construção de padrões de vida normativos.
Apesar de esforços de abordagem e apoio da DGRSP, o arguido embora num momento inicial se tenha disponibilizado para dar adesão ao projeto de reinserção proposto, o certo é que não logrou cumprir esse plano integralmente, abandonando-o, e desinteressando-se pelas consequências nefastas que poderiam advir para si do aludido incumprimento.
Verifica-se, assim, que o arguido infringiu de forma grosseira e repetidamente os deveres e regras de conduta impostos no acórdão condenatório proferido, pelo regime de prova, apesar de ciente das consequências que desse incumprimento poderiam advir para si, revelando um comportamento de manifesta indiferença.
Para além disso, o arguido foi condenado, no Acórdão proferido a 20.09.2023, transitado em julgado a 20.10.2023, no Processo 191/22.0GEYNG, JC Criminal de VNG, Juiz 2, pela prática de um crime de violência doméstica, por factos cometidos pelo arguido durante o período da suspensão.
Pelo exposto, e nos termos do disposto no art. 56.° n.° 1, al. a) e b) do Código Penal, promovo se revogue a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido AA e se determine o cumprimento efetivo da pena de 3 anos de prisão a que o arguido foi condenado nestes autos.»
> DESPACHO 454 435 167 de 04-12-2023 transitado
«Por Acórdão datado 30.07.2021, transitado em julgado em 7.01.2022 foi, além do mais, decidido condenar o arguido AA, como co-autor com dolo direto e em concurso real de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.°, n.° 1 do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, a que correspondem 4 penas singulares de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução durante 5 anos, com sujeição a regime de prova e a tratamento médico (sujeito ao consentimento do arguido) com vista ao abandono do consumo de estupefacientes e de álcool.
Resulta dos autos que o plano de reinserção social foi homologado a 17.05.2022 (referência Citius 43672519), tendo nessa data o arguido iniciado o cumprimento do regime de prova que lhe foi aplicado.
Sucede que, conforme informou a DGRSP nos autos, o condenado cumpriu os seus termos até 10.09.2022, data em que a DGRSP, a 19.10.2022, informou os autos que o condenado estava com paradeiro desconhecido na sequência de uma queixa por violência doméstica apresentada pela ex-companheira no mesmo dia, que deu origem ao Inquérito 191/22.0GEVNG, no qual, entretanto, veio a ser condenado.
Conforme resulta da informação prestada pela DGRSP, o condenado compareceu no CRI ..., Equipa de Tratamento de ..., no dia 21.04.2022, mas o faltou à consulta subsequente, no dia 26.05.2022, sem qualquer justificação e nunca mais remarcou qualquer consulta.
Resulta dos autos que o condenado foi, igualmente, condenado, por Acórdão proferido em 20.09.2023, transitado em julgado a 20.10.2023, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.° 191/22.0GEVNG, JC Criminal de VNG, Juiz 2, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, n.° 1, al. b) e 2, al. a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa por igual período, subordinando-se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido a regime de prova, por factos praticados desde 2018 e até 9 de Setembro de 2022.
Mais temos a considerar os antecedentes criminais do condenado:
- Processo 346/22.7PDPRT, por factos ocorridos no dia 21.08.2022, pela prática de um crime de crime de condução sem habilitação legal, da previsão do artigo 3.º, n.° 1, do DL n.° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 10 meses de prisão,
- Processo n.º 368/22.8PTPRT, por factos ocorridos a 09.09.2022, pela prática de um crime de crime de condução sem habilitação legal, da previsão do artigo 3.°, n.° 1, do DL n.° 2/98, de 03/01, foi condenado na pena de 10 meses de prisão,
- Processo 402/22.1PDPRT, por factos ocorridos a 12.10.2022, foi o arguido condenado na pena 80 dias de multa à taxa diária de € 6.00, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.°, n.° 1, do Código Penal.
O arguido tem ainda pendente o Processo n.° 4910/22.6JAPRT, o qual aguarda a realização da Audiência de Julgamento, pela imputação da prática dos crimes de roubo, sequestro, furto qualificado e trafico de estupefacientes, por factos praticados em Outubro de 2022 e Março de 2023.
Face às circunstâncias supra referidas foi designada data para ouvir o condenado, nos termos e para os fins do disposto no art. 495.°, 2 do CPP, no pretérito dia 11.10.2023.
Com vista nos autos a Digna Magistrada do Ministério Público promoveu a revogação da suspensão a execução da pena de prisão que havia sido aplicada ao condenado, com base nos fundamentos de facto e de direito que damos por integralmente reproduzidos.
Foi cumprido o contraditório e nada tendo sido requerido cumpre decidir da revogação da suspensão a execução da pena de prisão aplicada ao condenado nestes autos.
Das declarações prestadas pelo condenado resultou que o condenado AA é (ou pelo menos seria à data dos factos) consumidor de produtos estupefacientes, designadamente, haxixe, heroína e cocaína.
Não obstante, disse-nos que há cerca de um ano havia parado com tais consumos, passou a residir com a mãe e com o padrasto, na sequência do processo de violência doméstica contra a sua ex-companheira, com quem tem três filhas menores.
Tem uma nova companheira que, inclusivamente, está grávida, que se encontra activa laboralmente.
Do relatório actualizado junto aos autos não resulta qualquer aspecto favorável ao condenado. Bem pelo contrário, entre o tempo que mediou a promoção do Ministério Público e a presente decisão o condenado AA veio a ser preso, como decorre do nosso conhecimento funcional.
Ora, para nós e sem necessidade de grandes considerações, adianta-se, desde já, que não há juízo de prognose favorável que possa valer ao condenado e que nos faça equacionar medida alternativa à revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Da resenha processual realizada resulta evidente que o condenado demonstra um absoluto desrespeito pelos bens jurídicos tutelados. Portanto, perante esta perspectiva, consideramos que não há possibilidade de aplicação de nenhuma injunção capaz de colmatar o incumprimento do condenado.
Poder-se-ia equacionar a prorrogação do período de suspensão, porém, não sendo, no presente, viável a execução do Plano nada nos permite fazer um juízo de prognose favorável para uma mudança de atitude por parte do condenado. E, nenhuma das alternativas legalmente previstas se mostra, suficientemente, musculada que permita ao condenado AA perceber a gravidade do seu incumprimento e leva-lo a cumprir com as prerrogativas que conduziram à suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos.
Senão vejamos.
Dispõe o artigo 55.º do Código Penal, sob a epígrafe: “Falta de cumprimento das condições da suspensão”: “Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal: a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.° 5 do artigo 50.°”.
Por sua vez, prescreve o artigo 56.° do mesmo diploma legal: “ 1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. 2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
Ora, no caso dos autos, constatamos que o condenado infringiu grosseira e repetidamente os deveres impostos na Sentença e patentes no Plano de Reinserção Social, pelo que, não mais se tolera o incumprimento culposo do condenado. Além de ter sido condenado, por Acórdão proferido a 20.09.2023, transitado em julgado a 20.10.2023, no Processo 191/22.0GEVNG, JC Criminal de VNG, Juiz 2, pela pratica de um crime de violência doméstica, por factos cometidos pelo arguido durante o período da suspensão.
Posto isto, entende o Tribunal que apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão pode satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, em particular, no que toca ao condenado.
Assim, perante o incumprimento grave e reiterado por parte do condenado, determino, ao abrigo do art. 55.° e do n.° 1 do art. 56.° do CP, a revogação da suspensão da pena única de três anos de prisão que foi aplicada ao condenado AA, nestes autos e o consequente cumprimento da pena de prisão aplicada.
Notifique. | Após trânsito, comunique ao TEP e aos processos pendentes do condenado, bem como à DGRSP. | Notifique»
> DESPACHO 456 781 781 de 19-02-2024 que é o ACTO DECISÓRIO objecto do RECURSO
« Resulta dos autos que o arguido AA foi condenado, como co-autor, de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, a que correspondem 4 penas singulares de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução durante 5 anos, com sujeição a regime de prova e a tratamento médico, por Acórdão datado 30.07.2021, transitado em julgado em 7.01.2022
Por despacho proferido em 4/12/2023, já transitado em julgado, o Tribunal determinou, ao abrigo do art. 55.º e do n.º 1 do art. 56.º do CP, a revogação da suspensão da pena única de três anos de prisão que foi aplicada ao condenado e o consequente cumprimento da pena de prisão aplicada.
* Nos termos do disposto no artigo 7º nº 1 alínea ix) da Lei 38º-A/2023 não beneficiam do perdão previsto na referida Lei nomeadamente:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por: …
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal;
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, …;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por: …
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por: …
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por: …;
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;
i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;
j) Os reincidentes;
k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
Verifica-se assim que o legislador quanto ao âmbito da exclusão do objeto da amnistia e do perdão seguiu um critério atendendo a três fatores:
- critério (objetivo) – em função do tipo legal e/ou da natureza do bem jurídico protegido;
- critério em função das caraterísticas ou qualidades da vítima e critério em função da reincidência arguido.
Estes critérios são de aplicação cumulativa, de tal modo que pode certo crime não estar excluído do elenco do perdão – por não subsunção ao apontado critério objetivo – e ainda assim não poder aplicar-se a amnistia/perdão atenta certa qualidade da vítima ou dado o facto do arguido ser reincidente.
Porém no caso do crime de roubo p.p. no artigo 210º nº1 do CP constata-se uma contradição insanável que obriga a uma interpretação corretiva da lei. Efetivamente, sendo o crime de roubo (mesmo o previsto no nº 1 do art. 210º do CP) sempre criminalidade violenta (dada a sua moldura abstrata) embora não excluído em função do indicado critério objetivo (quanto a este apenas estaria excluído o crime de roubo p.p. art. 210º nº2 do CP) o crime de roubo p.p. art. 210 nº1 acabaria excluído do âmbito da aplicação da referida Lei mas por aplicação do indicado critério subjetivo por referência às vítimas uma vez que vítimas especialmente vulneráveis, de acordo com o artigo 67º-A do CPP, são designadamente as vítimas de criminalidade violenta.
Duas hipóteses então se colocam (e já colocaram nos tribunais superiores – cfr. Acórdãos RL de 6-12-2023; Ac. RL de 28-11-2023, de 14-12-2023, e de 23-1-2024 e ainda RPorto de 10-1-2024 e TR de Guimarães de 23-1-2024, dgsi.pt):
- deve interpretar-se a lei no sentido de que apenas está excluído do âmbito da aplicação da Lei da amnistia e do perdão, o crime de roubo p.p. art. 210º nº2, e já não também o crime de roubo p.p. art. 210º nº1 do CPenal;
- de outro modo deve interpretar-se no sentido de que também o crime de roubo p.p. art. 210º nº1 está excluído do âmbito de aplicação da referida Lei, sendo a alínea g) do artigo 7º uma causa adicional de exclusão mesmo quanto aos crimes não excluídos nas anteriores alíneas.
Ora, em obediência ao disposto no artigo 9º do CCivil a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, sendo que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Assim, um primeiro ponto cumpre assinalar que presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados é particularmente significativo que ao definir por critério objetivo do tipo legal de crime os crimes excluídos do âmbito de aplicação da Lei da amnistia e do perdão tenha apenas previsto o crime de roubo p.p. art. 210º nº 2 (e não também o previsto no nº 1).
De facto, se a intenção do legislador fosse excluir o crime de roubo em geral não faria qualquer sentido referir expressamente como crime excluído apenas o previsto no nº 2 do art. 210º do CPenal.
Por outro lado, esse facto – deixar de fora da exclusão da amnistia e perdão os crimes de roubo p.p. art. 210º nº 1 – foi objeto de sinalização e alerta expresso no âmbito dos trabalhos preparatórios, nomeadamente no parecer do CSM (www.parlamento.pt), chamando a atenção para a gravidade e impacto social do crime, sem que tal chamada de atenção tenha levado o legislador a acolher a sugestão de alargamento da alínea i) a todos os crimes de roubo - ponto 3.5.3.1 do Parecer: «em relação aos crimes contra o património (art. 5º nº 1 b) ) … deveriam constar todos os condenados por crimes de roubo previsto e punido pelo artigo 210º do Código Penal e roubo qualificado, face à enorme expressão e gravidade deste tipo de crimes, consabidamente causadores de grande alarme social».
No entanto, apesar desse alerta expresso, o legislador não veio a acolher essa sugestão mantendo a exclusão na referida alínea b) apenas dos crimes de roubo p.p. nº 2 do artigo 210º do CP.
Acresce que não faria qualquer sentido que sendo todo o crime de roubo criminalidade violenta (e portanto as suas vítimas, vítimas especialmente vulneráveis) se previsse expressamente a exclusão do crime de roubo p.p. art. 210º nº 2 do CPenal caso a intenção do legislador, ao utilizar a expressão vítimas especialmente vulneráveis, fosse alargar a exclusão ao crime de roubo através da exclusão por critério subjetivo da vítima.
Mas um último aspeto indica que não foi essa a intenção do legislador. A referência na alínea g) a vítimas especialmente vulneráveis foi introduzida não para alargar o âmbito da exclusão mas, de outro modo, para harmonizar e clarificar a terminologia seguida no critério subjetivo da vítima. De facto na versão anterior estava utilizada a expressão «criança ou jovem, idoso ou pessoa doente» resultando a substituição pela expressão «vítimas especialmente vulneráveis» da sugestão feita no Parecer do Conselho Consultivo do MP no sentido de haveria «dificuldade em encontrar correspondência com o que deva entender-se por criança ou jovem, idoso ou pessoa doente, efetuando-se um apelo à utilização de normas processuais penais, nomeadamente aos conceitos de vítima e de vítima especialmente vulnerável previstos no artigo 67º-A do Código de Processo Penal e ainda de pessoa particularmente indefesa (art. 152º nº 1 alínea d) do Código Penal)»
Assim sendo, deve concluir-se que o legislador não pretendeu excluir do âmbito de aplicação da Lei o crime de roubo p.p. art. 210º nº 1 do CPenal, devendo a expressão «vítimas especialmente vulneráveis tal como indicado no art. 67-A do CPP» ser interpretada restritivamente como apenas referente à indicação subjetiva das pessoas ali indicadas- portanto apenas remissão para a alínea b) do nº 1 - vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social; - e já não quanto ao nº 3 por referência aos crimes praticados.
Entende-se, assim, que o crime de roubo p.p. art.210º nº 1 do CPenal está incluído no âmbito do perdão aprovado pela referida Lei.
* O arguido nasceu no dia ../../1995, pelo que, à data da prática dos factos, ou seja, em Setembro de 2020, tinha 24 anos de idade.
Nos termos do artigo 3º nº 1 da Lei n.º 38-A/2023, do art. 3.º, nº 1 da referida Lei "sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.", estabelecendo o art. 3.º, nº 4 da mesma Lei que, em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única; nos termos do art. 7.º, n.º 3.
A referida Lei abrange, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, "as sanções penais relativas a ilícitos praticados até às 00h00 de 19 de Junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática dos factos.
Pelas razões atrás expostas entende-se que o crime de roubo em causa não está excluído do âmbito de aplicação da referida Lei.
Face ao exposto, declara-se, nos termos do art. 3º, nº 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, perdoado 1 ano na pena única aplicada de 3 anos de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, tendo deste o modo o arguido a cumprir à ordem dos presentes autos a pena de prisão de 2 anos.
O perdão é concedido sob condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, ou seja, desde 1/09/2023 a 1/09/2024, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada, nos termos do art. 8º n.º1 da Lei n.º 38- A/2023, de 02.08.
Notifique e, após trânsito, abra conclusão a fim de ser determinada a correspondente emissão de mandados de detenção, como promovido, caso o arguido não esteja entretanto já detido à ordem de outros autos (…)»
> MOTIVAÇÃO do MP a quo 38 755 862 de 14-4-2024 com 17 §§ de conclusões
1. «O presente recurso visa o douto despacho judicial, proferido em 19.02.2024, … no qual foi aplicado, nos termos do art. 3º, nº 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, o perdão de 1 ano na pena única de 3 anos de prisão ao arguido …
2. … condenado, como co-autor, de quatro crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 3 (três) anos de prisão, a que correspondem 4 penas singulares de 1 ano e 6 meses, suspensa na sua execução durante 5 anos, com sujeição a regime de prova e a tratamento médico, por Acórdão proferido em 30.07.2021, transitado em julgado em 7.01.2022.
3. Por despacho proferido em 4.12.2023, transitado em julgado, o Tribunal determinou, ao abrigo do art. 55.º e do art. 56.º, nº 1 do CP, a revogação da suspensão da execução da pena única de três anos de prisão aplicada ao condenado e o consequente cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada.
4. No douto despacho recorrido, o Tribunal considerou que o crime de roubo em causa não está excluído do âmbito de aplicação da referida Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, e declarou, nos termos do art. 3º, nº 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2.08, perdoado 1 ano na pena única de 3 anos de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, tendo, desse modo, o arguido a cumprir à ordem dos presentes autos a pena única de prisão de 2 anos.
5. No dia 1.09.2023, entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, diploma legal que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – cfr. art.º 1.º, abrangendo, nos termos do art.2.º, n.º 1,"as sanções penais relativas a ilícitos praticados até às 00h00 de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos à data da prática dos factos."
6. Nos termos do art. 3.º, nº1 da referida Lei "Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos."
7. O crime de roubo agravado p. e p. pelo artigo 210.º n.º 2, al. b) do Código Penal é um dos crimes elencados no art. 7.º da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, na al. b), i), tratando-se de ilícito expressamente excluído do âmbito de aplicação da Lei.
8. No que respeita ao crime de roubo, analisada a citada Lei, resulta claro que o legislador excluiu vários tipos de crimes, mas também tipos de vítimas.
9. Assim, o art. 7º, alínea g) da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, remete, expressamente, para o art. 67º-A do C…P…P…, sendo que no nº 3, as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 .
10. Por seu turno, dispõe o art.1 do C…P…P… (definições legais):
al. j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
al. l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
11. Portanto, parece-nos claro que o legislador excluiu os crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, ou seja, as que foram vítimas, entre o mais, de criminalidade violenta.
12. Assim, não há qualquer dúvida que o crime de roubo, p. e p. no art. 210º, nº1 do Código Penal, se incluiu na criminalidade violenta.
13. Nessa medida, apesar do crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nº 1 do Código Penal não constar expressa e individualmente elencado no art. 7.º, n.º1 da Lei nº 38-A/2023, de 2.08, não podemos deixar de fazer apelo ao estatuído na alínea g) deste mesmo normativo, sendo tanto porque uma vítima do crime de roubo (previsto pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal e punido com uma pena de prisão até 8 anos), enquanto vítima de criminalidade violenta, integra o conceito de vítima especialmente vulnerável.
14. Assim, presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do art.º 1.º al. j) e l) do C…P…P…, mesmo que esse crime seja o do crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal.
15. Assim, verifica-se a exceção constante da al. g) do n.º 1 do art.º 7.º da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto, pelo que não pode o arguido beneficiar de qualquer perdão relativamente à pena única de prisão de 3 anos em que foi condenado.
16. Foram violados os arts. 3º, nº 1 e 7º, nº 1, alínea g) da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, bem como o art. 67º-A do Código de Processo Penal.
17. Por todo o exposto, em nosso entender e, sempre salvaguardando o devido respeito que nos merece o douto despacho aqui recorrido, analisando o caso concreto, afigura-se-nos que o despacho judicial recorrido deve ser revogado …, atentos os fundamentos invocados, uma vez que o crime de roubo, p. e p. no art. 210º, nº 1 do Código Penal, está excluído da aplicação do perdão da pena de prisão, face ao disposto no art. 7º, alínea g) da Lei nº 38-A/2023 …, mantendo-se a pena única de 3 anos de prisão aplicada ao arguido AA …»
> DESPACHO 459 265 616 de 18-4-2024 ut art 414-1 do CPP
«Porque legalmente admissível, tempestivo e apresentando por quem tem legitimidade para o efeito, admite-se o recurso apresentado MP - arts. 399°, 401º b) e 411° n° 1 b) do CPP.
O recurso sobre de imediato nos próprios autos e tem efeito suspensivo - arts.406 ° n° 1, 407º n° 2 a) e 408º n° 1 b) do CPP
Notifique - arts. 411º n° 6 e 413º do CPP.»
> NOTIFICAÇÃO 459 553 355 em 29-4-2024 da IL DEF ut art 411-6 e 413-1 do CPP
Sem Resposta a quo.
> Na VISTA ut art 416-1 do CPP, o PARECER 18 578 086 de 09-10-2024.
«Sufragamos a posição defendida pela nossa Exma. Colega, aderindo aos argumentos pela mesma expendidos no seu recurso, e que aqui damos por integralmente reproduzidos.
Resta-nos, apenas, indicar alguma jurisprudência deste Tribunal da Relação do Porto que vai no sentido do entendimento defendido, a saber, os acórdão[s] proferidos no âmbito dos processos n.ºs 685/15.3PDVNG.A.P1 e 485/20.9T8VC.P2, e ainda nesse mesmo sentido, o acórdão proferido no processo n.º 31/05.4PDLRS-B.L1.3 do Tribunal da Relação de Lisboa.»
> NOTIFICAÇÃO em da IL DEF ut art 417-2 do CPP
Sem Resposta ad quem.
> Na oportunidade efectuado EXAME PRELIMINAR e colhidos os VISTOS LEGAIS os autos foram submetidos à CONFERÊNCIA ut art 419-3-c do CPP.
PARTE II <-> APRECIANDO A ‘QUESTÃO RECURSÓRIA’ [1]
Os 17 §§ de CCS da Motivação são delimitadoras de ‘objecto de Recurso’ e ‘poderes de co gnição’ e ‘poderes de decisão’ deste TRP ut consabidas Jurisprudência reiterada dos Tribunais Superiores e Doutrina processual civil e penal [2] porque «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido» ut art 412-1 do CPP sendo que, «Para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação» pelo que «As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.» [3]
«As conclusões da motivação de recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado". […] "As conclusões devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão de ser objeto de decisão. As conclusões resumem a motivação e, por isso, que todas as conclusões devem ser antes objeto da motivação. É frequente, na prática, o desfasamento entre a motivação e as correspondentes conclusões ou porque as conclusões vão além da motivação ou ficam aquém. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal só poderá considerar as conclusões; se vão além também não devem ser consideradas porque as conclusões são o resumo da motivação e esta falta» [4]. Porém,
Sem ter cabimento exigência processual penal recursiva de preciosismos científicos ou técnicos na Motivação ou na Resposta sob pena a final da inconstitucionalidade de uma real negação do «direito ao Recurso» como único modo processual penal, posto que constitucional, de realização de «Justiça Material» querida pelo Sujeito Processual, seja Assistente ou Arguido ou Autor Civil ou Demandado Civil.
Disse-se «conclusões delimitadoras» e não «conclusões limitativas» por serem oficiosamente cognoscíveis ad quem: (1) uma «nulidade não sanada» ut art 410-3 do CPP conforme o qual «O recurso pode ter ainda por fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada»; (2) um dos três «vícios típicos de confecção lógica da «Decisão Final» recorrida» ut ACD do Plenário da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 conforme o qual «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [5].
Trata-se de Jurisprudência ainda actual ut ACD do STJ de 18-6-2009 conforme o qual «Continua em vigor o acórdão n.º 7/95 do plenário das secções criminais do STJ de 19-09-1995 … que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [6].
Ora a única ‘questão recursória’ in casu é saber da aplicação ou não do perdão previsto na Lei 38-A/2023 à pena única de 3 anos de prisão do Recorrente condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares pela prática de 4 roubos simples p.p. pelo art 210-1 do CP.
Consabida é a dissensão jurisprudencial dos Tribunais de II Instância pelo que «O Supremo Tribunal de Justiça julgou verificada oposição de julgados e determinou o prosseguimento do processo para fixação de jurisprudência em que a questão jurídica controvertida consiste em interpretar se ao crime de roubo simples é aplicável o perdão da pena decretado na Lei n.º 38-A/2023» ut ACD de 16-10-2024 de Maria do Carmo Silva Dias com António Augusto Manso e Antero Luís no processo 1153/16.1PCBRG-B.G1-A.S1 da 3ª Secção [7]:
«verificando-se … igualmente todos os requisitos materiais, conclui-se pelo prosseguimento do presente recurso extraordinário, sendo a questão sobre a qual importa fixar jurisprudência a seguinte: saber se o crime de roubo p. e p. no art. 210.º, n.º 1, do CP integra ou não a exceção prevista no art. 7.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto (o mesmo é dizer se beneficia ou não do perdão previsto no mesmo diploma legal).» [8]
Ora a ‘Relatora inicial’ neste Recurso Penal 1011/… subscreveu, como Adjunta, o ARL de 11-4-2024 do relato de Maria João Lopes no Recurso Penal 167/19.4POLSB-A.L1-9 no sentido na ‘não exclusão’ da ‘aplicação do perdão’ a pena de ‘roubo (apenas) simples’ porquanto:
«Apreciando a questão que aqui se prende com a interpretação e articulação das normas conjugadas contidas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
Norma que sob a epígrafe de “excepções” dispõe que:
“1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por:
i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro;
ii) Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º -A do Código Penal;
iii) Crimes de ofensa à integridade física grave, de mutilação genital feminina, de tráfico de órgãos humanos e de ofensa à integridade física qualificada, previstos nos artigos 144.º, 144.º -A, 144.º -B e na alínea c) do n.º 1 do artigo 145.º do Código Penal;
iv) Crimes de coação, perseguição, casamento forçado, sequestro, escravidão, tráfico de pessoas, rapto e tomada de reféns, previstos nos artigos 154.º a 154.º -B e 158.º a 162.º do Código Penal;
v) Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º -B do Código Penal;
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
ii) Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por:
i) Crimes de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, de incêndio florestal, danos contra a natureza e de poluição, previstos nos artigos 272.º, 274.º, 278.º e 279.º do Código Penal;
ii) Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal;
iii) Crime de associação criminosa, previsto no artigo 299.º do Código Penal;
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:
i) Crimes contra a soberania nacional e contra a realização do Estado de direito, previstos nas secções I e II do capítulo I do título V do livro II do Código Penal, incluindo o crime de tráfico de influência, previsto no artigo 335.º do Código Penal;
ii) Crimes de evasão e de motim de presos, previstos nos artigos 352.º e 354.º do Código Penal;
iii) Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º -A do Código Penal;
iv) Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal;
v) Crimes de peculato e de participação económica em negócio, previstos nos artigos 375.º e 377.º do Código Penal;
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por:
i) Crimes de terrorismo, previstos na lei de combate ao terrorismo, aprovada pela Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto;
ii) Crimes previstos nos artigos 7.º, 8.º e 9.º da Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, que cria o novo regime penal de corrupção no comércio internacional e no setor privado, dando cumprimento à Decisão Quadro 2003/568/JAI do Conselho, de 22 de julho de 2003;
iii) Crimes previstos nos artigos 8.º, 9.º, 10.º, 10.º -A, 11.º e 12.º da Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, que estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e do seu resultado na atividade desportiva;
iv) Crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, de desvio de subvenção, subsídio ou crédito bonificado e de fraude na obtenção de crédito, previstos nos artigos 36.º, 37.º e 38.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, que altera o regime em vigor em matéria de infrações antieconómicas e contra a saúde pública;
v) Crimes previstos nos artigos 36.º e 37.º do Código de Justiça Militar, aprovado em anexo à Lei n.º 100/2003, de 15 de novembro;
vi) Crime de tráfico e mediação de armas, previsto no artigo 87.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o regime jurídico das armas e suas munições;
vii) Crimes previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de set …, que aprova a Lei do Cibercrime;
viii) Crime de auxílio à imigração ilegal, previsto no artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional;
ix) Crimes de tráfico de estupefacientes, previstos nos artigos 21.º, 22.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que aprova o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
x) Crimes previstos nos artigos 27.º a 34.º da Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança;
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º -A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções;
i) Os condenados em pena relativamente indeterminada;
j) Os reincidentes;
k) Os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena;
l) Os autores das contraordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.
2 - As medidas previstas na presente lei não se aplicam a condenados por crimes cometidos contra membro das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respetivas funções.
3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.”
No que ao caso releva estamos então perante um regime jurídico donde resulta que não beneficiam do perdão e da amnistia;
- no âmbito dos crimes contra o património, os condenados por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
- os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
A questão aqui suscitada prende-se, então, em saber se o arguido condenado pelo crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CP beneficia, ou não, do perdão concedido pela referida Lei.
O arguido defende que sim, sendo que na decisão recorrida, com o aplauso do MP se decidiu que não.
Esta questão tem já suscitando acesa controvérsia nos Tribunais de 2.ª instância, onde se evidencia uma inequívoca divisão, entre os que entendem que, ao caso:
- se aplica a mencionada alínea g) e, por isso não tem lugar o perdão ao crime ao roubo do artigo 210.º/1 e,
- outros quem entendem que se aplica, uma vez que a referida alínea b) apenas exclui o crime de roubo do artigo 210.º/2.
Começou este tribunal por entender no acórdão de 28/11/2023, no processo n.º 7102/ 18.5 P8LSB-A.L1 – este como os demais, sem outra referência, consultados no site da dgsi – ainda que, com um voto de vencido, que, “está excluído do benefício do perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo artigo 210.º/1 CPenal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei”.
Entendimento que veio a ser secundado no acórdão de 14/12/2023, no processo n.º 27/22.1 PJLRS-B.L1, se decidiu que,
“(…) II - O crime de roubo, previsto no n.º 1 do artigo 210.º do Código Penal, é qualificado, nos termos do disposto no artigo 1.º alínea l) CPPenal, como criminalidade especialmente violenta.
III - Do texto da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, decorre que o legislador excepcionou a aplicação da amnistia e perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis” nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.
IV - Presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º/3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do artigo 1.º alínea j) e l) e 67.º-A/3, CPPenal, incluindo-se, assim, na exceção consagrada na alínea g) do artigo 7.º da Lei 38-A/2023, o crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CPenal.”
Ou ainda no ac. 23/01/2024, no proc. n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, também com voto de vencido:
“1 – O art.º 7.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 38/2023, de 2 de agosto exceciona da aplicação do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis”, nos termos do art.º 67.º A do Código de Processo Penal, incluindo-se nessa exceção o crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal.
2- Tal exceção, que não comporta tratamento diverso de quem se encontra em situação idêntica – art.º 13.º da CRP -, é explicável por razões de política criminal, ponderando a gravidade das condutas criminais praticadas contra “vítimas especialmente vulneráveis”.
Quando, sempre neste Tribunal, no acórdão de 06/12/2023, no processo 2436/03.6PU LSB, curiosamente, na sequência de recurso interposto pelo MP que defendia a tese de que o crime de roubo simples não está excluído do âmbito de aplicação da LAJMJ., consultável em https://jurisprudencia.pt/acordao/219913/ se entendeu que,
“(…) em face da redacção dada ao artigo 7.º/1 alíneas b) e g) da Lei 38-A/23, visto o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa, resulta que o legislador quis que os condenados por crime de roubo (simples), p. e p. pelo n.º 1 do artigo 210.º CPenal, beneficiassem da aplicação do perdão de pena ali previsto”.
Igualmente, entendendo que se aplica o perdão ao crime de roubo previsto no artigo 210.º/1 Código Penal voltou a decidir este Tribunal no acórdão de 23/01/2024, no processo 179/04.2 PBLSB, ainda que com uma declaração de voto, referente à parte em o acórdão em causa refere que o crime de roubo não integra o conceito de criminalidade violenta.
Por sua vez, a RG por acórdão de 23/01/2024, no processo 1153/16.1PCBRG-B.G1, (juris prudência.pt), decidiu, também, com um voto de vencido, é certo, que o arguido condenado pelo crime de roubo do n.º 1 do artigo 210.º Código Penal está abrangido pela Lei 38-A/2023 e, assim, nos termos do disposto nos artigos 2.º/1, 3.º/1 e 8.º/1 da mesma Lei, beneficia de um ano de perdão.
Neste sentido mencionam-se ainda os acs. da RG de 20/02/2024, nos procs. n.º 135/22.9 PBVCT. G1 e 546/21.7GAVNF.G1.
No dia 23/01/2024 no mesmo TRG, no processo 5310/19.0JAPRT-AI.G1, de que foi relatora a juíza que ali votou vencido, sufragou o entendimento que
“Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei.”
No Tribunal da Relação do Porto, sufragando a tese da exclusão, é de referir os acs. de 10/01/2024, proc.º n.º 485/20.9T8VCD.P2 e o ac. 17-1-2024, proc.º n.º 379/19.0PAVFR.
No mesmo Tribunal defendeu-se a aplicabilidade do perdão ao crime do roubo no ac. de 24-1-2024, proc.º n.º 614/15.4GBAGD-C.P1,
“I- A condenação por crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art.º 210º/1 do Cód. Penal, não se mostra excluída da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto. (…)”
Atentemos, então, nas consabidas regras da interpretação das normas jurídicas – que é, afinal, o que aqui está em causa.
Em termos de regras de interpretação, dispõe o artigo 9.º/1 do Código Civil, que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos jurídicos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Por outro lado, dispõe o n.º 2 da mesma norma que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
“Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” - cf. n.º 3 da mesma norma.
Na interpretação das normas jurídicas, o argumento literal, não deve ser desprezado e deve-lhe mesmo ser concedido peso decisivo, na tarefa, por vezes árdua, de procurar o sentido da norma querido pelo legislador.
O texto é o ponto de partida da interpretação, quando o sentido para que nos remete não seja paradoxal.
Por um lado, apresenta-se com uma função negativa ... de eliminação daqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
E por outro, com uma função positiva, nos seguintes termos:
“primeiro, se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador;
quando, como é de regra, as normas, fórmulas legislativas, comportam mais que um significado, então a função positiva do texto produz-se em dar mais forte apoio a, ou sugerir mais fortemente, um dos sentidos possíveis; e que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita; ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto, nem sempre exacto, de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento” - cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, 2000, 182.
A interpretação tem como escopo fundamental a determinação da chamada “voluntas legislatoris”.
Para tanto o intérprete deve socorrer-se de 2 elementos distintos:
- o elemento gramatical - o texto da lei e,- o elemento lógico – o espírito da mesma lei.
Se se deve começar pela análise do elemento gramatical, o mesmo não pode bastar, como da mesma forma não basta o elemento lógico. Nenhum deles, de resto, se basta a si próprio na tarefa de interpretação.
Na análise do elemento gramatical o intérprete começará por determinar o significado verbal das expressões usadas – segundo os critérios linguísticos, a conexão dos vários termos e períodos e concluirá por arrancar de todo esse aglomerado de palavras, um ou vários sentidos.
Na hipótese de o texto admitir apenas um sentido, devemos reputá-lo, em princípio, como tradutor da verdadeira vontade real do legislador.
No entanto, as mais das vezes o texto da lei comporta, desde logo, mais do que um sentido.
Há que recorrer, então ao elemento lógico, que permite corrigir, esclarecer ou consolidar as sugestões dadas pelo texto legal ou que permite vencer os obstáculos criados pelo texto das normas mais obscuras.
O elemento lógico tem a ver com a razão de ser da lei, com os motivos que a devem ter determinado e tem em devida conta a sua conexão com outras normas jurídicas e obriga muitas vezes a recorrer aos próprios princípios que estão na base de todo o sistema jurídico.
O elemento lógico subdivide-se em 3 elementos distintos: o racional, o sistemático e o histórico.
O racional consiste na razão de ser da lei, na ratio legis, no fim para que a norma foi promulgada e ainda nos motivos históricos e nas circunstâncias exteriores que a determinaram – occasio legis.
O elemento sistemático ao qual o intérprete deve recorrer, importa o não perder de vista o facto de que nenhuma disposição legal constitui uma regra isolada dentro do sistema jurídico. Relaciona-se sempre com as outras normas afins e paralelas, sobretudo com as que se integram no mesmo instituto, ou com as que regulam problemas logicamente relacionados.
O elemento histórico tem por objecto as diversas leis que versado sobre a mesma matéria, hajam vigorado antes da disposição, cujo sentido se procura determinar, bem como os trabalhos em que se tenha inspirado o legislador e os diversos elementos – projectos, actas, relatórios, comentários, relativos à elaboração da lei.
Ainda a propósito desta matéria, acerca da Lei de amnistia, 29/99, decidiu o STJ através do acórdão de 25 de Outubro de 2001, fixar jurisprudência no sentido de que “a alínea d) do artigo 7.º da Lei 29/99 abrange os crimes puníveis com pena de prisão não superior a 1 ano, com ou sem multa complementar, com exclusão dos cometidos através da comunicação social”.
Acórdão onde depois de se fazer uma incursão histórica desde o período da monarquia absoluta e do Estado de polícia, passando pelo Estado de direito liberal se chegou ao Estado de direito social e democrático ao actual texto da CRP.
Que dispõe hoje que “compete à Assembleia da República (...) conceder amnistias e perdões genéricos” - artigo 161.º, alínea f) - competindo ao Presidente da República “na prática de actos próprios (...) indultar e comutar penas, ouvido o Governo” - artigo 134.º, alínea f).
Deste acórdão passamos transcrever, pela sua importância para o caso concreto, o seguinte excerto da fundamentação:
“(…) em ambos os casos fica derrogado o sistema legal punitivo; daí o intitular-se, por vezes, o regime das medidas de graça como um jus non puniendi. O direito de graça é, no seu sentido global e abrangente, «a contraface do direito de punir estadual» (Figueiredo Dias, Direito Penal ..., parte geral II, 1993, 685.
Sucede ainda que o direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «excepção», revestindo-se de «excepcionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil - sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo n.º 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo n.º 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo n.º 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo n.º 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo n.º 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes).
Sendo, assim, insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo» - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1978, p. 147. Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, 185. Toda a fonte necessita de interpretação, para que revele a regra que encerra. A norma ora em discussão não constitui excepção a esse princípio, do que é apanágio o resultado diverso e contraditório a que chegaram os acórdãos recorrido e fundamento do presente recurso, não vigorando aqui o velho aforismo in claris non est interpretativo”.
Do que vem de ser dito, da leitura necessariamente conjugada e articulada das ditas normas, de conteúdo mais que claro e indubitável – apesar de tudo - decisivo surge aqui a operação da sua articulação conjugada, de forma a permitir determinar, da respectiva formulação, qual o seu efectivo e pretendido conteúdo – para além da questão da mera semântica – em vista, primeiro, da sua aplicação prática e, depois, no controlo objectivo na sua aplicação individualizada e concreta.
Cremos bem que o crime de roubo simples previsto pelo artigo 210.º/1 do Código Penal não se pode ter como estando excecionado nem pela alínea b) – ninguém o defende - nem pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º, a traduzir um vazio, uma não questão, uma omissão por parte do legislador.
E esta formulação permite, desde logo, pelo contrário, afirmar que já o crime de roubo agravado previsto no artigo 210.º/2 Código Penal, estaria excepcionado em ambas as normas. Na alínea b) com referência expressa e na alínea g) por força da remissão, ali operada (para quem defende que o roubo simples ali se enquadra, da mesma forma, não pode deixar de entender que também o roubo agravado, por igualdade de razão).
O que evidencia que algo está errado.
O entendimento que anunciamos é o que resulta expresso, desde logo, na referida alínea b), onde apenas se menciona o crime de roubo do artigo 210.º/2.
E, daqui, que não se pode entender que o crime de roubo simples esteve na mente do legislador, quando previu a alínea g), donde não pode ter sido sua intenção excepcioná-lo da aplicação deste regime legal.
Há que interpretar conjugada e articuladamente estas duas disposições, dando conteúdo útil a uma e a outra e fazendo a respectiva articulação pática.
Vejamos então.
Como parece, desde logo, evidente, se o legislador quisesse excluir da aplicação da Lei o crime de roubo, quer o simples, do n.º 1, quer o agravado, do n.º 2, bastaria na referida alínea b), em vez de referir apenas e só, o roubo do artigo 210.º/2, fazer, menção ao roubo do artigo 210.º Código Penal.
E esta conclusão parece-nos absolutamente linear e lógica - se essa fosse a intenção do legislador.
Nenhum sentido útil faz excluir da aplicação da Lei o crime de roubo agravado do artigo 210.º/2 através da formulação da alínea b) e fazer excluir o crime de roubo simples do artigo 210.º/1 através da sua inclusão na rebuscada e trabalhosa, previsão da alínea g).
Não terá esta intenção, esta possibilidade, sequer, estado na previsão do legislador, no que seria uma forma de legislar que ilidiria, de forma rotunda e definitiva, a presunção de que o legislador consagra as soluções mais acertadas e sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados. Até porque a alínea b) surge, cronologicamente, antes da alínea g), donde a ser como pretende a decisão recorrida, primeiro o legislador começou por excluir o crime de roubo agravado e só depois o crime de roubo simples. Desprezando a possibilidade e oportunidade de o fazer em simultâneo, sem distinção - que afinal se não justificaria – na mesma norma, na mesma ocasião.
Resta a questão de tentar perscrutar porque não o fez de uma vez, só numa norma, só na alínea b).
A única resposta razoável é porque não o quis fazer. Porque não quis prever, de todo, a exclusão do roubo simples do artigo 210.º/1 da aplicação da Lei. Ao contrário do que pretendeu relativamente ao crime de roubo agravado do n.º 2 do artigo 210.º.
Que sentido faz cindir o crime de roubo simples do crime de roubo agravado, se não estivesse presente uma assumida diferença de tratamento? Cremos que nenhuma, seguramente, pelo menos, no sentido sufragado na decisão recorrida.
Se a solução era a mesma, as razões não poderiam deixar de, igualmente, ser coincidentes e, por isso plasmadas na formulação de uma só norma legal - onde se previsse, simplesmente, o crime de roubo. Sem necessidade de especificar, sequer, que era o simples e o agravado.
A solução para que propendemos será a que resulta, desde logo, da letra da lei, sendo a única que articulando ambas as normas, não faz com que a da alínea b) não tenha qualquer sentido útil.
E que, da alínea g) não contenha uma duplicação de previsão, através da necessária inclusão, ali, também do roubo do artigo 210.º/2, a par da inclusão na antecedente alínea b). Um tão, ostensivo, quanto, desnecessário, caso de concurso de previsão de normas, no que ao crime de roubo do n.º 2 se reporta.
Porque afinal o crime de roubo agravado do n.º 2 do artigo 210.º estaria previsto, na referida alínea g) globalmente, aqui, com o crime de roubo simples do n.º 1 do artigo 210.º.
Mas ainda que assim se não entendesse, do mero exame literal do texto de ambas as alíneas; ainda que se entendesse não ser segura a solução dos problemas suscitados com a sua interpretação; ainda que se entendesse que sendo o elemento literal, pelo menos, ambíguo; ainda que se entendesse que da conjugação das duas normas podem resultar, pelo menos, as duas acepções já explanadas supra e que se encontram em oposição, então, o recurso aos demais elementos de interpretação, já mencionados, apresentar-se-ia como determinante.
E daqui sai reforçado (para quem entenda que já resulta do texto), ou afirmado (para quem entenda que não) o mesmo entendimento.
Por que razão havia o legislador de abordar o roubo agravado, como roubo do artigo 210.º/2 - isto é chamando pelo nomen iuris - e em relação ao crime de roubo simples, do artigo 210.º/1, o havia de prever da forma, não só indirecta, mas mesmo, labiríntica como fez? Através da formulação constante das alíneas g) - os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro. Para, depois, como se refere no despacho recorrido, ser necessário trazer à colação o conceito de vítimas especialmente vulneráveis.
Nos termos do disposto no n.º 3 do mencionado artigo 67.º-A, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos da definição do conceito constante do n.º 1 alínea b), ditando, ainda, o artigo 1.º do CPP que criminalidade violenta é aquela que resulta de condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos. É o caso do crime em apreço.
O entendimento que vimos defendendo será, ainda, o único que, decisivamente, respeita da mesma forma o espírito da lei.
Com efeito, da reconstituição do processo legislativo, de forma à apreensão quer do pen samento quer da vontade do legislador, que se faz nos acórdãos, supra citados, deste Tribunal de 28/11/2023 e de 06/12/2023, resulta, absolutamente claro, evidente, inequívoco, incontornável que o legislador não quis excluir da aplicação da Lei os condenados por crimes de roubo na previsão do n.º 1 do artigo 210.º.
O que se terá pretendido, expressamente, como referido na Exposição de Motivos da Lei, foi excluir da sua aplicação a criminalidade muito grave. | Onde consta
“(…) Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina. | Nestes termos, a presente lei estabelece um perdão de um ano de prisão a todas as penas de prisão até oito anos, excluindo a criminalidade muito grave do seu âmbito de aplicação (…)”.
Só assim se explica que o legislador tenha destrinçado, em alíneas substancialmente diferentes, crimes objectivamente graves, assentes no respectivo tipo legal com molduras penais mais elevadas.
A confusão, a controvérsia, a polémica, agora geradas resultam do pouco cuidado e menor atenção, ainda assim, que se concedeu na formulação do texto final, não se tendo atentado que com a formulação da alínea g) se estaria a criar um “caldeirão”, onde caberia, no que ao caso aqui releva, o roubo do n.º 2, já anteriormente, de forma expressa constante da alínea b). E, assim, a contrariar, de forma necessária e directa, a pensada, debatida e assumida intenção traduzida na formulação da referida alínea b).
Com o resultado final, como se diz no voto de vencido aposto no citado acórdão deste Tribunal de 28.11.2023 e na fundamentação do, também citado acórdão da RG de 23.1.2024, a traduzir a ideia de que se estava a “fazer entrar pela janela o que afinal não se quis deixar entrar pela porta”. Que, dizemos nós, já estava aberta com a referida alínea b).
Ou seja, a exclusão do crime de roubo simples do artigo 210.º/1 não entrava pela porta aberta pela alínea b) e entraria pela janela de oportunidade, que afinal constitui a alínea g).
O legislador não inclui o crime de roubo simples ao lado do roubo agravado, entendeu mesmo especificar, concretizar e distinguir um do outro.
Se lhes quisesse dar o mesmo tratamento, seria, apenas e tão só, na alínea b) crime de roubo do artigo 210.º Código Penal, sem qualquer distinção, que aqui seria, sempre, artificial, tendo presente o resultado final.
Não inclui num primeiro momento, onde faria todo o sentido incluir e, vem a incluir depois, de forma completamente, fora do contexto e da lógica da sistematização da Lei, através de uma diversa formulação, com rebuscadas remissões, ainda assim.
Quando nesta segunda formulação caberia sempre o roubo agravado do n.º 2, que já estava contido expressamente na alínea b).
Se o legislador deixou de fora, deliberadamente, o n.º 1 do artigo 210.º na formulação da alínea b) não se compreende que depois o pretendesse incluir na previsão da alínea g).
Perante as mesmas razões, naturalmente, que o procedimento não poderia ser diferente.
O legislador não incluiu o roubo simples na referida alínea b). E se não o fez, quando podia tê-lo feito e no sítio onde, aliás, até seria mais lógico de um ponto de vista da sistemática da norma fazê-lo, não faz sentido afirmar-se que, afinal, o legislador o quis incluir na previsão da alínea g).
Apesar da formulação desta norma – onde recorde-se tanto cabe o roubo do n.º 1, como o do n.º 2 – cremos não ser permitido afirmar que o legislador quis abranger o roubo simples na alínea g).
Isto depois de o não ter incluído na alínea b) onde claramente, se afirma estar excluído apenas o roubo do n.º 2.
E, voltamos a citar o mencionado acórdão de fixação de jurisprudência onde se refere que, “a tal propósito, no Tratado de Direito Civil de ENNECCERUS, que continua a ser um texto modelar, se declara que a interpretação tem de partir do teor verbal da lei, o qual há-de ser posto a claro «tendo em conta as regras da gramática e designadamente o uso (corrente) da linguagem», tomando, porém, em particular consideração também os «modos de expressão técnico-jurídicos.»
Acrescenta, todavia, que além do teor verbal hão-de ser considerados «a coerência interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos» (ou seja, a interpretação lógico-sistemática), assim como «a situação que se verificava anteriormente à lei e toda a evolução histórica», bem assim «a história da génese do preceito», que resulta particularmente dos trabalhos preparatórios, e finalmente o «fim particular da lei ou do preceito em singular» (ou seja, a interpretação teleológica) - cf. Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, 3.ª ed., p. 111.”
Visto o elemento literal, o elemento gramatical, não pode deixar de permitir, de exigir, a conclusão de que o crime de roubo simples – ao contrário do crime de roubo agravado - não foi expressamente excluído do perdão.
Se o legislador quisesse dar o mesmo tratamento ao crime de roubo simples que deu ao crime de roubo agravado, tê-lo-ia feito da mesma forma, expressa, para aquele o que fez para este.
O elemento racional.
Tudo indica, pelos trabalhos preparatórios, pela discussão no seio Comissão Parlamentar e ainda da Exposição de Motivos da proposta legislativa, que o legislador não quis, de todo, excluir o crime de roubo simples da aplicação do perdão. Apenas pretendeu excluir o crime mais grave.
O elemento sistemático e histórico.
No que concerne ao elemento histórico, há que ter em devida conta os precedentes legislativos em matéria de leis de clemência e, especificamente, na amnistia de crimes em função do estabelecimento de um limite de gravidade das penas aplicáveis.
A inserção sistemática da previsão a referida alínea g) – por definição e pala própria natureza das coisas - depois da alínea b), não pode ter tido subjacente a intenção e, não pode ter a virtualidade, o efeito, pretendido na decisão recorrida:
De ostensivamente, esvaziar de conteúdo útil, de qualquer sentido, a alínea b).
Cremos que daqui resulta, de forma medianamente clara e segura que, o aparente e estrito sentido literal da norma contida na alínea g) no contexto sistemático e que se segue à alínea b), exigindo uma harmonização entre ambas e, na procura de coerência interna ao conjunto da Lei, apenas pode levar à conclusão que a posição que aqui se defende, terá sido a intenção, a opção do legislador.
O verdadeiramente substantivo contido na previsão da alínea g) na afirmação da vontade do legislador - apesar de não corresponder a uma formulação clarificadora de tal afirmação e de não prevenir, acautelar, o surgimento de evidente controvérsia na sua aplicação, integrada no contexto da totalidade e da razão de ser do diploma – não pretendeu excluir do perdão o crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 CP.
Dito de outro modo, não sendo a alínea g) uma previsão despida, naturalmente, de utilidade, é, no entanto, supérflua no contexto da prescrição normativa sobre a concessão do perdão relativamente ao crime de roubo.
Em conclusão, a interpretação meramente declarativa, da conjugação das normas contidas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei comporta, unicamente, o sentido que é atribuído pelo arguido, de que o legislador não pretendeu excluir da aplicação do perdão conferido pela dita Lei os condenados pelo crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210.º/1 do Código Penal.
Assim se privilegiando o entendimento de que o legislador se norteou por uma ideia fulcral de gravidade do crime, reportada à moldura penal abstracta.
Donde, se conclui que o crime de roubo simples pelo qual o arguido/recorrente foi condenado não está excluído da aplicação do perdão. (…)»
Diversamente, o aqui Relator subscreveu como I Adjunto o ARP de 10-7-2024 de Lígia Trovão também com Maria Joana Grácio e José Carreto Presidente da Audiência 11946/23.8T8PRT.P1 no qual se valorou e decidiu acerca da vexata quaestio recente que:
« 2ª questão: a aplicação do perdão previsto no art. 7º nº 1 alínea b), subalínea i), da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto ao crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal.
O recorrente [no Rec Penal 11946/…, o Arguido] defende que à pena parcelar de 01 (um) ano de 06 (seis) meses de prisão … aplicada (no âmbito do NUIPC nº 317/22.3PAVNG-Apenso C) pela prática de um crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal, perpetrado no dia 08 de março de 2022, contra o ofendido Tiago Costa deve ser aplicado o perdão previsto no art. 7º nº 1 alínea b), subalínea i), da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto.
Sustenta esta sua pretensão no decidido no douto Ac. da R.P. de 21/01/2024 proferido no proc. nº 614/15.4GBAGD-C.P1, relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Dr. Pedro Afonso Lucas, publicado na www.dgsi.pt, no sumário e segmento de texto que expressamente transcreve:
“I – A condenação por crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, não se mostra excluída da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto“ e “Na verdade, e no que se reporta ao tipo criminal de roubo, se é certo mostra–se o mesmo in limine excluído da aplicação da medida de amnistia, já no que tange à medida do perdão apenas aqueles configurados na sua forma agravada se mostram excluídos da respectiva aplicabilidade – não se mostrando as condenações reportadas a crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, excepcionadas da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023”.
[…] O recorrente [no Rec Penal 11946/…, o Arguido] constrói esta questão que suscita, laborando em dois equívocos: por um lado, esquece o determinado no nº 4 do art. 3º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto que estatui que “Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única” (e não sobre as penas parcelares que o integram, como parece defender o recorrente, não havendo que equacionar se as penas parcelares aplicadas a cada um desses crimes estão ou não abrangidas pelo perdão) na mesma senda do que já era previsto nas várias leis de amnistia e perdão ([9]) que antecederam a presentemente em vigor – sublinhado da nossa autoria.
Por outro lado, não atende ao disposto no art. 3º nº 2 alínea d) da mesma Lei que dispõe que “São ainda perdoadas: d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova”, mostrando-se tal pena única excluída do perdão.
Passando a explicar.
A Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto aplica-se às sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º - cfr. art. 2º nº 1.
No caso presente, o recorrente com 17 anos de idade em 08/03/2022, tendo cometido mais do que um crime em concurso real, uma vez realizado o cúmulo jurídico entre as respetivas penas parcelares, vem condenado numa pena única de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 03 (três) anos, sujeita a regime de prova.
Conforme ensina Pedro José Esteves de Brito, in ob. cit., pág. 17, “...num cúmulo jurídico de penas, só devem ser englobadas penas parcelares (…) e o perdão deve incidir sobre a pena única obtida a partir do cúmulo de todas as penas parcelares”.
Todavia, como se disse, na situação presente, essa pena única aplicada ao recorrente ficou suspensa na sua execução pelo período de 03 (três) anos, sujeita a regime de prova.
Por tal motivo, essa pena única aplicada ao recorrente não beneficia do perdão de 01 (um) ano de prisão previsto no nº 1 do mesmo art. 3º (ainda que se entendesse que ambos os crimes pelos quais foi o recorrente condenado - e não é o caso no que toca ao crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal em face do que se dispõe no art. 7º nº 1 alínea g) desta Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto, conjugado com o disposto no art. 67º-A nº 1 d) do CPP, para a qual expressamente remete (“Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e (…)”- beneficiam de perdão).
Abrindo aqui um parêntesis no que respeita à tese defendida pelo recorrente numa (malograda) tentativa de obter êxito na sua pretensão, no sentido de que o crime de roubo simples p. e p. pelo nº 1 do art. 210º do Cód. Penal está abrangido pelo perdão previsto pelo art. 3º nº 1, temos a dizer que, com todo o respeito que nos merecem os Exmºs Srs. Desembargadores subscritores do aresto citado pelo recorrente (como outros que antes e depois decidiram no mesmo sentido), discordamos que o referido tipo de crime beneficie do perdão de 01 ano, alinhando sobre esta questão pela interpretação sufragada por Pedro José Esteves de Brito em artigo publicado na Revista Julgar Online, de agosto de 2023, orientação seguida por outros arestos posteriormente proferidos pelas diversas Relações, inclusive nesta mesma Secção Criminal ([10]) e neste TRP([11]).
Passando a explicar e “esquecendo” que está em causa uma pena parcelar.
Ao crime de roubo simples pelo qual vem o recorrente aqui condenado corresponde, em abstrato, pena (parcelar) de prisão de 01 a 08 anos.
Não se mostrando o crime em causa amnistiado em face do que dispõe o art. 4º da referida Lei nº 38-A/2023 de 02 de Agosto (e consequentemente, não se aplicam os efeitos previstos no art. 128º nº 2 do Cód. Penal), subsistindo a condenação, o art. 3º da referida Lei, no seu nº 1, prevê um perdão de (ou até) 01 ano de prisão a todas as penas de prisão concretamente aplicadas a título principal, em medida inferior ou igual a 08 anos. O que quer dizer que se a pena de prisão aplicada for superior a 01 ano mas inferior ou igual a 08 anos (como sucede no caso presente), será(ia) perdoado 01 ano de prisão([12]).
Contudo no art. 7º vêm previstas exceções ao perdão estabelecido no nº 1 do art. 3º.
Aí se determina que:
“1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por: (…).
b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados:
i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no nº 2 do artigo 210º do Código Penal;
ii) (…);
c) No âmbito dos crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, os condenados por crimes de discriminação e incitamento ao ódio e à violência e de tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos, incluindo na forma grave, previstos nos artigos 240.º, 243.º e 244.º do Código Penal;
d) No âmbito dos crimes contra a vida em sociedade, os condenados por: (…);
e) No âmbito dos crimes contra o Estado, os condenados por:
f) No âmbito dos crimes previstos em legislação avulsa, os condenados por: (…);
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro;
h) (…);
i) (…);
j) (…);
k) (…);
l) (…);
3 - A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3º e da amnistia prevista no artigo 4º relativamente a outros crimes cometidos”.
O elenco das enumeradas exceções é efetuado em função de diferentes critérios:
- dos crimes em causa, tendo em conta o bem jurídico protegido e os seus elementos constitutivos - cfr. nº 1 alíneas a) a f); ou,
- independentemente dos concretos crimes, na perspetiva das respetivas vítimas – cfr. nº 1 alínea g) e nº 2;
- de determinadas qualidades ou características do agente – cfr. nº 1 alíneas h), k);
- da pena aplicada – cfr. nº 1 alínea i); ou
- da verificação de determinada agravante geral – cfr. nº 1 alínea j).
Apesar de o crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal não constar expressamente do elenco que é feito no nº 1 b) do art. 7º, “que por si só, determinam a exclusão das medidas estabelecidas na Lei em análise, não impede que o respetivo agente, possa ainda assim, não beneficiar destas por força das demais exceções igualmente previstas”([13]) e é precisamente o que sucede por força do disposto na alínea g) do mesmo número do art. 7º (“Não beneficiam do perdão (…): Os condenados por crimes praticados contra (…) crianças, jovens, nos termos do art. 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de fevereiro”), exceção consagrada em função do critério das vítimas do crime em questão, tendo em conta que no caso destes autos, o ofendido DD na data da prática do roubo de que foi vítima tinha apenas 17 anos de idade ([14]).
Diz a propósito Pedro José Esteves de Brito ([15]) que “(…) do teor literal do art. 7º nº 1 al. g), da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, não resulta que a hipótese aí prevista seja subsidiária ou residual em relação às restantes alíneas do nº 1, do art. 7º, da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, nomeadamente a al. b).i.
(…). É certo que o art. 67º-A nº 1, do C.P.P. só foi aditado pela Lei nº 130/2015, de 4 de setembro.
Contudo, atenta a redação dada ao art. 7º, nº 1, al. g), da dita Lei, afigura-se claro que o legislador pretendeu atender à caracterização das vítimas dos crimes cometidos à luz da legislação em vigor à data da entrada em vigor da Lei que estabeleceu o perdão de penas (cfr. art. 15º da Dita Lei).
Estando em causa o mesmo benefício (perdão) e o mesmo crime, sendo todos os factos praticados nas mesmas condições temporais exigidas pela Lei que estabeleceu aquela medida e por agentes que integram o âmbito subjetivo definido na mesma Lei, deverá, pois, atender-se à caracterização da vítima à luz da legislação vigente à data da entrada em vigor da Lei que estabeleceu tal benefício” – destacado da nossa autoria.
Do que vem exposto e se perfilha, se extrai que os condenados (em pena parcelar) pela prática de crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal não poderão beneficiar do perdão de pena previsto no nº 1 do art. 3º, porque no caso concreto, a respetiva vítima ser considerada «jovem» nos termos do art. 67ºA nº 1 d) do CPP.
[…] 3ª questão: a inconstitucionalidade do art. 7º nº 1 alínea b) i) da Lei nº 38-A/2023 na interpretação segundo a qual o crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal encontra-se excluído do perdão, por ser disforme aos arts. 2º e 32º nº 1 da CRP, princípio do Estado de Direito e legalidade e direito de defesa do arguido.
O recorrente [no Rec Penal 11946/…, o Arguido] sustenta que interpreta o art. 7º nº 1 b)-i) da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto no sentido de não excluir/excecionar o crime de roubo simples p. e p. pelo art. 210º nº 1 do Cód. Penal (pelo qual vem aqui condenado no âmbito do NUIPC nº 317/22.3PAVNG-Apenso C) do perdão previsto naquela lei, sendo uma interpretação em sentido contrário, disforme aos arts. 2º e 32º nº 1 da CRP, princípio do Estado de Direito e legalidade do direito de defesa do arguido.
[…] não lhe assiste razão nenhuma quanto à invocada inconstitucionalidade, pois uma interpretação contrária aquela por ele propugnada em nada viola as suas garantias de defesa como invoca (princípio geral interpretado à luz do processo equitativo, na designação da CEDH e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos), as quais vêm elencadas no referido art. 32º (a saber: presunção de inocência e celeridade do processo, cfr. nº 2; direito a escolha e assistência de defensor, cfr. nº 3; competência jurisdicional para a instrução, cfr. nº 4; estrutura acusatória e princípio do contraditório, cfr. nº 5; processo na ausência, cfr. nº 6; intervenção do ofendido no processo, cfr. nº 7; proibições de prova, cfr. nº 8; principio do juiz natural, cfr. nº 9; direitos de audiência e defesa nos demais processos sancionatórios, cfr. nº 9) dado que, conforme se exarou a dado passo no AUJ do STJ nº 2/2023 de 01 de fevereiro, publicado no D.R. I Série, nº 23,
“(…), as medidas de graça ou de clemência são uma “reminiscência do direito de graça que o soberano detinha quando concentrava em si todos os poderes estatais, incluindo os de castigar e de perdoar”, subvertendo os “princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça”.
Os atos de graça abrangem, assim, a amnistia, o perdão genérico e o perdão individual ou particular, em que se integram o indulto e a comutação (…) não estão expressamente previstas a se no âmbito da Constituição da República Portuguesa, encontrando -se apenas mencionadas aquando da referência aos poderes do Presidente da República (indulto e comutação da pena, nos termos do artigo 134º, alínea f) da Constituição da República Portuguesa) e do Parlamento (amnistia e perdão genérico, previstos no artigo 161º, alínea f) da Constituição da República Portuguesa).
[…] O direito de graça assume uma natureza excecional (…).
O Tribunal Constitucional no seu Ac. nº 42/02, de 31 de Janeiro de 2002([16]), decidiu que “o Tribunal Constitucional vem entendendo, com significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d’Etat”.
Transpondo o decidido para a presente situação, “não se pode representar como irrazoável de modo constitucionalmente censurável a medida legislativa que, ao conceder um perdão genérico, o circunscreve” apenas às datas, pessoas, crimes e penas definidos na Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto, para se concluir que não bole com o princípio geral das garantias de defesa do arguido plasmado no art. 32º nº 1 da CRP.
Também para o Ac. da R.E. de 23/01/2024 ([17]), “As leis de amnistia e perdão têm caracter de clemência, não é um direito dos cidadãos; O Estado goza de grande liberdade conformativa no conteúdo das leis de amnistia e perdão, sendo que as suas razões e objetivos não estão concretizadas em lei; Não podendo ocorrer o arbítrio ou discriminação infundada, o Estado pode escolher o momento da entrada em vigor da amnistia/perdão, que tipos legais ou condutas serão passiveis de amnistia/perdão, qual a abrangência da amnis tia/perdão (penal, contraordenacional, disciplinar …), que grupos de indivíduos amnistiar /perdoar (Lei 9/96, de 23 de Março, conhecida pela Amnistia às FP25), isto é, desde que justificada a sua restrição não existe inconstitucionalidade. Ora, no caso em apreço não se vislumbra qualquer arbítrio ou falta de fundamento material. Na verdade, tratou-se de assinalar a vinda do Papa às JMJ, estabelecendo-se vários limites: idade, data da prática dos factos, tipos de infracções. Tal e qual se estabeleceu em anteriores amnistias”.»
Uma vez expostas a jus compreensão subscrita pela aqui ‘Relatora inicial’ quando Adjunta no ARL de 11-4-2024 no Recurso Penal 167/…, seguidamente a jus compreensão subscrita pelo aqui I Adjunto ora Relator por vencimento quando Adjunto no ARP de 10-7-2024 no Recurso Penal 11946/…, neste ponto tem-se por demais oportuno citar toda a secção que importa in casu e que foi extractada do excelente ‘estudo de cariz (dir-se-á) prático’ de JOSÉ MANUEL SAPORITI MACHADO DA CRUZ BUCHO atinente à vexata quaestio na praxis recente:
«12.2 Crime de roubo p. e p. pelo artigo 201.º, n.º1 do Código Penal
Questão: saber se o crime está excluído do perdão porque abrangido pela alínea g) do n.º1 do artigo 7.º ou se, pelo contrário, beneficia do perdão.
A jurisprudência já está dividida e, ao que parece, também o Ministério Público (veja-se quanto a este as posições divergentes assumidas no âmbito do processo em que foi proferido o Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.º 179/04.2PBLSB-A.L1-5, rel. Maria José Machado).
A favor da exclusão:
- Ac. da Relação de Lisboa de 28-11-2023, proc.º n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, rel. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro (com voto de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira): “Está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, o crime de roubo na sua forma de consumação simples, tipificada pelo art.º 210º, nº 1 do Código Penal, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei”(sumário).
- Acórdão da Relação de Lisboa de 14-12-2023, processo n.º 27/22.1PJLRS-B.L1, rel. Sandra Ferreira:
I – Nos termos do artº 9º do Código Civil a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
II – O crime de roubo, previsto no nº 1 do art. 210º do Código Penal, é qualificado, nos termos do disposto no art. 1º al. l) do Código de Processo Penal, como criminalidade especialmente violenta.
III – Do texto da alínea g) do nº 1 do art. 7º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto, decorre que o legislador excecionou a aplicação da amnistia e perdão aos condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis” nos termos do art. 67º-A do Código de Processo Penal.
IV – Presumindo-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3 do Código Civil) a conclusão a retirar é que estarão também abrangidas as vítimas cuja especial vulnerabilidade decorre da classificação legal dos crimes praticados, como integrando “criminalidade violenta” ou “criminalidade especialmente violenta”, nos termos do art. 1º al. j) e l) e 67º-A, nº 3, ambos do Código de Processo Penal, incluindo-se, assim, na exceção consagrada na al. g) do art. 7º da Lei nº 38-A/2023 de 2 de agosto o crime de roubo, previsto e punível pelo art. 210º, nº 1 do Código Penal.
- Ac. da Relação do Porto de 10-1-2024, proc.º n.º 485/20.9T8VCD.P2, rel. Francisco Mota Ribeiro:
I - Com vista a determinar se o crime de roubo do art.º 210º, nº 1, do Código Penal, está ou não abrangido pelo perdão previsto na Lei nº 38-A/2023, de 02/08, não podem as normas da al. b-i) e da al. g) do art.º 7º, nº 1, ser interpretadas isoladamente entre si, ou relativamente às demais previstas no mesmo diploma, mas sim conjugadamente, tendo em conta todos os elementos necessários à interpretação (gramatical, teleológico, sistemático e histórico, e neste especificamente os trabalhos preparatórios), em termos que permitam demonstrar que o resultado da interpretação não será extensivo relativamente ao que resulta do texto da lei, no que toca à primeira norma referida, nem restritivo, no tocante à segunda, mas antes traduza o sentido normativo que efetivamente melhor corresponda ao pensamento legislativo;
II - Da evolução registada na elaboração do texto que veio a resultar na versão final da Lei nº 38-A/2023, que teve por base a Proposta de Lei 97/XV/1.ª, pode concluir-se que o resultado final obtido foi o alargamento da exceção da não aplicação do perdão ao crime de roubo, seja ele simples (art.º 210º, nº 1) ou agravado (art.º 210º, nº 2), porquanto pese embora o roubo simples deixasse de estar abrangido na atual al. b)-i, passou necessariamente a está-lo na al. g) do mesmo artigo, cuja norma também passou a ter uma abrangência mais alargada do que o inicialmente previsto, ademais porque na aplicação de uma e de outra deixou de ser exigido que o crime haja sido praticado em residências ou na via pública, com arma de fogo ou arma branca, como inicialmente resultava da Proposta de Lei, aqui por uma relativamente abrangente referência ao “artigo 210.º do Código Penal”.
III – Assim sendo, e resultando da redação dada à al. g) que não beneficiam do perdão e da amnistia os condenados por crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, necessariamente passou a estar nela incluído o crime de roubo, previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, dado o mesmo integrar o conceito de criminalidade violenta, por corresponder a condutas que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade física ou a liberdade pessoal, nos termos previstos no art.º 1º, al. j), do Código de Processo Penal, sendo ademais punível com pena prisão de máximo superior a 5 anos de prisão, e, nos termos do nº 3 daquele art.º 67º-A, “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis”.
IV – Por outro lado, do ponto de vista teleológico, e na coerência com que o pensamento legislativo deve ser reconstituído “a partir dos textos da lei”, não seria compreensível que crimes muito menos graves do que o de roubo previsto no art.º 210º, nº 1, do CP, como o de coação e de perseguição, dos art.ºs 154º e 154º-A do CP, puníveis com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa, ficassem excluídos do perdão, e já não aquele, indubitavelmente mais grave e gerador de alarme social, onde a violência sobre uma determinada pessoa pontifica como elemento do tipo, seja na forma de coação, de ofensa à integridade física, ou de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física da vítima, sendo ademais o mesmo punível com pena muito superior à prevista para aqueles crimes, ou seja, 1 a 8 anos de prisão.
- Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc.º n.º 379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva:
I – A norma do artigo 7º da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, que estabelece um perdão de penas e amnistia infracções, prevê exceções quanto à sua aplicação, preceituando, entre o mais, que não beneficiam do perdão os condenados pelos crimes elencados nas alíneas a) a h) do n.º 1.
II – No elenco dos crimes contra o património está expressamente excecionado, entre outros, o perdão apenas relativamente ao crime de roubo agravado, nada se prevendo quanto ao roubo simples.
III – No entanto, quanto a este, seja consumado ou meramente tentado, também se mostra excluída a aplicação do perdão em virtude de tal ilícito integrar crime praticado contra vítimas especialmente vulneráveis, em que se incluem as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta.
- Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.º n.º 5310/19.0JAPRT-AI.G1, rel. Isilda Pinho:
“Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei”(sumário).
- voto de vencido da Desembargadora Isilda Pinho ao Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.º n.º 1153/16.1PCBRG-B.G1, rel. Florbela Sebastião e Silva.
- Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, rel. Ester Pacheco dos Santos (com voto de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira):
1 – O art.º 7.º, n.º 1, al. g) da Lei n.º 38/2023, de 2 de agosto exceciona da aplicação do perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e “vítimas especialmente vulneráveis”, nos termos do art.º 67.º A do Código de Processo Penal, incluindo-se nessa exceção o crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1 do Código Penal.
2 - Tal exceção, que não comporta tratamento diverso de quem se encontra em situação idêntica – art.º 13.º da CRP -, é explicável por razões de política criminal, ponderando a gravidade das condutas criminais praticadas contra “vítimas especialmente vulneráveis”.
- Ac. da Relação de Guimarães de 20-2-2024, proc.º n.º 135/22.9PBVCT. G1, rel. Pedro Freitas Pinto:
Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei (sumário).
Embora não seja objeto de recurso, mas por ser do conhecimento oficioso, diga-se ainda, que bem andou o tribunal “a quo” ao não aplicar a este crime de roubo, o perdão de pena contido no artigo 3º nº 1 al. a) da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de agosto, por não beneficiar do mesmo tendo em consideração o disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 7º daquela Lei”.
- Ac. da Relação de Guimarães de 20-2-2024, proc.º n.º 546/21.7GAVNF.G1, rel. Bráulio Martins:
Os condenados por crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º n.º 1 do Código Penal não beneficiam da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto por as respectivas vítimas deverem ser consideradas pessoas especialmente vulneráveis e, por isso, o perdão se encontrar excluído pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da referida Lei (sumário).
- Ac. da Relação de Lisboa de 20-2-2024, proc.º n.º 286/22.0SYLSB.L2-5, rel. Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
O crime de roubo, na sua forma de consumação simples, tipificada pelo artº 210º, nº 1 do Código Penal, está excluído do benefício do perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, por se enquadrar no círculo de crimes cujas vítimas são, sempre e independentemente da respetiva condição, idade ou proveniência, “especialmente vulneráveis” e por isso se encontrar abrangido pela alínea g) do nº 1 do art.º 7º da Lei (sumário).
Excerto:
«Por conseguinte, não obstante a situação em apreço não se mostrar incluída no art.º 7º, nº 1, al. b), subalínea i)., é forçoso concluir que a mesma encontra acolhimento na al. g) do nº 1 do art.º 7º (independentemente de, no processo, a vítima ter ou não a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável, uma vez que tal exigência não tem suporte em nenhum dos elementos harmonicamente utilizados na interpretação jurídica e inclusive se mostra contrariada pelo elemento literal), na medida em que a vítima do crime de roubo previsto e punido pelo artº 210º, nº 1 do C.Penal, enquanto vítima de criminalidade especialmente violenta, é sempre (cfr. art.º 67º-A, nº 3 do C.P.Penal) considerada uma vítima especialmente vulnerável, pelo que o seu agente não poderá beneficiar do perdão da pena aplicada por tal crime, por força da mencionada al. g) do nº 1 do preceito em análise».
No mesmo sentido desta jurisprudência já se pronunciara Pedro José Esteves de Brito, “Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, na Revista JULGAR Online, agosto de 2023, págs. 30-32 e “Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude” nota 30, págs.14-15.
Contra a exclusão:
- votos de vencido da Desembargadora Ana Cláudia Nogueira ao Ac. da Relação de Lisboa de 28-11-2023, proc.º n.º 7102/18.5P8LSB-A.L1-5, rel. Luísa Alvoeiro e ao Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, rel. Ester Pacheco dos Santos.
Excerto do voto exarado no acórdão de 28-11-2023:
A «interpretação da previsão contida na alínea g), que aparece reportada ao tipo de vítima do crime, em vez de ao tipo de crime, como sucede nas alíneas anteriores, até pela sua inserção sistemática, indicativa de que é menos específica e residual em relação às anteriores previsões relativas a concretos tipos legais de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes violentos e especialmente violentos (cujas vítimas são legalmente consideradas vítimas especialmente vulneráveis) que não constem excecionados nas alíneas anteriores.
Explicando.
A interpretação sufragada no acórdão e que fez vencimento corresponde, na prática, a eliminar do texto do art.º 7º/1,b) i) a indicação do nº 2 do art.º 210º do Código Penal, como se aí devesse constar apenas a referência ao art.º 210º, por forma a terem-se por excecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os roubos, seja na forma agravada, prevista no nº 2, seja na forma simples, com previsão no nº 1; e isso corresponde a derrogar a lei.
Na verdade, quisera o legislador excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia o crime de roubo em qualquer das suas previsões, simples e agravada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do nº 1, b), i) do citado art.º 7º»
- Ac. da Relação de Lisboa de 6-12-2023, proc.º n.º 2436/03.6PULSB-D.L1-3, rel. Hermengarda do Valle-Frias: Em face da redacção dada ao artº 7º, nº 1, al. b) e nº 1, al. g) da Lei de Amnistia nº 38-A/23 de 02.08, visto o processo de discussão política que esteve na base da referida opção legislativa, resulta que o legislador quis que os condenados por crime de roubo [simples], previsto e punido nos termos do disposto pelo nº 1 do artº 210º do Cód. Penal, beneficiassem da aplicação do perdão de pena ali previsto
- Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.º n.º 1153/16.1PCBRG-B.G1, rel. Florbela Sebastião e Silva (com voto de vencido da Desembargadora Isilda Pinho):
I - O condenado por crime de roubo p.e p. pelo artigo 210º, n.º1 do Código Penal, não estando em causa uma vítima especialmente vulnerável na definição dada pela al. b) do nº 1 do artigo 67º-A do CPP, beneficia da aplicação do perdão de pena previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
II - Quando o legislador, na al. g) do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023, remete para o artigo 67º-A do CPP, fá-lo apenas e tão-só com o intuito de providenciar por uma definição legal (e consentânea com a ordem jurídico-penal no seu todo) de vítima especialmente vulnerável, em substituição da fórmula (menos rigorosa) constante da Proposta de Lei, e não a de fazer excluir, de forma indirecta, certos crimes do âmbito da aplicação daquela Lei.
III - A referida alínea g) serve de válvula de escape permitindo a negação do perdão (e amnistia) para crimes que, não estando previstos especificamente nas alíneas anteriores do nº 1 do artigo 7º da Lei nº 38-A/2023 possam ainda ser considerados fora do âmbito de aplicação da referida Lei de Amnistia desde que esteja em causa uma vítima especialmente vulnerável.
IV- Contudo, essa vulnerabilidade tem de resultar da definição dada pela al. b) do nº 1 do artº 67º-A do CPP, não sendo uma operação jurídica automática resultante da aplicação do nº 3 do mesmo artº 67º-A.
- Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.º 179/04.2PBLSB-A.L1-5, rel. Maria José Machado:
1. O crime de roubo, à luz das alíneas j) e l) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, não deve ser considerado como integrando o conceito de criminalidade violenta ou especialmente violenta. Isto porque cada um destes conceitos, para além de exigir uma determinada medida abstracta da pena prevista no tipo incriminador (igual ou superior a 5 ou a 8 anos, respectivamente), exige que as condutas em causa se dirijam dolosamente «contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública», conceitos que o Código Penal utiliza para ordenar sistematicamente as condutas que incrimina.
2. No crime de roubo, para além de a violência, a subtracção ou a entrega da coisa ou animal alheios podem ser alcançadas por meio de ameaça com perigo para a vida ou para a integridade física ou pondo a vítima na impossibilidade de resistir (artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal), não envolvendo necessariamente uma ofensa da integridade física da vítima. Por isso, não se pode sequer dizer que o crime de roubo também tutela a integridade física da vítima para efeitos de o integrar na alínea j) do artigo 1º do Código de Processo Penal. Tutelará apenas nos casos em que a violência se traduzir na prática de lesões da integridade física e naqueles em que a colocação na impossibilidade de resistir implicar uma ofensa desse bem jurídico. Não poderia, por isso, o legislador ter estabelecido na alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, uma cláusula de exclusão de conteúdo incerto.
3. Não integrando o roubo o conceito de criminalidade violenta, não se lhe aplica o n.º 3 do artigo 67.º do Código de Processo Penal, razão pela qual as vítimas desse crime não são necessariamente especialmente vulneráveis, do que deriva que o roubo simples não seja excluído pela alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto.
4. A exclusão prevista na alínea g) da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, só é de aplicar, quando no processo a vítima tiver a condição e o estatuto de vítima especialmente vulnerável, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal.
5. A não aplicação do perdão em virtude de as vítimas dos roubos simples cometidos pelo arguido poderem ser hoje consideradas vítimas especialmente vulneráveis, quando na data da condenação não tinham essa qualificação, traduz uma violação do princípio da não aplicação retroactiva da lei processual penal previsto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do C.P.P., quando da sua aplicação imediata, que é a regra, puder resultar agravamento da situação processual da situação do arguido”
Tem declaração de voto da Desembargadora Mafalda Sequinho dos Santos, no sentido de que embora votando a decisão não subscreve “a fundamentação na parte em que refere que o crime de roubo não integra o conceito de criminalidade violenta”.
- Ac. da Relação do Porto de 24-1-2024, proc.º n.º 614/15.4GBAGD-C.P1, rel. Pedro Afonso Lucas:
I- A condenação por crime de roubo na sua forma simples, previsto e punido nos termos do art. 210º/1 do Cód. Penal, não se mostra excluída da aplicação do perdão previsto na Lei 38–A/2023, de 2 de Agosto.
Excerto:
«Porém, e como acima se disse já, certo é que do texto da lei resulta claro que, ao definir quais os «crimes de natureza patrimonial» (e, sendo embora certo que o crime de roubo materialmente tutela bens jurídico–penais que vão além de uma estrita natureza material, não deixa de ser essa a respectiva inserção sistemática no Código Penal, cfr. respectivo Capítulo II, do Titulo II do Livro II) que se mostram excluídos da aplicação do perdão, o art. 7º/1/b)i) da Lei 38–A/2023 apenas expressamente reporta, no que ao roubo respeita, às condenações por tal crime na sua forma agravada, prevista no nº2 do art. 210º do Cód. Penal.
E a entender–se que as condenações por crime de roubo simples deveriam antes integrar a alínea g) do art. 7º/1, adentrando por essa via no regime de excepcionalidade que a lei pretendeu instituir, tal corresponderia, na prática, a uma derrogação da norma especificamente contida nesse mesmo regime no nº1/b)i) do mesmo artigo, interpretação que não se afigura poder ter acolhimento.
Como escreve a Desembargadora Ana Cláudia Nogueira no seu voto de vencido exarado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/11/2023 (proc. 7102/18.5P8LSB–A.L1–5), a «interpretação da previsão contida na alínea g), que aparece reportada ao tipo de vítima do crime, em vez de ao tipo de crime, como sucede nas alíneas anteriores, até pela sua inserção sistemática, indicativa de que é menos específica e residual em relação às anteriores previsões relativas a concretos tipos legais de crime, terá necessariamente que passar por afastar a sua aplicação aos crimes violentos e especialmente violentos (cujas vítimas são legalmente consideradas vítimas especialmente vulneráveis) que não constem excecionados nas alíneas anteriores.
Explicando.
A interpretação sufragada no acórdão e que fez vencimento corresponde, na prática, a eliminar do texto do art.º 7º/1,b) i) a indicação do nº 2 do art.º 210º do Código Penal, como se aí devesse constar apenas a referência ao art.º 210º, por forma a terem-se por excecionados da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia todos os roubos, seja na forma agravada, prevista no nº 2, seja na forma simples, com previsão no nº 1; e isso corresponde a derrogar a lei. Na verdade, quisera o legislador excecionar da aplicação da Lei do Perdão e Amnistia o crime de roubo em qualquer das suas previsões, simples e agravada, e não havia qualquer razão para não o ter feito logo quando da previsão do nº 1, b), i) do citado art.º 7º»
Subscrevem–se tais considerandos, não se vislumbrando, na verdade, porque razão expressaria sequer o legislador qualquer referência ao crime de roubo na alínea do regime excepcional que se reporta aos crimes patrimoniais, caso pretendesse excluir do perdão todas as condenações por tal crime por via do critério da natureza das suas vítimas.
No sentido do entendimento assim propugnado, e além do voto de vencido acima referido, cite–se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/12/2023 (proc. 2436/03.6PULSB–D.L1–3)[5] – no qual, além do mais, se reporta o processo de elaboração legislativa que deu origem ao regime da Lei 38–A/2023 na parte que aqui releva, e que também ajuda a percepcionar a adequação de tal entendimento.
Admite–se sem qualquer dificuldade que, o texto legal como arquitectado se presta a alguma ambiguidade – porém, certo é também que a interpretação assim sufragada é a que melhor se adequa à presunção legal, expressa no art. 9º/3 do Cód. Civil, de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Tudo para dizer, pois, que no caso do cúmulo referente ao grupo A) do acórdão cumulatório, as condenações pelos crimes de roubo simples ali integradas não se mostram, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, excluídos da aplicabilidade do perdão previsto na Lei 38–A/2023».
Afigura-se-me dever dar-se prevalência à primeira orientação.
Pese embora o teor do Ac. da Relação de Lisboa de 23-1-2024, proc.º n.º 179/04.2PBLSB-A.L1-5, rel. Maria José Machado, que parece restringir o conceito de criminalidade violenta a condutas que dolosamente se dirigem contra a integridade física, é indiscutível que o crime de roubo p.e p. pelo artigo 210.º, n.º1 do Código Penal integra o conceito de criminalidade violenta previsto no artigo 1º alínea j) do CPP, por se tratar de um crime doloso que se dirige contra a liberdade das pessoas e a sua integridade física, sendo punível com pena de máximo superior a 5 anos. (cfr. neste sentido, v.g., os Acs. do STJ de 13-03-2008, proc.º n.º 08P924, rel. Cons.º Rodrigues da Costa, de 28-03-2018, proc.º n.º 622/17.0SYLSB-A, rel. Cons.º Lopes da Mota, de 4-11-2021, proc.º n.º 77/2021, rel. Cons.ª Helena Moniz, de 9-06-2022, proc.º n.º 41/2021, rel. Cons.º Orlando Gonçalves, de 2-11-2023, proc.º n.º 303/23.6JABRG-AI.S1, rel. Cons.º Ernesto Vaz Pereira e de 8-2-2024, proc.º n.º 1821/23.1PBLSB-A.S1, rel. Cons.º João Rato e ainda Maria do Carmo Silva, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2ªed., Coimbra, 2022, pág. 89).
Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 67.º-A do CPP “As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1”.
Sempre é sempre.
Foi esta a opção do legislador por muito criticável que a mesma possa ser considerada.
Por conseguinte as vítimas de crime de roubo, na sua forma ou simples ou qualificada, são sempre consideradas como vítimas especialmente vulneráveis.
Como bem se assinalou no Ac. da Relação de Évora de 28-02-2023, proc.º n.º 637/2020, rel. Artur Vargues, “atendendo à definição de criminalidade violenta e especialmente violenta previstas nas alíneas j) e l) do art.º 1º do Código de Processo Penal, resulta que as vítimas de crime de roubo ou de violência após a subtracção, na sua forma ou simples ou qualificada, são consideradas, ope legis, como vítimas especialmente vulneráveis”.
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias em “Ofendida, lesada, assistente, vítima— definição e intervenção processual” in Revista Julgar Online, fevereiro de 2019, pág. 29 e Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2ª ed., Coimbra, 2022, pág. 89 sustenta, com razão, que as vítimas deste tipo de criminalidade “são automaticamente consideradas ‘vítimas especialmente vulneráveis”[18].
Também Tiago Caiado Milheiro in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, cit., pág. 796 em anotação ao artigo 67.º-A refere que “o legislador estabeleceu uma presunção de vulnerabilidade em relação às vítimas de criminalidade violenta e especialmente violenta (n.º3)” No mesmo sentido se pronunciaram os Profs. Teresa Quintela de Brito e Pinto de Albuquerque, in Pinto de Albuquerque (org.), Comentário do Código de Processo Penal, cit., pág. 270.
Como bem se concluiu no Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc.º n.º 379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva: “(…) a análise objetiva do conjunto das normas que integram a mencionada lei não permite afirmar a presença de ressalva ou limitação alguma quanto ao enquadramento das vítimas de roubo simples, consumado ou tentado, no âmbito do conceito legal de vítimas especialmente vulneráveis [artigo 67.º-A, n.º 1, alínea b), e n.º 3, do Código Processo Penal] conjugado com a definição legal de criminalidade especialmente violenta e criminalidade violenta [artigo 1.º, alíneas l) e j), do Código Processo Penal], para efeitos de preenchimento da causa de exclusão do perdão de penas que a mesma lei prevê no seu artigo 7.º, n.º 1, alínea g)”.
Esclarecido este primeiro ponto, avancemos um pouco mais.
Pode parecer difícil responder à pergunta formulada no Ac. da Relação de Guimarães de 23-1-2024, proc.º n.º 1153/16.1PCBRG-B.G1, rel. Florbela Sebastião e Silva: porque motivo o legislador, que até identifica crimes pelos respectivos artigos na sua integralidade, muitos dos quais com sub-tipos, decide cirurgicamente retirar do artº 210º do Código Penal o roubo simples, correspondente ao nº 1, e mantém apenas o roubo agravado previsto no nº 2, quando em relação ao crime de burla, o legislador incluiu no leque de crimes não abrangidos pelo perdão precisamente a burla simples, prevista no artº 217º do Código Penal, a par da burla qualificada prevista no artº 218º do Código Penal ?
Por vezes parece que também os caminhos do nosso legislador são insondáveis.
Importa, porém, não esquecer que a lei é o resultado da vontade de deputados que muitas vezes são incapazes de se abstraírem dos interesses dos seus grupos partidários.
A evolução dos trabalhos preparatórios parece-me ser a este respeito bastante ilustrativa.
A Proposta de Lei excluía do perdão e da amnistia o crime de roubo “em residências ou na via pública cometido com arma de fogo ou arma branca, previsto no art. 210º do Código Penal”.
Posteriormente, em 10 de Julho de 2023, foi apresentada proposta de alteração pelo Grupo Parlamentar do PSD que excluía do perdão e da amnistia os condenados por crime de roubo previsto no artigo 210.º do Código Penal.
Em 14 de Julho de 2023, foi apresentada outra proposta pelo Grupo Parlamentar do PS que apenas excluía do perdão e da amnistia os condenados pela prática do crime de roubo agravado, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal.
Essa menção ao crime de roubo manteve-se na proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS em 17 de Julho de 2023, que substituiu a proposta de 14 de Julho, tendo sido aquela proposta que acabou por ficar consagrada no texto final do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), subalínea i)., da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto.
O mesmo ocorreu quanto à alínea g), do artigo 7º da citada Lei, que, à semelhança daquela, também teve uma redação diferente da constante da inicial proposta de lei apresentada pelo Governo.
Aquela proposta inicial excluía do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, incluindo as crianças e os jovens, as mulheres grávidas e as pessoas idosas, doentes, pessoas com deficiência e imigrantes”, mas a redação final que fez vencimento e que resultou também de uma proposta de alteração apresentada pelo mesmo Grupo Parlamentar do PS exclui do perdão e da amnistia “g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal”.
Quer isto dizer que perante o texto que veio a ser aprovado foi obtido exactamente o mesmo resultado que havia sido proposto pelo PSD.
Todos os crimes de roubo estão excluídos do perdão.
Mas em vez de ter sido aprovada a proposta de alteração do PSD, aquela exclusão resulta antes da conjugação das alíneas alínea b)-i) e g) do n.º1 do artigo 7.º que são o resultado de propostas de alteração do PS !
Para além dos elementos gramatical, sistemático e teleológico abordados nos acórdãos que seguem a primeira orientação, afigura-se-me que os elementos histórico e sistemático devem ser acentuados.
Na determinação das excepções à aplicação da amnistia e do perdão o legislador, embora de forma algo trapalhona, utilizou diversas técnicas que combina de forma pouco clara.
Com efeito no artigo 7.º depois de salientar no n.º1 que não beneficiam do perdão e da amnistia prevista na presente Lei, o legislador começa por enumerar os crimes que entendeu não beneficiarem de amnistia e perdão constantes do Código Penal [alíneas a) a e)] e em legislação avulsa [alínea f)],
Note-se que pelo menos em relação a algumas alíneas do artigo 7.º o legislador parece ter utilizado impropriamente a expressão “condenados” (cfr. a este respeito os acima mencionados - em 12.1 - Acs. da Relação de Coimbra de 24-1-2024, proc.º n.º 477/22.3GAPMS.C1, rel. Alexandra Guiné e de 7-2-2024, proc.º n.º 1180/20.4T9GRD-B.C1, rel. Ana Carolina Cardoso).
Quanto aos crimes constantes do Código Penal a Lei faz referência expressa aos títulos do Código Penal (crimes contra as pessoas, crimes contra o património, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, crimes contra a vida em sociedade, crimes contra o Estado) e a propósito de cada uma das categorias em causa, enuncia os crimes excepcionados com referência à designação e artigo constantes do Código Penal [ex: “Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei “a) No âmbito dos crimes contra as pessoas, os condenados por: “i) Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.ºe 136.º do Código Penal…” -artigo 7.º n.º1, i)].
Mas, para além de enumerar os crimes que entendeu não beneficiarem de amnistia e perdão constantes do Código Penal [alíneas a) a e)] e em legislação avulsa [alínea f)], o legislador pretendeu restringir ainda mais o campo de aplicação das medidas de clemência.
Para o efeito criou diversas outras causas que excluem a aplicação da amnistia e/ou do perdão, tendo em consideração:
- certos tipos de vítimas dos crimes:
- “crianças, jovens e vitimas especialmente vulneráveis nos termos do artigo 67.º-A do CPP” – alínea g)
- membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários, no exercício das respectivas funções – n.º 2;
- certos agentes do crime:
- atendendo ao cargo que desempenham [“titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas” –alínea h)]
- atendendo ao cargo desempenhado pelo agente conjugado com as infracções cometidas [“os membros das forças policiais e de segurança, das forças armadas e funcionários relativamente à prática, no exercício das suas funções, de infrações que constituam violação de direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos, independentemente da pena” - alínea k)]
- o tipo de pena a que se reporta a condenação [“os condenados em pena indeterminada” - alínea i);
- a verificação no crime da circunstância qualificativa comum [“os reincidentes” - alínea j].
Assim, v.g., os crimes de injúria (artigo 181.º do Código Penal) e de ofensa à integridade física negligente (artigo 148.º, n.º1 do Código Penal) são em princípio amnistiáveis porque puníveis, respectivamente, com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias e com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. artigo 4.º da Lei).
Mas se algum daqueles crimes for praticado por um agente da PSP ou sobre um agente da PSP, em ambos os casos no exercício das suas funções, já o crime não é amnistiável nem a pena aplicada ao agente do crime é perdoável.
A conjugação destas diversas causas de exclusão conduz à existência de sobreposições: assim a vítima do crime de homicídio qualificado na forma tentada p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º do Código Penal é sempre uma vítima especialmente vulnerável, o mesmo se passando com a vítima do crime de violência doméstica ou com a vítima de crime contra a autodeterminação sexual (cfr. n.º 3 do artigo 67-A do CPP), mas tanto o crime de homicídio como o de violência doméstica ou contra a autodeterminação sexual constam expressamente da enumeração dos crimes cujas penas não são susceptíveis de perdão.
Noutros casos o crime não consta da enumeração das alíneas a) a f) e, no entanto, não pode beneficiar do perdão por força das demais alíneas e números do mesmo artigo 7.º
É o que se passa com o crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal cuja pena não é perdoável atento o disposto na alínea g).
Como bem se assinalou no - Ac. da Relação do Porto de 17-1-2024, proc.º n.º 379/19.0PAVFR.P2, rel. Maria dos Prazeres Silva: «(…) a integração do crime de roubo, qualquer que seja a sua forma simples ou agravada, no âmbito dos crimes contra vítimas especialmente vulneráveis, excecionados na alínea g), do n.º 1, do mencionado artigo 7.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, não implica desnecessidade ou incoerência na sua inclusão no rol dos crimes contra o património que se encontram excluídos do perdão no ponto i), da alínea b), do n.º 1, do citado preceito legal, mas antes resulta de diferente organização temática das exceções à aplicação do perdão, baseada em critérios diversos, nomeadamente em razão do tipo de crime e área de bens jurídicos tutelados, por um lado, e em função das vítimas, por outro. Acontece, aliás, que também o preenchimento de outras exceções previstas nas alíneas h) a k), do n.º 1, do artigo 7.º, da indicada lei, pode ocorrer em simultâneo ou independentemente do cometimento de crime incluído no âmbito dos delitos discriminados nas alíneas a) a f) do mesmo preceito legal, donde não resulta qualquer incongruência e/ou inutilidade na discriminação dos crimes excecionados operada no preceito legal em análise».
No mesmo caso podem coexistir diversas causas que excluam o perdão - ex: crime de homicídio tentado [alínea a)i.], cometido contra criança [al. g)], praticado por membro de forças policiais no exercício de funções [al. k)].
Afigura-se-me, pois, que as causas de exclusão funcionam independentemente umas das outras, são autónomas entre si, não existindo qualquer relação de subsidiariedade entre elas [19].
Para além das restrições temporal e etária constantes do artigo 1.º, dos limites impostos pelas penas aplicáveis relativamente aos crimes amnistiáveis (artigo 4.º) e, no que se refere ao perdão, dos limites das penas aplicadas de prisão (artigo 3.º n.º1) e de multa (artigo 3.º n.º 2 alínea a), o legislador estabeleceu no artigo 7.º uma completa e complexa teia de excepções, tudo com o claro propósito de apenas outorgar o benefício da amnistia a bagatelas penais e ainda aqui com excepções e de excluir o perdão de 1 ano de prisão relativamente a certos crimes graves que repugnam à consciência colectiva ou de o excluir por outras razões de política criminal, atendendo nomeadamente às necessidades de prevenção geral (como é patente, v.g., no que concerne ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas) [20].» [21]
Ora o ARP de 11-12-2024 de José Castro com Carla Carecho e Raul Cordeiro no Recurso Penal 9/22.3PEPRT-M.P1 da 4ª Secção Judicial / 2ª Secção Criminal deste TRP teve o ensejo há uma semana de mui bem explic(it)ar que:
« A Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, em vigor desde 01.09.2023, tem por objeto um perdão de penas e uma amnistia por ocasião da realização da Jornada Mundial da Juventude (cfr. o art.º 1.º do referido diploma legal).
Estabelece assim tal diploma um conjunto de normas excecionais e que, nessa medida, não consentem interpretações analógicas.[22]
Assim, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, do mencionado diploma, «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º.»
Por sua vez, dispõe o art.º 3.º, n.º 1, do referido diploma legal, que «Sem prejuízo do disposto no artigo 4º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos».
Os factos em causa ocorreram a 29.01.2022 [no Recurso Penal 9/…; 24-9-2020 neste Recurso Penal 1011/…] e o arguido a essa data tinha 18 anos de idade (nasceu a ../../2003) [no Recurso Penal 9/…; 13-12-1995 neste Recurso Penal 1011/… por que tinha 24a 9m 11d].
Assim, a menos que se considere que o crime de roubo simples está excluído do perdão, haveria que declarar perdoado 1 ano à pena de prisão imposta por força do disposto nos artgs 2.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, da Lei de Amnistia de 2023, sem embargo da condição resolutiva a que se reporta o art.º 8.º, n.º 1, de tal diploma legal.
Ora, o regime das exclusões da amnistia e do perdão encontra-se previsto no art.º 7.º da Lei de Amnistia de 2023, sob a epígrafe «Exceções», nos termos do qual (transcrição parcial):
« 1. Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
[…] b) No âmbito dos crimes contra o património, os condenados por: i) Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal;
[…] g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro; […].»
Sucede que, quanto à questão vinda de referir, existem duas correntes jurisprudenciais antagónicas, a saber:
- Uma que entende que o perdão não está excluído no crime de roubo simples uma vez que o legislador apenas excluiu expressamente o perdão do crime de roubo qualificado [art.º 7.º, al. b)-i)] e tendo em conta a vontade do legislador que se antevê do respetivo processo legislativo (vejam-se, entre outros, os acs. do TRL de 06.12.2023 e de 23.01.2024, procs. n.ºs 2436/03.6PVLSB-D.L1-3179/04.2PBLSB-A.L1-5, respetivamente, com texto integral em www.dgsi.pt); e
- Outra que entende que o perdão está excluído do crime de roubo simples por força do disposto no art.º 7.º, al. g), já que as vítimas do crime de roubo são sempre vítimas especialmente vulneráveis na definição do art.º 67.º-A, n.ºs 1, al. b) e 3, e art.º 1.º, als. j) e l), ambos do CPP (cfr., entre outros, o ac. do TRL de 23.01.2024, proc. n.º 2913/18.4PBLSB.L2-5, in www.dgsi.pt; o ac. do TRE de 20.02.2024, proc. n.º 22/19.8GBTMR-A.E1, in www.dgsi.pt; o ac. do TRP de 15.05.2024, proc. n.º 685715.3PDVNG-A.P1, in www.dgsi.pt; e o TRC de 09.10.2024, proc. n.º 622/22.9PAMGR.C1, in www.trc.pt).
Ora, dispõe o art.º 1.º do CPP, na parte que ora releva, o seguinte:
«[…] j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos; […].»
Tenha-se presente que estabelece o art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal (na redação dada pela Lei n.º 8/2017, de 03.03), que «Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.»
A conduta típica consiste em subtrair ou constranger alguém a que lhe seja entregue coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir.
O objeto do crime é a coisa móvel ou animal alheios, sendo que coisa, para efeitos penais, é toda a substância corpórea, material, suscetível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha valor juridicamente relevante.
Para que haja subtração é necessário que haja uma perda de detenção, contra a vontade do detentor, e que haja substituição da detenção anterior pela detenção do agente.
Ademais, os meios para a subtração de coisa móvel ou animal alheios ou para o constrangimento à sua entrega estão especificados no respetivo tipo legal: a violência contra uma pessoa, a ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir.
A ameaça constitui uma violência psíquica, em que o agente constrange a vítima através da provocação de medo, inquietação, insegurança, de forma a afetar-lhe a sua liberdade de decisão e ação.
Constranger significa coagir, obrigar, pressionar, afetando assim a liberdade do coagido, o qual desse modo se vê compelido a executar uma ação contra os seus interesses patrimoniais.
Por outro lado, trata-se de um crime de resultado ou de dano, na medida em que para o seu preenchimento se mostra necessário que haja a efetiva apreensão ou entrega ao agente de coisa móvel ou animal alheios e bem assim que haja um efetivo constrangimento levado a cabo por um dos meios descritos no respetivo tipo-legal.
Por sua vez, a ilegítima intenção de apropriação traduz-se na intenção do agente, contra a vontade do proprietário da coisa ou animal subtraídos, de se passar a comportar em relação a ele como seu proprietário, integrando-o na sua esfera jurídico-patrimonial ou de outrem.
Trata-se de um crime doloso, isto é, o agente terá de ter o conhecimento correto da factualidade típica, para assim se preencher o elemento intelectual do dolo (cfr. art.º 16.º, n.º 1, do Código Penal) e terá ainda de ter uma especial direção de vontade, cujo conteúdo é variável (dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual – cfr. art.º 14.º do Código Penal), para desta forma se preencher o elemento volitivo do dolo, sendo certo que este tem de abranger o constrangimento à entrega da coisa móvel ou animal alheios ou à sua subtração e aos meios usados para esse fim.
O roubo é assim um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais (o direito de propriedade e o de detenção de coisas móveis ou animais) quer bens jurídicos pessoais (a liberdade individual de ação/movimentos e de decisão e a integridade física ou mesmo a vida), sendo certo que a lesão dos bens de natureza pessoal constitui um meio de lesão dos bens jurídicos de natureza patrimonial, existindo tantos crimes quantas as vítimas.
Por consequência, com referência ao crime de roubo simples, entendemos que se integra no conceito de criminalidade especialmente violenta (por, apesar da sua inserção sistemática no Código Penal relativa aos crimes perpetrados contra o património – Título II do Livro II -, reflexamente se dirige também à violação de bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal), sendo outrossim o limite máximo abstrato da pena de 8 anos de prisão [cfr. as als. j) e l) do art.º 1.º do CPP] – neste sentido, Maria do Carmo Silva Dias, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, 2ª edição, pág. 89, §90, Almedina, 2022.
Assim, a respetiva vítima é sempre considerada especialmente vulnerável por força das als j) e l) do art.º 1.º e do art.º 67.º-A, n.º 1, al. b) e 3, ambos do CPP.
Nessa medida, entendemos que ocorre a exclusão do perdão por força da al. g) do art.º 7.º da Lei de Amnistia de 2023.
É que o facto de o legislador expressamente excluir do perdão o crime de roubo agravado no âmbito dos crimes perpetrados contra o património [art.º 7.º, al. b)-i)] não significa necessariamente que, a contrario sensu, se tenha por incluído no regime de exceção o crime de roubo simples, pois este, de qualquer das formas, está excluído por força da al. g) do art.º 7.º, apesar da redundância.
Isto é, a redundância não é fator auxiliador na interpretação do texto legislativo, pois o crime de roubo agravado também já extaria excluído do perdão por força (também) da al. g), se a ele inexistisse menção expressa na al. b)-i).
Na verdade, naqueles dois preceitos legais a exclusão da amnistia e do perdão é feito sob enfoques distintos, pois na al. b)-i) o enfoque é dado na perspetiva do bem jurídico e na al. g) o enfoque é dado na perspetiva da qualidade da vítima, podendo assim existir zonas de sobre posição sem que isso seja indicativo, por interpretação excludente, do âmbito de abrangência do regime das exceções consagrado naquele artigo 7.º à amnistia e ao perdão de penas.
Acresce ainda que, conforme emerge da fundamentação do assento do STJ n.º 2/2001, de 14.11 (Diário da República n.º 264/2001, Série I-A de 14.11.2001), as leis de clemência, por serem excecionais, não permitem interpretação analógica, extensiva ou restritiva, na decorrência aliás do estatuído no art.º 11.º do Código Civil.
Atentemos então ao seguinte segmento da fundamentação de tal arresto (transcrição):
«É assim que a Constituição dispõe hoje que «compete à Assembleia da República [...] conceder amnistias e perdões genéricos» - artigo 161.º, alínea f) -, competindo ao Presidente da República «na prática de actos próprios [...] indultar e comutar penas, ouvido o Governo» - artigo 134.º, alínea f).
Em ambos os casos fica derrogado o sistema legal punitivo; daí o intitular-se, por vezes, o regime das medidas de graça como um jus non puniendi. O direito de graça é, no seu sentido global e abrangente, «a contraface do direito de punir estadual» (Figueiredo Dias, Direito Penal ..., parte geral II, 1993, p. 685).
Sucede ainda que o direito de graça subverte princípios estabelecidos num moderno Estado de direito sobre a divisão e interdependência dos poderes estaduais, porquanto permite a intromissão de outros poderes na administração da justiça, tarefa para a qual só o poder judicial se encontra vocacionado, sendo por muitos consideradas tais medidas como instituições espúrias que neutralizam e até contradizem as finalidades que o direito criminal se propõe.
Razão pela qual aquele direito é necessariamente considerado um direito de «excepção», revestindo-se de «excepcionais» todas as normas que o enformam.
É pela natureza excepcional de tais normas que elas «não comportam aplicação analógica» - artigo 11.º do Código Civil -, sendo pacífico e uniforme o entendimento da doutrina e da jurisprudência de que, pela mesma razão, não admitem as leis de amnistia interpretação extensiva ou restritiva, «devendo ser interpretadas nos exactos termos em que estão redigidas» (v. a título exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1977, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 272, p. 111 - «a amnistia, na medida em que constitui providência de excepção, não pode deixar de ser interpretada e aplicada nos estritos limites do diploma que a concede, não comportando restrições ou ampliações que nele não venham consignadas» -, de 6 de Maio de 1987, Tribuna da Justiça, Julho de 1987, p. 30 - «O STJ sempre tem entendido que as leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações nem restrições que nelas não venham expressas» -, de 30 de Junho de 1976, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 258, p. 138 - «A aplicação da amnistia deve fazer-se sempre nos estritos limites da lei que a concede, de modo a evitar que vá atingir, na sua incidência como facto penal extintivo, outra ou outras condutas susceptíveis de procedimento criminal» -, de 26 de Junho de 1997, processo 284/97, 3.ª Secção - «As leis de amnistia como leis de clemência devem ser interpretadas nos termos em que estão redigidas, não consentindo interpretações extensivas e muito menos analógicas» -, de 15 de Maio de 1997, processo 36/97, 3.ª Secção - «A amnistia e o perdão devem ser aplicados nos precisos limites dos diplomas que os concedem, sem ampliação nem restrições» -, de 13 de Outubro de 1999, processo 984/99, 3.ª Secção, de 29 de Junho de 2000, processo 121/2000, 5.ª Secção, e de 7 de Dezembro de 2000, processo 2748/2000, 5.ª Secção, para mencionar apenas os mais recentes).
Sendo, assim, insusceptíveis de interpretação extensiva (não pode concluir-se que o legislador disse menos do que queria), de interpretação restritiva (entendendo-se que o legislador disse mais do que queria) e afastada em absoluto a possibilidade de recurso à analogia, impõe-se uma interpretação declarativa, em que «não se faz mais do que declarar o sentido linguístico coincidente com o pensar legislativo» - Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra, 1978, p. 147. Na interpretação declarativa «o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo» - Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 185.»
Por fim, cabe ainda referir o seguinte:
Salvo o devido respeito por diversa opinião, se temos de presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que do mesmo passo preservou a unidade do sistema jurídico, evitando assim a bipolaridade legislativa (cfr. os n.ºs 1 e 3 do Código Civil), sempre seria incongruente a interpretação pugnada pelo recorrente [no Recurso penal 9/…] por argumento a contrario sensu, pois tenderia a excluir do perdão crimes potencialmente menos graves que a prática do crime de roubo simples (com o risco de criar desigualdades de tratamento legislativo sem justificação bastante e por isso potencialmente inconstitucionais por força do disposto no art.º 13.º da CRP [23]), quando nos parece que, em termos genéricos, além do mais, está excluída do perdão a criminalidade grave, como é o caso da criminalidade especialmente violenta, sendo certo que a Lei de Política Criminal para o biénio 2023/2025 (Lei n.º 51/2023, de 28.08) – que entrou em vigor no mesmo dia da Lei de Amnistia de 2023 – enuncia logo no seu art.º 3.º que é objetivo específico da política criminal prevenir, reprimir e reduzir a criminalidade violenta e especialmente violenta (na qual, justamente, se inclui o crime de roubo, ainda que simples), verificando-se nessa opção de política criminal uma linha de continuidade com a Lei de Política Criminal do biénio anterior [cfr. o art.º 3.º, al. a), da Lei n.º 55/2020, de 27.08].
Que sentido faria a interpretação pugnada pelo recorrente se, nessa medida, a Lei de Amnistia de 2023 daria um sinal de sentido contrário ao da Lei de Política Criminal entrada em vigor no nosso ordenamento jurídico no mesmo dia ? » [24]
Salvo o devido respeito NENHUM SENTIDO FAZ a não aplicação da exclusão do perdão a pena/s de crime/s doloso/s de ‘roubo (apenas) simples’ pelo que ora se persistindo em não se descortinarem novo/s ‘argumentos/s’ nem ‘contra-argumento/s’, nem ‘argumento/s do contrário’ nem ‘contrário do/s argumento/s’, FIRMA-SE por maioria a resolução da vexata quaestio recente no sentido da ‘exclusão do perdão’ pelo que tudo revisto e reponderado:
PARTE III - DECIDINDO
1. No provimento do Recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO revoga-se o Despacho 456 781 781.
2. Sem tributação ut art 513-1-II a contrario do CPP por inexistir decaimento in totum.
3. Notifiquem-se os Sujeitos Processuais conforme art 425-6 do CPP.
4. Transitado, para execução a quo do decidido remetam-se o ‘processo físico’ e o ‘processo informático’ a título definitivo a Juiz 1 do Juízo Central Criminal de V N Gaia.
Nos termos e para os efeitos dos arts 94-2-3 do CPP, 19-1-2 e 20-b da Portaria 280/2013 de 26-8 - o art 19-1-2 alterado pela Portaria 267/2018 de 20-9 – consigna-se que este ACÓRDÃO foi processado informaticamente pelo I Adjunto - ora Relator por vencimento - que o reviu tal como Exmas II Adjunta e Relatora inicial - vencida por subscrever todo o exposto no ARL de 11-4-2024 no RP 167/… supra citado - e que mandaram o sistema apor suas ‘assinaturas electrónicas qualificadas’ - insertas informaticamente no canto superior esquerdo da 1ª folha / página daquela - em substituição de suas ‘assinatura autógrafas’ - na Sessão de Conferências de 18-12-2024.
Porto, 18/12/2024
Castela Rio
Madalena Caldeira
Maria Ângela Reguengo da Luz
_________________________
[1] E não «recursiva» por impropriedade da aplicação em Direito adjectivo pois o DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA, Temas & Debates, III volume, Lisboa, 2003, pág 3115, instrói que:
«recursivo adj. que tem ou representa recursividade; que pode ser repetido <regra r.> <procedimento r.> O ETIM recurso + ivo; cp. inglês recursive (1934) como termo da MAT e da LÓG emprestado do alemão Rekursiv (1931), introduzido pelo matemático alemão K. Godel, e (1955) como termo da LING introduzido pelo linguista norte-americano Noam Chomsky»;
« recursividade s.f. 1, propriedade daquilo que se pode repetir um número indefinido de vezes 2 GRAM GENER propriedade das regras gramaticais que se podem reaplicar sucessivamente às estruturas resultantes da sua aplicação anterior, explicando assim o conceito teórico de frase infinitamente longa, no plano da competência O ETIM recursivo + i- + -dade; cp. inglês recursiveness (1936) como termo da MAT (1965) como termo da LING»;
« recursório adj JUR que admite recurso O ETIM recurso + -ório»,
conforme out put de ‘investigação de cariz linguístico’ anteriormente feita pelo aqui Relator J M S Castela Rio, a qual foi espoletada pela antecedente ‘investigação de cariz processual penal’ de J M Lourenço Quaresma como já se teve ensejo de expender pela primeira vez na nota de rodapé 31 do ARP de 03-7-2024 de Castela Rio com Rosário Martins e José Quaresma no Recurso Penal 660/22.1TELSB.P1.
[2] verbi gratiae JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, pgs 362-363, ASTJ de 17-9-1997 in CJS 3/97, ASTJ de 13-5-1998 in BMJ 477 pág 263, ASTJ de 25-6-1998 in BMJ 478 pág 242, ASTJ de 03-02-1999 in BMJ 484 pág 271, ASTJ de 28-4-1999 in CJS 2/99 pág 196, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, Verbo, 2000, pág 347, ASTJ de 01-11-2001 no proc 3408 /00-5, SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES, Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Maio de 2008, pág 107, SIMAS SANTOS / LEAL HENRIQUES / JOÃO SIMAS SANTOS, Recursos Penais, 9ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, Agosto de 2020, pgs 113-114.
[3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V, reimpressão, CBR, 1984, pág 359.
[4] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, III, 3ª edição, pág 347
[5] ACD do Pleno da Secção Criminal do STJ 7/95 de 19-10-1995 no processo 46 580 da 3ª Secção in DR I Série A de 28-12-1995 e BMJ 450 pgs 71 sgs.
[6] ACD do STJ de 18-6-2009 de Filipe Fróis com Henriques Gaspar no processo 1248/07.2PAALM.S1 in www.dgsi.pt/jstj.
[7] https://www.stj.pt/ultimas-decisoes/processo-n-o-1153-16-1pcbrg-b-g1-a-s1/
[8] https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/24279a365bfd881280258bb900 2e098e?OpenDocument
[9] «Cfr. arts. 13º nº 2 da Lei nº 16/86 de 11 de junho; art. 14º nº 3 da Lei nº 23/91 de 04 de julho; art. 8º nº 4 da Lei nº 15/94 de 11 de maio; art. 1º nº 4 da Lei nº 29/99 de 12 de maio; art. 2º nº 3 da Lei nº 9/2020 de 10 de abril, conforme resenha feita pelo citado Autor, na nota 24 da pág. 16.»
[10] « Cfr. voto de vencido do Sr. Desembargador Paulo Costa no proc. nº 284/21.0PJPRT.P1, acedido in www.dgsi.pt »
[11] « Cfr. Ac. da R.P. de 10/01/2024, no proc. nº 485/20.9T8VCD.P2, relatado por José Francisco Mota Ribeiro e Ac. da R.P. de 17/01/2024, relatado por Maria dos Prazeres Silva, ambos … in www.dgsi.pt »
[12] « Cfr. Pedro José Esteves de Brito, in “Notas práticas referentes à Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, Revista Julgar Online, agosto de 2023, pág. 8.»
[13] « Cfr. ob. cit. pág. 30.»
[14] «Cfr. para mais desenvolvimentos, Pedro José Esteves de Brito, in ob. cit. pág. 30 a 32 e ainda in Revista Julgar Online, janeiro de 2024, pág. 14, nota 20. »
[15] «Cfr. ainda Revista Julgar Online, janeiro de 2024, pág. 14, nota 20. »
[16] « Cfr. proc. nº 725/01, da 3ª Secção, relatado por Tavares da Costa, acedido in www.dgsi.pt »
[17] « Cfr. proc. nº 3873/20.7T9FAR.E1, relatado por Nuno Garcia, acedido in www.dgsi.pt »
[18] « O aludido automatismo foi negado no Ac. do STJ de 3-6-2020, proc.º n.º 1267/18.3JABRG.S1, rel. Cons.º Raul Borges, com argumentação que não podemos subscrever. Trata-se, aliás, de uma posição isolada que não teve seguimento. »
[19] « Como bem observa o Dr. José Esteves de Brito, “Mais algumas notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/2023,…”, cit., pág. 14, nota 20, a propósito do crime de roubo simples “(…) do teor literal do art.º 7.º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, não resulta que a hipótese aí prevista seja subsidiária ou residual em relação às restantes alíneas do n.º 1, do art.º 7.º, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, nomeadamente a al. b)-i)”.»
[20] « Recorda-se a lição do Prof. Taipa de Carvalho, “Considerações sobre o Direito de Clemência, in Direito e Justiça, vol. 18, nº 1 (2004), pág. 85: “…quanto ao perdão genérico (total ou parcial), as razões político-criminais, nomeadamente de prevenção geral, não desempenham o papel de fundamentação desta decisão legislativa, mas sim a função de eventual obstáculo à concessão do perdão genérico. Isto é, a necessidade político-criminal de prevenção geral (positiva ou de integração e de pacificação social, e negativa ou de dissuasão colectiva) pode obstar à concessão do perdão genérico. Perdão este que só poderá ter por fundamentos positivos a necessidade prática de reduzir a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais ou o interesse político de celebrar importantes acontecimentos nacionais. E, quer seja uma ou outra a motivação, estes perdões genéricos não deverão, em princípio, ser totais”. »
[21] Conforme copy paste pelo ora Relator do suporte digital – gentil e oportunamente disponibilizado pela II Adjunta neste RP 1011/… - de JOSÉ MANUEL SAPORETTI CRUZ BUCHO, Amnistia e perdão (Lei nº 38-A/2023 de 2 de Agosto): Seis meses depois (elementos de estudo), Tribunal da Relação de Guimarães, 01-3-2024, 99 folhas / páginas A4, máxime fls / pgs 59-71.
[22] « Nos termos do art.º 11º do Código Civil, «As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.» »
[23] Dispõe tal preceito constitucional, sob a epígrafe «Princípio da Igualdade» o seguinte:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
[24] Conforme copy paste pelo aqui Relator do suporte digital do ARP de 11-12-2024 do Relator José Castro – que gentil e oportunamente o disponibilizou - com Carla Carecho e Raul Cordeiro no Recurso Penal 9/22.3PEPRT-M.P1 da 4ª Secção Judicial / 2ª Secção Criminal deste TRP.