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NULIDADE DE SENTENÇA
CONFISSÃO FICTA
FACTOS PROVADOS
VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
PRÉ-SANEAMENTO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário
Sumário (do relator) – artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil I – O erro de julgamento de direito resultante de uma errada valoração e incorrecto enquadramento jurídico dos factos apurados, apenas pode ser sindicado em sede de recurso (sem prejuízo do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a) do CPC), não gerando a nulidade da sentença que decorre da alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC. II – Apesar de a revelia operante levar à confissão tácita ou ficta dos factos alegados pelo autor (ou, no caso de falta de respostas, do impugnante da lista de credores reconhecidos), mantém-se a necessidade de serem inseridos na fundamentação da sentença os factos provados por acordo das partes, por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito ou por prova documental dotada de força plena. III – Daí que a sentença que omite em absoluto a descrição dos factos provados não cumpre a exigida fundamentação sumária do julgado, gerando a nulidade da sentença, conforme decorre do citado artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC. IV – No apenso da verificação e graduação de créditos em insolvência não há lugar à prolação de despacho pré-saneador com as finalidades previstas no nº 2 do artigo 590º do CPC, uma vez que, terminados os articulados, segue-se o despacho saneador, o qual poderá quando muito ser antecedido por uma tentativa de conciliação. V – Também não se encontra ainda abrangido pelo disposto no artigo 11º do CIRE, ou seja, não vigora o princípio do inquisitório, aplicando-se antes, nos termos do disposto no artigo 17º do CIRE, a regra geral do CPC de que rege o princípio do dispositivo quanto aos factos e o princípio do inquisitório quanto à prova (artigo 5º do CPC). VI – O exercício do direito de retenção está dependente da detenção lícita de uma coisa, (sendo necessário deter para posteriormente poder reter), o que implica que o agente tenha um poder de facto sobre a coisa que pretende reter, não sendo, contudo, necessário que esse poder de facto consubstancie uma situação de posse. Exige-se, no entanto, que mantenha esse poder material sobre a coisa retida para que aquele não se extinga (artigo 761º do Código Civil). VII – Cumpre esse requisito para a constituição do direito de retenção, o empreiteiro que, em resultado da adjudicação da obra objecto do contrato de empreitada celebrado entre si e a insolvente, colocou e manteve no local da obra dois contentores, mantendo-o vedado e sinalizado, procedeu a várias limpezas de obra, nomeadamente, desmantando todo o local ainda não edificado e nos locais também edificados e procedeu a obras de manutenção do trabalho realizado, actos que se consideram suficientes para assegurar a publicidade necessária à constituição e manutenção do direito de retenção.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,
1. Por apenso ao processo de insolvência com o nº 18172/16.0T8LSB em que foi declarada insolvente L… – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, vieram os respectivos credores reclamar os seus créditos.
Em 06/10/2017 o Administrador da Insolvência (AI) apresentou a lista dos credores reconhecidos, dando ainda cumprimento ao disposto no artigo 129º, nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
A lista dos créditos reconhecidos e não reconhecidos foi objecto de uma única impugnação por parte da credora “SINOP, S.A.”, à qual ninguém respondeu. Pretendia aquela credora que lhe fosse reconhecido um crédito no valor global de 548.161,27 €, a ser qualificado como garantido por direito de retenção sobre as verbas 30 a 35 apreendidas para a massa.
No parecer que emitiu, a Comissão de Credores deixou à consideração do tribunal a decisão sobre aquela impugnação, ressaltando, porém, serem desconhecidos os fundamentos do não reconhecimento do crédito daquela impugnante.
Por sua vez, o AI, no seu parecer, explicou que não lhe cabia avaliar a existência de danos patrimoniais, lucros cessantes ou de indemnizações que pudessem ser devidas à impugnante, fruto do termo da relação contratual estabelecida com o insolvente, nem apurar os comportamentos adoptados pelas partes que pudessem ter contribuído para tal desfecho.
Por fim, em 21/02/2024 (refª 431891373) foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, que julgou parcialmente procedente a impugnação formulada pela SINOP, reconhecendo-lhe um crédito no montante de 548.161,27 €, de natureza comum, improcedendo, pois, a sua pretensão de a tal crédito ser atribuída a natureza de garantida como direito de retenção.
Inconformada com esta decisão, na parte em que reconheceu o seu crédito sobre a insolvente como de natureza comum, e não como crédito garantido pelo exercício do direito de retenção, veio a credora/impugnante, SINOP, S.A., interpor o presente recurso, cujas alegações termina com as seguintes conclusões:
A. O recurso limita-se apenas à parte da Sentença em que o Tribunal à quo não reconheceu, nem graduou o crédito da RECORRENTE como sendo um crédito garantido por direito de retenção (privilégio imobiliário Especial) sobre os imóveis apreendidos para a massa insolvente mais bem descritos na Sentença sob as verbas nºs 30 a 35.
B. O Tribunal à quo reconheceu a totalidade do crédito reclamado pela RECORRENTE, reconhecendo-lhe um crédito global de EUR. 584.161,27);
C. E fê-lo, e bem, porque “(…) os factos alegados na impugnação, que se têm como admitidos por acordo, em face da sua não contestação, estão em consonância com os documentos juntos, inexistindo qualquer elemento nos autos que os infirme, e fundamentam a pretensão indemnizatória da impugnante.” - Trans. Parcial da Sentença que se recorre.
Contudo,
D. Já não reconheceu, nem graduou esse crédito da RECORRENTE como sendo um crédito garantido por direito de retenção (privilégio imobiliário Especial) sobre os imóveis apreendidos para a massa insolvente mais bem descritos na Sentença sob as verbas nºs 30 a 35.
E. E fundamentou essa decisão com base no seguinte argumento “(…) Sem embargo, não fundamentam a atribuição de natureza garantida ao seu crédito. Efetivamente, não foram alegados pela impugnante, nem em sede de impugnação, nem em sede de reclamação de créditos, qualquer facto consubstanciador da “posse” que alega, sendo esta uma alegação genérica e abstrata, importando que tivesse sido concretizada através da alegação da necessária factualidade consubstanciadora e densificadora de tal conceito, para efeitos de enquadramento no artigo 754º do Código Civil, o que não ocorreu: “ - Trans. Parcial da Sentença que se recorre.
F. A RECORRENTE considera que essa contradição de decisões faz com que a Sentença, na parte que se recorre, padeça do vício de nulidade, pois, e salvo melhor opinião, existiu contradição e/ou obscuridade nos fundamentos utilizados pelo Tribunal a quo para decidir as questões apresentadas de forma diferente, e que tornam a sentença incompreensível e inexplicável, o que determina a nulidade da sentença (vide, nesse sentido, art.º 615º, nº1 al. c) do CPC, aqui aplicável por força do disposto no art.º 17º do CIRE), o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
G. Quer a reclamação, quer a impugnação apresentadas são articulados que, independentemente da sua forma de formulação, estruturação e/ou apresentação utilizada pela parte que os apresentou, têm de ser lidas, integradas e interpretadas como um todo, valendo o facto alegado num artigo para todas as questões jurídicas que estiverem em apreciação.
H. Pelo que, independentemente do local onde determinado facto está alegado, o mesmo não pode deixar de servir para fundamentar determinado pedido e/ou questão jurídica colocada noutra parte do articulado.
I. Daí que, se determinado facto alegado e dado por provado pelo Tribunal à quo, serve para justificar o reconhecimento do montante do crédito reclamado, o mesmo também terá de servir para justificar/fundamentar a atribuição de natureza garantida do seu crédito, sempre que o mesmo possa fundamentar essa atribuição,
J. Salvo melhor opinião, pese embora a forma de estrutura e apresentação da reclamação e impugnação, todos os factos alegados nesses articulados, independentemente do local onde foram alegados, servem de fundamento para as duas questões que se colocavam na Impugnação – Montante do crédito e natureza garantida do mesmo.
K. Até porque, e face ao alegado na reclamação e impugnação, dúvidas não existem de que a questão do montante e da natureza do crédito não são questões estantes, no sentido de serem independentes e autónomas uma da outra, pois têm uma causa de pedir comum – celebração e incumprimento de um contrato de empreitada entre INSOLVENTE e RECORRENTE,
L. Ressalva-se, aliás, que lendo-se os arts 84º e ss. da impugnação apresentada, dúvidas não existem de que o aí alegado tem em conta os factos anteriormente alegados, mais não foi do que um repisar/resumir do já anteriormente alegado.
M. Mas mesmo que assim não se entendesse, não poderia deixar de se ter em conta o alegado no art.º 87º da Impugnação em que a RECORRENTE expressamente refere “(…) a mesma reapresenta novamente os fundamentos de facto e direito invocados na reclamação para sustentar a sua posição” - Trans. Parcial desse artigo.
N. Se o Tribunal à quo deu como provados todos os factos alegados na impugnação, nomeadamente, os alegados nos arts 12º a 83º, para fundamentar a decisão de reconhecimento do montante global do crédito reclamado,
O. Também esses factos também teriam que valer para fundamentar o reconhecimento da garantia do crédito nos termos reclamados e posteriormente impugnados.
P. O direito de retenção constitui um direito real de garantia, conforme decorre do disposto no n.º 2 do art.º 604º do Cód. Civil e encontra-se genericamente regulado no art.º 754º do mesmo Código.
Q. Para haver direito de retenção é necessário estarem preenchidos são 03 os requisitos: 1) que alguém detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem (cfr. conjugação deste normativo com o art.º 756º); 2) Que o detentor, devedor da entrega da coisa, seja simultaneamente credor daquele a quem ela é devida; 3) que o crédito do detentor esteja diretamente relacionado com a coisa detida, devendo resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
R. E hoje pacifico na doutrina e jurisprudência que sempre o empreiteiro esteja obrigado a entregar uma coisa, resultado da obra realizada e seu o crédito do preço resulte de despesas feitas por causa dessa coisa, sejam despesas de construção, de modificação ou de reparação, o mesmo goza do direito de retenção relativamente ao seu direito de crédito referente ao preço da construção da coisa retida enquanto aquele não lhe for pago.
S. “ (…)
T. Tendo sido dados por provados todos os factos alegados na impugnação e reclamação - “(…) os factos alegados na impugnação, que se têm como admitidos por acordo, em face da sua não contestação, estão em consonância com os documentos juntos, inexistindo qualquer elemento nos autos que os infirme (...)” – Trans. Parcial da Sentença que se recorre.
U. Entende a RECORRENTE que, lendo-se a reclamação e impugnação apresentadas na sua totalidade, dúvidas não existem de que aquela alegou factos concretos, precisos e demonstrativos da posse que alegou para justificar o direito de retenção invocado.
V. Alegou factos concretos, precisos e que demonstram porque a mesma entrou e se manteve na posse dos imóveis objecto do contrato de empreitada,
W. Alegou factos concretos, precisos e demonstrativos que justificaram porque à data da instauração do processo de insolvência ainda se encontrava na posse dos imóveis cujo direito de retenção invocou,
X. Alegou factos concretos, precisos e demonstrativos de que o crédito que lhe foi reconhecido (EUR. 584.161,27) resultou de prejuízos, danos e despesas feitas por força do contrato de empreitada celebrado.
Em conclusão:
Y. E salvo melhor opinião, a RECORRENTE concretizou e descreveu o contrato de empreitada celebrado, concretizou e descreveu as razões porque a obra esteve suspensa e quando esteve suspensa, concretizou e descreveu porque e quando procedeu à resolução do contrato de empreitada por justa causa, concretizou, descreveu e justificou porque manteve a posse dos imóveis em causa, concretizou e descreveu porque nunca os trabalhos de empreitada foram concluídos e, consequentemente, nunca houve recepção provisória ou definitiva da obra em causa, explicou porque nunca entregou os imóveis objecto do contrato de empreitada etc.
Z. A RECORRENTE considera que, na parte que se recorre, sentença padece do vício de nulidade, pois, e salvo melhor opinião, existiu contradição e/ou obscuridade nos fundamentos utilizados pelo Tribunal à quo para decidir as questões apresentadas de forma diferente, e que tornam a sentença incompreensível e inexplicável, o que determina a nulidade da sentença, devendo, por isso, ser a mesma anulada na parte em que considerou improcedente a impugnação apresentada (vide, nesse sentido, art.º 615º, nº 1 al. c) do CPC, aqui aplicável por força do disposto no art. 17º do CIRE), o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
AA. Contudo, e porque face ao supra descrito, nomeadamente, o facto de se considerem por provados todos os factos alegados na Impugnação, entende a RECORRENTE que o Douto Tribunal poderá, desde já, conhecer do objecto do recurso, substituindo-se ao Tribunal à quo, proferindo decisão definitiva também relativamente a essa questão.
BB. Nestes termos, deverá ser a Sentença parcialmente revogada, substituindo-se a mesma por um outra que: 1) Reconheça e gradue o crédito da RECORRENTE como sendo um crédito garantido por direito de retenção (privilégio imobiliário especial) sobre os imóveis apreendidos sob as verbas nºs 30 a 35 da Sentença (mais bem descritos na Sentença e art.º 2º destas alegações), 2) Determine que pelo produto da venda desses, seja o crédito da RECORRENTE graduado para receber pelo produto da venda em 1º lugar ou, caso assim não se entenda, seja graduado em 2º lugar após o crédito de IMI, o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
CC. A Sentença padece do vício de nulidade caso se entenda que, face à fundamentação da Sentença, não se possa considerar como provados todos os factos alegados na impugnação ou que não foi essa a intenção do Tribunal à quo, o que não se admite.
DD. A decisão recorrida não contém qualquer descrição dos factos que, quanto a tal, se consideram como provados ou não provados, não obstante concluir pela procedência de uma parte do pedido e improcedência de outra parte do pedido.
EE. A ser assim, temos que o Tribunal à quo violou o disposto nos arts 154.º e 607.º, nºs 3 e 4, do CPC, nos termos do qual se exige que qualquer decisão ou sentença, deva ser fundamentada, em que se inclui a discriminação dos factos considerados provados e não provados.
FF. Omissão essa que determina a nulidade da sentença por aplicação do disposto na al. b) do nº1 do art. 615º, ambos do CPC e que determina a anulação da decisão recorrida, a fim de ser cumprido o disposto no artigo 607.º, nºs 3 e 4, do CPC, o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
GG. E porque face ao supra descrito, nomeadamente, o facto de se considerem por provados todos os factos alegados na Impugnação, entende a RECORRENTE que o Douto Tribunal poderá, desde já, conhecer do objecto do recurso, substituindo-se ao Tribunal à quo, proferindo decisão definitiva.
HH. [Repetido]
II. Não havendo nulidade da Sentença, o que não se admite, ainda assim a mesma deverá ser alterada, uma vez que, e salvo melhor opinião, a mesma viola vários preceitos legais, nomeadamente, o disposto nos , o disposto nos artigos 97º (à contrario), 131º nº3, ambos do CIRE, arts 5º, nº1 e 2, al. a) b), art. 6º, nº2, 567º nº 1, 607º, nº5, todos do Cód. de Processo Civil e, ainda, arts 604º, nºs 1 e 2, 754º, 759º, nºs 1, 2 e 3, todos do Cód. Civil.
JJ. [Repetido].
KK. Dúvidas não existem ser pacifico na doutrina e jurisprudência que o empreiteiro goza do direito de retenção sempre que está sempre obrigado a entregar uma coisa, resultado da obra realizada e o crédito do preço ainda não resulte de despesas feitas por causa dessa coisa, sejam despesas de construção, de modificação ou de reparação.
LL. O Tribunal à quo considerou como provados todos os factos alegados na impugnação - “(…) os factos alegados na impugnação, que se têm como admitidos por acordo, em face da sua não contestação, estão em consonância com os documentos juntos, inexistindo qualquer elemento nos autos que os infirme (...)” – Trans. Parcial da Sentença que se recorre,
MM. Tendo em conta os factos alegados em ambos os articulados, nomeadamente, os alegados nos arts 2º, 3º, 12º e ss. da Impugnação, bem como os alegados nos arts 1º e ss da reclamação apresentada
NN. Dúvidas não existem de que, conforme supra referenciado a RECORRENTE invocou factos concretos, precisos e demonstrativos da verificação de todos os requisitos do direito de retenção que invocou.
OO. Alegou factos concretos, precisos e que demonstram porque a mesma entrou e se manteve na posse dos imóveis objecto do direito de retenção, porque à data da instauração do processo de insolvência ainda se encontrava na posse dos mesmos e que o crédito que lhe foi reconhecido (EUR. 584.161,27) resultou de prejuízos, danos e despesas feitas por força do contrato de empreitada celebrado.
PP. [Repetido].
QQ. [Repetido].
RR. Mas mesmo que se entendesse, como parece ter feito Tribunal à quo, que a matéria factual invocada para sustentar a qualificação/atribuição de natureza garantida do seu crédito era a que constava apenas e só nos arts 84º e ss. da Impugnação (e arts 71º e ss. da reclamação), o que não se admite, ainda assim a RECORRENTE considera que a decisão deveria ter sido diferente.
SS. Nesses artigos 84º e ss. da Impugnação, a RECORRENTE alega a causa do início da posse dos imóveis em causa - “(…) a celebração do contrato de empreitada.” – Trans. Parcial do art. 87º da impugnação.
TT. Concretizou quais os imóveis em causa “(…) estão descritos sob as verbas nºs 30 a 35 da lista de bens da insolvente.” – Trans. Parcial do art.º 107º da Impugnação apresentada.
UU. Alega de forma clara e precisa porque à data da declaração de insolvência da INSOLVENTE ainda se encontrava na posse dos imóveis em causa.
VV. Nomeadamente, sustenta que a obra nunca foi concluída, por factos imputáveis à insolvente, mais concretamente, os trabalhos não foram concluídos no prazo contratualizado devido, em primeiro lugar, às interrupções e suspensões ordenadas pela insolvente e, posteriormente, devido à resolução com justa causa operada pela RECORRENTE;
WW. Alega que por causa dessa não conclusão dos trabalhos nunca as partes efetuaram a recepção provisória ou definitiva da obra e, consequentemente, nunca devolveu à posse da insolvente a obra (e os imóveis que a compõem)
XX. Alega ainda que durante a execução da obra, bem como durante a suspensão da mesma, e por causa dela, a IMPUGNANTE suportou despesas, tais como, vencimentos de trabalhadores, custos com aquisição e aplicação de materiais em obra, transportes de equipamentos e funcionários de e para a obra, transportes de equipamentos e funcionários da obra para o estaleiro geral da impugnante, seguros, combustíveis, despesas de manutenção, etc.
YY. Sustenta que Resolvido o contrato por incumprimento culposo, a RECORRENTE manteve os imóveis em causa na sua posse e invocou o direito de retenção para não os devolver, nunca tendo renunciado ao mesmo;
ZZ. Sustenta ainda que Em Dezembro de 2016 a obra foi alvo de um roubo, tendo sido roubados bens pertencentes à RECORRENTE, motivo pelo qual a mesma apresentou queixa-crime.
AAA. E alegou, e provou, que O seu crédito reconhecido provém de prejuízos, danos e despesas feitas por força do contrato de empreitada celebrado.
BBB. Salvo melhor opinião, nos arts 84º e ss. da impugnação, a RECORRENTE cumpriu com o disposto no art. 5º do Cód. Civil, pois alegou os factos essenciais à causa de pedir invocada.
CCC. [Repetido],
DDD. Sendo que, salvo melhor opinião, quer a matéria fatual dada por provada, quer a prova produzida, quer a qualificação jurídica dos factos, importavam uma decisão diversa, o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
EEE. [Repetido].
FFF. Mesmo considerando-se que, tal como sustentou o Tribunal à quo, a RECORRENTE não invocou factos consubstanciadores da posse que alega, que de todo se admite, então o Tribunal à quo violou, entre outros, o disposto nos arts 6º, nº2, 411º, 590º, nº 2 al. b) e nº4, todos do CPC (aqui aplicável por força do art. 17º do CIRE).
GGG. Dispõe o art.º 6º, nº 2 do CPC que “(…)”.
HHH. Diz-nos o art.º 590º, nº2 a. b) que, findos os articulados, o Tribunal deverá, sendo caso disso, proferir despacho pré-saneador destonado a (…).
III. Sendo que no nº 4 desse preceito legal vem estipulado que “(…).
JJJ. Salvo melhor opinião, o convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é um dever funcional do Juiz.
KKK. O cumprimento desse dever implica que o tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente e, mais tarde (designadamente na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar essa peça processual.
LLL. Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal à quo violou vários preceitos legais, nomeadamente, o disposto nos arts 6º, nº2, 411º, 590º, nº 2 al. b) e nº4, todos do CPC (aqui aplicável por força do art.º 17º do CIRE),
MMM. Devendo a Sentença ser revogada por Despacho que determine a remessa dos autos a 1ª instância e, consequentemente, ordene a notificação da RECORRENTE para aperfeiçoar a impugnação, suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, o que se requer e invoca para todos os devidos e legais efeitos.
Notificado para o efeito, veio o credor hipotecário, BANCO SANTANDER TOTTA, S.A. apresentar as suas contra-alegações, tendo concluído que a sentença não está ferida de nulidade, que o tribunal definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, descriminando a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, pelo que considera não existir qualquer incongruência dos factos e das provas que possa sustentar a pretendida modificação da sentença recorrida. A resposta do Banco foi subscrita pelo Administrador da Insolvência.
Foi proferido despacho a admitir o recurso interposto como apelação, a subir de imediato nos próprios autos de reclamação de créditos e com efeito devolutivo, refutando ainda o tribunal recorrido que a sentença padeça de quaisquer nulidades, designadamente as mencionadas pela Recorrente, acrescentando ainda que não lhe era exigível que dirigisse convite ao impugnante para alegar a causa de pedir inerente ao pedido de reconhecimento do direito de retenção, para além de não ter sido omitida a obrigação de elencar na sentença os factos alegados na impugnação considerados provados e não provados.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pela recorrente define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, considerando as longas e repetitivas conclusões constantes das alegações recursórias, as questões a dirimir são as seguintes:
- verificar se a sentença impugnada padece de nulidade, quer a prevista na alínea c), do nº 1 do artigo 615º do CPC, (por alegadamente existir contradição e/ou obscuridade nos fundamentos utilizados pelo tribunal a quo para decidir as questões apresentadas de forma diferente), quer a prevista na alínea b) do nº 1, do referido artigo 615º (por alegadamente a decisão recorrida não conter qualquer descrição dos factos provados e não provados, apesar de concluir pela procedência de parte do pedido e pela improcedência de outra);
- caso não ocorra nenhuma das apontadas nulidades, verificar se era exigível ao tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento convidando a impugnante a alegar a causa de pedir inerente ao pedido de reconhecimento do direito de retenção de que pretende beneficiar;
- por fim, verificar se, mesmo assim, os factos alegados pela Recorrente, quer na sua impugnação, quer na reclamação antes deduzida, preenchem todos os requisitos que permitam a qualificação do seu crédito como sendo garantido por direito de retenção sobre os imóveis aprendidos sob as verbas nºs 30 a 35.
3. Para além dos factos vertidos no relatório que antecede e cujo teor aqui se dá por reproduzido, da sentença de verificação e graduação de créditos ficou a constar que haviam sido admitidos por acordo os factos alegados na impugnação. Tais factos, que não foram vertidos na sentença recorrida, são os seguintes:
1) Na sua reclamação de créditos, a IMPUGNANTE requereu o reconhecimento de créditos sobre a Insolvente no montante global de 548.161,27 €.
2) Bem como requereu que o seu crédito fosse reconhecido e graduado com um privilégio imobiliário especial-direito de retenção sobre o terreno, sito no lugar de …, descrito na IQ Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …./160999, e inscrito na matriz sob o artigo rústico, da respectiva freguesia, bem como a todos os lotes que fazem parte da obra e foram desanexados do mesmo, tais como os imóveis descritos na respectiva conservatória sob os nºs …4/20080303, …5/20080303, …6/20080303, …7/20080303, …8/20080303 e …54/160999 e inscritos na matriz urbana, respectivamente, sob os nºs P-…1, P-…2, P-…3, P-…4, P-…5 e …04, todos da freguesia de Freguesia de … (Vila Nova de Gaia)
3) Os imóveis em causa são aqueles que estão descritos sob as verbas nºs 30 a 35 da lista de bens da insolvente.
4) O Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, na sua relação definitiva de créditos, não atendeu às pretensões da IMPUGNANTE, uma vez que não lhe reconheceu o invocado direito de retenção, nem a totalidade do crédito reclamado.
5) No exercício da sua actividade comercial, no dia 19.05.2008 a IMPUGNANTE celebrou um contrato de empreitada com a INSOLVENTE, nos termos do qual se comprometeu a executar “(..) trabalhos de Terraplanagem, Pavimentação, Integração Paisagística e Obras Acessórias, Equipamento de Sinalização e Segurança, Rede de águas Pluviais, Rede de águas Residuais, Rede de Abastecimento de Água, Rede de Abastecimento de Gás, Infraestruturas Elétricas e Infraestruturas Telefónicas, compreendendo a realização de todos os trabalhos preparatórios ou complementares necessários para a boa execução da empreitada, prestação de serviços, fornecimentos de materiais e de equipamentos necessários e indispensáveis à integral execução da empreitada, obedecendo aa disposto nos projectos aprovados pelas respectivas entidades, a todos os normativos e regras de arte aplicáveis e demais documentos patenteados que são do total conhecimento do EMPREITEIRO.”
6) Nos termos convencionados, a obra seria executada pelo preço global de 1,077,369,15 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, sem direito a revisão de preços.
7) Celebrado o contrato, e adjudicada a obra, a IMPUGNANTE foi executando os trabalhos convencionados aquando da adjudicação.
8) Sucede que em 11 de Agosto de 2008 os trabalhos pararam devido a “(...) indefinições de projecto que se encontram em aprovação, e pelo facto de não haver frente de trabalho disponível, (...).”
9) Verificava-se uma situação de revisão do projecto de obra relativamente aos arruamentos A, B e C.
10) Resolvidas as questões, os trabalhos retomaram o seu normal curso em 05 de Marco de 2010.
11) Ressalva-se que durante este tempo, a IMPUGNANTE foi executando algumas tarefas na obra, tais como trabalhos de desmatação e limpeza.
12) Durante o ano 2010 devido a alterações de arquitetura da responsabilidade da INSOLVENTE, foi solicitado à IMPUGNANTE a realização de novos projectos, tendo sido entregues em Agosto de 2010.
13) Com a revisão dos projectos nasceu o novo arruamento designado por D, não previsto no contracto inicial, bem como, outros trabalhos adicionais de betão armado. Deste modo o contrato inicial seria alvo de revisão dando origem ao aditamento do contrato.
14) Posteriormente, em 01 de Outubro de 2010, os trabalhos voltaram a ser novamente suspensos por falta de autorizações legais e administrativas para executar os trabalhos em falta.
15) Sendo que apenas foram retomados em 11 de Maio de 2011, altura em que o Alvará de licença de construção de loteamento foi renovado pelo que a obras puderam reiniciar-se.
16) Entretanto, e porque a insolvente o solicitou, os trabalhos viriam a ser novamente suspensos em Janeiro de 2013, situação que se manteve até Junho de 2016, data em que a IMPUGNANTE resolveu o contrato com justa causa.
17) Ressalva-se que nunca se procedeu à recepção provisória e/ou definitiva da obra, uma vez que os trabalhos não estavam (nem estão concluídos) e foi ordenada a sua suspensão.
18) Ressalva-se ainda que, embora suspensos os trabalhos contratualizados, a IMPUGNANTE foi executando trabalhos de limpeza de obra, desmatação de obra, manutenção e conservação de trabalhos já executados, trabalhos administrativos de contacto com cliente, etc., disponibilizando para o efeito, meios humanos e equipamentos de transporte e de execução dos trabalhos, com os custos daí inerentes.
19) Atentas as boas relações existentes entre as partes, a IMPUGNANTE condescendeu na suspensão dos trabalhos, ficando a aguardar instruções no sentido de retomar a execução dos trabalhos contratualizados, embora sempre salvaguardando a sua posição de recebimento por todos os sobrecustos e prejuízos sofridos com a paralisação dos trabalhos.
20) Tendo em conta o tempo de suspensão decorrido (a obra deveria estar concluída em 02 de Junho de 2009), a situação financeira da INSOLVENTE – que culminou com a apresentação de um PER e posterior rejeição do mesmo –, a posição assumida pela INSOLVENTE no PER, pois no plano apresentado não previa a continuação dos trabalhos, e, principalmente, os prejuízos/despesas suportadas pela IMPUGNANTE com a detenção/posse da obra, procedeu à resolução do contrato de empreitada por factos imputáveis à insolvente, o que fez por carta registada com aviso de recepção remetida em 23 de Junho de 2016.
21) À medida que ia executando os trabalhos, a IMPUGNANTE foi emitindo e entregando as respectivas facturas discriminativas dos trabalhos efetuados.
22) Tendo, entre outras, emitido e entregue a seguinte fatura: nº FT 10/4, datada de 23.01.2013,com vencimento para o dia 24.10.2013, no montante global de 100,914,82 €, fatura essa emitida de acordo com o contratualmente convencionado e execução de parte dos trabalhos, os quais estão devidamente detalhados e descritos no documento anexo à fatura e designado de Auto de medição 08 para cujo conteúdo se remete por uma questão de economia processual.
23) Na execução desses trabalhos, a IMPUGNANTE suportou despesas, nomeadamente, vencimentos de funcionários, pagamento de serviços prestados por subempreiteiros, aquisição e transformação de matérias-primas aplicadas em obra, transporte de equipamentos e funcionários, transportes, seguros, combustíveis, etc.
24) Tais trabalhos, que nunca foram liquidados, ascendem ao valor de capital de 100.914,82 €, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal comercial desde a data de vencimento da fatura e que, à data da apresentação da reclamação de créditos, totalizavam o montante de 27.127,29 €.
25) A situação de incumprimento causou prejuízos à IMPUGNANTE decorrentes da manutenção de estaleiro, trabalhos de conservação, manutenção da obra executada, custos administrativos, custos financeiros, adstrição de melos humanos e equipamentos à obra, perda de lucros, etc.,
26) Entre os serviços contratados as partes convencionaram o fornecimento, montagem e desmontagem de estaleiro de obra incluindo instalações, infraestruturas e suas ligações, equipamentos, pessoal, equipamentos de segurança, fornecimento e aplicação de vedação, placas de obra e limpeza da obra.
27) Estaleiro esse que teria que ser mantido durante o prazo de execução convencionado (12 meses).
28) Tendo em conta os custos de montagem, manutenção e desmontagem do estaleiro, as partes fixaram uma compensação financeira de 20.000,00 €, ou seja, fixaram um custo mensal de 1.666,00 €.
29) Face ao supra descrito quanto ao atraso na execução da obra, a IMPUGNANTE foi obrigada a manter o estaleiro montado, situação que ainda hoje se mantém uma vez que o mesmo ainda não foi desmobilizado.
30) Desde a adjudicação da obra, que a IMPUGNANTE manteve na mesma dois contentores de obra, um para arrumo de ferramentas e outro para escritório de obra, sendo que, em Dezembro de 2016, os que lá tinha foram objecto de roubo.
31) Manteve a obra vedada, o que ainda se mantém.
32) Manteve placas de sinalização de obra, o que ainda se mantém.
33) Procedeu a várias limpezas de obra, nomeadamente, desmantando todo o local de obra ainda não edificado e nos locais também edificados.
34) Procedeu a obras de manutenção do trabalho realizado.
35) Trabalhos esses que, durante o tempo de suspensão, foram feitas duas vezes por ano.
36) Estando prevista a conclusão dos trabalhos para o dia 02.06.2009 e tendo em conta o custo mensal de estaleiro previsto no contrato de 1.666,00 € (20.000,00 euros x 12 meses) e a resolução com justa causa operada em 23.06.2016, a IMPUGNANTE sofreu prejuízos no montante de 141.110,20 €, a título de custos de estaleiro, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos, que à data da apresentação da reclamação, totalizam a quantia de 2.410,08 €.
37) Descontando-se os períodos de suspensão, e não tendo a obra sido ainda concluída, a IMPUGNANTE esteve cerca de 875 dias a executar trabalhos de obra, quando o inicialmente previsto era de 365 dias para a execução de todos os trabalhos contratualizados.
38) O acréscimo de permanência em obra de meios humanos e equipamentos para além do prazo inicialmente previsto implicou um suplemento de encargos indiretos para a IMPUGNANTE não previstos e não cobertos pelo preço contratual.
39) Por outro lado, pelas razões supra descritas, verificou-se um subaproveitamento dos elementos de produção que, em consonância com o plano de trabalhos inicialmente previsto, estavam afectos à execução da obra.
40) De onde resulta um prejuízo pela perda de rendibilidade desses elementos, suportado pela IMPUGNANTE.
41) Para além disso, a delonga na execução dos trabalhos, fez com que aquela se visse impossibilitada de faturar nos prazos contratualizados, impedindo-a de receber os montantes contratualizados nos prazos previstos para fazer face às suas despesas (custos de estrutura).
42) A IMPUGNANTE, fruto do comportamento da insolvente, teve um prejuízo a título de custos indirectos (mão de obra e custos de estrutura) de 201.810,38 €, conforme resulta do cálculo que consta do quadro anexo como doc. 23 à reclamação de créditos apresentada.
43) Ao montante em débito acrescem juros de mora vencidos e vincendos calculados à taxa legal comercial desde a data de resolução até efetivo e integral pagamento e que, à data da apresentação da reclamação de créditos, totalizavam a quantia de 3.292,00 €.
44) Ao não executar a totalidade da obra contratada, a IMPUGNANTE teve prejuízos nomeadamente, teve lucros cessantes com a sua não execução computados no montante de 15% (valor médio do lucro previsto para a obra em causa).
45) Do valor contratualizado, a IMPUGNANTE executou trabalho no montante global de 600.725,80 €, acrescido de IVA.
46) Não tendo a IMPUGNANTE executado trabalhos no montante global de 476.643,30 € (sem IVA), valor que corresponde à subtração do valor global da obra (1.077.369,15 €) ao valor faturado sem IVA (600.725,80 €), a mesma é credora da quantia de 71.496,50 €, a título de lucros cessantes (15% do valor de trabalhos previstos e não realizados).
47) Em Dezembro de 2016, a obra foi alvo de um furto, tendo sido roubados alguns (não todos) dos bens pertencentes à IMPUGNANTE que ainda se encontravam nos imóveis objecto da obra, motivo pelo qual a mesma apresentou queixa-crime, processo esse que, presentemente, está em fase de inquérito a correr termos nos Serviços do Ministério Público-DIAP-12 Secção de Vila Nova de Gaia, sob o n° 1313/17.8 T9VNG.
48) Porque nunca os trabalhos foram concluídos até à resolução, nunca as partes efetuaram uma recepção provisória ou definitiva da obra.
49) Ao resolver o contrato, a IMPUGNANTE informou a insolvente que “(...) não abdicamos de exercer o direito de retenção sobre os imóveis que compõem a obra melhor descritos no contrato de empreitada, até que nos liquidem os trabalhos já realizados e, ainda, todos os custos e prejuízos resultantes do vossa comportamento, razão pela qual apenas entregaremos os mesmos livres desse ónus assim que formos ressarcidos de todos os valores que nos são devidos”.
4. O demais alegado, não reproduzido supra, contém apenas conclusões, alegações de direito e outros considerandos sem qualquer interesse para a apreciação do mérito da impugnação.
5. Face à factualidade descrita cumpre agora responder às questões colocados nas conclusões recursivas, pela ordem antes referida.
5.1. Nas suas alegações de recurso, a Recorrente acusa a sentença de padecer da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por existir “contradição e/ou obscuridade nos fundamentos utilizados pelo tribunal a quo para decidir as questões apresentadas de forma diferente, e que tornam a sentença incompreensível e inexplicável”.
Contudo, tal arguição é de todo infundada, como iremos demonstrar.
Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 615º, nº 1, alínea c) do CPC a sentença é nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Esta nulidade ocorre “quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.”[1] Por outras palavras, existe um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido, enquanto a decisão envereda por caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente.
Contudo, a referida oposição geradora de nulidade da sentença não deve confundir-se com o eventual erro na subsunção dos factos à norma jurídica e, muito menos, com o erro na interpretação desta. Nestas situações, quando o juiz, embora mal, entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, estamos perante erro de julgamento e já não perante oposição geradora de nulidade. Por outras palavras, esta nulidade nasce de um vício lógico na construção da decisão, o que no caso, claramente, não ocorre, como mais à frente analisaremos.
Na verdade, com a referida arguição de nulidade a Recorrente apenas está a afirmar que a factualidade alegada, quer na reclamação, quer na impugnação, dada por assente porque admitidos por acordo, é suficiente também “para justificar/fundamentar a atribuição de natureza garantida do seu crédito, sempre que o mesmo possa fundamentar essa atribuição” (cfr. alínea I. das conclusões). Ou seja, para a Recorrente, se os factos servem para justificar o reconhecimento do seu crédito, também serviriam para o qualificar como garantido por direito de retenção. Contudo, a verificar-se tal suficiência factual, teríamos apenas erro de julgamento de direito em resultado de o juiz decidir em sentido contrário aos dos factos apurados, erro esse que apenas pode ser sindicado em sede de recurso, sem prejuízo do disposto no artigo 616º, nº 2, alínea a) do CPC.
Deste modo, não se verifica a alegada contradição entre a fundamentação e a decisão, geradora de nulidade. Quando muito poderá existir erro de julgamento, o que corresponde também a questão objecto do recurso da Ré, de que se irá conhecer com a última questão colocada pela Recorrente.
5.2. A Recorrente sustenta ainda que a sentença padece da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, por não conter “qualquer descrição dos factos que, quanto a tal, se consideram como provados ou não provados, não obstante concluir pela procedência de uma parte do pedido e improcedência de outra parte do pedido” (cfr. alínea DD. das conclusões).
Por seu lado, o tribunal a quo sustentou que havia respeitado o regime decorrente do artigo 567º do CPC (ex vi artigo 17º do CIRE), ao considerar os factos alegados na impugnação como admitidos por acordo, por falta de resposta, consideração essa que não abrange as alegações conclusivas e de direito, as quais não tinham de figurar como provadas ou não provadas.
Com efeito, segundo a mencionada alínea b) do nº 1 do artigo 615º, a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Esta nulidade resulta da violação por parte do juiz do dever de fundamentar a decisão, constante do artigo 154º do CPC, dever esse que, aliás, também tem consagração constitucional (artigo 205º, nº 1 da CRP). No entanto, como tem sido defendido por muitos, “a falta de fundamentação não deve confundir-se, para efeito de nulidade da sentença ou de despacho, com fundamentação (alegadamente) insuficiente e menos ainda com fundamentação divergente”.[2] E, segundo tem decidido, quase uniformemente, a nossa jurisprudência, apenas a falta absoluta de fundamentação é susceptível de integrar a nulidade da sentença, não sendo suficiente para assim se concluir que a respectiva fundamentação (de facto ou de direito) seja apenas deficiente, incompleta, não convincente.[3]
Compulsada a fundamentação da sentença recorrida, verifica-se que, no que respeita à fundamentação de facto, o tribunal a quo apenas referiu que “os factos alegados na impugnação, que se têm admitidos por acordo, em face da sua não contestação, estão em consonância com os documentos juntos, inexistindo qualquer elemento nos autos que os infirme, e fundamentam a pretensão indemnizatória da impugnante”, mais acrescentando que, “sem embargo, não fundamentam a atribuição de natureza garantida do seu crédito.” Não se dá sequer por reproduzido o que consta do requerimento de impugnação, sendo certo que no relatório da sentença apenas se refere sucintamente que “A 16-10-2017, veio a credora SINOP, S. A., deduzir a sua impugnação requerendo lhe seja reconhecido um crédito no valor global de € 548.161,27, garantido por direito de retenção sobre as verbas 30 a 35 apreendidas para a massa.”
É certo que a impugnação não foi objecto de qualquer resposta, o que legitimava o recurso ao disposto no artigo 567º do CPC (aplicável subsidiariamente à reclamação de créditos, por força do disposto no artigo 17º do CIRE) e designadamente do nº 3, norma que, em causas de manifesta simplicidade, permite que a sentença se possa limitar à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado, dispensando assim o rigor formal imposto pelo art.º 607º, nº 2, 3 e 4 do CPC
Importa, no entanto, ter em conta o disposto no artigo 131º, nº 3 do CIRE. Esta norma, de cuja letra parece resultar que o legislador pretendeu impor um efeito cominatório pleno para a falta de resposta (“sob pena de a impugnação ser julgada procedente”), tem sido objecto de uma interpretação restritiva, “no sentido de consagrar um cominatório semipleno, solução harmónica com a inequívoca natureza e estrutura declarativa do processo de graduação de créditos, com importação da disciplina do processo declarativo comum (cf. art.º 17º do CIRE)”.[4] Quer isto dizer que a falta de resposta à impugnação, apesar de implicar que os factos impugnados se considerem admitidos por acordo, não pode levar à procedência automática da pretensão impugnatória (efeito cominatório pleno). Contrariamente, por força do disposto no artigo 136º do CIRE, deve o tribunal “verificar que factos é que estão provados, nomeadamente por confissão ficta decorrente da não contestação da impugnação e por documentos, aplicando-lhes depois o direito que for devido”.[5]
Para realizar cabalmente tal tarefa, será necessário, tal como determina o artigo 607º, nº 4 do CPC, que, na sentença, se enunciem os factos considerados provados, até porque, certamente, nem toda a matéria alegada na impugnação será facto: poderá ser matéria conclusiva ou alegação de direito, ou, mesmo, sendo factual, ser irrelevante para a apreciação do mérito da causa. Por isso, apesar de a revelia operante levar à confissão tácita ou ficta dos factos alegados pelo autor (ou, no caso de falta de respostas, do impugnante da lista de credores reconhecidos), “mantém-se a necessidade de serem inseridos na fundamentação da sentença os factos provados por acordo das partes, por confissão extrajudicial ou judicial reduzida a escrito ou por prova documental dotada de força plena.”[6]
No caso em apreço, é evidente que a sentença omite em absoluto a descrição dos factos provados. Desta feita, não se pode ter por cumprida a exigida fundamentação sumária do julgado. Consequentemente, inexistindo qualquer fundamentação de facto, a sentença é nula, conforme decorre do citado artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, o que se impõe declarar.
Apesar da nulidade da sentença, ora declarada, cabe ao tribunal de recurso “conhecer do objecto da apelação”, tal como determina o nº 1 do artigo 665º do CPC, suprindo a omissão de que padece a sentença.
Como já se referiu, são de considerar confessados os factos articulados pela impugnante na impugnação que dirigiu contra a lista dos credores reconhecidos. Mas, dos que aí foram vertidos, nem todos devem integrar os factos provados para efeito da apreciação do mérito da impugnação. Como é do conhecimento geral, os factos respeitam à ocorrência de acontecimentos históricos, afastando-se de tal qualificação os juízos de natureza valorativa, que comportam antes conclusões sobre factos. Daí que, os factos juridicamente relevantes donde emerge o direito que a impugnante invoca são os que supra se elencaram sob o nº 3.
5.3. Apesar de a Recorrente considerar que havia alegado os factos essenciais à causa de pedir, o tribunal a quo entendeu que não havia invocado os factos consubstanciadores da posse que alegou. Nesse caso, segundo a Recorrente, deveria tê-la convidado a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. Ao não formular tal convite, conclui a Recorrente que o tribunal a quo violou o disposto nos artigos 6º, nº 2, 411º, 590º, nº 2, alínea b) e nº 4 todos do CPC, aplicáveis por força do disposto no artigo 17º do CIRE.
Cremos, no entanto, que o cumprimento desse dever funcional do juiz não se colocava na situação dos autos.
É certo que está prevista na tramitação do processo comum de declaração a possibilidade de o juiz proferir despacho pré-saneador designadamente para convidar qualquer das partes a aperfeiçoar ou corrigir os articulados (artigo 590º, nº 2, alínea b) do CPC). Trata-se da manifestação de “um verdadeiro dever legal do juiz (despacho de aperfeiçoamento vinculado), no sentido de identificar os aspectos merecedores de correção. Não se trata, como é óbvio, de salvar petições afetadas por ineptidão resultante da falta ou da ininteligibilidade da causa de pedir (art.º 186º), mas apenas de corrigir articulados que, cumprindo os requisitos mínimos, se revelem, contudo, insuficientes, deficientes ou imprecisos em termos de fundamentação da pretensão (…).”[7][8] Daí que o convite ao aperfeiçoamento se destine a completar ou corrigir o conjunto dos factos já descritos nos autos. Permitir mais do que isso, resultaria na apresentação de um novo quadro fáctico até então inexistente ou de todo imperceptível, o que, desde logo, o nº 6 do artigo 590º do CPC impede.
Assim, findos os articulados, caso o juiz tivesse detectado na petição inicial que não haviam sido alegados os factos consubstanciadores da posse fundamentadora da pretensão formulada, tinha o dever de proferir despacho de aperfeiçoamento a convidar o autor a alegar os factos que concretizassem o exercício do poder de facto sobre a coisa.
Só que a tramitação do incidente de impugnação da lista dos credores reconhecidos e não reconhecidos tem um regime próprio que consta dos artigos 130 e ss. do CIRE. Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 136º do CIRE, após a junção do parecer da comissão de credores ou depois de ter decorrido o prazo legalmente previsto para esse efeito, no caso de ter havido impugnação e respostas, o juiz pode marcar uma tentativa de conciliação, a realizar no prazo de 10 dias, para a qual convocará “todos os que tenham apresentado impugnações e respostas, a comissão de credores e o administrador da insolvência” (artigo 136º, nº 1), na qual serão “considerados reconhecidos os créditos que mereçam a aprovação de todos os presentes e nos precisos termos em que o forem” (artigo 136º, nº 2). Concluída a tentativa de conciliação, “o processo é imediatamente concluso ao juiz, para que seja proferido despacho, nos termos previstos nos artigos 595º e 596º do Código de Processo Civil”. Ou seja, concluído o processo, deve o juiz proferir despacho saneador, seguido de despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova (artigo 136º, nº 3), podendo “o juiz, com valor de sentença, considerar imediatamente reconhecidos no despacho saneador os créditos que, por carecerem de produção de prova adicional, possam sê-lo em função dos elementos de prova já constantes dos autos, procedendo, nesse caso, à respectiva graduação.”[9]
Não há, pois, lugar à prolação de despacho pré-saneador com as finalidades previstas no nº 2 do artigo 590º do CPC, uma vez que, terminados os articulados, segue-se o despacho saneador, o qual poderá quando muito ser antecedido por uma tentativa de conciliação.[10] Acresce que, como já decidido por esta Relação, o apenso da verificação e graduação de créditos em insolvência não se encontra abrangido pelo disposto no artigo 11º do CIRE, ou seja, não vigora o princípio do inquisitório, aplicando-se antes, nos termos do disposto no artigo 17º do CIRE, a regra geral do CPC de que rege o princípio do dispositivo quanto aos factos e o princípio do inquisitório quanto à prova (artigo 5º do CPC).[11]
De todo o modo, cremos que a impugnante alegou factos (residuais é certo) consubstanciadores da sua alegada posse, como mais à frente iremos demonstrar.
Assim, pelas razões expostas, não se mostram violados os preceitos do CPC referidos nas alegações de recurso.
5.4. Face à matéria de facto dada como provada, cumpre agora verificar se o crédito reclamado pela Recorrente goza do direito de retenção a incidir sobre os imóveis aprendidos sob as verbas nºs 30 a 35.
Ficou provado que a ora Recorrente contratou com a insolvente, em regime de empreitada, a execução de diversas obras (terraplanagem, pavimentação, integração paisagística e obras acessórias, equipamentos de sinalização e segurança, rede de águas pluviais, rede de águas residuais, rede de abastecimento de água, rede de abastecimento de gás, infraestruturas eléctricas e infraestruturas telefónicas) nos imóveis que compõem o terreno, sito no lugar de …, descrito na IQ Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …./160999, e inscrito na matriz sob o artigo rústico, da respectiva freguesia, bem como a todos os lotes que fazem parte da obra e foram desanexados do mesmo, tais como os imóveis descritos na respectiva conservatória sob os nºs …4/20080303, …5/20080303, ..6/20080303, …7/20080303, …8/20080303 e …54/160999 e inscritos na matriz urbana, respectivamente, sob os nºs P-…1, P-…2, P-…3, P-…4, P-..5 e …04, todos da freguesia de … (Vila Nova de Gaia), pelo preço global € 1.077.369,15, obras que esta não lhe pagou. As referidas obras, que não foram concluídas, estiveram suspensas, tendo a ora Recorrente resolvido o contrato de empreitada por incumprimento culposo do dono da obra. Ficou ainda provado que, desde a adjudicação da obra, manteve na mesma dois contentores de obra, um para arrumo de ferramentas e outro para escritório de obra, sendo que, em Dezembro de 2016, os que lá tinha foram objecto de roubo; manteve a obra vedada, o que ainda se mantém; manteve placas de sinalização de obra, o que ainda se mantém; procedeu a várias limpezas de obra, nomeadamente, desmantando todo o local de obra ainda não edificado e nos locais também edificados; procedeu a obras de manutenção do trabalho realizado.
Ora, cremos que a factualidade dada por assente preenche todos os requisitos previstos no artigo 754º do Código Civil para se concluir que a ora Recorrente goza do direito de retenção sobre os referidos imóveis que compõem as verbas nºs 30 a 35 do auto de apreensão. Trata-se de um direito real de garantia que decorre diretamente da lei, surgindo sem necessidade de prévia declaração judicial nesse sentido, e com eficácia erga omnes, permitindo ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objeto, com prioridade sobre os credores restantes, designadamente sobre outros credores que gozem de hipoteca mesmo que esta tenha sido registada anteriormente.[12]
Com efeito, segundo aquele preceito, o exercício do direito de retenção demanda os seguintes pressupostos: a existência de uma detenção lícita de uma coisa (posse propriamente dita, detenção ou posse precária); o retentor há-de ser titular de um crédito exigível, certo e liquidável; existência de uma conexão entre o crédito do retentor e coisa retida.[13]
É certo que uma das questões que mais polémica suscitou relativamente ao direito de retenção foi a de saber se o empreiteiro poderia lançar mão desta garantia real para obter o pagamento do preço estipulado no contrato.[14] Mas, como a resposta dada pela doutrina e pela jurisprudência foi claramente positiva, pode-se dizer que a polémica se encontra praticamente encerrada. Como se tem afirmado, “a ausência de relação de interdependência ou correspectividade entre as prestações não implica que o devedor não possa recusar licitamente a entrega da obra, porque a circunstância de ambos os créditos terem origem no mesmo contrato não impede, per si, que entre eles interceda uma relação de conexão material, desde que na coisa cuja entrega seja devida tenham sido realizadas despesas que devam ser restituídas ao devedor da entrega pelo credor da mesma. A identidade de origem dos créditos não preclude, por conseguinte, a existência de um direito de retenção a favor do empreiteiro, enquanto este não for ressarcido do valor das despesas realizadas para execução da obra, ainda que o direito de retenção acabe por garantir um crédito emergente do contrato.”[15]
Podemos, pois, afirmar que o empreiteiro tem um direito de retenção da obra que lhe atribui o direito a ser pago com preferência pelo valor dela.[16]
De acordo com a sentença recorrida, a pretendida qualificação do crédito da ora Recorrente como garantido por direito de retenção não procedeu, em razão de não ter sido alegado, quer na reclamação de créditos, quer na impugnação, “qualquer facto consubstanciador da posse que alega”, tratando-se antes de uma “alegação genérica e abstrata”, em vez de “concretizada através da alegação da necessária factualidade consubstanciadora e densificadora de tal conceito, para efeitos de enquadramento no artigo 754º do Código Civil”.
Com efeito, o exercício do direito de retenção está dependente, desde logo, da detenção lícita de uma coisa, sendo necessário deter para posteriormente poder reter. Essa detenção implica que o agente tenha um poder de facto sobre a coisa que pretende reter, não sendo, contudo, necessário que esse poder de facto consubstancie uma situação de posse. Exige-se que o agente detenha a coisa para que o direito se constitua, mas também que mantenha esse poder material sobre a coisa retida para que aquele não se extinga (artigo 761º do Código Civil).[17] Esse controlo de facto da coisa por parte do credor detentor pode ser exercido directamente ou através ou através de um “representante”, excluindo o devedor desse controlo material da coisa.[18]
Cremos que esse poder material sobre a coisa exigido para a constituição do direito de retenção se mostra provado tendo em conta o que acima se deixou dito. Na verdade, está assente que a Recorrente colocou e manteve no local dois contentores, manteve a obra vedada, placas de sinalização de obra, procedeu a várias limpezas de obra, nomeadamente, desmantando todo o local de obra ainda não edificado e nos locais também edificados e procedeu a obras de manutenção do trabalho realizado, o que se manteve mesmo após a resolução do contrato por parte da Recorrente, que ainda não entregou a obra, sendo certo que esses actos foram praticados em resultado de lhe ter sido adjudicada a obra que foi objecto do contrato de empreitada celebrado entre a Recorrente e a insolvente. No nosso entendimento, a prática desses factos é suficiente para assegurar a publicidade necessária à constituição e manutenção do direito de retenção.
Ficou ainda provado que a Recorrente é titular de um crédito certo e exigível em relação à insolvente, em resultado de esta ter incumprido o contrato de empreitada entre ambas celebrado, existindo, assim, uma conexão entre o crédito do retentor e a coisa retida.
Em suma, mostrando-se preenchidos todos os pressupostos previstos no artigo 754º do Código Civil, podemos afirmar que a ora Recorrente goza do direito de retenção a incidir sobre os imóveis que compõem o terreno, sito no lugar de …, descrito na IQ Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …/160999, e inscrito na matriz sob o artigo rústico, da respectiva freguesia, bem como a todos os lotes que fazem parte da obra e foram desanexados do mesmo, tais como os imóveis descritos na respectiva conservatória sob os nºs …4/20080303, …5/20080303, …6/20080303, …7/20080303, …8/20080303 e …54/160999 e inscritos na matriz urbana, respectivamente, sob os nºs P-…1, P-…2, P-…3, P-…4, P-…5 e …04, todos da freguesia de Freguesia de … (Vila Nova de Gaia) e que constituem as verbas nºs 30 a 35 do auto de apreensão de bens imóveis junto a 19/10/2016 no apenso C.
5.5. Assim, relativamente à graduação especial, quanto às verbas nºs 30 a 35, é preciso ter em conta que o direito de retenção, enquanto direito real, é oponível a terceiros e prevalece sobre todos os direitos reais que vierem a ser adquiridos após a sua constituição. E, recaindo sobre imóveis, como é o caso dos autos, esta oponibilidade sai reforçada porque aí o direito de retenção prevalece também sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada (artigo 759º, nº 2 do Código Civil).
Impõe-se, assim, a alteração da sentença recorrida, de forma a colocar o crédito garantido da Recorrente no lugar da graduação que lhe compete.
6. Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a presente apelação e, em consequentemente, alterar a sentença de verificação e graduação de créditos, nos seguintes termos:
a) verificar o crédito da sociedade SINOP, S.A. como garantido por direito de retenção a incidir sobre os imóveis que compõem o terreno, sito no lugar de …, descrito na IQ Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº …/160999, e inscrito na matriz sob o artigo rústico, da respectiva freguesia, bem como a todos os lotes que fazem parte da obra e foram desanexados do mesmo, tais como os imóveis descritos na respectiva conservatória sob os nºs …4/20080303, …5/20080303, …6/20080303, …7/20080303, …8/20080303 e …54/160999 e inscritos na matriz urbana, respectivamente, sob os nºs P-…1, P-…2, P-…3, P-…4, P-…5 e …04, todos da freguesia de Freguesia de … (Vila Nova de Gaia) e que constituem as verbas nºs 30 a 35 do auto de apreensão de bens imóveis junto a 19/10/2016 no apenso C.
b) graduar os créditos pelo produto da venda das verbas nº 30, pela seguinte ordem:
1º crédito de IMI: Estado Português - € 1.504,74 (garantido/IMI)
2º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
3º Banco Santander Totta, S.A. - € 26.498.079,10 (garantido/hipoteca);
4º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC);
5º rateadamente, créditos comuns;
b) graduar os créditos pelo produto da venda da verba nº 31, pela seguinte ordem:
1º crédito de IMI: Estado Português - € 1.679,01 (garantido/IMI);
2º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
3º crédito garantido/hipoteca: Banco Santander Totta, S.A. - € 26.498.079,10 (garantido/hipoteca);
4º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC);
5º rateadamente, créditos comuns;
c) graduar os créditos pelo produto da venda da verba nº 32, pela seguinte ordem:
1º crédito de IMI: Estado Português - € 1.713,11 (garantido/IMI);
2º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
3º crédito garantido/hipoteca: Banco Santander Totta, S.A. - € 26.498.079,10 (garantido/hipoteca);
4º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC); e
5º rateadamente, créditos comuns;
d) graduar os créditos pelo produto da venda da verba nº 33, pela seguinte ordem:
1º crédito de IMI: Estado Português - € 1.672,13 (garantido/IMI);
2º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
3º crédito garantido/hipoteca: Banco Santander Totta, S.A. - € 26.498.079,10 (garantido/hipoteca);
4º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC); e
5º rateadamente, créditos comuns:
e) graduar os créditos pelo produto da venda da verba nº 34, pela seguinte ordem:
1º rateadamente, créditos de IMI e Imposto de Selo: Estado Português: € 2.457,31 (garantido/IMI) e € 7.131,07 (garantido/Imposto Selo);
2º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
3º crédito garantido/hipoteca: Banco Santander Totta, S.A. - € 26.498.079,10 (garantido/hipoteca);
4º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC); e
5º rateadamente, créditos comuns;
f) graduar os créditos pelo produto da venda da verba nº 35, pela seguinte ordem:
1º SINOP, S.A. € 548.161,27 (garantido/direito de retenção);
2º crédito privilegiado/IRC: Estado Português - € 15.696,45 (privilegiado/IRC); e
3º rateadamente, créditos comuns.
g) no mais, mantém-se na íntegra a graduação constante da sentença.
*
Custas da apelação a cargo do Recorrido.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2024
Nuno Teixeira
Paula Cardoso
Manuela Espadaneira Lopes
____________________________________________________ [1] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2020, pág. 763.
[2] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume I, pág. 199.
[3] Cfr. neste sentido, ANTUNES VARELA [et all.], Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 669; ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit, anotação 10 ao artigo 615º, pág. 763; LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 703.
Na jurisprudência ver, Acs. do STJ de 10/05/2021 (proc. 3701/18.3T8VNG.P1.S1), do TRL de 20/02/2018 (proc. 2163/06.2YXLSB-B.L1-1), do TRP de 11/01/2021 (proc. 2979/10.5TMPRT-A.P1), do TRC de 05/06/2018 (4084/14.6T8CBR-D.C1), do TRE de 05/05/2022 (proc. 101/20.9T8PSR-C.E1) e do TRG de 05/05/2022 (proc. 37/11.4TBBGC-J.G1), mencionando apenas os mais recentes. Contrariamente, no sentido de que a falta de fundamentação não tem de ser total, cfr. TRG, Ac. de 18/01/2018 (proc. 75/16.0T8VRL.G1) e TRC, Ac. de 17/04/2012 (proc. 1483/09.9TBTMR.C1), disponíveis em www.dgsi.pt como todos os demais que, posteriormente, vierem a ser citados sem indicação de outra referência.
[4] Cf. TRC, Ac. de 28/04/2015 (proc.1642/10.1TBVIS-D.C1).
[5] Cf. STJ, Ac. de 05/04/2022 (proc. 2115/19.2T8STS-E.P1.S1). No mesmo sentido, ver ainda STJ, Ac. de 23/10/2018 (proc. 650/12.TBCLD-B.C1.S1).
[6] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 745.
[7] Cf. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e PIRES DE SOUSA, Ob. Cit., pág. 703. [8] Ainda na vigência do CPC anterior à reforma de 2013, ABRANTES GERALDES dava como exemplo de petição a ser objecto de correcção aquela em que “o autor usasse de expressões que tinham aí um significado puramente técnico-jurídico, sem acompanhar tal alegação dos factos concretos que lhes estivessem subjacentes e que possibilitassem a sua integração na especificação ou no questionário” (cf. Temas da Reforma do Processo Civil. 1 – Princípios Fundamentais. 2 – Fase Inicial do Processo Declarativo, Coimbra, 1997, pág. 242).
[9] Cf. MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, 2023, pág. 486.
[10] Já antes das alterações ao CIRE levadas a cabo pela Lei nº 79/2017, de 30 de Junho CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª Edição, Lisboa, 2008, pág. 468, davam a entender que excluíam a prolação de um eventual despacho pré-saneador, na medida em que, sendo a lei omissa, “devem considerar-se aplicáveis todas as regras subsequentes ao proferimento do despacho saneador em processo comum ordinário até à realização da audiência de julgamento, com as especialidades dos artigos 137º e 138º (…)”.
[11] Cf. TRL, Ac. de 18/12/2019 (proc. 1240/16.6T8FNC-E.L1-1). Ver no mesmo sentido, TRP, Ac. de 28/03/2012 (proc. 2384/08.3TBSTS-AG.P1).
[12] Cfr. STJ, Ac. de 16/05/2019 (proc. 61/11.7TBAVV-B.G1.S1), publicado em www.dgsi.pt/jstj.
[13] Cfr. JÚLIO GOMES, Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz...), in Cadernos de Direito Privado, nº 11, Julho/Setembro 2005, pp. 3-25.
[14] PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª Edição, 1987, pp. 875 e 876 (entendimento seguido nos Acs. TRL 05/06/1984 e STJ 08/04/1987) defendiam que o empreiteiro não goza de direito de retenção da obra, enquanto não tiver sido pago o preço da empreitada, em virtude de o crédito do empreiteiro ter por objecto o preço devido pela realização da obra e este não poder, por esse motivo, ser considerado uma despesa realizada por causa da coisa. Em sentido contrário vd. VAZ SERRA, “Direito de Retenção”, BMJ, nº 65, 1957, pág. 139; GALVÃO TELLES, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, O Direito, ano 106-119, 1974-1987, pp. 22 e 23; ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2001, pp. 377-378; e, PESTANA DE VASCONCELOS, Direito das Garantias, 2ª Edição, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 318-319. [15] Cf. ANA TAVEIRA DA FONSECA, in Comentário ao Código Civil: Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral [coord. de BRANDÃO PROENÇA], Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, anotação III ao art. 754º, pp. 1007-1008.
[16] Segundo o Ac. do STJ de 16/05/2019 (proc. 61/11.7TBAVV-B.G1.S1) “o artigo 754º do Código Civil, concede ao empreiteiro o direito de retenção do objeto da empreitada enquanto o dono da obra não pagar o preço da obra, quer esta tenha sido acabada, quer não, e, consequentemente, o art. 759º, nº 2 do mesmo código, atribui a este direito real de garantia prevalência sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, introduzindo, deste modo, uma exceção quer à hierarquia dos credores, quer ao princípio da prioridade de registo.” No mesmo sentido vd. TRE, Ac. de 24/05/2018 (proc. 134/15.7T8TVR.E1), TRL, Ac. 10/05/2018 (proc. 1159/11.7TYLSB-B.L1) e TRP, Ac. 23/04/2020 (proc. 554/10.3TYVNG-C.P1).
[17] Cf. ANA TAVEIRA DA FONSECA, Comentário ao Código Civil, Anotação 4 ao artigo 756º, pág. 1014.