I - Não chega a ultimar-se um acordo de revogação do contrato de trabalho num caso, como o presente, em que o trabalhador na sequência das várias propostas de redação e de conteúdo desse acordo, enviadas pela empregadora, não chegou aceitá-las na sua integralidade.
II - Não ocorre abuso de direito por parte do Autor pelo facto deste, não tendo aceite a cessação do contrato de trabalho através de acordo de revogação, vem a ter interpor contra a Ré acção com base em despedimento ilícito.
Revista – 4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
1. Relatório
1.1. AA, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra COIP – Companhia Internacional de Pneus, Lda., tendo peticionado o seguinte:
A condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia global de € 37.849,97, respeitante a créditos laborais vencidos, danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, incluindo-se neste montante os 30 dias de retribuição respeitantes ao período que mediou a data em que operou o despedimento (9.02.222) e a data de propositura da presente ação, no valor de € 4.166,66, a que acrescerão ainda todas as retribuições vincendas, no valor de € 4.166,66/mês, a contar desde a data da propositura da presente ação judicial até ao trânsito em julgado da decisão pelo Tribunal; e
Na reintegração do Autor, sem prejuízo do direito desde de optar, até ao termo da audiência e julgamento, pela indemnização de € 12.499,88, sendo que nesse caso a condenação da RÉ no pagamento de créditos ao Autor ascenderá a quantia global de 50.349,58 (cinquenta mil trezentos e quarenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), a que acrescerão ainda todas as retribuições vincendas, nos termos peticionados).
Alegou em síntese que entre o Autor e a Ré, a 1 de março de 2021, foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para exercer as funções profissionais de direção e coordenação de venda de pneus e quaisquer outras com aquelas relacionadas. Para além do vencimento base, tinha o Autor direito a auferir retribuição relativa à isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação e subsídio de férias e de Natal, bem como o direito a ser abonado com um prémio de desempenho no valor de 25.000,00€, independentemente dos resultados por si obtidos no exercício da sua atividade. A 21 de dezembro de 2021 a Ré deu instruções ao Autor para que o mesmo procedesse à entrega de todas as ferramentas de trabalho que detinha em sua posse, a que o Autor anuiu. Em 22 de dezembro de 2021, a Ré vedou, por completo, o acesso do Autor ao endereço eletrónico da empresa; a 27 de janeiro de 2022 e endereçou uma comunicação por e-mail ao Autor, onde constava um acordo para cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho a produzir efeitos desde 31 de dezembro de 2021. O Autor não aceitou os valores ali referidos. Em virtude da cessação contratual operada pela Ré o Autor sofreu um forte abalo psicológico e emocional e ficou ansioso e deprimido por não se encontrar a laborar.
Teve lugar a audiência das partes, sem conciliação.
A Ré contestou, alegando em resumo que entre os outorgantes foram estabelecidos objectivos de vendas em numero de pneus vendidos e faturados, atentas as funções de direcção e coordenação de vendas para as quais o autor foi contratado, sendo tais objetivos de vendas elemento essencial da celebração do contrato de trabalho. As funções de direcção e coordenação de vendas de pneus exercidas pelo autor deixaram de ser necessárias para a Ré, o que justificava e fundamentava a extinção do posto de trabalho. No dia 10 de Dezembro 2021, na reunião realizada na sede social da COIP, a Ré informou o Autor da sua vontade/intenção de pôr termo ao meu vínculo laboral com a COIP, sendo que o Autor transmitiu então que não se opunha. A reunião terminou com um acordo verbal entre as partes, tendo ficado ainda acordado que a cessação saída produziria efeitos no final do mês de Dezembro, gozando entretanto as férias em falta; o valor acordado foi incluído no texto do acordo de revogação, o qual foi assinado pela Ré, e enviado ao autor para assinar. Pese embora o Autor tenha acordado com a ré a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo por extinção do posto de trabalho, o certo é que não chegou a assinar esse acordo. Contudo, desde sempre nas inúmeras comunicações via e-mail e postal declarou a sua vontade de estar de acordo com a cessação do contrato com efeitos ao dia 31 de dezembro de 2021. O contrato cessou a sua vigência no dia 31 de dezembro de 2021, data a partir da qual o Autor não mais voltou á empresa, nunca mais compareceu e por conseguinte nunca mais prestou qualquer trabalho para a Ré.
O Autor respondeu e pediu a condenação da Ré como litigante de má fé.
A Ré, por seu turno, também respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, requerendo a condenação do Autor como litigante de má fé.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, julgando-se “verificada a nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho por falta de forma”, relegando-se para final o conhecimento das restantes excepções. Foi identificado o objecto do litígio.
Fixou-se à acção o valor de € 37.849,97.
Teve lugar a audiência final.
Proferida sentença, nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
“julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e em consequência, julgo ilícito o despedimento do A. AA promovido pela R. COIP – Companhia Internacional de Pneus Lda. e em consequência:
a) Condeno a R. no pagamento ao A. de uma indemnização pelo despedimento ilícito no valor de 8.319,57€ (oito mil trezentos e dezanove euros e cinquenta e sete cêntimos), calculada à razão da retribuição base de 2.773,19€ e atenta a antiguidade reportada a 1-3-2021;
b) Condeno a R. no pagamento ao A. das retribuições que deixou de auferir, desde 24-4-2022 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego que entretanto haja recebido, e ainda o montante de 6.446.52€ pago pela R. na pendência da acção.
c) Condeno a R. no pagamento ao A. da retribuição de Dezembro de 2021 proporcional aos dias trabalhados, correspondente a 2.904,42€ (dois mil novecentos e quatro euros e quarenta e dois cêntimos);
d) Condeno a R. no pagamento da retribuição de férias vencidas e não gozadas, que ascende ao valor de 2.976,48€ (dois mil novecentos e quatro euros e quarenta e dois cêntimos);
e) Condeno a R. no pagamento do prémio de desempenho no valor remanescente de 10.416,67€ (dez mil quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos);
f) Condeno a R. no pagamento dos juros à taxa legal de 4% desde o vencimento de cada montante até efectivo e integral pagamento;
g) Absolvo a R. do demais peticionado na presente ação.
h) Absolvo o A. do pedido de condenação como litigante de má fé.”
Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré de apelação
Pelo Tribunal da Relação do Porto foi proferido acórdão nos seguintes termos:
“Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a decisão recorrida nos seguintes termos:
- Revoga-se a alínea d) da parte decisória da sentença, absolvendo-se a recorrente do pedido de condenação no pagamento “retribuição de férias vencidas e não gozadas”.
- Nas retribuições intercalares será deduzido, para além do que já consta da alínea b) da parte decisória, as remunerações que o autor tenha recebido como trabalhador de qualquer outra entidade patronal.
- Confirma-se no mais a sentença sob recurso”.
1.2. De novo inconformada com esta decisão dela recorre de revista a Ré, concluindo o seguinte:
1.ª O douto acórdão recorrido pese embora tenha julgado parcialmente procedente do Recurso de Apelação, confirmou parcialmente a douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que nesta parte o presente recurso de revista é admissível, pelas razões que seguem:
2.ª No caso concreto, concorrem os requisitos ou pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excepcional, melhor estatuídos na ai. a) e b) do n.º l do art. 672° do CPC [quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ou estejam em causa interesses de particular relevância social]
3.ª No douto acórdão recorrido julgou-se o recurso de Apelação improcedente na parte em que se considerou ter ocorrido despedimento ilícito do recorrido e respectivas consequências, bem como se considerou que não ocorreu abuso de direito por parte do recorrido.
4.ª Ora as questões jurídicas decidendas constituem, quer pelo seu âmbito quer pela sua natureza, questões que, pela sua relevância jurídica ou social se revestem de importância fundamental sendo o pronunciamento sobre as mesmas nesta instância claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
5.ª Assim, quanto á primeira questão justificativa do recurso, quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, resulta inequívoco que se justifica o presente recurso de revista de modo a determinar, se ocorreu ou não ocorreu despedimento ilícito do recorrido, na sequência de se ter declarado nulo por violação da forma legal o acordo de revogação estabelecido entre a recorrente e o recorrido, e do mesmo passo se ocorreu abuso de direito, ao confessado e assumido expressamente que acordou com a recorrente na cessação do contrato de trabalho por via da sua revogação, vir por em causa tal acordo, em virtude de o não ter assinado,
6.ª A questão jurídica atinente a saber se ocorreu ou não despedimento ilícito do recorrido, na sequência de se ter declarado nulo, por violação da forma legal, o acordo de revogação estabelecido entre a recorrente e o recorrido afigura-se na ótica da recorrente uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e de particular relevância social, desde logo porquanto sempre estariam em causa questões de certeza e segurança jurídica merecedoras de especial atenção legal e Constitucional e como tal de cuidada tutela jurídica.
7.ª No douto acórdão recorrido considerou-se que teria ocorrido despedimento ilícito uma vez que o acordo de revogação entabulado entre a recorrente e o recorrido era nulo por falta de forma, contudo a recorrente discorda frontalmente com a assim decidido, uma vez que considera que a declaração de nulidade do acoro de revogação não constitui causa necessária e despedimento ilícito, mas apenas produz efeitos extintivos desse almejado acordo revogatório e nada mais.
8.ª Do mesmo modo foi considerado que apesar de o recorrido ter expressamente confessado que aceitou proceder à revogação do contrato de trabalho que mantinha com a recorrente, acordo que não chegou a assinar, e depois vir nos presentes autos alegar o seu despedimento ilícito, tal atuação não constituía abuso de direito, entendimento que a recorrente considera não ser conforme ao direito.
9.ª Está assim justificado o presente recurso de revista, pois as questões suscitadas, pela sua relevância jurídica ou social revestem de importância fundamental sendo o pronunciamento sobre as mesmas nesta instância claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
10.ª Da matéria de facto julgada como provada, salvo o devido respeito, resulta á saciedade o gritante desacerto do douto Acórdão recorrido quando concluiu pela verificação da ilicitude do despedimento e respectivas consequências jurídicas, bem como quando concluiu pela não verificação de abuso de direito.
11.ª É consabido que o acto de despedir um trabalhador terá de resultar de uma de duas situações, ou de uma declaração de vontade unilateral, recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida ao trabalhador, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil), Ou de uma declaração unilateral tácita, a qual terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).
12.ª É exigível que, o empregador, assuma um comportamento que a torne percetível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art.º 236.º do Código Civil).
13.ª Pois bem, sabemos que entre a Apelante e o Apelado foi celebrado em 10/12/2021 um acordo de revogação fundamentado destinado a fazer cessação o contrato, acordo esse cujas premissas resultaram negociadas nos seguintes termos.
1.No seguimento da reunião do dia 10 de Dezembro 2021, realizada na sede social da COIP, na qual o Sr. BB me deu conta da sua vontade/intenção de pôr termo ao meu vínculo laboral com a COIP, transmiti-lhe que não me opunha, na condição de se cumprirem determinados pressupostos básicos: receber os valores de lei a que teria direito, as despesas não reembolsadas até à data da saída efetiva e o respetivo documento de acesso ao Subsídio de Desemprego.
2. A reunião terminou com um acordo verbal entre as partes, tendo ficado ainda acordado, por expressa solicitação do Sr. BB, a que anui, que a minha saída produziria efeitos no final do mês de Dezembro, gozando eu as férias em falta a partir do dia 22 do mesmo mês e até ao dia 31.12., esgotando-se assim o crédito de férias vencidas.
3. No seguimento das instruções transmitidas pelo Sr. BB nessa mesma reunião, na segunda-feira seguinte, dia 13 de Dezembro, comecei a passar os assuntos pendentes ao Dr. CC, tendo nesse mesmo dia passado todos os assuntos mais urgentes e prioritários.
4. No dia 21 de Dezembro, fui informado pelo Dr. CC, depois do almoço, que alguém (de ...) viria buscar a minha viatura durante a tarde, pelo que, seria melhor transferir os meus pertences para o carro dele, uma vez que ele próprio me levaria a casa no final do dia. Assim foi.
5. Nesse mesmo dia, conclui o processo da passagem de todos os assuntos pendentes ao Dr. CC. Também nessa tarde, entreguei ao Dr. CC o meu computador e respetivos periféricos. Também lhe entreguei um telemóvel Samsung novo (sem uso e ainda dentro da respetiva caixa). Terminando assim a tarefa de entregar todos os pertences da empresa.
6. No dia 22 de Dezembro, por volta das 12H20, o meu número de telefone foi libertado da conta Vodafone da empresa, tendo, por esse fato, ficado temporariamente sem comunicações. Ainda no mesmo dia, fiquei sem acesso aos meus e-mails da empresa, não tendo, apesar de o ter solicitado várias vezes, conseguido obter acesso aos mesmos até ao dia de hoje. Bastava para o efeito ter recebido a nova password, uma vez que a antiga tinha sido modificada.
7. No dia 28 de Dezembro, comuniquei por e-mail à Dra. DD que por não ter acesso ao meu e-mail da COIP, caso já tivesse enviado algum e-mail relativo à documentação atinente à cessação do meu contrato de trabalho, teria que o reenviar para o meu e-mail pessoal.
8. No dia 30 de Dezembro, enviei um e-mail ao Sr. BB, indagando se já tínhamos tudo pronto no sentido de formalizar a cessação do meu contrato de trabalho no dia 31 de Dezembro ou se, pelo contrário, me deveria apresentar ao serviço no dia 3 de Janeiro. Não obtive resposta.
14.ª Foi assim este o acordo de revogação, negociado de boa-fé entre a Apelante e o Apelado, que conduziu a extinção do vinculo laboral cujos efeitos se produziram no dia 31/12/2021.
15.ª Considerou o Tribunal que tal acordo seria nulo por falta de forma, tal como foi declarado no despacho saneador, uma vez que não chegou a ser assinado pelo Apelado, todavia os seus efeitos materiais já se haviam produzido, ou seja, na sequencia de tal acordo o Apelado já havia passados todos os assuntos para a empresa, já havia entregue voluntariamente os bens que lhe estavam confiados e já havia abandonado definitivamente as instalações da Apelante desde 22/12/2021 sendo que desde este dia e até 31/12/2021 gozou férias, tudo nos termos acordados e confessados.
16.ª Assim, ainda que o acordo revogatório padecesse de nulidade por falta de forma, o certo é que os efeitos dessa nulidade se traduziriam única e exclusivamente a extinção dos efeitos revogatórios, e consequentemente na subsistência do vinculo contratual.
17.ª Na verdade a invalidade de qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício formal ou da vontade ou por qualquer outra causa, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a virtualidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador. Como se sumariou no Ac. da Relação de Guimarães, de 15-06-2021 extraído por unanimidade, in www.dgsi.pt;
18.ª Assim sendo, mantendo-se em vigor o vinculo contratual entre a Apelante e o recorrido em virtude da invalidade formal do acordo revogatório, então, constituiria obrigação apelado continuar a comparecer pontualmente nas instalações da Apelante e retomar as suas funções nos termos do art. 128º nº 1 al. b) do CT, contudo isso nunca mais aconteceu desde 31/12/2021, nem o recorrido fez prova de ter comparecido ao trabalho apos esta data.
19.ª Quer isso significar que o recorrido, não mais cumpriu a sua obrigação de comparecer com pontualidade das instalações da recorrente, antes veio aproveitar-se da situação por si criada, uma vez que não assinou o acordo de revogação do contrato que lhe foi enviado em 31 de dezembro de 2021, não compareceu nos dias seguintes na empresa para discutir alguma questão pendente, nem nas semanas seguintes nem nos meses seguintes, estando ciente de que na falta de assinatura o acordo, este poderia não ser válido, e assim tentar a seguir estribar um alegado despedimento ilícito.
20.ª As considerações vertidas pelo Tribunal “a quo” denotam que extraiu por dedução da declaração e nulidade do acordo revogatório o despedimento ilícito do recorrido, dedução que, como já referimos não é possível construir.
21.ª Como se referiu, a invalidade do acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício formal, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a virtualidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador, contudo “in casu”, foi precisamente isso que o douto Acórdão recorrido operou, ao extrair como consequência dessa invalidade, cuja responsabilidade imputa á recorrente, a consequente declaração de despedimento ilícito.
22.ª Dos concretos termos deste acordo confessado pele recorrido, resulta manifesto a absoluta falta de razão do douto acórdão recorrido, quando concluiu pelo despedimento ilícito do recorrido. Conforme provado, todo o comportamento da recorrente foi vincado e trilhado no pressuposto da validade do acordo revogatório que havia estabelecido com o recorrido em 10/12/2021, e no cumprimento deste acordo, e jamais no propósito de, por qualquer modo, proceder ao despedimento do recorrido, cuja declaração nunca emitiu.
23.ª Muito mal andou nesta parte o douto acórdão recorrido ao fazer equivaler os efeitos da nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho por vicio de forma a um despedimento ilícito imputável á recorrente, quando não lhe poderá ser assacado qualquer acto ou comportamento suscetível de conformar qualquer despedimento ilícito. Muito mal andou o douto acórdão recorrido ao concluir pela artificial verificação do despedimento do recorrido que qualificou como ilícito, nos termos do art. 381º al. c) do C.T.
24.ª O certo e seguro é que não ocorreu qualquer despedimento ilícito do recorrido, pois nunca a Apelante produziu qualquer declaração de vontade expressa ou tácita que pudesse acomodar tal despedimento, limitando-se apenas cumprir os precisos termos do acordo de revogação celebrado no dia 10/12/2021.
25.ª Deste modo não tendo ocorrido qualquer despedimento ilícito do recorrido, não poderia a recorrente ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização pelo despedimento ilícito que não ocorreu, nem no pagamento das retribuições que deixou de auferir, desde 24-4-2022 até ao trânsito em julgado da presente decisão.
26.ª Também, não poderia o Tribunal “a quo” condenar a Apelante no pagamento da retribuição de Dezembro de 2021 proporcional aos dias trabalhados, correspondente a 2.904,42€ (dois mil novecentos e quatro euros e quarenta e dois cêntimos), pois, como se provou documentalmente, tal valor foi processado e pago ao recorrido,
27.ª Também não poderia o Tribunal “a quo” condenar a Apelante no pagamento do prémio de desempenho no valor remanescente de 10.416,67€ (dez mil quatrocentos e dezasseis euros e sessenta e sete cêntimos), pois como se provou o Apelado recebeu ao longo do ano de 2021 e até 31 de dezembro de 2021 as várias parcelas do prémio pagos pela Apelante.
28.ª O recorrido, apesar de saber e estar ciente do que havia acordado com a Apelante e de ter declarado precisamente que o seu contrato havia cessado por acordo de revogação, e de ter declarado isso mesmo para beneficiar do subsídio de desemprego, não se coibiu de intentar a presente acção na qual escamoteando tudo quanto havia declarado, afinal vir alegar que havia sido ilicitamente despedido pela Apelante, quando bem sabia que tal nunca aconteceu.
29.ª Ou seja o Apelado desde o início das negociações enganou a Apelante, convencendo-a de que concordava com a revogação por acordo aproveitando-se da confiança nele depositada, mas afinal nunca teve intenção de assinar tal acordo o que revela bem o abuso de direito com que desde o início sempre se comportou.
30.ª Constitui abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, na medida em que existe uma clara contradição do seu comportamento anterior suscetível de basear uma situação jurídica de confiança - acordo verbal de revogação do contrato de trabalho- e uma conduta actual do mesmo contrária àquele, ao invocar ter existido despedimento ilícito, tentando agora prevalecer-se duma situação a que deu azo, violando uma situação objectiva de confiança da apelante que sempre agiu de boa-fé e em conformidade com esse acordo revogatório, pagando, inclusive, a respectiva compensação.
31.ª Salvo melhor entendimento tais alegações produzidas pelo recorrido na sua P. I., constituem um clamoroso e flagrante “venire contra factum próprio” gerado de intolerável abuso de direito uma vez que excedeu os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico.
32.ª O douto Acórdão recorrido traduz uma errada interpretação e aplicação das normas previstas nos artigos 340.°, 344.°, 351.° a 358.°, 381.°, 382.°, 387.°, 389.° a 392.°, e 393.° do Código do Trabalho, e art.º 334° do Código Civil, constituindo uma gritante injustiça, razão pela qual deverá ser substituído por outro que revogando o douto Acórdão na parte objecto do presente recurso, julgue a acção totalmente improcedente dela absolvendo a recorrente.
TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS. CONCEDER PROVIMENTO DO PRESENTE RECURSO DE REVISTA E CONSEQUENTEMENTE REVOGAR O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO SUBSTITUÍNDO-O POR OUTRO QUE JULGUE IMPROCEDENTE A ACÇÃO, DELA ABSOLVENDO A RECORRENTE E ASSIM SE REALIZARÁ, JUSTIÇA.
1.3. Foi proferido despacho pela ora relatora a dar conhecimento às partes, para se pronunciarem, querendo, de que pese embora o presente recurso tivesse sido interposto pela Ré como revista excepcional uma vez que se não verificam os respectivos requisitos, deveria o recurso ser tramitado como revista normal.
1.4. O Autor pronunciou-se no sentido do não conhecimento do recurso. A Ré, por seu turno, não se opôs à apreciação do recurso por si interposto como revista normal.
1.5. Remetidos os autos, foi aberta vista ao Ministério Público.
1.6. Nessa sequencia, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente, mantendo-se, por isso, o acórdão recorrido.
1.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente – art.º s 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim, as questões a apreciar consistem em saber:
1 – Se ocorreu de um despedimento ilícito do trabalhador Autor pela recorrente;
2 – Se o Autor agiu em abuso de direito
3. Fundamentação de facto
3.1. Factos provados
A) Entre o Autor e a Ré, a 1 de março de 2021, foi celebrado um contrato de trabalho por tempo indeterminado com o seguinte teor:
2.ª
A actividade do segundo Contraente será desenvolvida a partir das instalações da Primeira Contraente na fábrica de pneus da C... em ..., se e enquanto aquela ali as mantiver ou, se não, das da sede da Primeira Contraente, sem prejuízo das deslocações que tiver de efectuar e que sejam inerentes às suas funções.
1.ª
1. A Primeira Contraente admite ao seu serviço o Segundo Contraente e este aceita para sob a autoridade e direção daquela exercer as funções profissionais de direção e coordenação de vendas de pneus e quaisquer outras com aquelas relacionadas e/ou que, para o efeito, se mostrem necessárias e/ou meramente convenientes
2. Sempre que o interesse da Primeira Contraente o exigir, esta pode encarregar o segundo contraente do desempenho de outras funções para as quais tenha qualificação e capacidade e que tenham afinidade ou ligação com as previstas no número anterior desde que tal não implique modificação substancial da sua posição
3. Atividade do Segundo Contraente será exercida na dependência e em contato com a gerência da Primeira Contraente.
3.ª
O Segundo Contraente é admitido sob o regime de isenção de horário de Tralho nos termos do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 218.º do Código do Trabalho.
4.ª
1. Como contrapartida pelo trabalho prestado, o Segundo Contraente auferir o vencimento anual e líquido (sujeito a impostos e demais descontos legais) de €50.000,00 (cinquenta mil euros), que inclui vencimento base, retribuição relativa a isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação e subsídios de férias e de Natal e que lhe será paga pela Primeira Contraente:
a) o vencimento base, em duodécimos mensais;
b) a retribuição relativa a isenção de horário de trabalho e subsídio de alimentação em cada mês de trabalho efetivamente prestado;
c) os subsídios de férias e de Natal, nos termos e prazos legais.
2. O segundo contraente terá direito a um prémio de desempenho, até ao montante ilíquido (sujeito aos impostos e demais descontos legais) de €25.000,00 ( vinte e cinco mil euros), que lhe será abonado trimestralmente, em função dos resultados da sua atividade, avaliados em função dos objetivos de vendas (em número de pneus vendidos e faturados) fixados pela Primeira Contraente e o de outros critérios que sejam estabelecidos por acordo.
a) os objetivos de vendas são fixados por documento que fará parte integrante do presente contrato.
b) No presente ano de 2021, o prémio referido no corpo do presente número 2. Será abonado ao Segundo Contraente, independentemente do número de pneus vendidos e facturados.
3. O Segundo Contraente terá direito ao reembolso das despesas justificada todas e comprovadas documentalmente, por si incorridas nas deslocações profissionais para o que poderão ser estabelecidos por acordo limites máximos para cada categoria de despesas ou para cada deslocação.
5.ª
1. A primeira contraente, a suas expensas, facultará ao segundo contraente o uso, para efeitos profissionais, de:
a) uma viatura de serviço (Audi, BMW ou equivalente) segmento A4 ou Série 3, com caixa automática preferencialmente carrinha (break) e, se possível com Apple CarPplay ou GPS;
b) Cartão Combustível Frota;
c) Identificador Via Verde;
c) IPhone;
e) Computador portátil Mac Book Air 13 Polegadas com disco de 512 GB;
f) Monitor externo 22 a 23.8 Polegadas, teclado e rato;
g) Impressora/scanner (o acesso a uma que esteja perto);
h) Cartões de visita (em português e inglês o contexto que sirva para as 2 situações);
i) Gabinete (privacidade) com Secretária + cadeira + armário vertical (para arrumar documentações e outros materiais de apoio) + pequena Mesa de Reuniões + 4 Cadeiras.
2. O Segundo Contraente obriga-se a cuidar dos materiais e equipamentos relacionados no número anterior, bem como de quaisquer outros que sejam necessários a prestação dos serviços contratados ficando sob a sua única responsabilidade a sua utilização alheia aos mesmos.
6.ª
1. O Segundo Contraente fica obrigado a:
a) durante a vigência do contrato de trabalho, não desenvolver, direta ou indiretamente, por conta própria ou alheia, qualquer atividade que possa conflituar ou concorrer com a atividade desenvolvida pela Primeira Contraente, bem como pela C... e porque quer outra empresa cujo sócios maioritários e ou gerentes administradores sejam sócios/acionistas e/ou gerentes administradores daquelas duas;
b) durante a vigência e após a cessação do contrato de trabalho, manter total confidencialidade e a não tirar partido, direta ou indiretamente, dos conhecimentos e informações a que tenha acesso no exercício das suas funções, relativos à Primeira Contraente e às demais empresas referidas no número anterior, às suas atividades e aos seus clientes e fornecedores e respectivas atividades.
2. Sem prejuízo da responsabilidade disciplinar, a violação do disposto das alíneas do número anterior confere à Primeira Contraente o direito a ser indenizada por todos os danos.
7.ª
O Presente contrato produz efeitos na data da sua celebração e assinatura, em 2 exemplares, ficando um para cada uma das partes, em ..., aos 1 de março de 2021
B) Ao abrigo deste contrato o Autor foi admitido para exercer as funções profissionais de direção e coordenação de venda de pneus e quaisquer outras com aquelas relacionadas.
C) Obrigou-se a desempenhar a sua atividade profissional nas instalações da Ré, mais concretamente, na fábrica de pneus da C... em ....
D) Conforme estipulado no contrato de trabalho celebrado, o Autor passou a auferir um vencimento anual ilíquido no valor de 50.000,00€.
E) O qual incluía o vencimento base no montante de 2.773,19€, a retribuição relativa à isenção de horário de trabalho no montante de 693,30€ + 57,77€, + 57,78€, subsídio de alimentação no montante de 104,94€ e subsídio de férias e de Natal, pagos em duodécimos no montante de 231,10€ cada.
F) Tendo ainda o Autor o direito a ser abonado com um prémio de desempenho no valor de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), sendo certo que relativamente ao ano de 2021 esse prémio era atribuído como verdadeiro complemento de retribuição, independentemente dos resultados obtidos pelo A. no exercício da sua atividade.
G) As instalações e os equipamentos de trabalho eram da titularidade da Ré e por esta facultados ao Autor.
H) O Autor exerceu, assim, estas funções ao serviço da Ré durante cerca de 10 meses. Alterado, conforme decidido abaixo, nos seguintes termos: “O Autor exerceu estas funções ao serviço da Ré até 31 de Dezembro de 2021”.
I) O A. sempre liquidou o valor acordado e indicado pela gerência, no montante de 0,75 € (setenta e cinco cêntimos) por refeição.
J) Além do Autor ter efetuado todos os pagamentos devidos neste sentido, sempre realizou as suas refeições no refeitório/cantina da Ré, tendo efectuado o pagamento.
K) Apenas deixando de o fazer aquando do encerramento destas instalações pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) em meados de Setembro de 2021.
L) Numa reunião ocorrida no dia 10 de Dezembro 2021, realizada na sede social da COIP, a ré na pessoa do seu gerente informou o autor da sua vontade/intenção de pôr termo ao meu vínculo laboral com a COIP, sendo que o autor transmitiu então que não se opunha.
M) A reunião terminou com um acordo verbal entre as partes, tendo ficado ainda acordado, por expressa solicitação do Sr. BB, a que o autor anuiu, que a cessação saída produziria efeitos no final do mês de Dezembro, gozando entretanto as férias em falta a partir do dia 22 do mesmo mês e até ao dia 31/12.
N) No seguimento das instruções transmitidas pelo gerente da ré, o Sr. BB nessa mesma reunião, na segunda-feira seguinte, dia 13 de Dezembro, o autor começou a passar os assuntos pendentes ao Dr. CC, tendo nesse mesmo dia passado todos os assuntos mais urgentes e prioritários.
O) A 21 de dezembro de 2021 a Ré, na pessoa de CC, deu instruções ao Autor para que o mesmo procedesse à entrega de um computador portátil MacBook Pro 13 Polegadas, um smartphone Samsung e uma viatura de serviço, que detinha em sua posse.
P) Mais informando que o veículo automóvel iria ser recolhido nas instalações da Ré, mais concretamente, na fábrica de pneus da C... em .... Eliminada, conforme decidido abaixo.
Q) Pelo que teria o Autor que retirar todos os objetos que se encontrassem no interior da mesma, ao que o Autor anuiu. Eliminada, conforme decidido abaixo.
R) Os objetos entregues eram usados pelo A. no desempenho da sua actividade, sem as quais não conseguiria executar as funções a que se encontrava adstrito.
S) A 22 de dezembro de 2021, a Ré vedou o acesso do Autor ao endereço eletrónico da empresa.
T) No dia 31 de Dezembro, a ré enviou ao autor o texto com a proposta para a revogação do Contrato de Trabalho:
1.º
1. O segundo outorgante foi admitido ao serviço da primeira outorgante a 01/03/2021, para exercer as funções profissionais de direção e coordenação de vendas de pneus.
2. Entre a primeira outorgante e o segundo outorgante foram estabelecidos objetivos de vendas em número de pneus vendidos e faturados pela primeira outorgante, dadas as funções (de direção e coordenação de vendas de pneus) para as quais o segundo outro grande foi contratado e por objetivos de vendas de pneus (em número de pneus vendidos e faturados pela primeira outorgante) constituírem elemento essencial para a primeira outorgante e ambos os outros reconhecerem que eles podiam e deviam ser observados na execução da atividade do segundo outorgante o que determinou a sua contratação.
3. Porém passados 10 meses desde que o segundo outro Gang foi admitido ao serviço da primeira outorgante, verifica-se que os objetivos de vendas de pneus estabelecidos estão muito Longe de ter sido alcançados, o que as partes atribuem a consequência da significativa da quebra do mercado em que se inserem os clientes e potenciais clientes da primeira outorgante.
4. Nessas circunstâncias, as funções de direção e coordenação de vendas de pneus exercidas pelo segundo outorgante deixaram de ser necessárias para a primeira outorgante, é qual, verificando-se os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º do Cód. do Trabalho procede a extinção do posto de trabalho por motivos de mercado relativos à empresa.
5. Por isso e porque não é possível a sua recolocação noutras funções uma vez que não há trabalho disponível na empresa da primeira outorgante e este não tem qualquer outro posto de trabalho, não é possível continuar com o segundo outorgante ao serviço da empresa, sob pena de gerar prejuízos que contribuiriam para a eventualidade do seu encerramento.
6. Por força dos mencionados circunstancialismos, verifica-se a absoluta e definitiva impossibilidade de o segundo outorgante prestar trabalho subordinado à primeira outorgante.
7. Os circunstancialismos sobreditos integram por isso, ou previsto para efeitos de celebração do presente mútuo acordo, NOS termos da legislação em vigor, designadamente NOS das normas legais acima mencionadas.
8. O segundo outorgante, confrontado com a situação, acorda com a primeira outorgante revogar o contrato de trabalho que os veio ligando.
9. Desse modo, procede-se à cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, por extinção do posto de trabalho por motivos de mercado, pelo que nem a empresa nem o trabalhador tem qualquer responsabilidade por este facto.
2.ª
A cessação do contrato de trabalho produz os seus efeitos na presente data.
3.ª
1. Em consequência da operada cessação do contrato de trabalho, estabelecem uma compensação pecuniária de natureza global de €12.552,25 ( doze mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) a favor do segundo outorgante, o qual declara expressamente que, com o recebimento dessa importância nos termos do número 2 da presente cláusula, se considera integralmente ressarcido de todos os direitos e créditos laborais vencidos e vencendo os até à data da cessação do contrato de trabalho estabelecida na antecedente cláusula 2.ª ou exigíveis em virtude dessa mesma cessação, designadamente salários, isenção de horário de trabalho, férias, subsídios de alimentação, subsídios de férias e de Natal e respetivos proporcionais prémios, reembolso de despesas, compensações e indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais ou de qualquer outra natureza, nada mais tendo a reclamar ou exigir, seja a que título for, da primeira outorgante bem como da C... ou de qualquer outra empresa com as mesmas relacionadas.
2. Para pagamento da importância mencionada no número antecedente, o segundo outorgante recebe, aquele montante, deduzindo dos correspondentes valores de impostos e demais descontos legais.
3. Cumprindo O Presente acordo, nada mais terão as partes a ver uma com a outra, seja a que título for, concedendo-se reciprocamente inteira e completa quitação.
4.ª
A primeira e segundo outorgantes acordam mútua e reciprocamente que o segundo outorgante não irá mais trabalhar para a primeira outorgante a partir da presente data declarando ainda o segundo outorgante ter recebido o modelo RP 5044, devidamente preenchido e ter sido informado de que a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho se encontra compreendida nos limites estabelecidos na alínea a) do referido n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.
5.ª
1. Os bens e equipamentos referidos no número 1 da cláusula 5ª do contrato de trabalho referido no número 1 de cláusula 1ª foram devolvidos à primeira outorgante, mantendo-se a responsabilidade do segundo outorgante estabelecida na parte final do número 2 da mesma cláusula 5.ª, relativamente a eventual utilização dos mesmos alheia ao seu uso para efeitos profissionais.
2. Fica expressamente estabelecido que se mantém em vigor o disposto na cláusula 6.ª do contrato de trabalho referido no número 1 da cláusula 1.ª, designadamente na alínea b) do seu número 1 e no seu número 2.
6.ª
Estou presente instrumento de cessação de contrato de trabalho por mútuo acordo por extinção do posto de trabalho, celebrado e assinado em ..., aos 31 de dezembro de 2020 um, são feitos dois exemplares, ficando um para cada um dos outorgantes.
U) No dia 14 de janeiro de 2022 o Autor voltou a enviar e-mail à Ré e-mail com o seguinte teor:
Exmos. Senhores,
Relativamente ao documento de revogação do contrato de trabalho, agradeço que tomem devida nota:
1. Deverá o mesmo mencionar os valores a receber, de forma discriminada.
2. Uma vez que a proposta é omissa, recordo que os valores a receber terão que corresponder aos seguintes montantes por liquidar:
a. 12.657,38 € (doze mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e trinta e oito cêntimos) relativos a salários, isenção de horário de trabalho, férias, subsídios de alimentação, de férias e de Natal e respetivos proporcionais e prémios.
b. Diferença a receber por não terem sido pagos os montantes líquido efetivamente devidos: 23,79 € (valor líquido a receber).
c. Compensação por cessação de contrato de trabalho (12 meses de trabalho efetivo): 1.428,60 € (valor líquido a receber).
d. Reembolso de despesas, outubro, novembro e dezembro, num montante total de 828,70 € (valor líquido a receber).
3. O Modelo RP 5044, deverá indicar a opção 15 como motivo da cessação do contrato de trabalho.
4. Deverá mencionar o integral pagamento dos montantes devidos, na data de assinatura do documento.
Certo da v/ compreensão para as vantagens de uma resolução consensual deste tema,
Subscrevo-me,
V) Na sequência de tal e-mail, a Ré analisou os valores apresentados pelo Autor e refez as contas, que enviou ao Autor, que voltou a questionar os valores apresentados.
X) A 27 de janeiro de 2022, a Ré, na pessoa de DD (....pt) endereçou uma comunicação por email ao Autor, na qual remeteu outro texto para o acordo para cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho a produzir efeitos desde 31 de dezembro de 2021.
Z) No referido acordo, estipulava-se, entre o mais, na cláusula 3.ª que “Em consequência da operada cessação do contrato de trabalho, estabelecem uma compensação pecuniária de natureza global de €: 12.552,25 (doze mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) a favor do segundo outorgante, o qual declara expressamente que, com o recebimento dessa importância nos termos do número 2 da presente cláusula, se considera integralmente ressarcido de todos os direitos e créditos laborais vencidos e vincendos até à data da cessação do contrato de trabalho estabelecida na antecedente cláusula 2.3 ou exigíveis em virtude dessa mesma cessação, designadamente salários, isenção de horário de trabalho, férias, subsídios de alimentação, de férias e de Natal e respectivos proporcionais, prémios, reembolso de despesas, compensações e indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais ou de qualquer outra natureza, nada mais tendo a reclamar ou exigir, seja a que título for, da primeira outorgante bem como da C... ou de qualquer outra empresa com as mesmas relacionadas.”
AA) Na mesma data, endereçou o Autor uma comunicação por email à Ré, na pessoa de DD (....pt), com o seguinte teor: “Para poder entender ao detalhe e, verificar a origem (e natureza) da “compensação pecuniária de natureza global”, mencionada na clausula 3ª da proposta de cessação de contrato, agradeço o envio da demonstração do cálculo detalhado. Uma vez que alguns valores não estão sujeitos a impostos, agradecia que os diferenciasse...”
BB) Ainda na mesma data e em resposta a Ré, na pessoa de DD (....pt) endereçou uma comunicação por email ao Autor, na qual remeteu um documento com os cálculos efetuados.
CC) A 28 de janeiro de 2022, o Autor endereçou uma comunicação por email à Ré, na pessoa de DD (....pt) na qual expôs o seguinte:
“Agradeço que esclareçam, com caráter de urgência, as seguintes dúvidas relativamente ao mapa de valores detalhados recebido e em anexo:
1. O montante relativo a salários, isenção de horário de trabalho, férias, subsídios de alimentação, de férias e de Natal e respetivos proporcionais e prémios, deverá ser de 12.657,38 € (doze mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e trinta e oito cêntimos). A DD indica que é de 12.114,94 € (doze mil, cento e catorze euros e noventa e quatro cêntimos). A que se deve, exatamente, a diferença de 542,44 € (quinhentos e quarenta e dois euros e quarenta e quatro cêntimos)?
2. A que se referem, os montantes a deduzir, denominados de “refeições feitas na cantina” num montante total de 722,50 € (setecentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos)? Paguei sempre o valor acordado e indicado pela gerência, de 0,75 € (setenta e cinco cêntimos) por refeição, nada tendo ficado a dever na cantina.
3. A que se referem, os montantes a deduzir, denominados de “despesas por pagar dos meses de Out+Nov+Dez/2021”, nos montantes de 389,20 € (trezentos e oitenta e nove euros e vinte cêntimos) e 146,92 € (cento e quarenta e seis euros e noventa e dois cêntimos)?
Alerto para a penalização a que continuo a estar sujeito, estando privado, até à data, do meu salário de Dezembro e demais valores a que tenho direito, bem como da possibilidade de acesso ao subsídio de desemprego.”
DD) Na mesma data e em resposta, a Ré, na pessoa de DD (....pt), endereçou uma comunicação por email ao Autor nos seguintes termos:
“Quanto ao e-mail infra, cumpre-nos esclarecer o seguinte:
Ponto 3 – o valor global de €. 536.12 deduzido das despesas a pagar dos meses de Out/21, Nov/21, Dez/21 e também Set/21, diz respeito às refeições incluídas nessas mesmas despesas; uma vez que já é pago o subsídio de refeição não pode haver uma duplicação dessas mesmas despesas;
Ponto 2 – os €: 722,50 referem-se á diferença do valor da refeição e o valor efetivamente pago pelos colaboradores da empresa que é de €:. 0.75, uma vez que os mesmos não recebem o subsídio de refeição;
Ponto 1 – a diferença de €: 542,44 referente ao processamento do mês,diz respeito no caso do subsídio de refeição aos oito dias não trabalhados (de 22/12 a 31/12/2021); No que se refere ao vencimento, foram descontados quatro dias, três em Novembro/21 (08,09 e 10/11) e um em Dezembro/21 (24/12); Quanto ao subsidio de férias, foram descontados 2 dias de férias gozados a mais no inicio de Dezembro.”
EE) A 9 de fevereiro de 2022, a Ré, na pessoa de DD, endereçou uma comunicação por e-mail ao Autor, na qual remeteu a declaração de desemprego assinada e datada de 31 de dezembro de 2021, com indicação da data da cessação do contrato de trabalho “28-12-2021”, e indicação do motivo de cessação do contrato de trabalho “despedimento por extinção do posto de trabalho”.
FF) Declaração na qual constava como motivo da cessação do contrato de trabalho o despedimento por extinção do posto de trabalho e a data de cessação 28.12.2021.
GG) Nos valores que negociou com o Autor a Ré deduziu a quantia de 722,50 € (setecentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos), invocando diferenças verificadas nos valores da refeição e nos valores efetivamente pagos pelos colaboradores da C....
HH) Nesse conspecto, a Ré deduziu ainda a quantia de 536,12€ (quinhentos e trinta e seis euros e doze cêntimos) invocando duplicação de despesas de alimentação.
II) O Autor ficou sem auferir qualquer rendimento de trabalho desde Dezembro de 2021 até Março de 2022.
JJ) No dia 15/06/2022 a ré por meio de transferência bancária pagou ao autor o valor de 6.446,52€.
KK) No dia 10 de Fevereiro de 2022 o autor enviou carta registada à Ré, com o seguinte teor:
“Assunto: Extinção do posto de trabalho
Exmos. Srs.
Na sequência da extinção do meu posto de trabalho, não obstante terem enviado o Modelo RP 5044 Declaração de desemprego via e-mail, em versão PDF, venho por este meio solicitar a entrega, num prazo de 5 dias, do original da declaração de desemprego. Caso a citada declaração não for recebida no prazo acima referido, terei de participar o facto á ACT, para que se substitua na emissão desse documento.” Aditado, conforme decidido abaixo.
LL) Consta do recibo de vencimento de Junho de 2021:
Aditado, conforme decidido abaixo.
MM) Consta do recibo de vencimento de Setembro de 2021:
Aditado, conforme decidido abaixo.
MM) Consta do recibo de vencimento de Dezembro de 2021:
Aditado, conforme decidido abaixo.
3.2. Factos não provados
i)) Em virtude da cessação do contrato de trabalho operada pela Ré o Autor sofreu um forte abalo psicológico e emocional, ficando ansioso e deprimido por não se encontrar a laborar, ainda para mais, numa área na qual é tão reconhecido e conceituado a nível nacional pelas empresas do ramo.
ii) Por ter ficado sem auferir qualquer rendimento de trabalho desde Dezembro de 2021 até Março de 2022, o Autor ficou limitado na capacidade de fazer face às despesas pessoais e do seu agregado familiar.
iii) A Ré não respondeu às comunicações endereçadas pelo Autor, nem procurou ou demonstrou abertura para uma resolução consensual do litígio, o que entristeceu o Autor.
iv) O Autor gozou 24 dias úteis de férias durante o ano de 2021 ano da contratação do seguinte modo: do dia 16 de agosto de 2021 ao dia 01 de setembro de 2021; nos dias 19 e 22 de Novembro; no dia 2 e 3 de Dezembro; desde 22 de Dezembro até 31 de Dezembro de 2021.
v) Nos dias 8/9 e 10 de Novembro o Autor não prestou o seu trabalho.
vi) Nas circunstâncias descritas em T), depois de algumas conversações, o texto do acordo ficou definitivamente fechado.
vii) Após o dia 31-12-2021, não mais o Autor voluntariamente compareceu na empresa.
viii) Durante as viagens realizadas nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2021, o Autor suportou a expensas suas despesas no valor de 828,70€ que a Ré não reembolsou.
4. Fundamentação de Direito
4.1. De o Autor ter sido despedido licitamente pela Ré
Antes de se avançar, importa desde já relembrar que a questão de se saber se não são devidos ao Autor a retribuição de Dezembro de 2021 e o prémio de desempenho, por se verificar dupla conformidade na decisão das instâncias (art.º 671.º n.º 3 do CPC), conforme foi assinalado no despacho proferido a 27-09-2024, não será apreciada.
Analisemos, então, a presente questão.
Insurge-se a Ré contra o acórdão recorrido, sustentando não se verificar o despedimento ilícito do Autor como ali se considerou uma vez que entre as partes foi celebrado um acordo de revogação do contrato de trabalho, tendo sido esse acordo, que foi celebrado de boa-fé entre a Ré e o Autor e que conduziu à cessação do vínculo em 31.12.2021. Refere ainda que caso se considere nulo o acordo revogatório por falta de forma, visto não ter sido assinado pelo Apelado, os efeitos dessa nulidade traduzir-se-iam única e exclusivamente na extinção dos efeitos revogatórios, e consequentemente na subsistência do vínculo contratual. A invalidade de qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício formal ou da vontade ou por qualquer outra causa, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a virtualidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador. Assim, constituía obrigação do Apelado continuar a comparecer pontualmente nas instalações da Apelante e retomar as suas funções nos termos do art.º 128.º n.º 1 al. b) do Código do Trabalho, o que nunca mais aconteceu desde 31.12.2021.
Salvo o devido respeito, a Ré não tem razão.
Nos termos do art.º 349.º do Código do Trabalho,
1 - O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo.
2 - O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar.
3 - O documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação (...)
Como resulta do citado normativo legal, o acordo de revogação do contrato de trabalho está sujeito a forma escrita – assumindo essa exigência formal, consoante tem vindo a ser entendido pela jurisprudência, a natureza de formalidade ad substantiam, cuja inobservância gera a nulidade do acordo de revogação, nos termos do art.º 220.º do Código Civil.
No presente caso, o referido acordo revogatório não chegou a ser assinado pelo Autor. Todavia, o que se verifica é que tal acordo não chegou a ser concluído entre as partes.
Com efeito, no dia 10 de Dezembro 2021 a Ré, na pessoa do seu gerente, informou o Autor da sua vontade/intenção de pôr termo ao vínculo laboral com ele, tendo o Autor transmitido então que não se opunha (facto L). O acordo de revogação do contrato produziria efeitos no final do mês de Dezembro, gozando entretanto o autor as férias em falta a partir do dia 22 do mesmo mês e até ao dia 31 de Dezembro (facto M). No dia 31 de Dezembro a Ré enviou ao Autor o texto com a proposta para a revogação do contrato de trabalho (facto T). Após a receção desta proposta, o Autor manifestou discordância quanto à redação do texto da proposta (facto U), tendo a Ré enviado nova proposta de acordo de revogação ao Autor, após ter alterado os valores dos créditos que lhe deviam ser pagos, sendo esta nova proposta também contestada pelo recorrido (facto V). Em 27.01.2022 a Ré remeteu ao Autor novo documento com o texto do acordo de revogação (factos W e X), tendo o Autor continuado a manifestar dúvidas e a pedir explicações à Ré relativamente aos montantes dos créditos que a Ré entendia dever-lhe pagar e aos descontos que esta considerava que podia fazer (factos Y, Z, AA e BB).
Resulta, assim,dos factos provados que o acordo de revogação proposto pela Ré ao Autor não chegou a ser aceite por este. Pois, pese embora o Autor tivesse inicialmente manifestado à Ré que se não opunha à cessação do contrato, as condições que foram propostas pela Ré não mereceram a sua concordância.
Sucede que apenas na data em que o acordo deveria produzir os seus efeitos (31-12-2021) é que a Ré enviou ao Autor um documento com o texto por si elaborado com a proposta de acordo e este não teve a concordância do recorrido - o que significa, como já antevisto, que o acordo não havia sido alcançado até esse momento e nem sequer o veio a ser conseguido posteriormente.
Assim sendo, não pode deixar de se considerar que o acordo de revogação do contrato de trabalho não chegou a ser concluído, sendo certo que por força do disposto no art.º 232.º do Código Civil, o “contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”.
Não tendo sido concluído o acordo de revogação do contrato de trabalho, importa agora analisar se a Ré perpetrou na pessoa do Autor um despedimento ilícito como este sustenta.
O despedimento traduz-se na manifestação de vontade da entidade empregadora, dirigida ao trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato que os ligava. Trata-se de um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz logo que seja comunicada ao destinatário essa manifestação de vontade (Vd., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2013, proc. 3579/11.8TTLSB.L1.S1 e de 01-07-2021, proc. 3615/20.7T8BRG.G1, in www.dgsi.pt).
Acontece que a declaração negocial, nos termos do art.º 217.º n.º 1, do Código Civil, pode ser expressa ou tácita (é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade; é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam), pelo que há muito se considera que o despedimento pode ocorrer mediante a manifestação tácita da vontade de pôr termo ao contrato de trabalho (despedimento de facto).
Consoante vem sendo entendido, o despedimento de facto há extrair-se da actuação do empregador que revele inequivocamente, de um qualquer modo ou forma, a manifestação da vontade de pôr termo à relação contratual, desde que esse conhecimento chegue ao seu destinatário e como tal seja susceptível de ser entendido, segundo o critério legal definido no art.º 236.º, n.º 1, do Código Civil (Vd., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2014, proc. 781/11.6TTFAR.E1.S1, 4.ª Secção e de 18-12-2013, proc. 2938/07.5TTLSB.L1.S1 - 4.ª Secção).
No presente caso é manifesto que era intenção da Ré de fazer cessar o contrato que a ligava ao Autor. Por ser assim, disso a Ré informou o Autor (facto L); tendo feito constar n.º 4 da cláusula 1.ª da proposta de acordo de revogação, enviada ao Autor que se verificam os requisitos para a extinção do posto de trabalho do Autor (facto T). Para além disso, a Ré enviou ao Autor a declaração de desemprego, para este requerer a atribuição do subsídio de desemprego, da qual fez constar que o contrato de trabalho cessou por despedimento por extinção do posto de trabalho (factos CC e DD). Mais se tendo provado que a Ré fez constar do recibo de remuneração do Autor relativo a Dezembro de 2021 que era devida a este quantia a título de indemnização por despedimento (facto LL).
A tudo isso, ainda acresce a circunstância de a Ré no dia 22 de dezembro de 2021 ter vedado o acesso do Autor ao endereço eletrónico da empresa (facto S).
Resulta, assim, que a Ré, antes sequer de ter enviado a proposta do acordo de revogação do contrato ao Autor, retirou a este os instrumentos e equipamentos de trabalho que lhe havia fornecido para a execução do trabalho - o que, em conjugação com o descrito contexto, é revelador de uma vontade inequívoca de pôr termo à relação laboral. O que foi do conhecimento do Autor e por este não podia deixar de assim ser entendido, à luz do disposto no art.º 236.º n.º 1, do Código Civil, onde se consagra a teoria da impressão do destinatário de cariz objectivista, segundo a qual a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.
Conclui-se, assim, pela improcedência da presente questão.
4.2. De o Autor ter agido em abuso de direito
Sustenta a Ré que o Autor desde o início das negociações enganou a Ré, convencendo-a de que concordava com a revogação por acordo aproveitando-se da confiança nele depositada, mas afinal nunca teve intenção de assinar tal acordo o que revela bem o abuso de direito com que desde o início sempre se comportou. Existindo uma clara contradição do seu comportamento anterior suscetível de basear uma situação jurídica de confiança - acordo verbal de revogação do contrato de trabalho - e uma conduta actual do mesmo contrária àquele, ao invocar ter existido despedimento ilícito, tentando agora prevalecer-se duma situação a que deu azo, violando uma situação objectiva de confiança da apelante que sempre agiu de boa-fé e em conformidade com esse acordo revogatório, pagando, inclusive, a respectiva compensação.
Também quanto a esta questão, está a Ré carecida de razão.
Nos termos do art.º 334.º do Código Civil, o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um direito. O direito é exercido em termos que manifestamente excedem os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.
Como se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2011, proc. 801/06 6TYVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt, “o abuso de direito, que dispensa o “animus nocendi” tem por base a existência de um direito subjectivo na esfera jurídica do agente, já que tem como principal escopo impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, comportando duas modalidades: “venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, como sejam o exercício danoso inútil, a actuação dolosa e a desproporção grave entre o exercício do e o sacrifício por ele imposto a outrem”.
Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Cfr. Antunes Varela, “Obrigações em Geral”, Coimbra Editora, 10.ª Edição, pág. 544).
A manifestação mais evidente do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprium), exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada, e de boa-fé, a programar a sua vida e a tomar decisões).
Segundo Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, Almedina, 1 - Parte Geral, IV, 2005, pág. 275, esta modalidade de abuso de direito consiste “no exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.”
A este respeito referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2023, proc. 412/20.3T8PBL.C1.S1, que o abuso de direito na modalidade venire contra factum proprium, emerge se o devedor convencer o invocante que ele actuará, ou não actuará, no futuro, de um certo modo, e, depois, assuma uma conduta em sentido inverso ao que manifestou, de uma maneira contraditoriamente chocante, e, assim, ético-juridicamente censurável e inadmissível, violando a confiança que naquela conduta o invocante depositou sem motivos para dela desconfiar.
Ora, no caso em análise, como se disse, pese embora o Autor tenha inicialmente afirmado que concordava com a cessação do contrato de trabalho indicada pela Ré, foi esta que tomou a iniciativa de fazer cessar o contrato de trabalho, tendo para o efeito remetido proposta de revogação do contrato que não veio a ser aceite pelo Autor.
A Ré não diligenciou, pois, de forma adequada, com vista à obtenção do acordo de revogação do contrato de trabalho, nem observou o procedimento legalmente exigido para o despedimento por extinção do posto de trabalho (artigos 367.º a 371.º, do Código do Trabalho), pelo que não podia a mesma legitimamente confiar, por tudo quanto se referiu e pelo facto de ter pago ao Autor quantia a título de compensação pela cessação do contrato, que este não viria no futuro a exigir os direitos decorrentes do despedimento ilícito de que foi alvo por parte da Ré.
Com base nisto, apenas resta concluir pela improcedência da presente questão.
4. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pela Ré.
Lisboa, STJ, 2024.12.11
Albertina Pereira (Relatora)
Eduardo Sapateiro
Mário Morgado