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IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DE DECISÃO DO CONSERVADOR
RETIFICAÇÃO DE REGISTO
Sumário
A retificação de um registo pode ser efetuada por despacho, sempre que a inexatidão provenha de desconformidade com o título, analisados os documentos que sirvam de base ao registo, e a retificação não seja suscetível de prejudicar direitos dos titulares inscritos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
AA, na qualidade de Administrador Judicial da insolvente “EMP01..., Lda.” requereu, junto da Conservatória do Registo Predial ... a retificação da inscrição de constituição da propriedade horizontal.
Alegou que o registo definitivo da constituição da propriedade horizontal foi lavrado com base na escritura de constituição da propriedade horizontal, mas que o mesmo é inexato pois não se encontra ainda construído o Bloco ... do prédio (as frações autónomas designadas pelas letras ... a ..., no total de 24, que não constam das declarações Modelo 1 – IMI que instruíram o respetivo pedido) e, consequentemente, é inexistente a sua inscrição matricial. A falta de inscrição matricial das ditas frações autónomas tem impedido a promoção do registo da declaração de insolvência. Assim, visando coincidir a realidade registal com a verdade substantiva, impõe-se a retificação da inscrição constante da Ap. ...15 ao prédio descrito sob o n.º ...05/... (...), ..., lavrada em desconformidade com o título e com a declaração Modelo 1 (IMI) no sentido de que no que tange às frações autónomas ... a ... – Bloco ... do edifício, a mesma deverá ser qualificada provisoriamente por natureza nos termos do artigo 92.º, n.º 1, alínea b) do Código do Registo Predial.
O processo foi instruído e, a final, foi proferida decisão pelo Sr. Conservador que julgou improcedente o processo de retificação por considerar que o registo de constituição de propriedade horizontal em causa foi regularmente lavrado e não enferma de qualquer inexatidão ou foi lavrado em desconformidade com a escritura que lhe serviu de base.
A Massa Insolvente deduziu impugnação judicial pedindo a anulação da decisão proferida pelo Sr. Conservador, com as consequências legais de ser retificada a Ap. ...15 que incide sobre o prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...05/... (...), passando o registo a provisório quanto às frações ... a ....
Sustentou-se no facto de, em virtude da declaração de insolvência, a insolvente não chegou a construir o Bloco ..., composto por 24 frações referentes às letras ... a ... pelo que a Autoridade Tributária não procedeu à criação das cadernetas prediais correspondentes a esta frações. Não existindo fisicamente nem matricialmente tais frações, há desconformidade para efeitos de registo predial, uma vez que as mesmas se encontram descritas na CRP a título definitivo quando o registo deveria ser provisório por natureza.
Cumprido o disposto no artigo 131.º-A, no 1 do CRP, nenhum dos interessados veio impugnar os seus fundamentos.
Remetidos os autos ao Tribunal, o processo foi com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser mantida a decisão impugnada.
Foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso de impugnação, e manteve a decisão proferida pelo Sr. Conservador.
A requerente interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões:
A. Antes da insolvência, a sociedade insolvente encontrava-se a efetuar a construção faseada de 7 blocos, composto por 66 frações autónomas correspondentes às letras ... a ..., no terreno descrito na CRP ... sob o n.º ...05.
B. A sociedade insolvente outorgou a competente escritura pública de constituição de propriedade horizontal e apresentou na Autoridade Tributária e Aduaneira a Declaração Modelo 1 IMI, referente às frações ... a ... e ... a ....
C. Apenas com a Declaração Modelo 1 de IMI carimbada pela AT como provisória e com a escritura de constituição de propriedade horizontal apresentou na Conservatória do Registo Predial o pedido de constituição das frações ... a ..., o qual foi registado como definitivo.
D. A Insolvente não construiu, nem sequer iniciou a construção, do Bloco ..., composto por 24 frações referentes às letras ... a ....
E. A insolvente é, na realidade, proprietária de um prédio urbano terreno para construção, mas para efeitos registrais, a Insolvente é proprietária de 24 frações autónomas designadas pelas letras ... a ....
F. Atendendo à falta de correspondência entre a realidade física e registral do prédio urbano, não consegue o Administrador da Insolvência concluir as diligências de liquidação e venda, proceder ao pagamento dos créditos aos credores reconhecidos e encerrar o processo de insolvência.
G. Em 20 de Setembro de 2023, o Administrador da Insolvência requereu a retificação do registo efetuado através da Ap. ...15, que incide sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05/... (...).
H. Em 23 de Novembro de 2023 o Exmo. Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial ..., tomou a sua decisão quanto ao pedido apresentado pelo Administrador da Insolvência entendendo que o registo se encontrava regularmente lavrado.
I. Entende a Recorrente que, de facto, ao contrário da decisão emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viana de Castelo que confirmou a decisão do Exmo. Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial ... poderá, através do processo de retificação, ser alterado o registo ...4 frações autónomas designadas pelas letras ... a ... de registo definitivo para provisório por natureza, atendendo à já declarada falta de construção das referidas frações.
J. Determina o artigo 18.º, n.º 1 do Código de Registo Predial que “O registo é inexato quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade” e, nesse sentido, entende o Recorrente que no caso em crise poderá a qualificação do registo ser efetuado através do processo de retificação.
K. Aquando do pedido de registo pela sociedade insolvente das 24 frações autónomas designadas pelas letras ... a ..., a escritura de constituição da Propriedade Horizontal por si só não era título para a promoção em definitivo do registo pela Conservatória de Registo Predial, pois, tal pedido de registo tem, por regra, de ser acompanhado da Declaração de Modelo I do IMI validada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
L. Quanto às 24 frações não foi apresentada no serviço de finanças a correspondente Declaração de Modelo I do IMI.
M. Assim, sem a apresentação pela sociedade insolvente do Modelo I do IMI submetido e validado pela Autoridade Tributária e Aduaneira nunca o registo da propriedade horizontal deveria ter sido lavrado como definitivo para todo o prédio e frações, como aconteceu, mas sim com natureza provisória.
N. Como reconhece o Exmo. Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial ..., tais elementos não poderiam levar a que o registo fosse lavrado como definitivo.
O. E, assim, o Administrador da Insolvência tem em mãos um imbróglio jurídico, em que não consegue repor a realidade física do imóvel porque os serviços de registo predial que deram aso à presente situação entendem que a qualificação do registo não se coaduna com um pedido de retificação.
P. A Recorrente Massa Insolvente entende é que a escritura de constituição da propriedade horizontal não padece de qualquer vício ou erro, porquanto é possível outorgar a escritura de propriedade horizontal para frações ainda não construídas.
Q. Nos termos do Código de Registo Predial, nunca o registo de propriedade horizontal podia ser lavrado como definitivo, pois dos elementos apresentados a registo não foi comprovada a conclusão das referidas frações, como no caso em crise.
R. A Recorrente entende que não está em causa uma das causas de nulidade previstas no artigo 16.º do Código de Registo Predial, pois, diga-se, que as restantes frações (que não estão em crise nos autos) estão já registadas em nome de terceiros, pelo que qualquer alteração ao título constitutivo da propriedade horizontal demonstra-se impossível dado o número de frações em causa. E, ainda, no que diz respeito ao registo definitivo dessas frações (que não estão em crise nos autos) nunca poderá ser declarada a nulidade do registo das mesmas, porquanto existem fisicamente e cumprem todos os requisitos quanto ao seu registo definitivo.
S. Impondo-se a alteração da decisão recorrida, reconhecendo que é possível a alteração da qualificação do registo das frações letras ... a ... de registo definitivo para provisório por natureza através do processo de retificação - entendimento aliás perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão exarado no processo n.º 3239/07.4TBGDM.P1 de 10/12/2009 - atendendo há já declarada falta de construção das referidas frações e a comprovada inexistência da apresentação da Declaração de Modelo I de IMI no serviço de finanças,
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida proferida e substituída por outra que determine:
A. Ser anulado o ato/decisão proferido pelo Ex.mo Sr. Conservador da Conservatória do Registo Predial ..., com as consequências legais daí advenientes;
B. A retificação da Ap. ...15, que incide sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05/... (...), passando o registo a provisório por natureza quanto às frações ... a ....
Assim decidindo, V. Exas. farão, a tão acostumada, inteira e sã JUSTIÇA!
Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A questão a resolver traduz-se em saber se pode ser retificada a Ap. de inscrição da constituição da propriedade horizontal, passando o registo a provisório por natureza quanto às frações ... a ..., que não chegaram a ser construídas em virtude da insolvência do construtor, não tendo realidade física.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
Foram considerados os seguintes factos que também constam da decisão impugnada:
a) No dia 02/10/2023, o Dr. AA, na qualidade de Administrador Judicial nomeado nos autos de insolvência da sociedade “EMP01..., Lda., deu entrada na Conservatória do Registo Predial ... de um requerimento para retificação do registo constante da inscrição tabular lavrado na ... Conservatória do Registo Predial ..., correspondente à Ap. ...15 de constituição da propriedade horizontal do prédio descrito na dita Conservatória sob o n.º ...05/... (...).
b) A referida inscrição da constituição da propriedade horizontal foi lavrada com base na escritura pública de constituição da propriedade horizontal celebrada no dia 14 de Julho de 2010, no Cartório Notarial ..., sito na Rua ..., ..., na ..., exarada a fls. 79 a fls. 80 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº ...7-A, e outorgada por BB, na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial por quotas denominada “EMP01..., Lda..
c) O identificado outorgante declarou naquele ato que “A sua representada é dona de um prédio urbano composto de sete corpos contíguos, ligados entre si pela cave, seis deles constituídos por cave, rés-do-chão e primeiro andar, e outro de cave, rés-do-chão e três andares, destinados a habitação e comércio, com logradouro, com a área coberta de cinco mil quatrocentos e dezassete metros quadrados, tendo sido cedida para o domínio público, conforme certidão camarária adiante arquivada, a área de oito mil duzentos e vinte e dois virgula cinquenta metros quadrados, sito na Avenida ..., ... e na Rua ..., ... de policia, freguesia ... (...), concelho ..., construído no terreno para construção, inscrito na matriz sob o ...61, com o valor patrimonial tributário de 1.510.309,50 euros, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ..., com aquisição registada a favor da sua representada pela apresentação dois de cinco de maio de dois mil e oito, estando ainda registadas três hipotecas a favor do “Banco 1..., S.A”, pelas apresentações três de cinco de maio de dois mil e oito, três de quatro de junho de dois mil e oito e oito de novembro de dois mil e oito, a que atribui o valor de nove milhões Euros”.
d) Mais, declarou, ainda, “Que o prédio reúne os requisitos exigidos por lei para nele ser instituído o regime de propriedade horizontal, o que faz pela presente escritura, desdobrando-o em sessenta e seis frações autónomas, que constituem unidades independentes e são distintas e isoladas entre si e que fazem parte do documento complementar, elaborado nos termos do número 1 do artigo 64º do Código do Notariado”.
e) No documento complementar anexo à referida escritura consta que o prédio é composto por sete corpos contíguos, blocos ... ", " B ", " C ", " D ", " E ", " F" e " G ", ligados entre si pela cave, seis constituídos por cave, rés-do-chão e primeiro andar e outro de cave, rés-do-chão e três andares destinados a habitação e comércio e logradouro, sito na Avenida ..., ... e na Rua ..., ..., e encontra-se desdobrado nas frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ....
f) As frações dividem-se pelos blocos da seguinte forma:
- Bloco ...: Frações ... a ...;
- Bloco ...: Frações ... a ...;
- Bloco ...: Frações ... a ...;
- Bloco ...: Frações ... a ...;
- Bloco ...: Frações ... a ...;
- Bloco ...: Frações ... a ...; e
- Bloco ...: frações ... a ....
g) Aquando do pedido de registo de constituição de propriedade horizontal, em declaração complementar prestada na requisição de registo, declarou o interessado: “Declara-se que após a cedência ao domínio público da área de 8.222,50 m2, conforme consta da escritura e do documento aprovado pela Câmara Municipal, foi construído um prédio urbano, com a seguinte composição: Formado por sete blocos, ligados entre si pela cave, sendo seis deles compostos de cave, rés do chão e 1º andar e o outro por cave, rés do chão e 3 andares, destinados a habitação e comércio, com a área coberta total de 5.417,00 m2 e descoberta de 4.656,50 m2, sito na Avenida ..., ... e na Rua ..., ... de policia, freguesia ... (...), concelho ..., tendo sido apresentada a declaração Modelo 1 no Serviço de Finanças ... em 08/07/2010”.
h) O pedido de registo foi ainda instruído com a Declaração modelo 1 (IMI), validado no serviço de Finanças em 08/07/2010, o qual foi submetido apenas relativamente à 1ª fase – Blocos ... a ..., atinente às frações autónomas de ... a ... e Declaração Modelo 1 (IMI), validado em 15/07/2011, atinente às frações ... a ... – Blocos ... a F.
i) O referido registo da constituição da propriedade horizontal foi lavrado como definitivo.
j) Relativamente às frações autónomas designadas pelas letras ... a ... que constituem o Bloco ... do edifício, a respetiva declaração Modelo 1 (IMI) apenas foi submetida na Autoridade Tributária em 08/07/2023 que consta como provisório, não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira procedido à criação das cadernetas prediais correspondentes.
k) À data do pedido de registo da constituição da propriedade horizontal o prédio exibia as seguintes inscrições no que tange ao conjunto das frações ... a ... que constituíam o Bloco ...:
- Ap. ...05 – Aquisição;
- Ap. ...05 – Hipoteca Voluntária a favor do Banco 1..., S.A.;
- Ap. ...04 – Hipoteca Voluntária a favor do Banco 1..., S.A.;
- Ap. ...28 – Hipoteca Voluntária a favor do Banco 1..., S.A.;
l) Sobre as descrições subordinadas “...” a “...” consta em vigor inscrição definitiva de arresto pela AP. ...05 de 2013/07/19, em que é Requerente EMP02..., Lda., e Requerida EMP01..., Lda., no âmbito do processo nº 3486/12.... do ... Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial da Maia.
m) Em 15/11/2023 o Tribunal Judicial da Maia informou os autos que o identificado procedimento cautelar de arresto foi declarado caduco e, em consequência, foi determinado o levantamento do arresto ordenado nos autos, em virtude da extinção do respetivo processo executivo.
n) À data da inscrição da constituição da propriedade horizontal o Bloco ... com as suas 24 frações ... a ... - não estava construído nem sequer estava iniciada a sua construção.
o) A referida sociedade EMP01..., Lda. foi declarada insolvente por sentença proferida em 07/10/2015, no âmbito do processo que correu termos na 2ª Secção de Comércio de Oliveira de Azeméis (J 2), do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
p) No âmbito do referido processo de insolvência foram aprendidas, para além do mais, as ditas frações ... a ....
q) O Bloco ... do prédio e as suas 24 frações permanecem por construir.
Pretende o apelante que deve ser retificada a Ap. ...15 de constituição da propriedade horizontal que incide sobre o prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...05/... (...), passando o registo de definitivo a provisório por natureza quanto às frações ... a ....
Tal requerimento foi indeferido pelo Sr. Conservador e sustentada a posição deste pela Sra. Juíza na impugnação judicial que se seguiu àquela decisão.
Não há dúvida e resulta dos factos provados, que a realidade física e matricial não corresponde à realidade registral. Está registada como definitiva a constituição da propriedade horizontal relativamente às frações autónomas ... a ... (distribuídas por sete blocos) do prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...05/... (...), sendo que o Bloco ... (com 24 frações) não chegou a ser construído, em virtude da insolvência da construtora (frações ... a ...).
Este facto – falta de correspondência entre a realidade física e registral do prédio - impede o Administrador da Insolvência de concluir as diligências de liquidação e venda, proceder ao pagamento dos créditos aos credores reconhecidos e encerrar o processo de insolvência. Isto porque, na verdade, a insolvente é proprietária de um prédio urbano, terreno para construção, mas, no registo, a insolvente é proprietária de 24 frações autónomas que, de facto, não existem.
Considera o apelante que o problema pode ser solucionado através da retificação do registo, uma vez que, no que concerne às 24 frações em causa não foi apresentada no serviço de Finanças a correspondente Declaração de Modelo I do IMI que deve instruir a escritura de constituição da propriedade horizontal.
O pedido de registo foi instruído com a Declaração Modelo I, validada pelo Serviço de Finanças, mas apenas relativa às frações ... a ..., pelo que só relativamente a estas frações deveria ter sido lavrado o registo da propriedade horizontal como definitivo, lavrando-se como provisório por natureza relativamente às demais frações.
Entende o Sr. Conservador que a forma de solucionar este diferendo é, não através da retificação do registo, mas sim através da obtenção da declaração de nulidade do registo definitivo daquelas frações autónomas, a obter em ação própria, caso se confirme a falsidade do título (escritura de constituição da propriedade horizontal).
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 1.º do Código do Registo Predial “O registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário”.
À partida, poderíamos já dar como certo que tal desiderato não se cumpre na situação relatada nos autos, face à evidente divergência entre a realidade física e a realidade registral.
É claro que, como salienta o Sr. Conservador, o registo foi lavrado com base no título constitutivo da propriedade horizontal – escritura pública outorgada em 14/07/2010 pelo gerente, em representação da sociedade “EMP01..., Lda.”, tendo este aí declarado que a sua representada é dona de um prédio urbano composto de sete corpos contíguos, ligados entre si pela cave e desdobrado em 66 frações autónomas. Ou seja, a inscrição de constituição da propriedade horizontal retrata o que consta da escritura de constituição da mesma.
Contudo, como já salientámos, o último Bloco não chegou a ser construído pelo que inexistem as inscrições matriciais correspondentes.
Pede o apelante que tal situação seja corrigida através da retificação do registo e entende o Sr. Conservador que a mesma só pode ser corrigida através da competente ação judicial que determine a nulidade do registo por ter sido lavrado com base em título falso – artigos 17.º e 16.º, a) do CRP.
Dispõe o artigo 121º, nº 1 do CRP que “Os registos inexatos e os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador, logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito”. Excecionalmente, é admissível a retificação de um registo nulo ou indevidamente lavrado sem que haja declaração de nulidade em tribunal, no caso de o registo ter sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado (artigo 16.º, b) do CRP) - “o seu cancelamento não tem que acontecer somente em consequência de decisão judicial com trânsito em julgado (Artº 17º, nº1, do C. R. Predial). Este expediente (da ação judicial), para a obtenção do cancelamento, está reservado para os casos em que se impugne o título (arguindo-o de falso, por exemplo) ou se ponha em causa o respetivo direito (o que decorre, por exemplo, da procedência de ações de reivindicação). Já não assim quando o cancelamento pode ocorrer por efeito do processo interno (na Conservatória) de retificação do mesmo registo, regulado nos Artºs 120º e segts do Código do Registo Predial – cfr., entre outros, Isabel Pereira Mendes, in “Código de Registo Predial, Anotado”, 1986, anotação ao referido Artº 16º, pag. 56”
Ou seja,” bastará um simples despacho, e não serão necessárias quaisquer outras formalidades para retificar o registo, sendo dispensado para tanto o aludido consentimento, sempre que a inexatidão provenha de desconformidade com o título, analisados os documentos que sirvam de base ao registo, e a retificação não seja suscetível de prejudicar direitos dos titulares inscritos, conforme também preceituam os Artºs 124º e 125º, nº1, al. a)” – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 10/12/2009, processo n.º 3239/07.4TBGDM.P1 (Teixeira Ribeiro).
De acordo com o disposto no artigo 18.º do CRP “O registo é inexato quando se mostre lavrado em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enferme de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade”, sendo que os registos inexatos são retificados nos termos dos artigos 120.º e seguintes.
No caso dos autos, salvo o devido respeito, apesar do registo ter sido efetuado em conformidade com o declarado na escritura de constituição de propriedade horizontal, a verdade é que não se atendeu ao facto de apenas as frações ... a ... terem inscrição matricial, faltando esta para as restantes 24 frações. A escritura de constituição da propriedade horizontal estava acompanhada da Declaração Modelo I do IMI validada pela Autoridade Tributária, mas apenas para as frações ... a ..., não tendo as restantes frações ... a ... a correspondente certidão matricial ou Declaração de Modelo I (IMI), evidentemente, porque nem sequer estavam construídas.
Ora, conforme resulta do disposto no artigo 31.º, n.º 1 do CRP “Para a realização de atos de registo deve ser feita prova da inscrição na matriz, da declaração para inscrição, quando devida, se o prédio estiver omisso, ou da pendência de pedido de alteração ou retificação”. Uma vez que apenas se fez prova da inscrição na matriz relativamente às frações ... a ..., só relativamente a estas poderia ser lavrado o registo definitivo, sendo que, quanto às demais, teria que ser lavrado provisório por natureza (nos termos do artigo 92.º, n.º 1, alínea b) do CRP as inscrições de propriedade horizontal antes de concluída a construção do prédio, são pedidas como provisórias por natureza).
Tal ocorre porque, como resulta dos autos, a não construção do último Bloco não impediu a comercialização dos restantes e, por isso mesmo, não podia, agora, pedir-se a nulidade da escritura de constituição da propriedade horizontal e respetivo registo, sem que os direitos dos compradores das frações concluídas fossem postos em causa.
Torna-se, assim, necessário, face à falta da certidão matricial e da Declaração Modelo I de IMI validada junto do Serviço de Finanças, relativamente às 24 frações não construídas, integrantes do Bloco ..., retificar o registo de constituição da propriedade horizontal, que deve passar a provisório por natureza por o registo ter sido lavrado em desconformidade com os documentos apresentados e que serviram de base ao registo, e a retificação não ser suscetível de prejudicar direitos dos titulares inscritos (artigos 124º e 125º, nº1, al. a) do CRP).
III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, que manteve a decisão proferida pelo Sr. Conservador, para que, em sua substituição, se determine que na Conservatória do Registo Predial ..., se atenda, de imediato, ao pedido formulado pelo apelante, retificando-se a Ap. ...15 que incide sobre o prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º ...05/... (...), passando o registo a provisório por natureza quanto às frações ... a ... do Bloco ....
Sem custas.
***
Guimarães, 5 de dezembro de 2024
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes
Carla Maria Sousa Oliveira