ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
Sumário


I – A insatisfação do vencido não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).
II - Não se descortina in casu qualquer omissão de pronúncia que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, sendo que a repetição dos argumentos que no entender do recorrido deviam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça não constitui demonstração de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto.
III- Pelo que a arguição de nulidade é naturalmente desatendida, não passando de uma manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).

Texto Integral


Revista nº 9141/21.0T8PRT.P1.S1

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão - Cível).

Por acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça em 17 de Outubro de 2024 foi concedida a revista interposta pela recorrente, com a consequente revogação do acórdão recorrido (que havia sido favorável à ora arguente).

Veio agora a recorrida invocar a sua nulidade nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, o que fez nos seguintes termos:

No Acórdão proferido não foram analisados os factos alegados nas conclusões, e que resultam dos factos dados como provados, e considerados no Acórdão da Relação do Porto, de que o valor que o Interveniente foi condenado a pagar à Ré no Douto Acórdão da Relação do Porto são referentes a obras que estavam previstas no mapa de acabamentos anexo ao contrato, e que não se encontravam concluídos, ou que tiveram que ser novamente realizadas porque as obras efetuadas pelo Interveniente foram destruídas por não cumprirem as exigências legais e as boas práticas de construção, e não despesas com o seu licenciamento.

Os factos alegados nas conclusões relativamente aos quais houve omissão de pronúncia são os seguintes:

“VIII. Importa ainda considerar e esclarecer que o valor a que o Interveniente foi condenado a pagar à Ré no Douto Acórdão são referentes a obras que estavam previstas no mapa de acabamentos anexo ao contrato – fls 55 -, conforme resulta dos factos definitivamente provados sob os n.ºs 35 a 42 – A, mas que não se encontravam à data concluídas (facto provado n.º 28.) ou que tiveram que ser novamente realizadas, porque as obras realizadas pelo Interveniente foram destruídas em cumprimento das exigências legais (facto provado n.º 25).

IX. E não quanto a “obrigações que o contrato nunca previu e que as partes nunca quiseram regular”, como o Recorrente pretende fazer crer nas suas alegações e conclusões.

X. O que foi considerado no Douto Acórdão: “No caso, porém, não é de um simples contrato de empreitada que se trata. Trata-se de um contrato misto em que o conjunto de deveres de prestação fixados e da respetiva ligação genética e funcional resulta a obrigação do promitente vendedor e empreiteiro de assegurar que a promitente compradora recebe o imóvel reconstruído, isto é, com as obras previstas realizadas e concluídas.” (sublinhado nosso).

XI. Mais referindo que: “(…), também o promitente vendedor tinha de se assegurar e reunir as condições para poder celebrar o contrato prometido e cumprir as respetivas obrigações, designadamente a de entregar à compradora o bem com as qualidades e características acordadas.”. (sublinhado nosso).

XII. Pelo que é falso que as partes não tenham regulado tais obrigações no contrato.

XIII. Assim como é falso que as obras cujo custo o Recorrente foi condenado a pagar à Recorrente não constem no mapa de acabamentos.

Pronunciou-se a parte contrária pela inexistência da apontada nulidade.

Apreciando:

O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça abordou, decidindo, todas as questões pertinentes que se colocavam no âmbito da revista, apenas se baseando rigorosamente nos factos que constavam do processo.

O dito aresto abordou todos os aspectos essenciais a que tal análise obrigava, o que não significa que tivessem de ser conhecidos todos os diversos argumentos marginais apresentados pela recorrida (não sendo obrigatório que o fossem).

O que sucede é que a arguente da nulidade, ciente de que não lhe restava outra instância de recurso, veio por esta via manifestar a sua discordância em relação ao decidido, a qual (discordância) é, em si, perfeitamente legítima e mesmo compreensível.

Contudo, como é sabido, tal notória insatisfação não dá lugar, enquanto fundamento legal, à nulidade do acórdão oportunamente proferido, sendo certo que as diversas alíneas do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas integram vícios de natureza estritamente formal da decisão, não tendo a ver com o mérito do decidido (em última e definitiva instância).

Refira-se concretamente:

Não se descortina qualquer omissão de pronúncia que inquine a validade do acórdão proferido nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Uma coisa é discordar do decidido, repetindo os argumentos que no entender do recorrido deviam conduzir a decisão diversa daquela que foi proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça; outra é vislumbrar nesse argumentário motivos de ausência de pronúncia quando as questões essenciais e decisivas para o sentido do acórdão foram efectivamente abordadas no aresto.

A primeira posição é legítima, mas irrelevante (a lei não prevê novo recurso ordinário contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que conheceu da revista); a segunda não merece, como se compreende, nenhum acolhimento, encontrando-se aliás esgotado o poder jurisdicional nesse particular, nos termos do artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil.

No caso concreto, a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em causa tem a ver com a circunstância de não existir, em qualquer situação, estipulação que colocasse, expressamente ou implicitamente, a cargo da empreiteira as despesas com o licenciamento da obra que, não se encontrando inicialmente previsto, viesse a revelar-se necessário.

E esta circunstância – a ausência de estipulação neste tocante – é objectiva e indesmentível.

Uma coisa é prever-se que o imóvel seria entregue pela empreiteira à dona da obra pronto a habitar, como sucede frequentemente.

Outra, completamente diversa e inconfundível com a primeira, é a existência de um acordo entre as partes que tivesse por objecto a responsabilidade da empreiteira pelo pagamento das despesas de licenciamento que não fora previsto mas que veio a tornar-se necessário por intervenção e exigência supervenientes da entidade autárquica competente.

Quanto a este segundo aspecto, não se provou a existência de qualquer estipulação negocial, pelo que a responsabilidade pelo seu pagamento compete à dona da obra (como o próprio acórdão recorrido, em tese geral, concluiu e afirmou).

As questões respeitantes aos vícios e/ou desconformidades da obra foram definitivamente decididas em 2ª instância, havendo transitado em julgado, e não têm por si influência na abordagem da circunscrita questão jurídico de que se ocupou o acórdão recorrido.

Pelo que a arguição de nulidade por omissão de pronúncia, apresentada nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, é naturalmente desatendida, não passando de uma manifestação de desagrado da parte vencida relativamente ao decidido (como se ainda lhe sobrasse momento processual para o fazer).

O que se decide, sem necessidade de outros desenvolvimentos ou considerações.

Pelo exposto:

Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, em desatender a arguição de nulidade apresentada pela recorrida.

Custas pela arguente/recorrida, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.

Lisboa, 17 de Dezembro de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Ricardo Costa

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.