I. O bem jurídico tutelado pelo ilícito-típico de violência doméstica, tem uma dimensão mais ampla do que a integridade física ou a saúde, tendo por referência a integridade pessoal dos sujeitos ligados ao agressor por uma dada relação (conjugal ou outra das referidas nas alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP) da qual emerge um especial contexto de confiança, com esteio no artigo 25.º da Constituição.
II. O tipo objetivo tem por referência a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou outra das pessoas referidas nas alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP, neles se incluindo as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal, sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. Sendo o elemento subjetivo composto pelo dolo genérico.
III. A circunstância de atomizadamente considerados, os atos ilícitos praticados não terem atingido um certo grau de gravidade normalmente associada à descrição típica das relações das alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP; ou de os episódios de maus tratos estarem espaçados no tempo por alguns meses, tal não afasta (só por isso) a qualificação jurídica de violência doméstica.
Vindo a proferir-se sentença, pela qual se absolveu o arguido da prática, dos dois crimes de violência doméstica agravada de que fora acusado; mas condenando-o pela prática, como autor, de um crime de ameaça agravada, previsto nos artigos 153.º, § 1.º e 155.º, al. a) CP, na pessoa de BB, na pena de 85 dias de multa à razão diária de 6€; e também como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto nos artigos 143.º, § 1.º, 145.º, § 1.º, al. a) e § 2.º e 132.º, § 2.º, al. b) CP, na pessoa de BB, na pena de 10 meses de prisão, que nos termos do artigo 45.º, § 1.º CP foi substituída por 140 dias de multa, à razão diária de 6€.
b. Inconformado com tal decisão dela recorre o Ministério Público, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1. O Ministério Público recorre da decisão proferida nos autos relativamente: 1) à matéria de facto considerada como não provada; 2) à não aplicação da alteração não substancial de factos; 3) à qualificação jurídica operada; 4) à moldura da pena aplicada; 5) à não aplicação do desconto previsto no artigo 80.º do Código Penal.
2. Os factos a), h), j)-o) considerados como não provados devem ser considerados como provados; considerá-los como não provados significa erro notório na apreciação da prova, conforme dispõe o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
3. O ponto a) considerado como não provado deve ser considerado como provado atento o teor das declarações proferidas pelo arguido aquando do interrogatório judicial de arguido detido, no dia 15 de Setembro de 2023, o arguido AA referiu que: “(…) nessa noite eu só bebi uma cerveja com ela, por causa dos ciúmes (…) e no momento que eu fui acordá-la para ir buscar um cigarro foi quando surgiu essa confusão que está aí”, como se verifica no segmento 24:54-25:22.
4. O ponto h) considerado como não provado deve ser considerado como provado atento o teor das declarações proferidas pela testemunha CC quando refere que “(…) fomos chamados à casa da BB e ela nos comunicou que tinha discutido com o AA que ele lhe terá apertado o pescoço e depois saiu de casa com a filha menor de ambos ao colo, a pé, para parte incerta”, como se verifica no segmento 01:50-02:28, apresentando a mesma versão que havia descrito no auto de notícia de fls. 65-69; e pelo teor das declarações da testemunha DD relativamente ao episódio datado de 25 de Março de 2023, que: “(…) à entrada foram proferidas palavras pelo arguido, entre as quais: «só me dás é problemas» isto penso que tenha sido para a mulher, «uma pessoa já não pode beber uma cerveja que me arranjas logo problemas» (…)“- como se verifica no segmento 02:20-02:45, e ainda quando mencionou que: “Sim, ela disse que sofria de agressões por parte do arguido (…) apertos de pescoço, chapadas, entre outros (…)”, como se verifica no segmento 11:52-09:56.
5. Os pontos j)-l) considerados como não provados devem ser considerados como provados atento o teor das declarações proferidas pela testemunha CC, quando relatou que BB “(…) estava nervosa e bastante agitada”, como se verifica no segmento 05:50-06:00; e também tendo em conta o teor do depoimento da testemunha DD: “à entrada foram proferidas palavras pelo arguido, entre as quais: «só me dás é problemas» (…), «uma pessoa já não pode beber uma cerveja que me arranjas logo problemas». (…) À nossa entrada no interior havia um cheiro muito característico a estupefacientes – havia uma nuvem de fumo proveniente do seu consumo, notava-se que ambos estavam alterados; víamos a bebé a chorar no interior da residência (…)” - como se verifica no segmento 02:20-03:50; e também: “Sim, ela disse que sofria de agressões por parte do arguido (…) apertos de pescoço, chapadas, entre outros”, como se verifica no segmento 11:52-09:56; o teor do depoimento da testemunha EE, que mencionou: “A D. BB ligou para o telemóvel do serviço perto das 21h a pedir ajuda, a pedir para ir fazer uma visita domiciliária porque a GNR encontrava-se no domicílio e questionei porque é que a GNR estava no domicílio casa e ela no momento referiu que as vizinhas tinham chamado a GNR (…) o que a D. BB disse que estava disposta a ir para uma casa abrigo para ser retirada e foi nesse sentido que eu perto das 21h me desloquei ao domicílio (…)”, como se verifica no segmento 02:15-03:03.
6. Os pontos m)-o) considerados como não provados devem ser considerados como provados tendo em conta as declarações da testemunha DD nos segmentos 02:20-03:50 e 08:35-09:56 e também no segmento 08:35-09:56, quando mencionou que “(…) o produto final do consumo, além da cinza, era as pontas do produto do consumo. Essa nuvem de fumo trazia o cheiro da utilização de canábis (….) na mesma habitação estava a bebé (…) a criança estava junto a eles, aquilo é uma habitação que não é muito grande (…). O fumo era tanto na cozinha como na sala, tem um pequeno corredor, mas como a casa estava toda fechada, não havia nenhuma porta aberta ou janela, daí a nuvem não se dissipar (…). [no sítio onde estava a criança sentia-se o ambiente com o odor?] Sim”, como se verifica no segmento 08:35-09:56.
7. O Tribunal não procedeu à alteração não substancial de factos, devendo passar a constar que no episódio de 25 de Março de 2023, FF estava no interior da residência onde o arguido AA havia consumido produto estupefaciente, abrangida que estava por uma “nuvem de fumo” – como se retira do depoimento da testemunha DD: “(…) À nossa entrada no interior havia um cheiro muito característico a estupefacientes – havia uma nuvem de fumo proveniente do seu consumo, notava-se que ambos estavam alterados; víamos a bebé a chorar no interior da residência (…)”, como se verifica no segmento 02:45-03:50; “(…) a criança estava junto a eles, aquilo é uma habitação que não é muito grande (…). O fumo era tanto na cozinha como na sala, tem um pequeno corredor, mas como a casa estava toda fechada, não havia nenhuma porta aberta ou janela, daí a nuvem não se dissipar (…). [no sítio onde estava a criança sentia-se o ambiente com o odor?] Sim”, como se verifica no segmento 08:35-09:56; do depoimento da testemunha GG, militar da GNR, quando referiu que “quando entrámos havia um odor diferente de tabaco na casa”, como resulta do segmento 02:30-02:40.
8. O Tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto no artigo 152.º, n.º 1, als. b)-c), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5, por um lado; e 152.º, n.º 1, als. d)-e), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5 do Código Penal.
9. O Tribunal não pode desgarrar a expressão “puta” utilizada pelo arguido na direcção da ofendida – considerada como provada – da demais factualidade.
10. Como consequência do erro na apreciação da prova em que incorreu, o Tribunal deu como não provados parte dos factos que integram o elemento subjetivo e a culpa com que o arguido actuou e considerou que a factualidade indiciada não integra crimes de violência doméstica.
11. Não se pode aceitar o argumento de que os dois episódios se tratem de “uma situação perfeitamente circunscrita e identificável”, centrando os dois episódios no “receio do arguido de ficar sem a filha comum de ambos”, pois a conclusão a retirar é precisamente a contrária - o arguido agiu sempre em represália sobre a vítima pelo facto desta querer chamar/ter chamado a Guarda Nacional Republicana, evitando assim que terceiros pudessem espreitar para o interior da relação amorosa e pudessem analisar os comportamentos do arguido.
12. (…)
13. O arguido AA sujeitou a sua filha FF a um ambiente de consumo de produto estupefaciente, que a atingia directamente, e de violência, porquanto desferiu uma rasteira em BB enquanto segurava FF no colo, sendo que a tenra idade de FF não significa que a mesma não absorva tudo o que ocorre em seu redor.
14. O Tribunal incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, violando o disposto no artigo 152.º, n.º 1, als. b)-c), d)-e), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5 do Código Penal e no artigo 412.º, n.º 2, al. a) e b), do Código de Processo Penal, devendo o arguido ser condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa de BB e pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa de FF.
15. Sendo o arguido condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, não poderá manter-se a pena aplicada, entendendo-se que o arguido deverá ser arguido condenado em pena de prisão, admitindo-se que seja suspensa na sua execução, desde que sujeita a um regime de prova e regras de conduta, que fixem o tratamento clínico do arguido, determinando a sua sujeição a tratamento médico, se o arguido nisso consentir, nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 3, do Código Penal, uma vez que o núcleo fundamental das acções do arguido se deve à descompensação por consumo de bebidas alcoólicas e consumo de produtos estupefacientes.
16. Apesar de não se concordar com a qualificação jurídica e com a subsequente determinação da moldura da pena, entende-se que o Tribunal deveria ter procedido ao necessário desconto dos períodos em que o arguido esteve privado da liberdade; a sentença proferida não teve em conta o disposto no artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal, pois não teve em conta os dois períodos de detenção sofridos pelo arguido – nos dias 25 e 26 de Março de 2023 e 14 e 15 de Setembro de 2023.
TERMOS EM QUE, sendo de censurar a sentença aqui colocada em crise pelo Ministério Público, tendo sido violados os artigos 152.º, n.º 1, als. b)-c), d)-e), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5 do Código Penal; e o artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, deverá o presente recurso ser declarado procedente, e, assim, deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que:
a) considere os factos a), h) j)-o) como provados;
b) proceda à alteração não substancial de factos e se considere como provado que, no dia 25 de Março de 2023, FF estava presente no interior da residência, encontrando-se num ambiente com fumo proveniente do consumo de produto estupefaciente por AA, estando exposta ao fumo do consumo do produto estupefaciente;
c) considere que os factos praticados pelo arguido AA integram a prática de UM crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.º 1, als. b)-c), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5 do Código Penal, na pessoa de BB; e de UM crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.º 1, als. d)- e), n.º 2, al. a), n.os 4 e 5 do Código Penal, na pessoa de FF.
d) determine a condenação do arguido AA pela prática dos referidos crimes em pena de prisão, em torno da metade da moldura, suspensa na sua execução, sujeita a um regime de prova e regras de conduta, que fixem o tratamento clínico do arguido, determinando a sua sujeição a tratamento médico, se o arguido nisso consentir, nos termos do disposto no artigo 52.º, n.º 3, do Código Penal;
e) sem conceder – por se entender que os factos ora expostos consubstanciam a prática de dois crimes de violência doméstica – que proceda ao necessário desconto dos períodos em que o arguido esteve privado da liberdade, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 2, do Código Penal.»
c. O arguido não respondeu ao recurso.
d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância elaborou douto parecer secundando a posição já sustentada no recurso.
e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º CPP, o arguido nada respondeu.
f. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1.Delimitação do objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º CPP e com a jurisprudência fixada no Acórdão Uniformizador da Jurisprudência n.º 7/95, de 19out1995(1), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O presente recurso suscita as seguintes questões: i. Erro de julgamento (da questão de facto); ii. Alteração não substancial dos factos; iii. Erro de julgamento de direito (qualificação jurídica dos factos); iv. Pena; v. Desconto.
2. Da sentença recorrida
O tribunal a quo deu como provado o seguinte acervo factológico:
«1. Desde data não concretamente apurada, mas situada entre setembro de 2020 e até 25/03/2023, o arguido manteve com BB uma relação amorosa em tudo análoga à de cônjuges, vivendo em comunhão de mesa, leito e habitação;
2. Viveram em diversas habitações, tendo fixado residência na Rua …, n.º …, em …;
3. Fruto da relação, em …/…/2021, nasceu FF, que viveu com os progenitores na referida habitação e circunstancialismo;
4. O arguido consome álcool e canábis, o que o torna uma pessoa agressiva e descontrolada, o que acontece várias vezes por semana;
5. No dia 25/03/2023, cerca das 20h30, após ter consumido produto estupefaciente e ingerido bebidas alcoólicas, no interior da residência, iniciou uma discussão com BB;
6. Perante o ocorrido, a GNR acedeu ao local, entrando na residência;
7. Ali, perante a presença de DD e de GG, militares da GNR, e de EE, o arguido proferiu, na direção de BB, as seguintes expressões: “Eu mato-te”, “Eu vou-te matar se me tirarem a criança” e “És uma porca, eu parto-te a venta”;
8. Nesse dia, apresentava uma taxa de álcool no sangue de 1,17 g/l e BB apresentava uma taxa de álcool no sangue de 0,87 g/l;
9. Nessa data, e por força dos comportamentos do arguido, BB decidiu terminar a relação, abandonando a residência e cessando a vida em comum, passando a filha de ambos a residir com esta;
10) Em data não apurada mas cerca de maio de 2023, o arguido e BB decidiram retomar a relação amorosa, passando a residir no mesmo local e nas condições identificadas em 1) e 2);
11. No período entre a noite do dia 30/08/2023 e a madrugada do dia 31/08/2023, o arguido e BB ingeriram bebidas alcoólicas;
12. Cerca das 05h30 o arguido iniciou uma discussão com aquela, tendo, de seguida, pegado em FF e abandonado a residência, dirigindo-se para a via pública, colocando-se apeado a caminho da casa da sua progenitora;
13. Ato contínuo, BB correu na sua direção, alcançando-o;
14. Nesse momento o arguido, porque se apercebeu que esta estava a chamar a polícia, desferiu um pontapé nas suas pernas e atirou-a contra uma parede, o que fez com que esta caísse no chão;
15. Posteriormente continuou a correr com FF ao colo, deslocando-a até à casa da sua progenitora, local onde entregou a criança à sua progenitora, abandonando o local em seguida apeado;
16. Fruto dos comportamentos do arguido, BB sofreu dores e lesões nas regiões atingidas e ainda uma escoriação no seu ombro direito;
17. Ao atuar das formas descritas, o arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente;
18. Tendo agido com o propósito, concretizado, de molestar o corpo e saúde física de BB e de produzir-lhe lesões e ferimentos nas zonas do corpo atingidas, bem sabendo que a sua conduta era apta a causar-lhe dores;
19. Mais agiu com o propósito de intimidá-la e causar-lhe medo e inquietação e perturbar a sua liberdade de determinação, fazendo-a temer pela própria vida e integridade física, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava;
20. Bem sabendo que BB é a mãe da sua filha FF, e que era e é sua companheira, tendo com ela vivido em comunhão de mesa, leito e habitação, como se de marido e mulher se tratassem, e que lhe devia especiais deveres de respeito e consideração.
21. O arguido sabia que praticava tais factos no domicílio comum, onde também vivia a filha menor de idade em comum, FF, e na presença desta, e também na via pública;
22. Bem sabia o arguido que a ofendida FF é sua filha, bem sabendo que a mesma tinha dois anos, que era pessoa fisicamente debilitada em função da sua tenra idade, e que lhe devia especiais deveres de respeito e consideração;
23. O arguido conhecia os factos e quis sempre agir como agiu, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento;
Mais se provou, que:
24. O arguido é ajudante de pedreiro, auferindo cerca de € 820 por mês;
25. Vive com a ofendida e a sua filha de 2 anos e meio, em casa própria daquela não tendo quaisquer despesas com habitação;
26. Despende cerca de € 20 mensalmente em medicação;
27. Atualmente não consome bebidas alcoólicas, estando a ser acompanhado na área da psicologia e psiquiatria;
Relativamente aos seus antecedentes criminais provou-se que:
28. Por sentença datada de 12/11/2018, transitada em julgado a 12/12/2018, proferida no âmbito do proc. n.º 1248/16.1…, foi o arguido condenado pela prática a 21/07/2016 de, em concurso efetivo, dois crimes de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, do Código Penal, na pena única de 120 dias de multa à taxa diária de € 6, tendo a mesma sido declarada extinta por cumprimento a 08/07/2020.»
Tendo julgado não provados os seguintes factos:
«a) Desde o início do relacionamento, por várias vezes, em dias não concretamente apurados, o arguido iniciou, sempre no interior da habitação, discussões com BB, por motivos de ciúmes;
b) Por diversas vezes, iniciou discussões com BB e controlou o telemóvel desta;
c) Em data não apurada, situada no verão do ano de 2022, iniciou uma discussão com BB, no interior da residência, e nessa ocasião, apertou o pescoço da vítima com as suas mãos, empurrou-a contra uma parede, desferiu chapadas na sua face e empurrou-a;
d) O arguido não aceitou a rutura amorosa nem a possibilidade de ficar afastado da filha de ambos;
e) Após retomarem a relação, em data não apurada, o arguido iniciou uma discussão com BB e disse, na sua direção que, caso lhe retirassem a filha, a mataria através de pontapés na cabeça;
f) Na situação referida em 11) o arguido consumiu produto estupefaciente;
g) Durante a madrugada do dia 30/08/2023 o arguido iniciou uma discussão com BB;
h) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 12) o arguido disse na direção da ofendida a seguinte expressão: “Eu mato-te” e, ato contínuo, colocou as mãos em torno do pescoço desta, fazendo pressão, sob esganadura, como se de uma forca se tratasse;
i) Na circunstância referida em 14) o arguido disse, na direção de BB, que a mataria caso lhe retirassem a filha;
j) O arguido agiu com o propósito, concretizado, de humilhar e desconsiderar BB, com desprezo pela sua dignidade, de atingir designadamente, a sua honra, a consideração e humilhá-la, vexá-la, importuná-la e prejudicar a sua liberdade de determinação;
k) Com o comportamento descrito, bem como pelas expressões proferidas, pretendeu constranger a ofendida BB a não ter paz e sossego no seu quotidiano, tolhendo a sua liberdade de movimentos e causando-lhe medo e inquietação no sentido de sofrer algum ato atentatório da sua privacidade;
l) Ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu diminuir BB no respeito que lhe era devido, fazendo-a viver em permanente sobressalto por força dos atos que praticou e das expressões que proferiu;
m) Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito, concretizado, de expor FF a um ambiente de conflito parental, de atingir designadamente, a sua saúde psíquica/mental, de molestar a sua saúde psíquica e prejudicar a sua liberdade de desenvolvimento, praticando os factos no interior da sua residência, onde vivia com ela e com a sua progenitora;
n) O arguido AA sabia que tinha para com a sua filha um especial dever de proteção e cuidado, ainda assim não se inibiu de atuar da forma descrita, expondo-a a um ambiente de conflito, causando-lhe ansiedade e insegurança;
o) Ao agir do modo descrito, o arguido AA sabia que molestava psiquicamente, e amedrontava a sua filha, atuando de modo a atingir a sua dignidade humana e a saúde psíquica, como pretendia e conseguiu.»
E motivado a sua decisão quanto à matéria de facto nos seguintes termos:
«A convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, inclusive do teor dos documentos constantes dos autos, prova esta concatenada entre si e apreciada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
Tendo em conta que a motivação dos factos da sentença deverá passar pela indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, a par da enunciação dos meios de prova explicitar-se-á o processo de formação de convicção do julgador.
Pese embora o arguido tenha exercido o seu direito ao silêncio em sede de audiência e julgamento, certo é que prestou declarações aquando do primeiro interrogatório judicial de arguido detido pelo que pôde o Tribunal contar com o seu contributo para o apuramento da verdade material, fundando a sua convicção nas mesmas e nos documentos juntos aos autos, assim como nos depoimentos prestados por DD, GG e CC, militares da GNR que intervieram nas situações fácticas dos autos, e EE, assistente social em … que se deslocou a casa do arguido e da vítima no dia 25/03/2023, que, salvo as ressalvas infra indicadas, mereceram credibilidade por os seus depoimentos terem sido prestados de forma serena, assertiva, coerente e desinteressada, recordando-se de forma clara e espontânea da situação.
Nas suas declarações o arguido admitiu ter mantido com BB uma relação amorosa em tudo análoga à dos cônjuges, tendo confirmado a data de início – 28/03/2020 –, os locais onde residiram e os períodos de tempo em que estiveram separados – cerca de 3 semanas a um mês.
Pese embora negue a existência de discussões com violência, justificando-o com o facto de ter sido criado nesse ambiente e não o pretender para a sua filha, admite, todavia, o consumo frequente de álcool e estupefacientes ao ponto de o tornar desorientado, o que refere ter acontecido à data dos factos.
Mas mais.
Pese embora inicialmente tenha referido não pretender prestar declarações quanto à factualidade relativa ao dia 23/03/2023, certo é que acabou por explicar que ficou sem a sua filha – porquanto a mesma passou a viver com a sua companheira apenas – nesse dia em virtude de ter dito à sua companheira que a matava na presença do agente DD e da Sra. EE.
Tais declarações foram corroboradas pelos depoimentos das referidas testemunhas e pela testemunha GG que, estando no local na data dos factos por ao mesmo terem sido chamadas em virtude do sucedido, ouviram aquilo que foi dito pelo arguido e percecionaram o ambiente, visualizando várias garrafas de álcool e produto estupefaciente – canábis. O militar da GNR DD confirma ter ouvido o arguido, dirigindo-se à sua companheira, dizer “eu mato-te, se me tirarem a criança, eu mato-te” e de a apelidar de “vaca” e “puta”, enquanto GG referiu ter ouvido o mesmo dizer várias vezes “se tirarem a minha filha eu mato-te”, “porca” e “parto-te as ventas”, tendo, no mesmo sentido, EE confirmado tê-lo ouvido dizer, repetidamente, “vou matar-te”, “não te vais safar disto” e “és uma porca”.
Tudo o exposto, conjugado com o teor do auto de notícia a fls. 3 a 8, da cota de fls. 10 e do assento de nascimento de FF – documento autêntico, do qual resulta a data de nascimento desta e a sua filiação – constante de fls. 68, documento autêntico, do qual resulta a data de nascimento desta e a sua filiação, tudo do NUIPC 107/23.6…, permitiu dar como assente a factualidade inscrita nos factos provados n.º 1 a 10.
Acresce ainda que o arguido admite, inclusive, ter iniciado uma discussão com a ofendida por força de um cigarro na situação de 30/08/2023, tendo nessa ocasião saído de casa com a sua filha ao colo. Uma vez que BB o seguiu enquanto chamava as autoridades, fez-lhe uma rasteira, fazendo-a cair, pois teve medo que lhe tirassem a filha. De seguida dirigiu-se apiado ao monte da sua mãe, tendo lá deixado a criança e ido trabalhar.
O referido, juntamente com o teor dos fotogramas juntos a fls. 94 nos quais é notória a existência de escoriações na zona do ombro direito da ofendida, do auto de notícia do qual resulta a data, hora e local do sucedido, e do depoimento da testemunha CC que, nada tendo assistido, admite ter sido chamado ao local pela vítima, ter visto escoriações no ombro direito da mesma e ter elaborado o expediente, confirmando o seu teor e assinatura, permite dar como assentes os factos provados n.º 11 a 16.
Quanto aos elementos subjetivos do tipo, à culpa e à consciência da ilicitude (factos provados n.º 17 a 23), deu-se como provada a representação e intenção de praticar os atos supra referidos tendo em conta a factualidade objetiva assente e as regras da experiência comum pois quem atua da forma como o arguido atuou, tem de querer fazê-lo.
Quanto às condições pessoais e sociais do arguido (factos provados n.º 24 a 27) deram-se os mesmos como assentes com base nas declarações por si prestadas.
Por fim, deu-se como provado o antecedente criminal do arguido (facto assente em 28) com base no seu certificado do registo criminal, não se tendo levado à factualidade assente a condenação por consumo de estupefacientes atenta a sua discriminação.
*
No que aos factos não provados em a) a e), g) e h) dizem respeito, a decisão do Tribunal resultou de, sobre os mesmos, não ter sido produzida qualquer prova porquanto o arguido decidiu sobre eles não prestar declarações e a ofendida, em virtude de residir com este à data dos mesmos, ficou igualmente em silêncio, não tendo nenhuma das testemunhas inquiridas os presenciado.
Por outro lado, foi dado como não provado que o arguido consumiu produto estupefaciente no dia 30/08/2023 – facto não provado em f) – e que na discussão que ocorreu nesse dia disse na direção da ofendida que a matava – facto não provado em i) – uma vez que o próprio nega tê-lo feito, referindo que apenas consumiu bebidas alcoólicas pois deixou de o fazer a 25/03/2023, inexistindo qualquer outra prova, seja documental ou testemunhal, que afaste tais declarações que desde logo se nos afiguraram credíveis.
Relativamente aos elementos subjetivos – factos não provados em j) a o) –, dir-se-á não ter sido feita prova de tal estado interno do agente, suscetível de os corroborar. E assim se diz, pois, quanto a BB, ficou por provar a existência de uma convivência conflituosa, marcada por vários episódios de agressões – sejam físicas sejam psicológicas – capaz de permitir concluir pela degradação da vítima enquanto pessoa, antes tendo ficado provados apenas dois episódios, separados por largos meses e sem especial gravidade que, por si só, permita concluir pela afetação da dignidade humana daquela. O mesmo se refere quanto à pessoa de FF que, tendo apenas assistido a um único episódio, atenta a sua idade à data – cerca de dois anos –, o facto de não ter sido diretamente afetada pela conduta pois se encontrava apenas ao colo do arguido e de a mesma não ter tido especial gravidade.»
3. Apreciando
3.a) Do erro de julgamento da questão de facto (e da alteração não substancial dos factos) Antes de nos debruçarmos sobre a impugnação da matéria de facto, nos termos previstos no § 3.º do artigo 412.º CPP, cabe fazer uma breve menção à impropriedade da alegação a dado passo do recurso, de haver «erro notório na apreciação da prova, conforme dispõe o artigo 410.º, n.º 2» CPP, por referência ao julgamento como não provados dos factos alinhados em a), h), j), l), m) e o)! Constata-se que o recorrente não invoca com propriedade o vício da sentença a que se reporta a norma citada, antes utiliza a expressão «erro notório» para significar erro de julgamento, que ademais considera «clamoroso». E assim o entendemos porquanto nada mais o recorrente adianta quanto à caracterização do tal (alegado) vício. Efetivamente, conforme decorre da lei, os vícios previstos no normativo invocado pelo recorrente (§ 2.º do artigo 410.º CPP) respeitam a anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, mas apreensíveis pela simples leitura do respetivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela (v.g. valoração de provas concretas com referência a factos concretizados), e que são impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito. No concernente ao erro notório, este vem sendo caracterizado pela doutrina e (sobretudo) pela jurisprudência, como sendo o erro indiscutível, facilmente percetível pelo comum dos observadores. É aquele que é facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas, de tal modo que não haja motivo para duvidar da sua ocorrência. (2) O Supremo Tribunal de Justiça (3) refere que haverá erro notório «... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida». Também ocorrendo quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis.
Pois bem. Percorrendo a sentença recorrida, nela não vislumbramos tal vício, porquanto do seu texto, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, não emerge (menos ainda que com toda a evidência) conclusão contrária àquela a que chegou o Tribunal. Circunstâncias estas que impõem a conclusão de que da decisão recorrida não emerge o invocado erro notório na apreciação da prova. O que o recorrente efetivamente preconiza, sem nenhuma margem para dúvida, é manifestar a sua discordância relativamente ao julgamento dos factos não provados constantes dos pontos a), h), j), l), m) e o). Para tanto indicando, que relativamente ao ponto a) o arguido teria dito algo que os confirmaria, no âmbito das declarações prestadas por ocasião do primeiro interrogatório. Relativamente às alíneas h), j) e l) diz que a testemunha CC terá prestado declarações que os confirmam; e que quanto às alíneas m) e o) a testemunha DD produziu declarações na audiência que tal terão também confirmado. Mas o recorrente não tem razão. Desde logo, importará lembrar que a arguição de erro de julgamento não se basta com o facto de haver alguma testemunha que tenha referido algo contrário ao que o tribunal considerou provado; nem ainda que a divergência invocada resulte do entendimento do próprio recorrente por contraposição à convicção formada pelo julgador. Isso é insuficiente, pois que a lei só a este atribui o poder funcional de apreciar livremente as provas (artigo 127.º CPP), ainda que sob parâmetros racionais controláveis. Daí a relevância da motivação de tal decisão.
E como assim, a crítica à convicção firmada pelo tribunal a quo, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se alicerçada apenas na referência atomizada ou desgarrada de um qualquer meio de prova; ou na diferente convicção do recorrente sobre a prova produzida e avaliada de modo parcial e descontextualizado – como se verá.
Acresce que na invocação do erro de julgamento cabe ao recorrente não apenas indicar expressamente a prova ou provas nas quais apoia a sua interpretação; mas também a de demonstrar criticamente por que razão tal prova (ou conjunto de provas) impunha que se tomasse decisão diversa com referência aos factos correspetivos (artigo 412.º, § 3.º, al. b) CPP). Só desse modo se cumprindo integralmente o desiderato normativo, na medida em que o que se giza é demonstrar o erro de julgamento e não qualquer outra coisa!
Neste exato contexto se compreende que a simples referência a uma declaração feita por uma dada testemunha é, mais que insuficiente, também inconsequente. Pois o que logo mais importaria, a msi da credibilidade do testemunho, era que a testemunha se tivesse reportado a factos de que tivesse tido conhecimento direto; e que quanto a tal declaração não tivesse sido consequentemente contrariado.
Para demonstrar o erro de julgamento que se alega é necessário identificar onde é que mora o erro: p. ex. que o tribunal refere na sua motivação que a testemunha «X» disse «A», quando afinal disse «B»; ou que o documento «Y» em que o tribunal firmou a sua convicção relativamente a um dado facto, não é idóneo, etc.
A impugnação da matéria de facto vem feita pelo recorrente em moldes pouco mais que vagos.
Vejamos a razão porque assim o afirmamos.
Contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o arguido não confirmou o facto da alínea a), quer na sua amplitude ou na sua concretude, pois não basta ter o arguido referido que por vezes as discussões eram despoletadas por razões de ciúmes, para daí emergir erro de julgamento no contexto da al. a), pois este é muito mais abrangente do que isso. E sobre o demais que ali se abrange não há nenhuma prova atendível, conforme bem refere a motivação da decisão recorrida.
Noutro registo, agora com referência à al. h), atente-se que a testemunha CC (militar da GNR) não assistiu a nenhuma das circunstâncias referidas em tal alínea a)! A mais disso, as declarações que prestou sobre essa matéria constituem depoimento indireto, o qual não pode ser valorado, na medida em que quem de tal teve efetivo (direto) conhecimento foi a testemunha BB, a qual negou (legitimamente) prestar declarações sobre tal matéria (artigo 129.º CPP)! O mesmo, integralmente, valendo para as declarações prestadas sobre tal matéria pela testemunha DD (igualmente militar da GNR).
No respeitante à matéria das alíneas j), l) e m) dir-se-á que o contexto vivencial do arguido com a sua companheira tinha a complexidade que os factos provados demonstram. Não se podendo firmar o juízo sobre as intenções do arguido e propósitos da sua atuação senão em decorrência dos factos objetivamente provados, na medida em que ele os não confessou! Sendo que as testemunhas referidas pelo recorrente (militares da GNR e assistente social), com referência aos factos em questão, terão quando muito opiniões, que irrelevam para a prova e para o caso.
E quanto à matéria da al. o) dir-se-á o óbvio (que foi, aliás, o que a mãe da bebé (BB) declarou na audiência: a criança tinha apenas dois anos de idade, assistiu apenas a um episódio e não se apercebeu de nada de especial. Sendo que esta testemunha (BB tinha (ela sim, evidentemente) conhecimento direto dos (poucos) factos sobre os quais se pronunciou. Sendo que os depoimentos das testemunhas DD e GG sobre o fumo que viram em casa e o odor que sentiram, foi produzido pelo arguido e pela mãe da infanta, pois ambos (arguido e BB) fumavam em casa. É, pois, natural que a menor FF possa alguma vez ter sentido (e concretamente nesse dia 25/3/2023) tais fumos e odores na casa. Mas nada disso impõe a prova do facto o).
Sendo, ademais, insustentável que o contexto dos acontecimentos revele que com a sua atuação o arguido teve a intenção de expor FF a um ambiente de conflito parental, procurando atingir a sua saúde psíquica/mental e prejudicar a sua liberdade de desenvolvimento!
O que ressalta dos factos provados, se vistos à luz das regras gerais da experiência comum (sem preconceito moral a turvar a necessária objetividade) é apenas o contexto de consumo de drogas pelo arguido e sua companheira na casa em que viviam (o arguido, sua companheira e respetiva filha), conforme claramente resulta dos depoimentos das testemunhas DD e GG. Breve: em nenhuma circunstância a produção do referido fumo na casa onde todos viviam é revelador das intenções que se imputavam na al. o) ao arguido. Estando essa imputação totalmente desalinhada da racionalidade exigível e dos critérios normativos subjacentes. Sendo também por isso evidente a inutilidade do suscitado incidente da alteração não substancial de factos! Em suma: nenhuma das provas indicadas pelo recorrente (ou a conjugação destas) impõe que se altere o julgamento da decisão de facto relativamente a nenhum dos segmentos indicados. Muito menos que suscitem a necessidade de enxertar qualquer incidente da alteração não substancial de factos (artigo 424.º, § 3.º CPP).
3.b) Da qualificação jurídica dos factos
O recorrente considera que a factualidade apurada é suscetível de integrar a prática pelo arguido de dois crimes de violência doméstica, de que foram vítimas BB e a menor FF, uma vez que este agiu sempre em represália sobre BB, pelo facto desta chamar a Guarda Nacional Republicana, querendo evitar que terceiros pudessem espreitar para o interior da relação amorosa e constatassem os comportamentos dele. E sujeitou também a sua filha FF a um ambiente de violência e de consumo de produto estupefaciente, que a atingia diretamente. A sentença recorrida considerou que não se verificavam os dois crimes de violência doméstica previstos no artigo 152.º, § 1.º, al. b), c), d), e) e § 2.º, al. a) e § 4.º CP, imputados pela acusação. As razões foram essencialmente as seguintes: «No contexto do ilícito de violência doméstica importante é que, no seu conjunto ou pela gravidade e intensidade do ato isoladamente considerado, as condutas que se traduzam em maus-tratos, sejam eles físicos ou psíquicos, impliquem a afetação da dignidade pessoal da vítima através do seu desrespeito como pessoa.» (…)
No que aos comportamentos para com a ofendida BB dizem respeito, ficou assente que:
No dia 25/03/2023, em virtude de uma discussão, o arguido, dirigindo-se à sua companheira, disse na presença de terceiros: “Eu mato-te”, “Eu vou-te matar se me tirarem a criança” e “És uma porca, eu parto-te a venta”;
No dia 30/08/2023, com a filha comum ao colo, desferiu um pontapé nas pernas da sua companheira e atirou-a contra uma parede, o que fez com que a mesma caísse no chão, causando-lhe dores e uma escoriação no seu ombro direito;
Ora, atento o lapso temporal verificado entre as duas situações – mais de cinco meses –, a circunstância de não se ter demonstrado qualquer outro tipo de agressão, seja física ou psicológica e o contexto em que foram praticados – surgem no âmbito de uma situação perfeitamente circunscrita e identificável, relacionada com o receio do arguido de ficar sem a filha comum de ambos –, implica que se conclua inexistir qualquer quadro de degradação da vítima, ancorada numa relação fáctica não paritária e de domínio físico e /ou psíquico do arguido perante a ofendida, em molde de contender com a dignidade desta enquanto pessoa.
De facto, sendo inegável que as condutas perpetradas pelo arguido são desvaliosas e reprováveis, certo é que não se extrai do acervo factual uma particular crueldade ou perversidade, reconduzida a um quadro de degradação da vítima. Não se vislumbra, pois, um desrespeito global pela pessoa da vítima, em termos de a diminuir como pessoa, nem tampouco uma qualquer posição de prevalência e domínio sobre aquela que evidenciem uma tentativa de enfraquecimento do seu domínio.
Assim, não se concluindo pela verificação deste quadro, não estará preenchido o tipo objetivo do crime de violência doméstica, ante a falta de subsunção ao conceito de maus tratos na aceção contida no artigo 152.º, do Código Penal.
(…)
Já relativamente aos comportamentos do arguido para com a ofendida FF, filha comum do casal, ficou apenas provado que a mesma se encontrava presente, porquanto ao colo daquele, quando o arguido desferiu um pontapé nas pernas da sua companheira e atirou-a contra uma parede, fazendo-a cair ao chão.
Ainda que se considere que quando uma criança é obrigada a assistir a maus-tratos infligidos a um dos seus progenitores pelo outro é ela própria vítima de violência doméstica, certo é que a ofendida FF, com cerca de 2 anos à data, apenas assistiu a um único episódio, no qual o arguido desferiu um pontapé na mãe desta, que, por si só, não acarreta gravidade suficiente para ser subsumido ao conceito de maus tratos para efeitos de preenchimento do tipo objetivo do crime de violência doméstica.»
Consideramos que nesta matéria da qualificação jurídica assiste (parcial) razão ao recorrente.
Vejamos brevemente porquê. A atual descrição típica do ilícito de violência doméstica (introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), constante do artigo 152.º CP, dimensiona um feixe de tutela de direitos que vai além do espartilho que a respetiva inserção sistemática no código indicia, na medida em que o mesmo passou a abranger também, expressis verbis, as limitações à liberdade e as ofensas sexuais, tutelando igualmente a reserva da intimidade da vida privada e a honra. Se bem que a questão do bem jurídico tutelado por esta incriminação seja ainda controversa, a verdade é que hoje há uma tendência clara para o distinguir da integridade física ou da saúde, na medida em que se reconhece que a sua dimensão está para além daqueles bens jurídicos. (4) Donde, a consideração de os atos atomizadamente considerados não terem atingido um certo grau de gravidade associada à descrição típica das relações das alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP, ou de os episódios de violência estarem muito espaçados no tempo, tal não afasta (só por isso) a qualificação jurídica de violência doméstica.
Na sequência do já supra afirmado, o bem jurídico tutelado pelo ilícito-típico de violência doméstica, tem uma dimensão mais ampla do que a integridade física ou da saúde, tendo por referência a integridade pessoal dos sujeitos ligados ao agressor por uma dada relação (conjugal ou equiparada ou outra das referidas nas alíneas do § 1.º do artigo 152.º CP) da qual emerge um especial contexto de confiança. Tal bem jurídico, conexionado com a defesa da pessoa enquanto tal, ligado à sua própria dignidade enquanto pessoa humana - conforme decorre do artigo 1.º da Constituição - encontra esteio nos artigos 25.º e 26.º desse texto normativo fundamental.(5) Nesta linha refere justamente Rita Alfaiate, que «há um maior desvalor da conduta praticada por quem mantém este tipo de relação com a vítima, na medida em que esta se apresenta, precisamente pela natureza dessa relação que partilha com o agressor, mais exposta, mais vulnerável. O agressor é alguém em quem a vítima julgava poder confiar e de quem é credora de respeito, nos casos mais significativos, por força da própria lei (…) O crime de violência doméstica exige, pois, seja para que dele emerja o bem jurídico penal novo, seja para que se justifique a qualificação, uma especial relação de proximidade existencial entre agente e vítima, o que o torna um crime específico.» (6) É, pois, por referência à tutela desse valor mais amplo que simplesmente a integridade física ou a saúde, que o crime de violência doméstica visa punir as condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e/ou sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação com o agressor, que se manifestam num exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a intimidade, a liberdade ou a honra do outro, caracterizado as mais das vezes por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (sendo esta bastas vezes tratada como uma mera «coisa») (7), vulnerando a confiança que subjaz à especial relação existente entre o agressor e a vítima.
É comunitariamente sabido que a violência doméstica se constitui como «fenómeno socialmente muito nocivo» (8), a reclamar uma visão holística e multidisciplinar (9), desde logo em razão de o seu referente axiológico se entretecer com questões de natureza cultural, de mentalidades e de índole socioeconómica.
Daí que a psicologia aporte que tal violência redunda numa forma de exercício do poder, mediante o uso da força (física, psicológica, económica, política). Constituindo-se o recurso à força como um método possível de resolução de conflitos interpessoais, procurando o agressor que a vítima se sujeite ao que ele pretende, que concorde com ele ou, pura e simplesmente, que se anule e lhe reforce a sua posição/identidade. No entanto, e contrariamente ao comportamento apenas agressivo, o comportamento violento não giza (apenas) fazer mal à outra pessoa (ainda que habitualmente isso aconteça). O objetivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso da força.» (10) Volvamos à dimensão normativa e às circunstâncias próprias do caso. O tipo objetivo tem por referência a inflição de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou pessoa equiparada, neles se incluindo as condutas que se substanciem em violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual e privações da liberdade que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal.
Sendo o elemento subjetivo composto pelo dolo genérico, id est (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual).
«O dolo implicará o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica, assim como o conhecimento e vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos em causa configurem tipos formais ou materiais». (11)
Na avaliação das circunstâncias e comportamentos do arguido importará sempre atentar a «respetiva situação ambiente e da imagem global do facto». (12)
Ora, neste caso constatamos que os comportamentos ilícitos do arguido (os maus tratos infligidos), consistiram em ofensas físicas e morais, que ele não dirigiu a um desconhecido, a um vizinho, a um colega de trabalho ou a parceiro do jogging domingueiro; mas antes, nas duas identificadas ocasiões descritas nos factos provados (25/3/2023 e 30 ou 31/8/2023), tais ofensas (caracterizadores de maus tratos físicos e psíquicos) foram dirigidas à sua companheira e mãe da sua filha, na consideração de que ela, de certa forma, não tinha como obstar a esse exercício ilegítimo da sua vontade.
Afigura-se-nos, pois, ser indubitável que a ocorrência reiterada das aludidas agressões (físicas e ameaças) atingiram não apenas a integridade física, mas também a integridade moral da visada e o seu sentimento de dignidade. Remetendo a imagem global dos factos para o perímetro da tutela conferida pelo crime agravado de violência doméstica. Desde logo por as agressões na primeira das referidas ocasiões terem ocorrido no domicílio comum – que é suposto constituir um refúgio de segurança dos consortes; e na segunda ocasião (cerca de 5 meses depois) visar o arguido impor a sua vontade de restringir os contactos da vítima com a filha de ambos).
Cometeu, pois, o arguido, um crime de violência doméstica, do qual foi vítima a sua consorte BB, que é também mãe da sua filha – artigo 152.º, § 1.º, al. b) e 2.º, al. a) CP.
Consideramos ademais, que a factualidade provada não permite concluir que a menor FF tenha sido vítima de tal crime, pois que não só esta nunca foi visada diretamente por nenhuma das agressões do ofendido, como – tal como a ofendida BB bem referiu na audiência – ela sequer nem de nada se terá apercebido.
3.c) Da pena
O crime de violência doméstica é punível com pena de prisão de 2 a 5 anos (artigo 152.º, § 2.º CP). A pena concreta é limitada no seu máximo pela medida da culpa. Traçado esse limite (decorrente da dignidade da pessoa humana) é depois determinada uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. E dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida concreta da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial (em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais).
As circunstâncias concretas em que ocorreram os dois episódios de maus tratos, o tempo que as mediou, a gravidade concreta de cada um deles, o contexto vivencial intermitente do arguido e da vítima, as precárias condições pessoais e modo de vida dele, o facto de já registar um antecedente criminal (ainda que de pequena gravidade), bem assim como o facto de entretanto ter encetado tratamento psicológico e psiquiátrico, decerto o fizeram refletir acerca das consequências dos seus atos, sobre a sua vida e o seu futuro. Tudo apontando para uma pena que deverá quedar-se próxima do mínimo previsto na lei, devendo fixar-se esta em 2 anos e 6 meses de prisão.
Afigura-se igualmente que se não defraudarão as expectativas comunitárias, face à violação da norma penal se, acautelando-se o perigo de reiteração da atividade delituosa, se conceder ao arguido uma oportunidade de se reinserir validamente na sociedade em liberdade. Deste modo também interpretando a atitude da própria ofendida, que praticamente não prestou declarações em sede de audiência de julgamento, usando da prerrogativa que tal lho permite, com isso demonstrando haver ainda margem (ou pelo menos esperança) para a paz.
Com isso procurando também ir ao encontro do esforço encetado pelo próprio arguido, que encetou tratamento em matéria de contenção da ingestão de bebidas alcoólicas e substâncias estupefacientes, com acompanhamento psicológico e psiquiátrico.
Consideramos, pois, ajustado suspender a execução desta pena de prisão, sujeitando-a a um regime de prova, que auxilie o arguido na aquisição dos valores ainda não suficientemente interiorizados (postos em evidência com a prática do crime), de molde a rápida e validamente se reintegrar na comunidade (artigos 50.º, § 1.º e 2.º e 53.º CP).
Estas orientações deverão integrar o Plano Individual de Readaptação Social a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção Social, que igualmente integrará o acompanhamento psicológico e psiquiátrico que o arguido vem seguindo, integrando (ou reforçando) a orientação em matéria de consumo de substâncias estupefacientes.
Ficando o arguido ciente de que a violação das orientações do Plano de Reinserção Social terá as consequências previstas na lei, designadamente nos artigos 55.º e 56.º do C. Penal, dentre as quais consta evidentemente a revogação da suspensão da execução da pena com o inerente efetivo cumprimento da pena prisão efetiva. Por tudo o que já se deixou dito não se evidencia razão que sustente a necessidade de mobilização de qualquer pena acessória.
3.d) Do desconto
Outro dos fundamentos do recurso respeita à não efetivação, na sentença recorrida, do desconto previsto no artigo 80.º CP, uma vez que o arguido esteve detido em duas ocasiões distintas (dois dias de cada vez): dias 25 e 26 de março de 2023; e 14 e 15 de setembro de 2023.
Dispõe a este propósito o artigo 80.º, § 1.º que: «A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.»
Nos casos como o presente, em que as medidas detentivas a descontar ocorreram no próprio processo e estão nele documentadas, deveria o tribunal de julgamento, na sentença condenatória, ter realizado esse desconto (artigo 80.º CP e 374.º, § 2.º CPP).(13)
A preterição de pronúncia sobre esta questão constitui uma nulidade da sentença (artigos 374.º, § 2.º e 379.º, § 1.º, al. c) CPP). Sendo que atenta a circunstância de os autos disporem de todos os elementos necessários à decisão sobre o desconto a efetuar, tal nulidade deverá ser agora suprida, por este Tribunal de recurso, o que se mostra indiscutível em face da atual redação do § 2.º do artigo 379.º do CPP (introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro).(14)
Evidenciam os autos que o arguido esteve detido 4 dias (25 e 26 de março de 2023 e 14 e 15 de setembro de 2023), os quais deverão ser descontados na pena de prisão suspensa na sua execução a cumprir.
Termos em que o recurso se mostra merecedor de parcial provimento (parcialmente quanto à qualificação jurídica dos factos e integralmente relativamente à matéria do desconto), não o merecendo quanto ao demais.
III – Dispositivo
Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em:
a) alterar a qualificação jurídica dos factos provados e a respetiva pena, considerando que o arguido se constituiu autor de um crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, § 1.º, al. b) e 2.º, al. a) CP, pelo qual se condena numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, a qual suspendemos na sua execução por igual período, sujeita esta a regime de prova que o auxilie na aquisição dos valores ainda não suficientemente interiorizados (postos em evidência com a prática do crime), de molde a validamente se reintegrar na comunidade (artigos 50.º, § 1.º e 2.º e 53.º CP). Estas orientações constarão do Plano Individual de Readaptação Social, a elaborar pela Direção-Geral de Reinserção Social, que igualmente nele integrará o acompanhamento psicológico e psiquiátrico que o arguido vem seguindo (incluindo orientação em matéria de consumo de substâncias estupefacientes).
b) Descontar à pena referida 4 dias, correspondentes aos dias de detenção a que esteve sujeito pelo presente processo (artigo 80.º, 4 1.º CP).
c) No mais se negando provimento ao recurso;
d) Custas pelo arguido, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça – artigo 513.º, § 1.º CPP). e)
Notifique-se.
Évora, 16 de dezembro de 2024
J. F. Moreira das Neves
Carla Oliveira
Jorge Antunes
..............................................................................................................
1 DR, I-A de 28dez1995.
2 Cf. acórdão do STJ, 6abr1994, CJ XIX, t. II, 185.
3 Acórdão do STJ, 4out2001 (CJ/AcSTJ, IX, T. III, 182).
4 Cf. Por todos Matilde Veloso e Vasques e outros, O Crime de Violência Doméstica, 2024, Almedina, v.g . pp. 67 ss.
5 Neste sentido cf. André Lamas Leite, A Violência Relacional Íntima: Reflexões Cruzadas entre o Direito penal e a Criminologia, revista JULGAR, n.º 12, 2010, pp. 25 ss.; em sentido não muito distinto Nuno Brandão, A Tutela Especial Reforçada da Violência Doméstica, revista JULGAR, n.º 12, 2010, p. 9 ss.
6 Ana Rita Alfaiate, O crime de violência doméstica no ordenamento jurídico português – algumas considerações – no âmbito do Congresso Internacional sobre os 40 anos do Código Penal (FDUC, 24.25nov2022), edição de 2024, pp. 243 ss.
7 Neste sentido podem ver-se: Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, UAL, pp. 32, 33 e 42. Maria Também Maria Elisabete Ferreira, Da Intervenção do Estado na Questão da Violência Conjugal em Portugal, 2005, Almedina; e Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, vol. I, 2017, pp. 569 ss., BFDUC); Sara Margarida das Neves Simões, O crime de violência doméstica: aspetos materiais e processuais 2015, UCP, pp. 8 ss.
8 Assim o crisma, desde logo, André Lamas Leite, Violência doméstica e extinção de medidas de coação processual – em louvor da Relação do Porto, Revista do MP, n.º 175 (2023), p. 79. Atente-se ainda, na referência feita pelo citado autor no mesmo escrito, que as Estatísticas da Justiça, apontam, em 2022, para um total de 30 488 casos reportados de violência doméstica, sendo o tipo legal de crime mais denunciado no capítulo dos «crimes contra a integridade física» (55 367), representando 55,1% do total de delitos nesse universo; correspondendo a 8,9% do total de crimes registados.
9 André Lamas Leite, A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia», JULGAR, n.º 12, 2010, pp. 25-66.
10 Madalena Alarcão, (des) Equilíbrios Familiares, Quarteto, 2000, p. 296.
11 Maria Elisabete Ferreira, O Crime de Violência Doméstica na Jurisprudência Portuguesa (Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade, 2017, Instituto Jurídico, Boletim da Faculdade de Direito – Universidade de Coimbra – Studia Iuridica, 1008, p. 583, BFDUC).
12 Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, revista JULGAR, n.º 12, 2010, p. 19.
13 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 298/299, Aequitas – Editorial Notícias, 1993; Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições aos alunos de Direito Penal III, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2010-2011, pp. 48; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pp. 251.
14 Neste sentido cf. Ac. STJ, de 4/6/2014, proc. n.º 262/13.3PVLSB.L1.S1, relator Oliveira Mendes, www.dgsi.pt