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INJUNÇÃO
OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA
CONTRATO DE CRÉDITO
RESOLUÇÃO
PERSI
Sumário
Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – O procedimento de injunção previsto no artigo 7º do Dl 269/98, de 01-09, bem como a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias em que é suscetível de se transmutar, deve ter por objeto obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior a € 15.000,00. II – Para tal efeito, devem qualificar-se como obrigações pecuniárias as que emergem diretamente do contrato, e não as que têm por fonte a responsabilidade civil contratual. III – Integrando o objeto do litígio a responsabilidade dos réus inerente a cláusula penal convencionada em contrato de mútuo, nessa parte, a fonte da obrigação identifica-se com a responsabilidade civil contratual e não com o incumprimento de obrigação pecuniária que legitime o recurso ao procedimento de injunção. VI – Relativamente a contrato de crédito que foi objeto de resolução anteriormente à entrada em vigor do Dl 272/2012, de 25/10 não opera a exigência de integração no processo de regularização ali previsto (PERSI) como condição de admissibilidade da ação declarativa ou executiva.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I - RELATÓRIO
1.1– A autora, Cofidis, identificada nos autos, apresentou em 23-02-2023 no Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção contra os réus A e B, solicitando a concessão de força executiva ao seu requerimento, pelo qual solicitou a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 8.956,92, a título de “dívida principal”, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento do capital, tendo contabilizado os primeiros no montante de € 29,84, e ainda no valor de € 153,00 relativo a taxa de justiça.
Fundamentando tal pedido, alegou a autora:
- Ter celebrado com os réus um contrato de mútuo, pelo qual lhes disponibilizou, através de crédito na respetiva conta corrente, a quantia de € 15.000,00, que não foi por eles integralmente restituída, no prazo e termos contratualizados;
- Descrevendo os pagamentos efetuados pelos réus, alegou a autora:
. “Em 1 de junho de 2012, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga, sendo que nos meses de abril e maio desse ano, os Requeridos apenas pagaram a importância de € 225,00 em cada mês. Nos meses seguintes - junho a dezembro 2012 – os Requeridos não efetuaram qualquer pagamento. . Nos anos seguintes efetuaram pagamentos à Requerente como segue: 2013 – março (€ 10,00); maio (€ 70,00); junho (€ 30,00). Pagaram € 50,00 em cada um dos restantes meses; 2014 – Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção do mês de fevereiro, em que nada pagaram; 2015- Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção dos meses de abril, julho e novembro, em que nada pagaram; 2016 – Efetuaram 13 pagamentos de € 50,00 cada um, dois deles no mês de abril; 2017 - Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção dos meses de junho, agosto, setembro e outubro, em que pagaram € 55,00 em cada um; 2018 - Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção dos meses de julho, novembro e dezembro, em que pagaram € 55,00 em cada um; 2019 – Neste ano efetuaram 13 pagamentos, dois deles no mês de julho no valor de € 60,00 cada um; Em março, abril, maio, junho e dezembro fizeram um pagamento no valor de € 60,00 em cada um desses meses; em janeiro, setembro e outubro fizeram 3 pagamentos de € 55,00 cada um; Em fevereiro, agosto e novembro fizeram 3 pagamentos de € 50,00 cada um; 2020 - Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção dos meses de janeiro, fevereiro, março, junho, julho e agosto, em que pagaram € 55,00 em cada um; 2021 - Pagaram € 50,00 em cada um dos meses; 2022 - Pagaram € 50,00 em cada um dos meses, com exceção dos meses de novembro e dezembro, em que pagaram € 55,00 em cada um (…) Desde essa data que os Requeridos não mais concretizaram qualquer pagamento à Requerente. (…) Nada mais pagou, desde então, até à presente data, não obstante as inúmeras interpelações efetuadas pela credora Cofidis, por carta, contacto pessoal, contacto telefónico, etc (…) A Requerente procedeu à abertura e tramitação de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), tendo sido encerrado por frustração das tentativas de negociação, encetadas pela Requerente, para pôr fim à situação de incumprimento do(s) Requerido(s). (…) Em 28 de DEZEMBRO de 2012, por iniciativa do credor, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do devedor (…) A quantia total em dívida ascende a € 8 986,76. (…) A este montante deverão acrescer os juros moratórios vincendos, que deverão ser calculados até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 15,20%/ano, bem como os compulsórios à taxa de 5,00%/ano.”
1.2 – Os réus deduziram oposição, tendo arguido a exceção de prescrição, considerando, para tanto, que desde o prazo de vencimento do crédito indicado pela autora (28-12-2012) já decorreu o prazo de 5 anos previsto nas alíneas d) e e) do artigo 310º, CC.
1.3 – Em 27-11-2023 foi proferido despacho que convidou a autora a exercer contraditório sobre a defesa por exceção apresentada pelos réus e ainda: “(i) Atendendo a que poderá verificar-se uma exceção de uso indevido do procedimento de injunção, deverá a autora esclarecer a que título (fonte jurídica) peticiona a taxa de juro (vincendo) de 15,20% após a data da resolução; (ii) Deverá alegar se e de que forma foi dado cumprimento à obrigação de integração dos réus no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no DL nº 227/2012, de 25 de outubro, juntando ou requerendo a respetiva prova da comunicação de integração no PERSI e da sua extinção.”
1.4 – Respondendo a tal convite, a autora apresentou articulado, no qual confirmou a celebração do contrato de mútuo, bem como os pagamentos invocados no requerimento de injunção, alegando designadamente: “(…) 13. No âmbito do contrato em apreço, a cláusula 10.ª do contrato prevê as consequências, em caso de mora, no cumprimento das obrigações emergentes do contrato. 14. Importa ainda referir que, quanto ao contrato em análise, foi expressamente convencionado, e ao abrigo do princípio da liberdade contratual, - nesse sentido cfr. cláusula 10.ª das condições gerais - que “Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade de 4% sobre cada uma das prestações em mora (…),” sendo que, “Mantendo-se o incumprimento, a COFIDIS pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida 15. Nesses termos, a autora dirigiu carta aos Réus, para a morada constante no contrato, datada de 12 de dezembro de 2012, interpelando-os para o pagamento, no prazo de 15 (quinze) dias, do montante então em dívida, ou seja, 1 706,04€ (mil setecentos e seis euros e quatro cêntimos), sem necessidade de qualquer outra comunicação ou interpelação para esse efeito (cfr. documento n.º 7, que adiante se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido). 16. Não obstante interpelados para o efeito, e decorrido o prazo concedido, certo é que os Réus não procederam à regularização do valor em dívida. 17. Assim sendo, em 28 de dezembro de 2012, por iniciativa do credor, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo - nesse sentido, artigo 9.º do procedimento de injunção (cfr. documento n.º 8, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido). 18. Acontece que, tal como referido no artigo 5.º do requerimento de injunção, facto não impugnado pelos réus, após a resolução do contrato, mais concretamente entre 27/03/2013 e 02/12/2022, estes últimos procederam a pagamentos voluntários no âmbito do contrato em apreço. 19. Pagamentos estes que foram realizados regularmente, e por um período de cerca de 9 (nove) ano e 9 (nove) meses após a resolução do contrato. 20. Assim sendo, e relativamente à prescrição do crédito tal como invocado pelos Réus, entende a Autora também não lhe atender qualquer razão.”.
Concluiu a autora que os pagamentos adicionais efetuados pelos réus depois da resolução do contrato consubstanciam um reconhecimento do direito de crédito em discussão nos autos, constituindo fundamento da interrupção da prescrição.
A autora juntou a tal articulado o contrato de mútuo celebrado com os réus, extrato de pagamentos e várias cartas que alegou ter remetido à ré.
2. Foi, de seguida, proferida decisão, na qual, além do mais, se consignou: “I. Da exceção dilatória inominada de uso indevido do procedimento de injunção: A autora apresentou requerimento de injunção, peticionando a condenação dos réus a pagar-lhe €8.986,76 invocando a celebração de um contrato de mútuo com aqueles, no âmbito do qual os segundos incumpriram as obrigações contratuais a que se vincularam. Invoca, ademais, no requerimento inicial que o valor devido ascende a «8956,92 € (oito mil e novecentos e cinquenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), acrescido de juros de mora, contados desde 1 de JANEIRO de 2023 à taxa anual de 15,20%, por ser a que vigorava no momento da resolução do contrato, que nesta data ascendem a € 29,84; (…) A este montante deverão acrescer os juros moratórios vincendos, que deverão ser calculados até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 15,20%/ano». Juntou o contrato, onde consta, na cláusula 10.2 epigrafada «incumprimento e resolução do contrato» que «(…) a Cofidis pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos) sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida. Caso a Cofidis resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidade devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal». Notificada para esclarecer o fundamento contratual da taxa de juro de 15,20%, peticionada após a resolução do contrato, nada disse sobre o assunto, apenas se podendo extrair, do requerimento de 12-12-2023, que sustenta o montante peticionado na cláusula 10.2. já transcrita (cf. art. 14.º). (…) Sem prejuízo de não se compreender a que título sustenta a aplicação de uma taxa de juro de 15,20%/ano após a resolução, o que é certo é que, para tanto, a autora invoca a cláusula do art. 10.2. (cf. requerimento de 12-12-2023), onde se prevê a obrigação de pagar o valor de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal. Esta obrigação não pode, evidentemente, ser lida como obrigação principal, que decorre do sinalagma contratual. Por outro lado, resolvido o contrato, inexiste qualquer fundamento para o pagamento do preço (juro remuneratório) da cedência do capital num determinado período de tempo, por aquela prestação (de ceder o capital) se ter extinguido – cf. arts. 433.º e 434.º, n.º 2 do CC. Assim, apesar de recorrer ao símbolo «juro», o que constitui um acaso semântico, não pode, por isso, também ser lida como obrigação principal, que decorre do sinalagma contratual. De facto, não há dúvida de que a cláusula em questão tem natureza indemnizatória, desde logo do ponto de vista literal. Por outro lado, é isso que decorre da lógica intra-sistemática do contrato, designadamente a sua conexão com o montante em débito e, bem assim, o facto de, na prática, constituir uma indemnização para ressarcir a instituição de crédito do tempo em que se vê privada do valor devido. Aquela não se confunde, assim, com a remuneração do capital nem com juros de mora legais; sendo uma disposição acessória que visa compelir ao cumprimento/indemnizar o credor. (…) Face ao exposto, torna-se evidente que a autora, para além do pagamento da remuneração do mútuo que alega ter celebrado, peticiona uma indemnização pelo incumprimento (penalidade contratual e juros remuneratórios da cedência do capital num período de tempo que ainda não decorreu). Ora, como já referido, o procedimento de injunção não tem a virtualidade de servir para exigir obrigações pecuniárias resultantes da responsabilidade civil contratual ou que não encontrem no sinalagma contratual qualquer sustentação. Consequentemente, não poderia a autora recorrer ao procedimento especial de injunção para obter a cobrança das referidas quantias. (…) Daqui resulta que a autora fez um uso indevido do recurso ao procedimento de injunção, o qual implica o indeferimento liminar do requerimento de injunção/a extinção da instância por verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso insuprível (cf. arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), todos do CPC) (…) Da exceção dilatória de inominada decorrente do art. 18.º, n.º n.º 1, alínea b) do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro: i. Síntese factual: No requerimento inicial, alega a autora, de forma conclusiva, que «procedeu à abertura e tramitação de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), tendo sido encerrado por frustração das tentativas de negociação» Convidada a autora a informar se e de que forma foi dado cumprimento à obrigação de integração dos réus no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), previsto no DL nº 227/2012, de 25 de outubro, juntando ou requerendo a respetiva prova, a mesma nada disse sobre essa matéria (cf. requerimento de 12-12-2023). (…) Atento o exposto, não podendo concluir-se pelo cumprimento do regime em causa, verifica-se uma exceção dilatória inominada decorrente do art. 18.º n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro - a qual implica o indeferimento liminar do requerimento de injunção/a extinção da instância por verificação de uma exceção dilatória de conhecimento oficioso insuprível (cf. arts. 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), todos do CPC). (…) Nestes termos, e ao abrigo das citadas disposições legais, julgam-se verificadas as exceções enunciadas, em consequência: (i) Absolvem-se os Réus A. e B.da instância; (i) Condena-se a Autora COFIDIS em custas. Registe e notifique.”
3. Não se conformando com tal decisão, a autora da mesma interpôs recurso, autuado neste Tribunal da Relação de Lisboa em 6-11-2024, pugnando pela sua revogação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “I. Foi a ação julgada improcedente tendo, em consequência, absolvido os Réus da instância. II. Justificando a decisão com base na exceção dilatória de uso indevido de procedimento de injunção, bem como pela verificação da exceção dilatória inominada, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro. III. A sentença posta em crise enferma de um conjunto de ilegalidades que prejudicam a sua validade. IV. Relativamente à alegada exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção, alega ainda o Tribunal a quo que a ora recorrente não deveria ter feito uso daquele procedimento, uma vez que está, através dele, a pedir a condenação dos Réus ao pagamento de numa indemnização, a título de cláusula penal. V. Em momento algum a Recorrente solicitou, tanto no procedimento de injunção, como no requerimento de resposta às exceções, a condenação dos Réus ao pagamento de qualquer indemnização a título de cláusula penal. VI. Aliás, no procedimento de injunção (documento junto aos autos com a referência 35927277), requereu, apenas, o pagamento dos valores vencidos e não pagos, existentes por via do incumprimento. VII. Nomeadamente, a título de capital (8 956,92 €), juros moratórios (29,84 €), e a despesa com a taxa de justiça paga pela entrada do respetivo procedimento (153,00 €). VIII. Cumprindo, por isso, criteriosamente, a forma e o conteúdo previsto pelo artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro. IX. Não é pelo simples facto de constar previsto no contrato o pagamento de uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal, que, por si só se poderá concluir que a recorrente, naquele procedimento estava a requerer a condenação ao pagamento de tal quantia. X. Quando, reitera-se, em momento algum, tanto no requerimento de injunção, bem como no requerimento de resposta às exceções, o fez! XI. Acresce também o facto de os réus, após resolução do contrato, terem realizado pagamentos voluntários, durante um período de cerca de 9 anos e 9 meses. XII. O valor de tais pagamentos foi, devidamente imputado, pela seguinte ordem: juros vencidos e não pagos, Comissão por Incumprimento Definitivo (8%), IS Comissão por incumprimento definitivo e, subsidiariamente, ao capital. XIII. Uma vez que os pagamentos voluntários perfizeram um total de 5 870,00 €, tal valor foi suficiente para pagar, na totalidade, tanto os juros, como a comissão por incumprimento definitivo, bem como o IS. XIV.O remanescente do valor pago voluntariamente (4600,11 €), conforme suprarreferido, foi imputado ao capital, que na data da resolução se imputava em 13 819,11 €. XV. Ficando, assim, ainda em falta, a título de capital o valor global de 8 956,92 €. XVI. Sendo que foi, apenas e só, este o valor peticionado no requerimento de injunção XVII. Nesse sentido, salvo mais informada opinião, considera a recorrente ser este o processo especial adequado ao caso em concreto. XVIII. Assim sendo, não poderia ter sido a orientação da douta sentença recorrida, senão a de julgar procedente a pretensão da ora recorrente. XIX. Considerando, assim, não estarmos perante qualquer exceção dilatória de uso indevido do procedimento de injunção. XX. Devendo, pois, a sentença proferida ser totalmente revogada e substituída por outra. XXI. Relativamente à alegada exceção dilatório inominada decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do DL 227/20212, de 25 de outubro, XXII. O Tribunal a quo proferiu sentença no sentido de “não podendo concluir-se pelo cumprimento do regime em causa”. XXIII. Ora, salvo mais informada opinião, não fez a douta Sentença uma correta interpretação dos requisitos de aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. XXIV. O douto Tribunal não valorou devidamente, e no seu todo, a prova produzida e junta aos autos principais. XXV. Conforme referido no requerimento de injunção, o contrato foi celebrado em 07/01/2008. XXVI. Sendo que os Réus entraram em mora em 1 de junho de 2012. XXVII. E, em consequência, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do devedor, em 28 de dezembro de 2012. XXVIII. Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (DL 227/2012), que definiu um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), conforme disposto no artigo 40.º, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2013. XXIX. Assim sendo, aquando da entrada do suprarreferido diploma o contrato em apreço já se encontrava resolvido. XXX. Não obstante o diploma em apreciação dispor, na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do DL 227/2012, que este se aplica também aos contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro. XXXI. Sendo que, e nos termos no n.º 1 do artigo 39.º do suprarreferido diploma legal, são “automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.” (sublinhado nosso) XXXII. Certo é que, o contrato sub judice, à data da entrada em vigor do referido Decreto- Lei, já não se encontrava em mora, mas sim resolvido. XXXIII. Não se enquadrando o mesmo, tão pouco, nos requisitos legais previstos no n.º 1 do artigo 39.º do DL 227/2012. XXXIV. Assim sendo, não está, nem nunca esteve, relativamente ao contrato em apreço, a recorrente obrigada à integração do devedor em PERSI. XXXV. Neste sentido, deverá a Sentença recorrida ser revogada, alterando-se a decisão prolatada pelo Tribunal a quo.”
4. Os réus apresentaram contra-alegações, deduzindo, a título subsidiário, pedido de ampliação do recurso para a hipótese de procedência do recurso deduzido pela autora, pugnando pela procedência da exceção de prescrição que suscitaram na oposição.
Apresentaram as seguintes alegações, que se transcrevem:
“i. Da leitura das respetivas alegações resulta claro que os argumentos utilizados pela Recorrente para fundamentar o seu recurso estão em clara oposição com a prova produzida, o que inquina as suas conclusões. ii. Andou bem o Tribunal a quo na sua decisão de absolver os Réus do pedido, iii. Foi a ação julgada improcedente tendo, em consequência, absolvido os Réus da Instância, iv. O Tribunal a quo, conheceu oficiosamente da exceção dilatória de uso indevido de procedimento de injunção, v. Bem como pela verificação da exceção dilatória inominada, decorrente da alínea b) do n.º 1 do artigo 18.º do D.L. n.º 227/2012, de 25 de outubro, vi. Tal decisão e respetiva motivação não merece qualquer reparo dos Recorrentes, devendo a mesma ser confirmada, vii. No entanto, os Recorrentes na sua oposição também vieram arguir a prescrição da dívida, de capital e juros, viii. E na mera hipótese de o Recurso apresentado pela Recorrente proceder, do qual não se concede, mas por cautela e dever de patrocínio se equaciona, deverá o Tribunal ad quem a título subsidiário conhecer da exceção da Prescrição da Dívida com as legais consequências. ix. A Requerente alega no artigo 9º do requerimento que o alegado crédito se encontra vencido desde 28 de dezembro de 2012, x. Assim, conclui-se que, qualquer divida peticionada no ano de 2023 encontra-se já prescrita, assim como os juros, por aplicação do prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º als. d) e e) do Código Civil, xi. Atente-se ao douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022, processo 1736/19.8T8AGD -B.P1.S1, com a fixação da Uniformização de Jurisprudência sobre este tema, “I — No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II — Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém -se, incidindo o seu termo ‘a quo’ na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.” xii. O contrato de mútuo sub judice é oneroso, e a obrigação de restituição do capital mutuado foi fracionada em prestações o que consubstancia um acordo de amortização em que cada uma das prestações mensais devidas é uma quota de amortização do capital. xiii. Conclui-se assim, a dívida, tanto capital como juros encontram-se prescritos, por aplicação do prazo de prescrição de 5 anos do artigo 310.º als. d) e e) do Código Civil”
5. Foi admitido o recurso como apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
6. Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
Consequentemente, nos presentes autos, inexistindo questões de conhecimento oficioso a apreciar, as questões a decidir são:
- (In)admissibilidade do recurso ao procedimento de injunção e respetivas consequências legais;
- Aplicação do regime criado pelo DL 227/2012, de 25 de outubro, que estabeleceu princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (PERSI);
Subsidiariamente,
- Prescrição do crédito da autora.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Extraindo-se os factos a ponderar da tramitação processual expressa no relatório que antecede, interessa ter presente que a decisão recorrida julgou procedente a exceção de uso inadequado do procedimento de injunção, tendo determinado, em consequência, a absolvição dos réus da instância.
Os presentes autos iniciaram-se com a apresentação de requerimento de injunção, que é dirigido à formação de um título executivo sem intervenção de órgão jurisdicional, desde que o requerido não deduza oposição – Salvador da Costa[1].
Analisando de forma sumária o regime da injunção, haverá que atender ao que dispõe o artigo 7º do anexo ao DL 269/98, sob a epígrafe “Injunção”:
“Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro.”
Já do artigo 1º daquele diploma consta:
“É aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000, publicado em anexo, que faz parte integrante do presente diploma”.
No âmbito dos procedimentos estabelecidos com vista à recuperação dos atrasos de pagamento de transações comerciais, importa ainda referir o DL 62/2013, de 10/05, que operou a transposição para a ordem jurídica nacional da Diretiva nº 2011/7/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.02-2011. No artigo 10º deste diploma estabelece-se:
“1 - O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. 2 - Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. 3 - Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais. 4 - As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”.
Nos termos da alínea a) do artigo 3º do DL 32/2003, de 17-02, enquadra-se no conceito de transação comercial “qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”. Já da alínea b) do referido artigo 3º resulta que deve ser havida por empresa “qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular”.
Em face do exposto, é de concluir que subjacente ao procedimento de injunção pode estar ou o incumprimento de obrigações pecuniárias de contratos de valor não superior a € 15.000,00, ou de obrigações emergentes de transações comerciais independentemente do seu valor – cfr. artigos 2º e 3º do DL 32/2003, de 17-02.
Nas hipóteses em que o requerido deduz oposição à injunção, ou em que se frustre a sua notificação mas o requerente tenha manifestado pretender que o requerimento prossiga, a injunção transmuta-se em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias ou em ação comum quando estejam em causa valores superiores a metade da alçada do Tribunal da Relação.
Acresce que o requerimento de injunção obedece a uma forma e a um conteúdo simplificados, regulados no artigo 10º do anexo ao Dl 269/98, seguindo-se à sua apresentação a notificação do requerido (cfr. artigos 12º, 12ºA e 13º do diploma). Quando o requerido, devidamente notificado, não deduza oposição, o secretário apõe no requerimento a fórmula: “Este documento tem força executiva”, atento o efeito cominatório da falta de oposição. Ao invés, sendo deduzida oposição (ou frustrada a notificação do requerido nos casos em que o requerente tenha indicado que o processo seja apresentado à distribuição), são os autos distribuídos, seguindo-se, com as necessárias adaptações o disposto no n.º 4 do artigo 1.º e nos artigos 3.º e 4.º - cfr. artigos 16º e 17º do anexo ao Dl 269/98.
Em casos como o presente, em que foi indicado um valor inferior a € 15.000,00, e em que foi deduzida oposição, a providência, inicialmente instaurada como injunção, transmuta-se em ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
Ora, o fim visado com o procedimento ora em análise identifica-se com “(…) a realização de objetivos de celeridade, simplificação e desburocratização da atividade jurisdicional, pensada com vista ao descongestionamento dos tribunais no que concerne à efetivação de pretensões pecuniárias de médio ou reduzido montante, pressupondo a inexistência de litígio atual e efetivo entre o requerente e o requerido” - Salvador da Costa[2].
Porém, dado que o procedimento de injunção (bem como a ação declarativa conexa) se destina ao pagamento de obrigações pecuniárias, tem vindo a firmar-se o entendimento de que não constitui o meio adequado nos casos em que o pedido do demandante configura uma pretensão indemnizatória por dano decorrente do incumprimento contratual do demandado.
E é neste âmbito que importa operar a diferenciação entre tais obrigações (pecuniárias) e as designadas dívidas de valor “(…) que não têm diretamente por objetivo o dinheiro, mas uma prestação de outra natureza ou a atribuição de certo poder aquisitivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência (…) casos em que o pensamento da lei conduz, excecionalmente, à fixação do momento da prestação num momento posterior à constituição da obrigação. É esse o caso típico da obrigação de indemnização, quando a indemnização se faz em dinheiro (artigo 566º do CC) e é ainda o caso da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa (489º, nº2 do CC).[3]” A este propósito refere Paulo Teixeira Duarte[4] que as pretensões que podem ser feitas valer na injunção são “(…) apenas aquelas que se baseiam em relações contratuais cujo objeto da prestação seja diretamente a referência numérica a uma determinada quantidade monetária (…) Daqui resulta que só pode ser objeto do pedido de injunção o cumprimento de obrigações pecuniárias diretamente emergentes do contrato, mas já não pode ser peticionado naquela forma processual obrigações com outra fonte, nomeadamente, derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível será, assim, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objeto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro”.
Neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2022[5], no qual, além do mais, se sumariou: “A impropriedade da forma especial de processo de injunção e da conexa ação declarativa do Dl 269/98, de 9,7 apenas se suscitará nos casos em que a pretensão do demandante encerra um pedido de indemnização por dano derivado do incumprimento contratual”.
Já no que se reporta às consequências do recurso ao procedimento de injunção quando não esteja em causa o cumprimento de uma obrigação pecuniária, divisam-se algumas divergências jurisprudenciais.
Efetivamente, tal hipótese tem sido configurada como uma exceção dilatória inominada, que impõe a absolvição do réu da instância, não permitindo qualquer adequação processual ou convite ao aperfeiçoamento do articulado inicial, dado não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o recurso ao mecanismo da injunção – neste sentido, e a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 09-09-2021[6], e o Acórdão da Relação de Coimbra de 20-05-2014[7].
Outra corrente defende que o recurso indevido ao procedimento de injunção configura uma nulidade por erro na forma do processo, aplicando-se o princípio consagrado no artigo 193º, nº 1, CPC, ou seja, determinando-se apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, embora tendo sempre como limite as garantias de defesa do réu – cfr. artigo 193º, nº 2, CPC – neste sentido os Acórdãos da Relação de Lisboa de 25-01-2021[8], de 25-05-2021[9], 28-10-2021[10], e de 14-03-2023[11]. Para os defensores deste entendimento, o vício em que se corporiza o erro na forma de processo sempre corresponderá à inadequação entre a pretensão formulada pelo autor e a forma processual legalmente estabelecida para o efeito, por ter recorrido a uma forma de processo especial em vez da forma de processo comum.
Por outro lado, nas hipóteses em que a injunção se transmutou em ação declarativa comum, tem vindo a considerar-se que não ocorre qualquer prejuízo ou diminuição das garantias de defesa do requerido, perdendo relevância a utilização indevida do procedimento da injunção, “mostrando-se precludidas as questões que poderiam levar ao indeferimento de injunção” – Acórdão da Relação de Lisboa 09-09-2021[12], supra citado, e Acórdão da Relação de Guimarães de 21-03-2019[13].
No caso presente, interessa definir se o pedido deduzido pela autora radica no cumprimento de obrigação estritamente pecuniária, por forma a legitimar o recurso ao procedimento de injunção.
Esta questão mereceu uma resposta negativa por parte do tribunal recorrido, que considerou que a autora peticionou no requerimento de injunção uma “indemnização pelo incumprimento, uma penalidade contratual”, ou seja, o montante convencionado a título de cláusula penal. Ora, nas palavras de Pinto Monteiro[14] “A cláusula penal, como já vimos, pressupõe a existência de uma obrigação — provindo, em regra, de contrato -, que é costume designar por obrigação principal, a fim de acentuar melhor a acessoriedade da referida cláusula, a sua dependência relativamente à obrigação cujo inadimplemento sanciona. Compreende-se que seja assim: a cláusula penal, em qualquer das suas modalidades, é uma estipulação mediante a qual um dos contraentes se obriga a efetuar uma prestação, diferente da devida, no caso de não cumprir ou de não cumprir nos seus precisos termos a obrigação. Trata-se de simples promessa a cumprir no futuro, com carácter eventual, visto que o compromisso assumido só se efetivará - a pena só será exigível - se e na medida em que o devedor não realize, por culpa sua, a prestação a que está vinculado e a que a cláusula se reporta. (…) Ao estipular uma cláusula penal, visa-se incentivar o respeito devido à obrigação, de fonte negocial ou imposta por lei, estabelecendo, desde logo, para o efeito, a respetiva sanção, prevenindo a hipótese do seu incumprimento; ou pode ser escopo das partes, tão-só, o de fixar antecipadamente o quantum indemnizatório a que haverá lugar. Seja como for. a existência de uma obrigação surge, assim, via de regra, como pressuposto objetivo da cláusula penal. (…).”
Ponderando o requerimento de injunção, em consonância com o afirmado na decisão recorrida, afigura-se que a autora não pretende obter a condenação dos réus no cumprimento de uma obrigação estritamente pecuniária, visando, ao invés, que tal condenação abranja ainda montantes relativos a penalidade convencionada para o incumprimento.
Efetivamente, a autora alegou ter celebrado com os réus um contrato de mútuo, no valor global de € 15.000,00, cujo valor não foi integralmente restituído. Mais alegou que no momento da apresentação do requerimento de injunção, a quantia em dívida ascendia a € 8 986,76, ao qual deveriam acrescer: “ (…) os juros moratórios vincendos (…) calculados até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 15,20%/ano, bem como os compulsórios à taxa de 5,00%/ano.”
Acresce que a autora, quando notificada para esclarecer a que título peticiona jutos à taxa de 15,20 %, alegou que: “(…) 13. No âmbito do contrato em apreço, a cláusula 10.ª do contrato prevê as consequências, em caso de mora, no cumprimento das obrigações emergentes do contrato. 14. Importa ainda referir que, quanto ao contrato em análise, foi expressamente convencionado, e ao abrigo do princípio da liberdade contratual, - nesse sentido cfr. cláusula 10.ª das condições gerais - que “Caso o Mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade de 4% sobre cada uma das prestações em mora (…),” sendo que, “Mantendo-se o incumprimento, a COFIDIS pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida”.
Ora, tal cláusula possui a seguinte redação:
“10. Incumprimento e resolução do contrato 10.1 Caso o mutuário não faça o pagamento de uma prestação na data de vencimento ficará em mora, acrescendo à prestação uma penalidade mensal de 4 % sobre cada uma das prestações em mora, sem prejuízo de a COFIDIS poder aplicar uma penalização adicional de valor correspondente às despesas determinadas pela constituição em mora de acordo com o preçário em vigor. 10.2 Mantendo-se o incumprimento, a COFIDIS pode resolver o contrato e exigir o pagamento imediato de toda a dívida (incluindo capital remanescente, juros contratuais e demais encargos vencidos), sem prejuízo da incidência de juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida, Caso a COFIDIS resolva o contrato e/ou recorra a juízo para obter o pagamento, as penalidades devidas pela mora são substituídas por uma penalidade única de 8% sobre todo o saldo em dívida, a título de cláusula penal (…).”
Interpretando tal cláusula de harmonia com o sentido que qualquer declaratário normal lhe atribuiria, nos termos do disposto no artigo 236º, CC, forçosa é a conclusão de que foi acordada uma penalidade de 4 % sobre cada uma das prestações em mora e uma penalidade única de 8%, em caso de resolução do contrato, a título de cláusula penal.
Por esse motivo, julgamos ser de reafirmar a motivação da decisão recorrida, afigurando-se que é manifesto que a autora peticiona no requerimento injuntivo uma indemnização pelo incumprimento. Ou seja, a autora não peticiona apenas prestações vencidas no âmbito do contrato que celebrou com a ré, mas também um valor que considera que esta deve suportar por não ter cumprido o plano de pagamentos acordado. Consequentemente, o litígio inscreve-se no domínio da responsabilidade civil contratual, integrando a controvérsia judicial o valor contratualmente acordado para a hipótese de resolução do contrato, por incumprimento das prestações fixadas a cargo da mutuária, mais concretamente da cláusula penal acordada. Trata-se de realidade incontornável que, apesar de negada pela autora nas suas alegações de recurso, resulta da posição que assumiu no momento processual próprio de que dispôs para se pronunciar sobre o fundamento dos montantes peticionados, ao invocar a referida cláusula que prevê a penalidade que considera contratualmente lícito exigir em caso de incumprimento da mutuária.
Ora, independentemente da validade e eficácia de tal estipulação contratual, o certo é que representa inequivocamente uma obrigação indemnizatória de valor e não meramente pecuniária, pelo que não pode ser exigida por via do procedimento especial de injunção, mas sim por meio de ação comum.
Julgamos, por isso, ser de reafirmar a fundamentação jurídica da decisão recorrida no que se reporta ao uso indevido do procedimento de injunção, ali configurado como exceção dilatória de conhecimento oficioso insuprível, nos termos do disposto nos artigos. 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º e 278.º, n.º 1, al. e), todos do CPC.
Acrescenta-se ainda que o caráter sucinto e simplificado do requerimento inicial apresentado não consentiria a convolação para ação comum, sob pena de ficarem diminuídas as garantias de defesa do réu – cfr. artigo 193º, nº 2, CPC. Pelo que, a considerar-se ocorrer erro na forma do processo, sempre se imporia a anulação do processado, revelando-se inviável a sua convolação para ação comum, impondo-se, também por essa via, a absolvição dos réus da instância – cfr. artigos 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea b), CPC.
*
A recorrente reagiu ainda ao segmento da decisão que considerou verificada a exceção dilatória inominada decorrente do artigo 18º, nº 1, alínea b) do Dl 227/2012, de 25-10. Embora não tenha emitido qualquer pronúncia quando foi notificada para o efeito, em momento prévio à decisão, no recurso, alegou a autora/recorrente que na data em que foi declarado o incumprimento dos réus, aquele diploma ainda não se encontrava em vigor, sendo-lhe, consequentemente, inaplicáveis as obrigações ali estabelecidas.
O regime estabelecido pelo DL 227/2012, de 25 de outubro, estabeleceu princípios e procedimentos a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização de situações de incumprimento de contratos de créditos pelos clientes bancários, procurando, como se refere no preâmbulo do diploma “(…) reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente (…) em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes, enquanto consumidores”. Foi criado num contexto de generalizada crise económica e financeira, em que se verificava um aumento exponencial de incumprimento dos contratos de crédito, pretendendo estabelecer medidas preventivas do incumprimento e promover a regularização de situações de incumprimento, numa ótica de proteção dos consumidores incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito - cfr. artigos 2º, alíneas c) e d), 3º alíneas a), c) e f), do Dl 227/2012, de 25/10.
Nos presentes autos não se mostra controvertido que o crédito invocado pela autora, emergente de mútuo, se reconduz ao âmbito de aplicação do referido regime, definido no artigo 2º do referido diploma.
Por outro lado, também é inequívoco que a ré, que interveio como mutuária no contrato de crédito em causa, e que o réu, que ali teve intervenção como fiador, são consumidores na aceção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31 de julho e, consequentemente, “clientes bancários” nos termos definidos no artigo 3º, alínea a) do Dl 227/2012, de 25 de outubro.
O DL 227/2012, de 25/10, consagra fundamentalmente dois procedimentos, um dos quais, relativo à “Gestão do risco de incumprimento”, que se desenvolve em momento prévio ao do incumprimento do mutuário, (artigos 9º a 11º), e outro relativo ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto nos artigos 12º a 21º, aplicável a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de crédito bancário.
Sendo este último o que o tribunal recorrido considerou ter sido incumprido, salienta-se que comporta uma fase inicial, seguida da fase de avaliação/proposta/negociação e, por fim, a da extinção – cfr. artigos 14º, 15º, 16 e 17º do DL 227/2012, de 25 de outubro. Certo é que obriga as instituições bancárias a promoverem as diligências necessárias à implementação do PERSI relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. – cfr. artigo 12º.
Por outro lado, e como decorre do artigo 18º, nº 1, alínea b) do citado diploma: “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…) b) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito”.
Ou seja, a falta de integração do cliente bancário no PERSI, constitui impedimento legal a que a instituição de crédito, credora mutuante, intente ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31-01-2019[15].
O PERSI constitui, assim, uma fase pré judicial destinada à composição do litígio, impondo ao credor (instituição bancária/financeira), em razão da maior vulnerabilidade do consumidor, especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção. Como se refere no acórdão STJ de 19-05-2020[16]: “A instituição de crédito que move ação executiva contra o mutuário consumidor, que se encontra em mora, tem o ónus de demonstrar que cumpriu as obrigações impostas pelos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, que prevê o regime jurídico do PERSI. Enquanto o mutuante não proporcionar ao devedorconsumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da dívida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito (como se extrai do art.º 18º daquele diploma). O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da ação executiva movida por uma entidade financeira contra um devedor consumidor, cuja ausência se traduz numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância”.
Em face do exposto, a comunicação da integração do cliente no PERSI e a sua extinção constituem condição da admissibilidade da ação declarativa ou executiva, gerando a sua falta uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância – cfr. artigo 576º, nº 2, CPC.
Porém, por forma a decidir se, in casu, a autora estava ou não obrigada a dar cumprimento ao regime em análise, haverá que ter presente que a resolução do contrato ocorreu em 28-12-2012 (facto alegado pela autora e aceite pelos réus na respetiva oposição). Efetivamente, a autora alegou que o pagamento das prestações do mútuo em causa, que se encontravam em mora, não foi efetuado no prazo que fixou à mutuária, pelo que cumprida a interpelação admonitória (que Antunes Varela[17] designa como “uma ponte de passagem obrigatória para o não cumprimento definitivo da obrigação”) deve ter-se o contrato de mútuo por definitivamente incumprido na referida data – cfr. artigo 808º, nº 1, CC.
Ora, decorre do artigo 40º do Dl 227/2012 que aquele diploma entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2013. Já o artigo 39º, nº 1, que regula a sua aplicação no tempo, estabelece que: “São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias”.
Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2019[18]: “A exigência de integração dos clientes bancários, em situação de mora há mais de um ano, à data da entrada em vigor do DL n.º 227/2012, de 25-10, no regime de regularização (PERSI) ali estabelecido, depende, nos termos do respetivo art. 39.º, da vigência dos contratos de crédito – o que não ocorre se estes entretanto já tiverem sido objeto de resolução com fundamento no incumprimento.”
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Évora, em Acórdão de 11-01-2024[19] : “I. Pressuposto da aplicabilidade do regime do PERSI é a subsistência do contrato de crédito à data da entrada em vigor do D.L. nº 272/2012, de 25 de outubro. II. Só a prova da existência da cessação do contrato em momento anterior à entrada em vigor do regime do PERSI e por consequência da sua extinção antes de 1.1.2013, poderia eximir o exequente de cumprir os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma. III. Tal prova não é feita se a missiva enviada pelo exequente apenas revela, para um declaratário normal postado na posição dos ora executados, a intenção do credor de proceder à cobrança coerciva do montante em dívida mas não de fazer cessar o contrato de mútuo.”
Ora, deverá ter-se como assente que o incumprimento ocorreu em 28-12-2012, facto alegado pela autora e aceite pelos réus na respetiva oposição, data correspondente à declaração de resolução comunicada pela autora.
Consequentemente, conclui-se que a autora não estava vinculada ao cumprimento do regime do PERSI, porquanto operou a resolução do contrato de crédito celebrado com a ré em data anterior à entrada em vigor do diploma que instituiu tal regime.
*
Em face do exposto, embora não subsistindo todos os seus fundamentos, conclui-se pela manutenção da decisão recorrida e pela improcedência do recurso.
A improcedência do recurso da autora inviabiliza o conhecimento da exceção de prescrição, suscitada pelos réus no recurso subsidiário que deduziram.
Mantendo-se a decisão recorrida, as custas serão suportadas pela autora – cfr. artigo 527º, CPC.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela autora, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela autora – cfr. artigo 527º, CPC.
Lisboa, 19 de dezembro de 2024
Rute Sobral
Carlos Castelo Branco
Laurinda Gemas
_______________________________________________________ [1] A Injunção e as Conexas Ação e Execução, pág. 51 [2]Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5ª edição, 2005, pág. 151 [3] Vaz Serra e Manuel de Andrade apud Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª edição pág.816 a 818 [4] Os Pressupostos Objetivos e Subjetivos do Procedimento de Injunção, “revista Themis, VII, nº 13, pág. 184/185 [5] Proferido no processo nº 53704/19.3YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt [6] Proferido no processo nº 86941/19.0YIPRT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt [7] Proferido no processo nº 30092/13.6YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt [8] Proferido no processo 113862/19.2YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt [9] Proferido no processo 37398/20.6YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt [10] Proferido no processo nº 68890/20.1YIPRT.L1-8, disponível em www.dgsi.pt [11] Proferido no processo nº 6694/21.6YIPRT.L1-7, disponível em www.dhsi.pt [12] Proferido no processo nº 86941/19.0YIPRT.L1-2, disponível em www.dgsi.pt [13] Proferido no processo 97049/17.3YIPRT.G1, disponível em www.dgsi.pt [14] Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, pág. 86 [15] Proferido no processo 832/17.0T8MMN-A.E1, disponível em www.dgsi.pt [16] Proferido no processo nº 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt [17] RLJ 111º, 215. [18] Proferido no processo nº 144/13.9TCFUN-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt [19] Proferido no processo nº 2644/22.0T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt