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NOMEAÇÃO DE DEFENSOR
DISPENSA DE PATROCÍNIO
PRAZO EM CURSO
DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À PREPARAÇÃO DA DEFESA
Sumário
I - Como claramente emerge das disposições conjugadas dos Artºs. 39º, nº 1, 45º, nº 2 e 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 66º, do C.P.Penal, enquanto não for substituído o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo, não tendo o pedido de dispensa ou de substituição a virtualidade de produzir qualquer efeito no andamento do processo, ou sequer no decurso do prazo que esteja em curso. II – Na situação em apreço, ao contrário da tese que esgrime, sempre o arguido teve defensor nomeado nos autos, designadamente no período de tempo que invoca, e sempre lhe foi assegurado o direito ao contraditório e à preparação da defesa, tudo em perfeita consonância com as pertinentes normas legais aplicáveis. Sendo, ademais, irónico e sintomático da sua postura processual que o recorrente traga à liça este tipo de argumentação, de preterição dos seus direitos de defesa, quando o próprio “sistema” lhe proporcionou a nomeação, nos presentes autos, de pelo menos 22 (vinte e dois) advogados diferentes, para assegurar a sua defesa. Número [escandaloso e incompressível] bem demonstrativo das fragilidades e da aparente falta de controlo desse mesmo “sistema”, e dos manifestos abusos que o mesmo propicia, como tudo indica ter ocorrido no caso vertente.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Processo Comum Singular nº 1199/15...., do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi submetido a julgamento o arguido:
AA, divorciado, empresário, nascido em ../../1976, natural de ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., ..., ..., titular do Cartão de Cidadão nº ....
*
2. Em 21/01/2019 foi proferida a respectiva sentença, que se mostra junta a fls. 431/439, depositada no mesmo dia, da qual extrai o seguinte dispositivo (transcrição [1]):
“Pelo exposto, decide-se:
a) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º/1 do CP na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
b) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla p. e p. pelo artº 217º/1 do CP na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
c) Em cúmulo jurídico das penas referidas em a) e b), condenar o arguido AA na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), num total de €1 250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).
(...)”.
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3. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 508 / 521 Vº, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões [2] e petitório (transcrição):
“A – O ora recorrente foi condenado por Douta Sentença datada de 21.01.2019 em cúmulo jurídico pela prática de dois crimes de burla p. e p. pelo artigo 217.º n.º 1 do Código Penal, na pena de multa única de 250 (duzentos e cinquenta) dias à taxa diária de €5,00 (cinco euros) no total de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).
B – A douta sentença condenatória que ora se recorre, foi notificada à M. Ilustre Defensora do arguido (Dr.ª DD) no próprio dia da Leitura – 21.01.2019 – e comunicada/notificada pessoalmente ao ora requerente pelo Consulado Português de ... em 31.05.2024.
C – Entre a leitura da sentença condenatória com comunicação presencial da Defensora (à data e momento) do recorrente e o dia este foi notificado na sua pessoa da dita sentença, passaram 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias.
D – Estando em análise nos presentes autos a natureza da pena aplicada, como sendo a pena de multa, esta natureza enquadra-se na alínea d’ do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, ou seja, “As penas prescrevem no prazo de quatro anos, nos restantes casos”.
Assim,
E – e como se dá à evidência, entre a a prolação/leitura da Sentença ora recorrida – 19.01.2019 -, e o dia 31.05.2024 ocorreu um lapso temporal superior a 4 (quatro) anos impostos legalmente pelo artigo 122.º do Código Penal.
F – Estando assim, salvo o devido respeito, a respetiva pena de multa extinta por efeitos de prescrição.
SEM PRESCINDIR
G – O Julgamento ocorrido nos presentes autos abalroou e violou clamorosamente os mais elementares princípios do Direito bem como os direitos, liberdades e garantias previstos legal e Constitucionalmente.
H – Em consequência, incorreu o Tribunal a quo em grave erro sob o julgamento, pois precipitou a audiência de julgamento em detrimento dos mais variados bens do arguido.
I – O Tribunal a quo ao precipitar e impor a continuidade da audiência de julgamento – entre o dia 04.01.2019 e o dia 09.01.2019 – violou direitos fundamentais tais como, o direito à assistência condigna, atempada e articulada; o direito a um processo penal equitativo e justo; o direito ao contraditório e à defesa; o direito do acesso efetivo aos tribunais e à justiça, bem como o direito à sua audiência.
J – O Tribunal a quo violou inequivocamente, entre outros, os artigos 61,º, 63.º e 66.º do Código Penal e os artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
K – Tal violação inquina toda a douta Sentença recorrida, pois a audiência de julgamento que a precedeu ocorreu com a violação dos preceitos normativo-constitucionais supra identificados, sendo por isso a mesma NULA.
L – A nulidade da mesma implica a repetição dos atos até ao momento em que a mesma se verificou/verifica.
M - Razão pela qual deverá ser reenviado os autos para o Tribunal de Julgamento por forma a que seja repetida a audiência de julgamento, desta feita, por respeito aos Direitos, Liberdades e Garantias do recorrente/arguido.
Ainda, e no caso de improcederem as alegações supra articulados, o que não se concebe nem concede sempre se dirá que:
N – A pena de multa aplicada não ora recorrente, violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º e 77.º do Código Penal,
Porquanto,
O – O alegado grau de ilicitude em causa nos fatos em julgamento é diminuto.
P – O alegado prejuízo patrimonial causado aos ofendidos é reduzido, e a vantagem virtual alegadamente conseguida pelo ora recorrente é irrisória.
Q – Para além de que, o recorrente estabeleceu contatos prévios com o agente do DJ. EE, timbrou os “flyers” com a aposição dos logótipos/publicidade dos ofendidos e distribuí-os.
R – A medida da pena não pode ser superior à medida da culpa, conforme estatui o artigo 71.º do Código Penal.
S – In Casu, a pena de multa aplicada ao ora recorrente é desproporcional a alegada medida de culpa aferido pelo Tribunal a quo.
T – Pelo que, e em caso de confirmação da Pena de Multa a aplicar ao recorrente nunca poderá exceder em cúmulo jurídico a pena única de multa de 180 (cento e oitenta) dias à taxa diária de €5,00 (cinco euros).
U – Sob pena de assim não se verificar, estarem a ser clamorosamente violados os arestos legais previsto nos artigos 40.º 71.º e 77.º.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS.:
− Deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência deverá:
a) Julgar-se verificada a Prescrição da Pena de Multa por efeito do decurso do tempo, nos termos da alínea d’ do n.º 1 do artigo 122.º do Código Penal, declarando a pena de multa extinta por meio dessa mesma Prescrição legal.
SEM PRESCINDIR E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA:
b) Deverá ser considerada nula a ora sentença recorrida, por violação dos artigos Legais e Constitucionais, 61.º, 63.º e 66.º do Código Penal e 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser reenviado o processo para repetição do julgamento em primeira instância. AINDA E À CAUTELA, e no caso de improcedência das alíneas a) e/ou b) supra,
c) Sempre deverá a pena única de multa a aplicar ser devidamente reduzida, para limite máximo que não exceda os 180 (centos e oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros). Assim decidindo, V. Exas. farão JUSTIÇA”.
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4. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 526 / 530 Vº, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão condenatória.
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5. A Exma. Procurador-Geral Adjunta junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que se mostra junto a fls. 532 / 535 Vº, pugnando, também, pela improcedência do recurso, posição em abono da qual expendeu pertinentes e esclarecidas observações jurídicas.
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6. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal [3], não foi apresentada qualquer reposta.
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7. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO 1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [4].
Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, este coloca a este Tribunal as seguintes questões que basicamente importa decidir:
- Saber se se mostra prescrita a pena de multa aplicada;
- Saber se enferma de nulidade a sentença recorrida [por violação do direito à assistência de defensor e consequente violação dos direitos, liberdades e garantias do arguido]; e
- Saber se é ou não excessiva a pena aplicada.
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2. Porém, para uma melhor compreensão das questões colocadas e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade. 2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1. No dia 16 de Junho 2015, pelas 10h30, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento comercial “EMP01...”, sito na Rua ..., em ..., propriedade do ofendido FF.
2. Aí chegado, o arguido informou o ofendido FF que, no dia 27 de Junho de 2015, iria realizar um evento no “...”, sito na Rua ..., em ... e propôs-lhe vender publicidade nos “flyers” feitos para o efeito.
3. O ofendido FF aceitou a proposta do arguido AA, tendo ambos acordado que o arguido produziria e distribuiria 5 000 flyers mediante a entrega por parte do ofendido de € 80,00 (oitenta euros) em numerário.
4. O ofendido FF entregou de imediato ao arguido a quantia de € 40,00 e exigiu-lhe que lhe exibisse alguns flyers para lhe entregar os restantes € 40,00.
5. Passada cerca de uma semana, o arguido AA deslocou-se novamente ao estabelecimento comercial “EMP01...” e exibiu ao ofendido FF cerca de 10 flyers, com publicidade ao estabelecimento comercial “EMP01...”, altura em que aquele lhe entregou os restantes € 40,00.
6. No dia 17 de Junho 2015, pelas 15h00, o arguido AA deslocou-se ao estabelecimento comercial “EMP02...”, sito na Avenida ..., em ..., propriedade de GG.
7. Aí chegado, o arguido informou o ofendido GG que, no dia 27 de Junho de 2015, iria realizar um evento no “...”, sito na Rua ..., em ... e propôs- lhe vender publicidade nos “flyers” feitos para o efeito.
8. O ofendido GG aceitou a proposta do arguido AA, tendo ambos acordado que o arguido distribuiria 20 000 flyers, com publicidade à firma “EMP02...”, mediante o pagamento da quantia de €150,00, em numerário, a qual veio efectivamente a ser entregue ao arguido em duas prestações.
9. Perante a receptividade do ofendido GG, o arguido AA efectuou nova proposta para que o ofendido afixasse publicidade da sua firma numa lona, junto ao “...”, durante os vários eventos que ali iriam decorrer nos meses de Junho a Setembro de 2015.
10. Perante a nova proposta e por ser boa para o negócio do ofendido, GG entregou ao arguido € 100,00 (cem euros) em numerário.
11. Todavia, sabia o arguido que não iria realizar qualquer evento no “...”, intenção que omitiu aos ofendidos FF e GG.
12. Apesar disso, o arguido AA simulou alguns “flyers”, publicitando abusivamente diferentes entidades que intitulou de “sponsors”, com vista a tentar convencer os ofendidos que as festas prometidas se iriam realizar.
13. No entanto, o arguido não contratou qualquer DJ, músicos, staff para realizar festas ou eventos.
14. Nem o arguido alguma vez requereu junto da Câmara Municipal ... autorização para a realização de qualquer festa ou evento.
15. Nunca o arguido AA levou a cabo qualquer diligência para que as festas efectivamente se realizassem nem devolveu o dinheiro que os ofendidos lhe entregaram.
16. Actuando da forma e circunstâncias descritas, agiu o arguido com o propósito concretizado de alcançar para si um benefício patrimonial ilegítimo que não obteria de outra forma.
17. Na verdade, logrou conseguir para si a quantia total de € 330,00 (trezentos e trinta euros) em prejuízo do património dos ofendidos.
18. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(...)
19. O arguido AA chegou a contactar o agente do DJ HH, mas nunca houve qualquer acordo para que ele actuasse no evento supostamente organizado pelo arguido.
20. Por sentença proferida em 18/02/1999, transitada em julgado, o arguido AA foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 400$00, pela prática, em 11/02/1999, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98, de 3/01, pena essa já extinta.
21. Por sentença proferida em 4/11/1999, transitada em julgado, foi condenado na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 700$00, num total de €56 000,00, pela prática, em 12/05/1999, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98, de 3/01, pena essa já extinta.
22. Por sentença proferida em 25/11/1999, transitada em julgado em 3/03/2000, foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 400$00, pela prática, em 6/02/1998, de um crime de emissão de cheque sem provisão p. e p. pelo art. 11º nº1 al. a) do DL nº 454/91, de 28/12, pena essa já extinta.
23. Por sentença proferida em 25/06/2003, transitada em julgado, foi condenado na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €3,00, num total de €600,00, pela prática, em 7/08/2001, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração p. e p. pelo art. 359º CP, pena essa já extinta.
24. Por sentença proferida em 18/02/2003, transitada em julgado em 14/10/2003, foi condenado na pena de 9 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, com regime de prova, pela prática, entre Abril e Junho de 2001, de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art. 205º nºs 1 e 4 a) CP, pena essa já extinta.
25. Por sentença proferida em 21/10/2003, transitada em julgado em 5/11/2003, foi condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 12 meses pela prática, em 27/06/2001, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração p. e p. pelo art. 359º CP, pena essa já extinta.
26. Por sentença proferida em 8/11/2006, transitada em julgado em 15/07/2008, foi condenado na pena de 8 meses de prisão a cumprir em dias livres, durante 48 fins-de-semana, pela prática, em 2/07/2005, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL nº 2/98, de 3/01.
27. Por sentença proferida em 23/02/2007, transitada em julgado em 12/03/2007, foi condenado na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos pela prática, em 6/02/2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL nº 2/98, de3/01, tendo posteriormente sido revogada a suspensão de execução da pena de prisão e declarada extinta a pena.
28. Por sentença proferida em 19/06/2007, transitada em julgado em 25/05/2009, foi condenado na pena de 7 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica pela prática, em 5/06/2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º nº2 do DL nº 2/98, de3/01, pena essa já extinta.
29. Por sentença proferida em 20/12/2007, transitada em julgado em 30/10/2008, foi condenado na pena de 12 meses de prisão pela prática, em 26/11/2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL nº 2/98, de 3/01, pena essa já extinta.
30. Por acórdão proferido em 28/01/2010, transitado em julgado em 1/03/2010, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 meses de prisão substituída por 365 horas de trabalho a favor da comunidade pela prática, em 27/09/2006 e 8/09/2007, de dois crimes de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL nº 2/98, de 3/01, pena essa já extinta.
31. Por sentença proferida em 4/07/2011, transitada em julgado em 9/09/2011, foi condenado na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, suspensão com regime de prova, pela prática, em 25/01/2007, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º do DL nº 2/98, de 3/01, pena essa já extinta.”.
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2.2. Considerou não provado que:
“(...) o arguido AA tivesse dito aos ofendidos FF e GG que era o proprietário do “...”, sito na Rua ..., em ....
(...) o arguido AA tivesse contactado o próprio DJ HH.
(...) o arguido tivesse mandado produzir e/ou distribuído as quantidades de flyers acordadas com os ofendidos FF e GG (5 000 e 20 000, respectivamente) ou quaisquer outras para além daquelas que ele próprio lhes exibiu de modo a convencê-los a entregar-lhe as quantias acordadas.”.
*
2.3. E motivou essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):
“O arguido AA não compareceu à audiência de julgamento apesar de regularmente notificado.
A convicção do tribunal quanto aos elementos constitutivos do crime e ao modo como foi cometido baseou-se, antes de mais, nas declarações do próprio ofendido FF.
Num discurso extremamente preciso, seguro e convincente, o ofendido II descreveu a abordagem do arguido AA, o qual não se intitulou proprietário do “...”, mas sim um organizador de eventos no referido estabelecimento, um dos quais a ter lugar no dia 27/06/2015.
De seguida, descreveu os termos do acordo celebrado entre ambos, em consonância com o que foi dado como provado (cfr. nºs 3 a 5 da matéria de facto provada).
Prosseguiu o seu depoimento, explicando que, no próprio dia da realização do evento, o arguido transmitiu-lhe que o mesmo já não iria realizar-se uma vez que o DJ HH sofrera um acidente.
Como achou tudo bastante suspeito, nesse mesmo dia, deslocou-se ao “...”, constatando que não havia vestígios da realização de qualquer festa, chegando, inclusive, à fala com o proprietário do dito estabelecimento, a quem exibiu um dos flyers que lhe foram entregues pelo arguido, apercebendo-se, então, que ele ficou bastante surpreendido, pois desconhecia por completo o teor do mesmo, designadamente o que nele se anunciava, isto é, a realização de uma festa de fim de aulas no bar em causa (cfr. fls 11).
Terminou, acrescentando que, até hoje, o arguido não lhe devolveu qualquer quantia monetária.
Em segundo lugar, baseou-se o tribunal no depoimento seguro e circunstanciado da testemunha JJ, esposa do ofendido II, a qual presenciou os contactos estabelecidos entre o arguido e o seu marido, assistindo ao que foi acordado. Confirmou integralmente as declarações deste último, à excepção da quantia entregue ao primeiro, que pensava terem sido €60,00 e não €80,00, frisando, porém, que, neste último aspecto, era o marido que estava mais dentro do assunto.
Acrescentou que, no próprio dia 27 de Junho de 2015, o arguido transmitiu-lhes que o DJ HH “tinha-se metido nos copos” e tivera um acidente, razão pela qual o evento não se iria realizar. Entraram, então, em contacto com o agente do mencionado DJ, o qual comunicou-lhes que tal não correspondia à realidade. De seguida, o marido deslocou-se ao “...”, vindo a apurar que nunca estivera programada a realização de qualquer festa.
Em terceiro lugar, levou-se em conta o depoimento seguro e sincero do ofendido GG, o qual descreveu a abordagem do arguido (que se apresentou como filho do proprietário do “EMP03...” e como promotor de eventos), os contactos entre ambos e o que ficou acordado, tudo em consonância com o que foi dado como provado (cfr. nºs 6 a 10 da matéria de facto provada).
Acrescentou que, no dia do evento, o arguido comunicou-lhe que o mesmo fora cancelado em virtude do DJ HH ter sofrido um acidente de viação, tendo tido conhecimento através do casal constituído pelas duas testemunhas anteriores que nunca estivera prevista a realização de qualquer festa no “...”. Até hoje, o arguido não lhe restituiu qualquer quantia monetária.
Em quarto lugar, baseou-se o tribunal nas declarações isentas e precisas da testemunha HH, o qual esclareceu que o arguido nunca o contactou directamente, tendo contactado sim o seu agente; que nunca chegaram a qualquer acordo; que é completamente abusiva a utilização do seu nome no flyer de fls 11 e que também não teve qualquer acidente no ano de 2015.
Dito isto, importa ainda sublinhar que as empresas que aparecem como patrocinadoras do evento nos flyers produzidos pelo arguido (cfr. flyers de fls 11) nunca o patrocinaram (cfr. fls 285, 298 e poderia ainda invocar-se a informação de fls 240), o mesmo sucedendo com o Município ... (cfr. fls 301 e 310), sendo abusiva a utilização dos respectivos logótipos. Acresce que o arguido nunca requereu qualquer autorização ou licença junto da Câmara Municipal ... (cfr. fls 301), da ... (cfr. fls 247) ou da Audiogest (cfr. fls 313) para a realização do evento que se propôs levar a cabo.
A conjugação de todos os meios de prova acima referidos inculca a ideia de que os factos ocorreram da forma como foram dados como provados, não se tendo suscitado ao tribunal a mais pequena dúvida a esse respeito.
Na verdade, o que se extrai da conjugação de tais meios de prova é que nunca esteve prevista a realização de qualquer evento organizado pelo arguido no dia 27/06/2015 no “...” e que ele actuou, desde o início, com a intenção pré-concebida de ludibriar os ofendidos, de modo a conseguir obter um benefício patrimonial ilegítimo, “falsificando” alguns flyers para convencê-los a entregar-lhe as quantias monetárias que pretendia.
Basta pensar que o proprietário do ... desconhecia a iniciativa, o mesmo sucedendo com os alegados “sponsors”; que a utilização dos logótipos destes foi abusiva; que nunca esteve programada qualquer actuação do DJ HH, pois nunca houve qualquer acordo com o mesmo; que a utilização do nome deste nos flyers foi igualmente abusiva e, finalmente, que ele não teve qualquer acidente no ano de 2015, conforme o arguido quis fazer crer para justificar o cancelamento do evento.
Contra tais conclusões alega o arguido que se fosse sua intenção iludir os denunciantes, não elaboraria os panfletos nem encetaria contactos e negociações com o próprio DJ para a concretização do evento nem sequer teria chegado a entregar os referidos panfletos aos ofendidos.
Ora, como muito bem é salientado na decisão instrutória, quer a elaboração de alguns flyers (em número necessariamente diminuto), quer os contactos com o agente do DJ HH tiveram uma finalidade instrumental ao serviço da estratégia do arguido, visando credibilizar a sua actuação junto dos ofendidos e justificar a ulterior não realização do evento, imputando responsabilidades àquele e descartando responsabilidades próprias, sempre com o objectivo de, numa primeira fase, obter e, numa segunda fase, não restituir as quantias que lhe foram entregues.
Desde logo, os ofendidos, aquando da abordagem inicial, apenas lhe entregaram parte do montante reclamado, exigindo a apresentação de alguns flyers para entregarem o restante, sendo, nessa sequência, que o arguido vem a apresentar-lhes alguns deles (cerca de 10 no caso do ofendido FF).
Por outro lado, o arguido, prevendo, obviamente, problemas já que o evento prometido nunca se realizaria, quis que a encenação fosse o mais perfeita possível, o que, aliás, é uma característica de uma grande parte dos burlões, principalmente daqueles que têm algum jeito para este tipo de crimes, como é manifestamente o caso do arguido AA.
É neste contexto que se inserem os contactos com o agente do DJ HH, a utilização abusiva do nome deste nos panfletos que exibiu aos ofendidos, a comunicação de que o referido artista tivera um acidente como motivo para o cancelamento do evento e a recusa da restituição das quantias entregues com o argumento de que as mesmas deveriam ser reclamadas junto daquele, que seria o verdadeiro responsável por tal cancelamento.
Alega o arguido, por último, que a finalidade inerente ao dinheiro que lhe foi entregue era a de promover as actividades desenvolvidas pelos denunciantes. Com a distribuição dos flyers poderia considerar-se que tal objectivo foi cumprido.
Ora, contra isto, há que dizer que os autos não demonstram que o arguido tivesse produzido e distribuído as quantidades de flyers acordadas com os ofendidos. Aliás, demonstram precisamente o contrário, isto é, que simulou ou “falsificou” alguns deles com o objectivo já descrito.
Ainda que, por completo absurdo, o tivesse feito, nem por isso o engano e o prejuízo para os ofendidos deixariam de ter-se verificado, pois nenhuma empresa quer ter o seu nome associado a eventos que não se realizam.
Relativamente aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em conta o CRC de fls 405 e ss devidamente examinado em sede de audiência de julgamento.
Quanto aos restantes factos não provados, cumpre dizer que nenhuma outra prova se produziu em audiência que permitisse dar como provados outros factos para além dos que, nessa qualidade, se demonstraram.”.
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3.Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo recorrente no seu recurso, as quais, evidentemente, serão apreciadas segundo a sua precedência lógica.
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3.1. Da nulidade da sentença, por violação do direito à assistência de defensor
Neste âmbito sustenta o recorrente que a sentença recorrida é nula em virtude de o tribunal a quo ter imposto a continuidade da audiência de julgamento – entre o dia 04/01/2019 e o dia 09/01/2019 – dessa forma violando direitos fundamentais tais como o direito à assistência condigna, atempada e articulada; o direito a um processo penal equitativo e justo; o direito ao contraditório e à defesa; o direito do acesso efetivo aos tribunais e à justiça e o direito à audiência, bem como, entre outros, os Artºs. 61º, 63º e 66º, do C.P.Penal, e 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
Apresentando o recorrente, em abono da sua tese, na respectiva motivação, a seguinte linha temporal:
- A 21.11.2018 por ofício de fls. foi nomeada ao arguido a Mui Ilustre Defensora Dr.ª KK;
- A 20.12.2018 foi realizada a primeira sessão de audiência de julgamento, onde consta da respetiva ata a ausência do arguido;
- Consta, ainda, da referida ata que o arguido iria ser ouvido, caso comparecesse, na 2.ª data de audiência já designada para o dia 09.01.2019;
- A 02.01.2019, conforme ofício de fls 424, a Mui Ilustre Defensora Dr.ª KK foi substituída pela M. Ilustre Defensora Dr.ª DD;
- Substituição essa confirmada judicialmente por douto despacho datado de 04.01.2019 de fls. 425;
- A continuação da audiência de Julgamento realizou-se no dia 09.01.2019, ou seja, poucos dias depois de ser nomeada e confirmada a substituição da última ilustre defensora do arguido;
- A Ilustre defensora ora nomeada, Dr.ª DD, fez o pedido de escusa no âmbito dos presentes autos. Cfr. ata de audiência de julgamento datada de 09.01.2019 de fls. 426;
- O arguido, igualmente, não estava presente na segunda data designada;
- Escusa essa que viria a ser aceite, sendo que a Ilustre Defensora Dr.ª DD foi substituída pela Ilustre Defensora Dr.ª LL, a 18.01.2019 cfr. fls. 441.
Vejamos, pois.
Desde logo se dizendo que as causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no Artº 379º do C.P.Penal, e nelas não se inclui a pretensa violação do direito à assistência de defensor e consequente pretensa violação dos direitos, liberdades e garantias do arguido.
Quando muito, poderia estar em causa a ocorrência de alguma nulidade/irregularidade processual subsumível na previsão dos Artºs 118º a 123º do C.P.Penal, o que também não sucede.
Seja como for, e adiantando a nossa posição, entendemos não ter ocorrido qualquer violação dos direitos invocados pelo arguido, bastando para tanto atentar nas principais incidências processuais que a propósito os autos [5] nos revelam: a) No âmbito do Inquérito nº 1198/15.... [que constitui o Apenso A], que entretanto foi apensado aos presentes autos na sequência do despacho neles exarado pela Exma. Procuradora da República em 20/10/2015, a fls. 62, em 09/09/2015 foi nomeada como defensora do arguido a Dra. MM; b) Pelo requerimento de 08/01/2016, constante de fls. 73, a Dra. MM veio informar ter requerido junto da Ordem dos Advogados dispensa do patrocínio do arguido; c) Pelo ofício de 11/01/2016, constante de fls. 76, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. MM e que, em substituição, nomeava o Dr. NN; d) Pelo requerimento de 15/01/2016, constante de fls. 90, o Dr. NN veio informar ter apresentado junto da Ordem dos Advogados pedido de escusa do exercício do patrocínio do arguido, requerendo fossem interrompidos os prazos que estivessem a correr nos autos, nos termos dos Artºs. 34º, nºs. 2 e 3, 42º, nº 1, e 44º, todos da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais; e) Pelo ofício de 20/01/2016, constante de fls. 92, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pelo Dr. NN e que, em substituição, nomeava a Dra. OO; f) Pelo requerimento de 28/01/2016, constante de fls. 99, a Dra. OO veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de escusa de defesa/patrocínio do arguido; g)Pelo ofício de 29/01/2016, constante de fls. 105, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. OO e que, em substituição, nomeava a Dra. PP; h) Pelo despacho de 01/10/2018, contante de fls. 387 / 387 Vº, foi designado o dia 20/12/2018, pelas 14H00m, para realização de audiência de julgamento, e o dia 09/01/2019, pelas 14H00m, para a realização da mesma, se se entendesse que a presença do arguido era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, nos termos dos Artºs. 312º, nº 2 e 333º, nºs. 1 e 3, do C.P.Penal; i) Tal despacho foi devidamente notificado, para além do mais, quer ao arguido (cfr. fls. 391), quer à sua defensora oficiosa [Dra. PP], tendo esta apresentado nos autos, no dia 22/10/2018, a contestação escrita que se mostra junta a fls. 396 / 398 Vº; j) Pelo ofício de 14/11/2018, constante de fls. 401, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. PP e que, em substituição, nomeava a Dra. QQ; k) Pelo despacho de 19/11/2028, constante de fls. 402, foi determinada a notificação de tal nomeação ao arguido e à nova advogada nomeada, com a informação a esta última das datas designadas para a realização da audiência de julgamento; l) Pelo ofício de 21/11/2018, constante de fls. 419, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. QQ e que, em substituição, nomeava a Dra. KK; m) Pelo despacho de 29/11/2018, constante de fls. 420, foi determinada a notificação de tal nomeação ao arguido e à nova advogada nomeada, com a informação a esta última das datas designadas para a realização da audiência de julgamento; n) Em 19/12/2018 o arguido dirigiu aos autos requerimento subscrito pelo próprio, solicitando o adiamento do julgamento aprazado para o dia seguinte, sustentando que “ainda não foi nomeado advogado com o julgamento amanhã dia 20 Dezembro”; o) Na data para o efeito aprazada, ou seja, no dia 20/12/2018, pelas 15H00, deu-se início à audiência de discussão e julgamento, verificando-se a presença de todos os convocados, com excepção do arguido, tendo a defesa do mesmo sido assegurada pela Dra. KK, sendo que, na parte no inicial, o Mmº Juiz a quo preferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Vem o arguido AA requerer o adiamento da audiência de julgamento uma vez que, nas suas palavras, não existe defensora nomeada nos autos.__
Ora, para além de o alegado não corresponder à realidade, uma vez que o arguido encontra-se devidamente patrocinado pela Dra. KK, não existindo qualquer deferimento de um eventual pedido de substituição de patrocínio, os motivos alegados também nunca constituíram causa justificativa para que o arguido não comparecesse na audiência de julgamento do dia de hoje, para a qual se encontra devidamente notificado. __
Em face do exposto, considera-se injustificada a falta do arguido AA à presente audiência de julgamento, condenando-se o mesmo na multa de 2 UCs (art.º 116.º, n.º 1, do C. P. Penal).__
Notifique.__”;
Tal despacho foi notificado a todos os presentes, não tendo merecido qualquer reparo, nomeadamente por banda da defesa do arguido;
De seguida, procedeu-se à produção da prova, finda a qual o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Face ao exposto, suspende-se a presente audiência de julgamento, a qual continuará na 2ª data designada para audição do arguido AA, caso o mesmo compareça.__
Notifique, sendo o arguido AA por via postal simples para a morada constante do TIR, com cópia da presente acta da audiência de julgamento.__”; p) Pelo ofício de 02/01/2019, constante de fls. 424, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. KK e que, em substituição, nomeava a Dra. DD; q) Pelo despacho de 04/01/2019, constante de fls. 425, foi determinada a notificação de tal advogada nomeada para comparecer na data designada para continuação da audiência de julgamento [09/01/2019, pelas 14H00]; r) Pelo requerimento de 07/01/2019, a Dra. DD veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de escusa de defesa/patrocínio do arguido; s) Em 08/01/2019 o arguido dirigiu aos autos requerimento subscrito pelo próprio, solicitando o adiamento do julgamento aprazado para o dia seguinte, sustentando, em síntese, que ainda não tem advogada, dado que a anterior pediu escusa, mais adiantando não prescindir da sua presença e pretender “falar para a descoberta da verdade”; t) No dia 09/01/2029, pelas 15H00, teve lugar a continuação da audiência de discussão e julgamento, uma vez mais se verificando a falta do arguido, cuja defesa foi assegurada pela Dra. DD, que compareceu e se encontrava presente.
Sendo que, reaberta a audiência, o Mmº Juiz a quo preferiu o seguinte despacho (transcrição):
“Veio o arguido AA requerer o adiamento da audiência de julgamento, com fundamento no facto da Dra. DD ter pedido escusa no âmbito dos presentes autos.__
Conforme comunicado pela Dra. DD a este Tribunal, foi o próprio arguido que tomou a iniciativa de lhe telefonar e, sem qualquer motivo, lhe pediu encarecidamente para pedir escusa; que queria um advogado do ..., solicitando-lhe que não comparecesse à presente diligência, pedido a que não acedeu por entender ser seu dever profissional assegurar a defesa do arguido não obstante as circunstâncias em causa.__
Em face do teor do requerimento do arguido e do ora comunicado pela sua Ilustre defensora, oferece-nos evidenciar vários aspectos.
Em primeiro lugar, é de louvar a atitude da Ilustre defensora nomeada que, não obstante as circunstâncias manifestamente adversas e apesar de existir pendente um pedido de dispensa de patrocínio, compareceu neste Tribunal, disponibilizando-se a assegurar a defesa do arguido, conforme, de resto, é seu dever legal já que, nos termos do artigo 66.º, n.º 4 do C.P.P. e do artigo 42.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004 de 29-07, "Enquanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”.__
Em segundo lugar, o ora comunicado pela Ilustre defensora do arguido vem comprovar o que já havia sido comunicado pela anterior defensora, Dra. KK, a qual havia informado que não pedira qualquer dispensa do patrocínio à O. A. e que fora o próprio arguido que, por fundamentos que no seu entender não se verificavam, solicitara a sua substituição, pedido ao qual apenas disse nada ter a opor.__
Independentemente de não se perceber por que razão a O. A. deferiu o pedido de substituição de defensora formulado pelo arguido, já que, nos termos do artigo 66.º, n.º 3 do C.P.P., tal substituição era da competência do Tribunal, o que é certo é que tal substituição ocorreu e que quem se encontra presente é a defensora entretanto nomeada, a Dra. RR.__
Aqui chegados, a estratégia do arguido é clara, conforme, de resto, já se inferia do seu comportamento processual.__
Tal estratégia passa por tentar que a audiência de julgamento não se realize ou, pelo menos, protelar sucessivamente a sua realização, levando os defensores nomeados a pedir sucessivamente dispensa do patrocínio ou, quando estes não o façam, ele próprio solicitar a sua substituição.__
Tal estratégia é ainda evidenciada pelo facto de o arguido não comparecer às sessões da audiência de julgamento, sendo certo que, depois de produzida toda a prova na primeira sessão, o Tribunal disponibilizou-se a ouvi-lo na presente data, tendo-lhe remetido, inclusive, cópia da respectiva acta a fim de que comparecesse no dia de hoje.__
De resto, só assim se compreende também que lhe tivessem sido nomeados, num curto espaço de tempo, quatro defensores oficiosos neste processo.__
Em suma: o arguido pura e simplesmente não quer ser julgado; não comparece nas sessões da audiência de julgamento apesar de devidamente notificado; toda a prova já foi produzida na anterior sessão; o arguido esteve e está devidamente patrocinado e há que assegurar a continuidade da presente audiência de julgamento, o que não se compadece com comportamentos processuais manifestamente dilatórios.__
Em face do exposto, dá-se a palavra ao Mº Pº a fim de se pronunciar sobre a falta do arguido a esta audiência de julgamento, após o que será dada a palavra ao Mº Pº e à ilustre defensora do arguido para alegações.”;
De seguida, foi dada a palavra à acusação e à defesa para as alegações orais, findas as quais o Mmº Juiz designou o dia 21/01/2019, pelas 14H00, para a leitura da sentença, data para a qual o arguido foi devidamente notificado; u) Na data aprazada para a leitura da sentença constatou-se que, uma vez, o arguido não compareceu, encontrando-se, porém, presente a Dra. DD, sendo que, não obstante a Ordem dos Advogados ter procedido à nomeação, em 18/01/2019, da Dra. LL, em substituição daquela, na sequência de mais um alegado pedido de escusa, tal informação apenas foi junta aos autos a 24/01/2019, a fls. 441, não tendo a Dra. RR dado conta, aquando da diligência em causa, que houvesse sido efectuado algum pedido de escusa junto da Ordem dos Advogados, e por isso se manteve ali como defensora do arguido; v) Pelo requerimento de 21/01/2019, a Dra. LL veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de dispensa/escusa de patrocínio oficioso do arguido; w) Pelo ofício de 22/01/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. LL e que, em substituição, nomeava a Dra. SS; x) Pelo ofício de 15/02/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. SS e que, em substituição, nomeava a Dra. TT; y) Pelo requerimento de 19/02/2019, a Dra. TT veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de dispensa de patrocínio do arguido; z) Pelo ofício de 19/02/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. TT e que, em substituição, nomeava a Dra. UU; aa) Pelo requerimento de 21/02/2019, a Dra. UU veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de dispensa de patrocínio do arguido; ab) Pelo ofício de 26/02/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. UU e que, em substituição, nomeava o Dr. VV; ac) Pelo ofício de 21/05/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pelo Dr. VV e que, em substituição, nomeava o Dr. WW; ad) Pelo ofício de 11/06/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pelo Dr. WW e que, em substituição, nomeava a Dra. XX; ae) Pelo ofício de 12/06/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. XX e que, em substituição, nomeava a Dra. YY; af) Pelo ofício de 17/06/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. YY e que, em substituição, nomeava a Dra. ZZ; ag) Pelo requerimento de 10/07/2019, a Dra. ZZ veio informar ter deduzido junto da Ordem dos Advogados pedido de dispensa de patrocínio do arguido; ah) Pelo ofício de 15/07/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. ZZ e que, em substituição, nomeava a Dra. AAA; ai) Pelo ofício de 19/08/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. AAA e que, em substituição, nomeava o Dr. BBB; aj) Pelo ofício de 03/09/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pelo Dr. BBB e que, em substituição, nomeava a Dra. CCC; al) Pelo ofício de 06/09/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. CCC e que, em substituição, nomeava o Dr. DDD; am) Pelo ofício de 12/09/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pelo Dr. DDD e que, em substituição, nomeava a Dra. EEE; e an) Pelo ofício de 29/10/2019, a Ordem dos Advogados comunicou aos autos terem sido considerados justificativos de dispensa os motivos apresentados pela Dra. EEE e que, em substituição, nomeava o Dr. FFF, que é o subscritor do presente recurso.
Ora, como à saciedade resulta da tramitação acabada de expor, e como bem sublinha o Exmo. Procurador da República na sua douta resposta ao recurso, ao longo do processo, designadamente desde a data da acusação até à presente data, sempre ao arguido “(...) foi assegurada a sua defesa por Advogado, sempre nomeado pela OA, e sempre o arguido foi notificado para as datas designadas para a realização de audiência de julgamento, às quais consciente e deliberadamente decidiu faltar, duma forma ostensiva, com o propósito de assim julgar que conseguiria (sem sucesso) um adiamento indefinido da realização de audiência de julgamento, como bem anotou o tribunal a quo no seu despacho proferido aquando da realização de audiência de julgamento ocorrida a 9/1/2019 (...), não se verificando assim qualquer nulidade como apontado no presente recurso, nomeadamente por violação do disposto no art.º 61.º, n.º 1, als. a), b), c), e f), e 64.º, n.º 1, al. c), ambos do CPP.”.
Convindo não olvidar, como também pertinentemente observa o Digno Magistrado recorrido, que não obstante aqueles sucessivos pedidos de escusa de defensor, os mesmos não tiveram nem tinham de ter qualquer efeito interruptivo nos prazos e/ou diligências em curso.
Pois, como claramente emerge das disposições conjugadas dos Artºs. 39º, nº 1, 45º, nº 2 e 42º, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 66º, do C.P.Penal, enquanto não for substituído o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo, não tendo o pedido de dispensa ou de substituição a virtualidade de produzir qualquer efeito no andamento do processo, ou sequer no decurso do prazo que esteja em curso.
Pelo que, mantendo-se o defensor nomeado para os actos subsequentes do processo, cabe-lhe a ele, enquanto não for substituído, continuar a assegurar as funções para que foi incumbido com a sua nomeação, designadamente as de defender o arguido.
Ora, foi isso que sucedeu na situação em apreço, como ex abundanti resulta dos autos.
Falecendo totalmente a argumentação do recorrente quando aduz que, entre os dias 04/01/2029, data da confirmação, como defensora, da Dra. DD, e o dia 09/01/2029, data aprazada para a continuação da audiência de discussão e julgamento, apenas mediaram cinco dias, dois deles coincidentes com o fim de semana, e que nesse curto período de tempo não lhe era possível preparar a sua defesa e a prova a produzir em julgamento.
Olvidando desde logo o recorrente que toda a prova arrolada, quer pela acusação, quer pelo próprio (em sede de contestação escrita que oportunamente dirigiu aos autos), já havia sido produzida na 1ª sessão, ocorrida no dia 20/12/2018 (cfr. acta de fls. 421/423). E sobretudo, ocultando que, como se evidencia na acta respeitante àquela 2ª sessão de julgamento, constante de fls. 426/428, a Dra. DD comunicou ao Tribunal ter sido o próprio arguido quem tomou a iniciativa de lhe telefonar e, sem qualquer motivo, lhe pediu encarecidamente para pedir escusa. E que o mesmo queria um advogado do ..., solicitando-lhe que não comparecesse à diligência em causa, pedido a que a mesma não acedeu por entender ser seu dever profissional assegurar a defesa do arguido não obstante as circunstâncias em causa.
Assim sendo, facilmente se conclui que o arguido, naquele lapso de tempo, contactou com a Exma. Advogada que havia sido nomeada para o patrocinar, bem podendo, então, preparar com a mesma a defesa que ora aduz que pretendia preparar.
O que não fez.
Pois que unicamente se preocupou em tentar arranjar um expediente processual que conduzisse ao adiamento do julgamento, tal como fizera, sem êxito, em relação à 1ª sessão, nos termos supra relatados em n) e o).
Consequentemente, são totalmente inconsistentes, infundadas e inócuas as críticas que o recorrente dirige ao tribunal a quo quando afirma que “O Julgamento ocorrido nos presentes autos abalroou e violou clamorosamente os mais elementares princípios do Direito bem como os direitos, liberdades e garantias previstos legal e Constitucionalmente”, que “(...) incorreu o Tribunal a quo em grave erro sob o julgamento, pois precipitou a audiência de julgamento em detrimento dos mais variados bens do arguido”, violando “(...) direitos fundamentais tais como, o direito à assistência condigna, atempada e articulada; o direito a um processo penal equitativo e justo; o direito ao contraditório e à defesa; o direito do acesso efetivo aos tribunais e à justiça, bem como o direito à sua audiência.”.
Pois, como se disse, e ora se reitera, ao contrário da tese que esgrime, sempre o mesmo teve defensor nomeado nos autos, designadamente no período de tempo que invoca, e sempre lhe foi assegurado o direito ao contraditório e à preparação da defesa, tudo em perfeita consonância com as pertinentes normas legais aplicáveis.
Sendo, ademais, irónico e sintomático da sua postura processual que o recorrente traga à liça este tipo de argumentação, de preterição dos seus direitos de defesa, quando o próprio “sistema” lhe proporcionou a nomeação, nos presentes autos, de pelo menos 22 (vinte e dois) advogados diferentes, para assegurar a sua defesa.
Número [escandaloso e incompressível] bem demonstrativo das fragilidades e da aparente falta de controlo desse mesmo “sistema”, e dos manifestos abusos que o mesmo propicia, como tudo indica ter ocorrido no caso vertente.
Em suma, não se vislumbrando a violação das normas legais e ou constitucionais invocadas pelo recorrente, nem quaisquer outras, nem a ocorrência de nulidade da sentença recorrida, improcede o recurso, neste segmento.
*
3.2. Da prescrição da pena
Como se viu, neste âmbito, sustenta o recorrente, em síntese, que:
- [Ele, arguido] foi condenado por sentença datada de 21/01/2019 em cúmulo jurídico pela prática de dois crimes de burla, p. e p. pelo Artº 217º, nº 1, do Código Penal, na pena de multa única de 250 (duzentos e cinquenta) dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) no total de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);
- A sentença condenatória em causa foi notificada à sua defensora oficiosa no próprio dia da leitura – 21/01/2019 – e comunicada/notificada pessoalmente ao ora recorrente pelo Consulado Português de ... em 31/05/2024;
- Entre a leitura da sentença condenatória com comunicação presencial da defensora e o efectivo momento em que o recorrente foi notificado da mesma passaram 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 10 (dez) dias;
- Estando em análise nos presentes autos a natureza da pena aplicada, como sendo a pena de multa, esta natureza enquadra-se na alínea d), do nº 1, do Artº 122º, do Código Penal, ou seja, “As penas prescrevem no prazo de quatro anos, nos restantes casos”;
- Assim sendo, considerando que, entre a prolação/leitura da sentença recorrida – 19/01/2019 -, e o dia 31/05/2024, ocorreu um lapso temporal superior a 4 (quatro) anos impostos legalmente pelo Artº 122º do Código Penal, a respectiva pena de multa está extinta por efeitos de prescrição.
Apreciando, há que referir liminarmente que esta questão recursória está inexoravelmente votada ao insucesso.
Vejamos.
Atentando-se, antes de mais, no teor da norma legal aplicável, que é o citado Artº 122º, do Código Penal, que sob a epígrafe “Prazos de prescrição das penas”, estatui:
“1 - As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.
2 - O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 118.º”.
Ora, na situação em apreço, tendo em consideração que o arguido foi condenado numa pena de multa, dúvidas não há de que o prazo prescricional a considerar é o de quatro anos, nos termos no nº 1, al. d), desse preceito legal.
Porém, inexplicavelmente, não teve o recorrente em consideração que, como expressamente se consigna no nº 2 do mesmo normativo, o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
Sucede que, no caso vertente, torna-se manifesto e evidente que esse trânsito em julgado ainda não ocorreu, não se tendo iniciado, pois, qualquer prazo de prescrição da pena de multa que lhe foi aplicada.
Com efeito, como emana das actas das sessões da audiência de discussão e julgamento, que ocorreram nos dias 20/12/2018, 09/01/2019 e 21/01/2019, o arguido não esteve presente em qualquer uma delas, apesar de estar sempre devidamente notificado para todas elas, tendo o julgamento decorrido na sua ausência, nos termos do disposto no Artº 333º, nºs. 1, 2 e 3, do C.P.Penal.
Pelo que, de acordo com o estatuído no nº 5 do mesmo preceito legal, a sentença teria sempre de lhe ser notificada pessoalmente [como foi naquele dia 31/5/2024, mais de cinco anos após a data em que foi lida e depositada, após variadas diligências encetadas pelo tribunal recorrido tendentes à efectivação dessa notificação], contando-se o prazo para interposição de recurso a partir dessa notificação.
Nestas circunstâncias, e uma vez que o arguido, depois de notificado da sentença, interpôs o presente recurso, não se verificou qualquer trânsito em julgado daquela sentença e, como tal, não se iniciou ainda qualquer prazo da pena que lhe foi cominada.
Tanto basta para se concluir, como se concluiu, pela não ocorrência da prescrição da pena, como preconiza o recorrente.
*
3.3. Da(s) pena(s) aplicada(s)
Sem questionar a matéria de facto dada como assente, e bem assim o respectivo enquadramento jurídico, quanto aos elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos cometidos, nem tampouco a opção feita pelo tribunal a quo quando lançou mão de pena(s) não detentiva(s) [por se mostrar suficiente para fazer face às exigências de prevenção geral e de prevenção especial], nesta vertente insurge-se o recorrente quanto à medida da pena única que lhe foi aplicada pelo tribunal a quo, preconizando que a mesma não pode nunca exceder os 180 (cento e oitenta) dias, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).
Sustentando para o efeito, e em síntese, que o grau de ilicitude é diminuto; que o alegado prejuízo patrimonial causado aos ofendidos é reduzido, e a vantagem virtual alegadamente conseguida pelo ora recorrente é irrisória; e que (ele, recorrente) estabeleceu contatos prévios com o agente do DJ. EE, timbrou os “flyers” com a aposição dos logótipos/publicidade dos ofendidos, e distribuí-os.
Assim, com a decisão da matéria de facto definitivamente estabilizada, aceite pelo recorrente [não se vislumbrado, também, na decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, quaisquer dos vícios a que alude o Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal], e não havendo dúvidas de que, face a essa matéria de facto, o arguido cometeu os ilícitos criminais pelos quais foi condenado, cujos elementos objectivos e subjectivos se mostram inteiramente preenchidos, nos termos devidamente explicitados na sentença recorrida, importa então verificar da justeza da(s) pena(s) concreta(s) que lhe foram cominadas.
Vejamos.
Cada um dos aludidos crimes de burla pelos quais o arguido foi condenado é abstractamente cominado com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
De acordo com o disposto no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.
Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do Artº 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.
Estes os princípios básicos que devem nortear a determinação da medida da pena, sem esquecermos que esta deve ser sempre uma pena justa, ou seja uma pena que seja aceite e compreendida quer pelo arguido – a quem é em primeira linha dirigida – quer pela generalidade dos cidadãos – titulares originários do direito de punir.
A operação de determinação da(s) pena(s), dentro dos apontados limites, faz-se, segundo o Artº 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:
- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).
Ora, no caso vertente, na determinação de cada uma das penas parcelares e da pena única a cominar ao arguido, após tecer pertinentes considerações jurídicas acerca da matéria, ponderou o tribunal a quo o seguinte, no que ora interessa relevar (transcrição):
“(...)
No caso sub judice, a conduta do arguido AA não indicia um grau de ilicitude particularmente elevado, uma vez que o prejuízo causado (€80,00 e €250,00) não foi significativo.
No que diz respeito à intensidade do dolo, ao actuar como actuou, o arguido representou os factos que preenchem o tipo de crime de burla e agiu com a intenção de os realizar. Actuou, pois, com dolo directo, sendo particularmente intensa a sua vontade criminosa.
A sua actuação é, assim, passível de um forte juízo de censura.
Quanto aos motivos que determinaram o crime, nada de especial se apurou.
Contra o arguido, depõem os antecedentes criminais descritos na matéria de facto dada como provada, se bem que os mesmos sejam recuados no tempo e se situem predominantemente no âmbito da criminalidade rodoviária.
A seu favor, o tempo já decorrido desde a prática dos factos.
Em sentido agravante, não deixará, contudo, de se valorar o razoável grau de sofisticação do engenhoso processo posto em marcha, o que aumenta a censurabilidade do seu comportamento.
Quanto à conduta do arguido posterior ao crime, o mesmo não reparou o prejuízo causado nem é possível valorar qualquer arrependimento ou confissão, pois nem sequer compareceu à audiência de julgamento.
Ponderadas todas estas circunstâncias, entende o tribunal como adequado aplicar ao arguido a pena de 160 dias de multa relativamente ao crime de burla de que é ofendido FF e a pena de 180 dias de multa relativamente ao crime de burla de que é ofendido GG.
Nos termos do art. 77º, n.º 1 do CP, “quando o agente tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Cumpre, então, efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares de multa ora fixadas.
De acordo com os critérios enunciados no n.º 2 do citado art. 77º CP, a pena a aplicar terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sendo que, no caso concreto, este limite será de 340 dias de multa; tendo como limite mínimo a pena mais grave aplicada, que, no caso decidendo, é de 180 dias de multa.
A pena única a aplicar deverá, por conseguinte, ir apenas até ao limite necessário para que não sejam irremediavelmente postas em causa as exigências de tutela dos bens jurídicos, permitindo ao mesmo tempo a reinserção social do condenado.
Assim, considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido, nomeadamente o número de crimes (dois), a sua natureza (crimes da mesma natureza, tratando-se, de resto, do mesmo tipo legal de crime) a circunstância de terem sido cometidos em alturas muito próximas e estarem estreitamente relacionados, inserindo-se, porém, numa carreira criminosa já com algum significado, ainda que respeitante a outros tipos legais de crime, julgamos adequada a pena única de 250 dias de multa.
Determinados os dias de multa, importa fixar o seu quantitativo diário.
Estatui o artº 47º/2 CP que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5,00 e €500,00 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”
Tendo em conta que são escassos os elementos conhecidos sobre a situação económica do arguido, circunstância que não o pode prejudicar, fixa-se em €5,00 o quantitativo diário das penas de multa, o que perfaz um total de €1 250,00.”.
Concordamos genericamente com as considerações expendidas pelo tribunal a quo, sobre esta matéria, as quais subscrevemos.
Efectivamente, ponderadas todos as aludidas circunstâncias, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade da pena, e vista a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes praticados pelo arguido, entendemos que só as penas concretas aplicadas pelo tribunal de 1ª instância, quer as parcelares, quer a pena única, conseguirão satisfazer as sentidas necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como a de procurar que o arguido não volte a delinquir, não existindo, de modo algum, motivo para as reduzir.
Em suma, as penas concretas (parcelares e única) aplicadas ao arguido não são, pois, merecedoras de qualquer censura, por se revelarem necessárias, adequadas e proporcionais, tendo sido criteriosamente definidas em consonância com as disposições conjugadas dos Artºs. 40º, 71º, nºs. 1 e 2, e 77º, nºs. 1 e 2, do Código Penal.
Sendo certo que a pretendida redução, para além de se mostrar desajustada perante as circunstâncias do caso concreto, comprometeria irremediavelmente a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada pelo arguido.
Ademais, convém não olvidar que, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir na pena, modificando-a, se detectasse evidentes incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Sendo certo que, nesta sede, o recurso não deve visar nem pretender eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar [6].
Aliás, a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, também o Prof.. Figueiredo Dias ensina que, sobre a determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” [7], o que não é claramente o caso.
Consequentemente, não se vislumbrando a existência de qualquer nulidade, nem de qualquer distorção na escolha e na determinação da medida da(s) pena(s) levada a cabo pelo tribunal recorrido, improcede também o recurso neste segmento.
*
Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, conclui-se que não foi violada nenhuma das normas legais e/ou constitucionais invocadas pelo arguido, nem qualquer outra, e que nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, que se confirma, sendo manifesta a improcedência do recurso.
III. DISPOSITIVO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 5 (cinco) UC a taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).
(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 19 de Novembro de 2024
Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Pedro Freitas Pinto (1º Adjunto)
Carlos da Cunha Coutinho (2º Adjunto)
[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. [2] Conclusões essas que não cumprem o que a propósito se estabelece no Artº 412º, nº 1, do C.P.Penal, já que deveriam ter sido deduzidas por artigos, e não por ordenação alfabética, como fez o recorrente. Entendemos, porém, não ser caso de operacionalizar o disposto no Artº 417º, nº 3, do C.P.Penal, uma vez que tal anomalia deve ser levada na conta de lapso, não decisivo, lapso esse que, de qualquer forma, não pode deixar de ser assinalado em termos de legalidade estrita. [3] Diploma ao qual se reportam todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem. [4] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade. [5] Os autos principais e seus apensos e anexos, entenda-se. [6] Cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/01/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 25.16.4PJLRS.L2.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro Clemente Lima, disponível in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:25.16.4PJLRS.L2.S1/#integral-text, no qual se afirma: “em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei”, o que “Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada”. [7]In “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 197.