PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
Sumário

Dos Acórdãos de Fixação de Jurisprudência nºs 12/2013, 13/2013 e 7/2016 resulta que não sendo a prestação de trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, por não ser uma pena de diferente espécie das duas penas principais – prisão e multa – mas, sim, uma medida de substituição que se refere somente à forma de execução da pena principal e tendo a pena de multa a dupla vertente de pena principal e de pena de substituição, quer quando é aplicada a título principal, quer quando é imposta como pena de substituição, poderá sempre ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, sendo essa, ainda, uma forma de cumprimento voluntário da multa.
Com efeito, o AFJ nº 7/2016, na sequência dos dois AFJ nºs 12 e 13 de 2013, estabeleceu que:
«Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no art. 48.º, do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.» (Diário da República n.º 56/2016, Série I de 2016-03-21, páginas 896 – 908).
Como resulta do disposto no art. 445º nº 3 do CPP, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos para fixação de jurisprudência não são obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.
Para além de a decisão recorrida não ter rebatido a argumentação exposta no Acórdão do STJ nº 7/2016 que fixou jurisprudência em sentido contrário, a solução preconizada naquele acórdão de fixação de jurisprudência é a que melhor assegura a concepção da pena de prisão como uma sanção penal de «ultima ratio», de que são corolários entre outras disposições legais, as consagradas nos arts. 40º, 43º, 47º, 48º, 50º a 53º e 70º do Código Penal.
(sumário da responsabilidade da relatora)

Texto Integral

Acordam as Juízas, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I -RELATÓRIO
Por despacho proferido em 21 de Novembro de 2023, no processo comum sibgular nº 136/19.4POLSB do Juízo Local Criminal de Lisboa, Juiz 11, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi decidido indeferir o requerimento apresentado pelo arguido AA no sentido de que a pena de multa de substituição que lhe havia disso aplicada por sentença proferida em 18 de Junho de 2023 fosse substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
O Mº. Pº. interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado as razões da sua discordância, nas seguintes conclusões:
a) É o presente recurso interposto do douto despacho de fls. 392, datado de 21/11/2023, que, após requerimento do arguido, indeferiu o pedido deste para que a pena de multa substitutiva de pena de prisão em que está condenado fosse substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade;
b) A decisão em causa contraria a jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/2016 sem que pela Mm.ª Juíza a quo sejam indicadas as razões da divergência face a tal jurisprudência ou sem que sejam indicados novos fundamentos que retirem actualidade a tal Acórdão;
c) Com tal decisão foram violados os art.ºs 45º, n.º 1, 48º, n.º 1, do Código de Processo Penal e o art.º 445º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Nestes termos deverá ser revogada a decisão recorrida, substituindo-a por outra, nos termos sustentados na motivação apresentada, que solicite à DGRSP a elaboração de relatório para aferir da viabilidade da substituição da pena de multa substitutiva pelas correspondentes horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, autorizando-a, caso se mostre materialmente viável na sua execução.
O arguido não apresentou resposta.
Remetido o processo a este Tribunal, na vista a que se refere o art. 416º do CPP, a Exma. Sra. Procuradora Geral da República emitiu parecer, no sentido da revogação da decisão recorrida, aderindo às motivações e conclusões do recurso.
Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não houve resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, em face da ausência de acordo entre as Juízas que integram este Colectivo, cumpre decidir, sendo o acórdão relatado pela Primeira Adjunta, em face da ausência de unanimidade.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
De acordo com o preceituado nos arts. 402º; 403º e 412º nº 1 do CPP, o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, já que é nelas que sintetiza as razões da sua discordância com a decisão recorrida, expostas na motivação.
Além destas, o tribunal está obrigado a decidir todas as questões de conhecimento oficioso, como é o caso das nulidades insanáveis que afectem o recorrente, nos termos dos arts. 379º nº 2 e 410º nº 3 do CPP e dos vícios previstos no art. 410º nº 2 do CPP, que obstam à apreciação do mérito do recurso, mesmo que este se encontre limitado à matéria de direito ( Acórdão do Plenário das Secções do STJ nº 7/95 de 19.10.1995, in Diário da República, I.ª Série-A, de 28.12.1995 e o AUJ nº 10/2005, de 20.10.2005, DR, Série I-A, de 07.12.2005).
Umas e outras definem, pois, o objecto do recurso e os limites dos poderes de apreciação e decisão do Tribunal Superior (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061).
Das disposições conjugadas dos arts. 368º e 369º por remissão do art. 424º nº 2 , todos do Código do Processo Penal, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela seguinte ordem:
Em primeiro lugar das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pela impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art. 412º do CPP, a que se seguem os vícios enumerados no art. 410º nº 2 do mesmo diploma;
Finalmente, as questões relativas à matéria de Direito.
Seguindo esta ordem lógica, a única questão que cumpre apreciar é a de saber se pena de multa aplicada ao arguido em substituição da pena de prisão em que foi condenado pode ela própria, ser substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
2.2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos relevantes para a apreciação do recurso são os seguines:
Por sentença proferido em 28 de Junho de 2023 e transitada em julgado em 14.09.2023, AA foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 132.º, n.º 2, alínea h) todos do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 132.º, n.º 2, alínea h) todos do na pena única de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) (artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal) (referências Citius 427060453 e 429122674);
O condenado requereu a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (ref.ª 37294715 do PE).
Foi então proferido o despacho recorrido em 21.11.2023, o qual tem o seguinte teor (transcrição):
Por sentença transitada em julgado em 14.09.2023, AA foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 132.º, n.º 2, alínea h) todos do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e 132.º, n.º 2, alínea h) todos do na pena única de 8 (oito) meses de prisão, substituída por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros) (artigo 45.º, n.º 1, do Código Penal);
O condenado veio solicitar a substituição da multa por prestação de trabalho a favor da comunidade (ref.ª 37294715 do PE).
O Ministério Público não se opôs.
Cumpre decidir.
A multa decorrente da substituição de pena de prisão não pode ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade (neste sentido, Acórdãos do TRC de 26.03.2014, proc. 472/12.0GBPMS-A.C1, relator: Desembargador Frederico Cebola; e do TRG de 08.02.2016, proc. 589/13.4GAVNF-B.G1, relator: Desembargadora Dolores Silva e Sousa. Em sentido contrário, veja-se, entre outros, ACTRP de 11.06.2014, proc. 659/12.6PIVNG-A.P1; relator: Desembargador Augusto Lourenço e ACTRL, de 11.03.2015, proc. 291/06.3PTAMD.L1 – 3; relator: Desembargadora Conceição Gonçalves, todos disponíveis em www.dgsi.pt), porquanto a pena de multa aplicada é já uma pena de substituição tendo o tribunal ponderado, aquando da prolação da sentença, a aplicabilidade das penas substitutivas disponíveis e afastado a prestação de trabalho a favor da comunidade.
Face ao exposto, indefiro a substituição da multa substitutiva da pena de prisão aplicada pela prestação de trabalho a favor da comunidade.
Notifique.
2.3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Sobre a admissibilidade de a pena de multa, mesmo quando aplicada em substituição da pena de prisão, ser novamente substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão de fixação de jurisprudência nº 7/2016 de 18 de Fevereiro de 2016, que consagrou a seguinte solução:
«Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do art. 43.º, n.º 1, do CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no art. 48.º, do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.» (Diário da República n.º 56/2016, Série I de 2016-03-21, páginas 896 – 908).
Como se pode verificar do texto da decisão recorrida, toda a jurisprudência citada em defesa da solução contrária, é anterior ao AFJ nº 7/2016 citado.
Do mesmo modo, acerca do argumento em que se alicerçou a decisão recorrida para indeferir a pretensão do arguido – o de que a multa decorrente da substituição de pena de prisão não pode ser substituída por dias de trabalho a favor da comunidade por ser ela própria já uma pena de substituição tendo o tribunal ponderado, aquando da prolação da sentença, a aplicabilidade das penas substitutivas disponíveis e afastado a prestação de trabalho a favor da comunidade, não havendo, por conseguinte, lugar a uma dupla substituição, ou a uma substituição sucessiva, da pena de prisão, primeiro por multa e depois por prestação de trabalho a favor da comunidade – também o AFJ nº 7/2016 tomou posição expressa, rebatendo esse argumento.
Com efeito, nele, se refere que (transcrição):
«A pena de multa pode ser paga de forma voluntária ou coerciva.
«Nos termos do artigo 489.º, do CPP, pode ser paga voluntariamente após o trânsito em julgado da decisão (n.º 1) e no prazo de 15 dias "a contar da notificação para o efeito" (n.º 2). Porém, e por força do disposto no artigo 47.º, n.º 3, do CP, sempre que o tribunal autorizou o pagamento no prazo de 1 ano (ou mais - cf. n.º 4 do mesmo dispositivo), ou em prestações, este prazo não se aplica (artigo 489.º, n.º 3, do CPP).
«Mas, nos termos do artigo 490.º, do CPP, pode ainda o condenado pedir para cumprir a pena em "dias de trabalho", o que poderá ser concedido se se entender que as finalidades de punição estão asseguradas com a execução da pena de multa através de dias de trabalho (cf. artigo 48.º, do CP). Ou seja, o ordenamento jurídico pretendeu "muito justamente afastar, até ao limite possível, a aplicação de uma pena de prisão"(19).
«Caso nenhuma destas formas de cumprimento voluntário seja possível, segue-se o pagamento coercivo através da execução patrimonial (cf. artigo 491.º, do CPP). Mas, repare-se, já estamos numa situação em que "findo o prazo de pagamento da multa ou de algumas das suas prestações" (artigo citado) o condenado não pagou a multa.
«Se não tem havido qualquer dúvida, mesmo quando se trata de pena de multa de substituição, a que ainda após o prazo de cumprimento possa haver lugar à execução patrimonial do condenado para pagamento da multa, entendemos que esta dúvida nem sequer deve ser colocada quando o condenado ainda pretende pagar - assim demonstrando que uma das finalidades que se pretendeu assegurar com a aplicação da pena de multa foi exatamente a socialização do delinquente, de modo a que voluntariamente cumpra as regras da sociedade em que está inserido. Ora, nada mais demonstrativo disto mesmo do que o facto de o condenado vir a tribunal pedir para pagar através da força do seu trabalho.
«Mas, se, em tempo, nenhuma das formas de pagamento voluntário ocorreu, ainda haverá lugar ao pagamento coercivo.
«Se ainda assim se mantém o incumprimento (porque se esgotaram todas as formas de cumprimento voluntário e coercivo), cabe ainda saber qual a razão de não cumprimento: ou se deve a motivo não imputável ao condenado (por razões supervenientes à condenação ou já existentes no momento da condenação) ou a motivo imputável ao condenado.
«Se estamos numa situação em que o não pagamento da multa não é imputável ao condenado, porque, por exemplo, é um desempregado de longa duração, sem património próprio, ainda assim não irá o condenado cumprir a prisão (em que foi convertida a pena de multa não paga - cf. artigo 49.º, n.º 1, do CP - ou a pena de prisão em que foi condenado): nestes casos há uma suspensão da execução da prisão subsidiária ou da pena de prisão principal subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta (cf. artigo 49.º, n.º 3, do CP).
«Se, pelo contrário, o não pagamento é imputável ao condenado, então o regime necessariamente terá que ser distinto consoante se esteja perante uma pena de multa principal ou uma pena de multa de substituição.
«Na verdade, se a pena de multa é a pena principal em que foi condenado, a única forma de impor um cumprimento de uma privação da liberdade é converter aquela num certo período de reclusão (nos termos do artigo 49.º, n.º 1, do CP - cumpre em prisão o tempo correspondente aplicado na pena de multa, determinada em dias de multa, reduzido a 2/3) em tempo de prisão; não se trata da aplicação de uma pena de prisão, pois a pena em que o arguido foi condenado foi a pena de multa, mas sim da aplicação de uma prisão subsidiária ("sanção de constrangimento") cujo cumprimento a todo o tempo pode evitar (cf. artigo 49.º, n.º 2, do CP).
«Mas, o mesmo não pode ocorrer quando estamos perante uma pena de multa de substituição. Desde logo porque as razões que presidiram à sua aplicação, maxime as decorrentes das exigências de prevenção especial de socialização, falharam. Além disto, o arguido foi condenado numa pena de prisão, pelo que em caso de incumprimento da pena de substituição deve cumprir a pena em que foi condenado. Por isso, terá que cumprir a pena de prisão efetiva sem que haja possibilidade sequer de evitar a qualquer momento o seu cumprimento (20).
«Ou seja, daqui se pode concluir que quer se trate de pena de multa principal, quer se trate de pena de multa de substituição, a forma de cumprimento é idêntica; as regras só diferem em caso de incumprimento, e apenas quando o não cumprimento é imputável ao condenado - desde logo porque as finalidades que presidiram à aplicação da pena de substituição falharam, sendo a pena de multa de substituição, como a designação indica, uma simples pena que substitui uma outra aplicada a título principal.
(…)
Deve, pois, ser reconhecida a possibilidade «de proceder ao pagamento voluntário da pena de multa de substituição (de forma imediata, a prazo ou em prestações) por prestação de dias de trabalho (46), pois não estamos perante uma "substituição" de uma pena de substituição, mas sim perante uma outra modalidade de execução da pena de multa de substituição.
«Acresce que já foi este - o de o pagamento da pena de multa de substituição constituir uma forma de execução da pena de multa - o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça aquando do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 12/2013 (DR, 1.ª série, 16.10.2013), onde se afirmou expressamente:
"Condenado o arguido em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, do CP, a multa deve ser paga no prazo de 15 dias a contar do trânsito em julgado, após notificação que lhe deve ser feita, nos termos do artigo 489.º, n.os 1 e 2, do CPP, assistindo ao arguido o direito de requerer o pagamento em prestações ou dentro do prazo de um ano, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, do CP, a substituição por dias de trabalho (artigo 490.º, do CPP), porém findo o prazo para pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento por inteiro esteja efectuado, procede-se, nos termos do artigo 491.º n.º 1, do CPP, à execução patrimonial.
«Exaurida esta plúrima regra procedimental, não assiste outra alternativa ao tribunal, desde que ante este se não haja comprovado previamente a impossibilidade não culposa de satisfazer a multa, que não seja a de fazer cumprir a pena de prisão substituída."
«Podemos ainda referir que o entendimento do disposto no artigo 48.º, do CP, como uma "forma de cumprimento da multa" (assim se distinguindo claramente das penas de substituição) é reafirmado pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2013, onde se admitiu o cumprimento da pena de multa em dias de trabalho como sendo uma "possibilidade de cumprimento da pena", uma forma de execução da pena de multa (principal), uma "possibilidade de cumprimento da pena de multa através da prestação de trabalho, não estando portanto ainda a multa dada como incumprida"(47).
«Sendo, pois, o pagamento da pena de multa em dias de trabalho, previsto no artigo 48.º, do CP, uma forma de execução da pena de multa, e não uma pena de substituição, e sendo uma forma de execução antes de o condenado entrar em situação de incumprimento, é aplicável quer se trate de uma pena de multa principal, quer de uma pena de multa de substituição. E assim se reafirmando que não há qualquer distinção entre a pena de multa principal e a pena de multa de substituição quando estamos perante um caso de cumprimento da pena. Na verdade, só o regime do incumprimento (por motivo imputável ao condenado) deve ser diferente consoante estejamos perante uma pena de multa principal ou uma pena de multa de substituição atenta a natureza desta última», sendo certo que «"com a demonstração da vontade do condenado em prestar dias de trabalho, poderemos já, na maioria dos casos, considerar que as necessidades de prevenção especial, no sentido da adesão aos valores da comunidade e à reparação simbólica da lesão do bem jurídico violado se encontram já assimiladas pelo condenado"(50)» (Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 7/2016 mencionado).
Como resulta do disposto no art. 445º nº 3 do CPP, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça lavrados para fixação de jurisprudência não são obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.
Ora, a decisão recorrida nem sequer fez menção ao Acórdão do STJ nº 7/2016 que fixou jurisprudência em sentido contrário, muito menos rebateu minimamente a argumentação nele exposta.
A verdade é que à luz do sistema punitivo consagrado no CP português a única pena de substituição em sentido próprio é a pena de multa. Todas as demais medidas não privativas da liberdade são penas substitutivas em sentido impróprio porque se reconduzem a formas alternativas de cumprimento da pena de prisão, ou da pena de multa, quando esta é aplicada a título de pena principal.
E o que também é certo é que a solução preconizada no AFJ nº 7/2016 é a que melhor assegura a concepção da pena de prisão como uma sanção penal de «ultima ratio», de que são corolários entre outras disposições legais, as consagradas nos arts. 40º, 43º, 47º, 48º, 50º a 53º e 70º do Código Penal.
Como refere o preâmbulo do Código Penal, revisto e publicado em anexo ao Decreto Lei n.º 48/95, de 15 de março, «as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Simplesmente, a concretização daquele objectivo parece comprometida pela existência da própria prisão. (...) Medidas que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes. (…)».
No mesmo preâmbulo anuncia-se que «(…), não pode o Código deixar de utilizar a prisão. Mas fá-lo com a clara consciência de que ela é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar o mais possível a sua estrutura e regime com a recuperação dos delinquentes a quem venha ser aplicada.»
O fundamento histórico das penas de substituição radica no movimento político-criminal contra as penas de prisão, especialmente as de curta duração, sendo este objectivo bem patente, desde logo, no art. 70º do CP, perante a constatação da fraca ou inexistente eficácia das penas de prisão de curta duração para promover a reintegração social do condenado e dos prejuízos (quebra dos laços familiares do condenado, a perda do seu emprego, a sua exposição ao contágio criminal e a estigmatização, a que se acrescentam os custos económicos inerentes ao cumprimento das penas em estabelecimentos prisionais e os problemas de sobrelotação das cadeias, ao nível da segurança e dos direitos humanos dos cidadãos privados da sua liberdade).
A não aplicação da pena de prisão efectiva tem essencialmente por base razões de prevenção especial positiva.
Em contrapartida, serão razões de prevenção geral que poderão obstar à aplicação de uma pena de substituição não detentiva.
A prevenção geral surge novamente como limite à prevenção especial positiva.
«A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas, quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão.» ( Anabela Rodrigues, - Critério de Escolha das Penas de Substituição no Código Penal Português in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, p. 41).
E sendo assim, não resta outra alternativa que não seja a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a avaliação prévia de exequibilidade da substituição da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão, por prestação de trabalho a favor da comunidade.
DECISÃO
Termos em que julgam o recurso procedente e, em consequência, determinam a revogação da decisão recorrida, que será substituída por outra, nos termos previstos no art. 490º do CPP, que solicite à DGRSP a elaboração de relatório para aferir da viabilidade da substituição da pena de multa substitutiva pelas correspondentes horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, autorizando-a, caso se mostre materialmente viável na sua execução.
Sem Custas – art. 522º do CPP.
Notifique.
*
Lisboa, 5 de Dezembro 2024

Texto processado em computador e revisto pela signatária Primeira Adjunta, na qualidade de Relatora em virtude da ausência de unanimidade e com voto de vencida da Relatora originária.

Adelina Barradas de Oliveira (Relatora Original, com voto de vencida nos seguintes termos:
O arguido foi notificado para efetuar o pagamento voluntário da pena de multa em substituição no dia 3.10.23.
A 17.10.2023 fls. 389 - requereu que tal pagamento fosse substituído por trabalho a favor da comunidade dentro do prazo de 15 dias exigidos por lei.
O Tribunal a quo indeferiu a pretensão.
O Arguido não veio requerer o pagamento da pena de multa em substituição aplicada, em prestações, veio antes , tentar que o tribunal, substituísse a pena de substituição por outra pena de substituição.
Apoiado no AC do STJ nº 7/2016, de 21.3 o recorrente entende que o tribunal que o condenou em pena de prisão e lhe substituiu o cumprimento da pena por cumprimento de uma pena de multa, lhe deve agora substituir esta por trabalho a favor da comunidade.
A substituição da pena de multa, como pena principal, pela pena de trabalho a favor da comunidade encontra o seu assento legal no art.º 48º do Código Penal que diz o seguinte:
“1 - A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 58.º e no n.º 1 do artigo 59.º”
Sendo a pena de prisão substituída por pena de multa, esta é substitutiva daquela, não é uma pena de multa principal pelo que é à pena principal que temos de nos reconduzir.
A lei fala em pena fixada e a pena que o recorrente pede seja substituída não é a fixada no sentido de aplicada e, portanto, no sentido de principal, é sim, a pena que veio substituir a pena ( de prisão) fixada.
Sendo a pena de prisão substituída por pena de multa, esta é substitutiva daquela, não é uma pena de multa principal.
A pena de multa em substituição da pena de prisão e, a pena de multa principal, têm exequibilidade diferenciada, correspondendo, por conseguinte, à escolha que o tribunal julgou adequada aos fins da pena aplicada no caso concreto.
No artigo 43.º, n.º 1, do CP, «são os fins de prevenção geral que devem ser tomados em consideração pelo juiz», como já salientava o Professor Eduardo Correia no Projeto do Código Penal, a propósito do antecedente artigo 58.º do Projeto. (v. Actas da Comissão revisora do Código Penal, parte geral volume I e II, Associação Académica de Lisboa, p. 39)
Diz aliás o Autor do Projeto, como se refere nas mesmas Actas - Acta da 21.ª sessão - livro II, pág. 39:
«Quanto ao problema, levantado pelo Conselheiro Osório, relativo a dizer-se pena aplicada ou pena fixada, convém tomar consciência de que ele não se reduz a questão de pura forma, tendo atrás dele uma questão de fundo: a de saber qual a pena em que o delinquente é verdadeiramente condenado; essa pena, porém, é a de prisão e não a de multa».
Como referia Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado - Legislação Complementar, 18.ª edição - 2007, pág. 194, na anotação 2, ao artigo 43.º do CP, «A pena de multa que substitui a de prisão no termos deste artigo é uma pena de substituição, por contraposição à pena principal de multa, de que tratam os artºs 47.ª a 49.º»;
E, como diz o Sr. Conselheiro Pires da Graça no seu voto de vencido ( subscrito por 3 Juízes Conselheiros), ao Acórdão de fixação de jurisprudência 7/2016 de 21 de março, “E, citando Figueiredo Dias, na RLJ, págs. 163-165, «[...] Mas se as duas penas são diversas do ponto de vista político-criminal, são-no também (e em consequência) do ponto de vista dogmático: a pena de multa é uma pena principal, a pena de multa agora em exame é uma pena de substituição no mais lídimo sentido. Diferença estas donde resultam (ou onde radicam) como de resto se esperaria, consequência político-jurídicas do maior relevo, maxime em termos de medida e de incumprimento da pena...» (ibidem, pág. 195)
O artigo 43.º, n.º 1, do CP, não diz que a pena de prisão aplicada pode ser substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa de liberdade aplicável.
O artigo 43.º, n.º 1, do CP também não diz que a pena de multa resultante da substituição da pena de prisão pode ser substituída por outra pena não privativa de liberdade.
O artigo 43.º, n.º 1, do CP, diz: - «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».
É, pois, a decisão condenatória que determina e define qual a pena substitutiva da pena de prisão, se a pena de multa, ou outra pena não privativa de liberdade. Sendo a pena de prisão substituída por pena de multa, e não por qualquer outra pena não privativa de liberdade, há que atender apertis verbis, atento o princípio da legalidade, ao disposto no artigo 43.º, n.º 1, do CP, em que o seu último período diz:
É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º.
O que significa que há lugar à fixação do número de dias de multa e a respectiva quantia correspondente a cada um deles, nos termos dos n.os 1 e 2, do artigo 47.º do CP.
E para desfazer quaisquer dúvidas interpretativas, para não confundir a pena de multa substitutiva com a aplicação das normas aplicáveis à pena de multa substituível, de forma expressa, o n.º 2 do mesmo artigo 43.º , estabelece:
«Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença»;
E acrescenta: «É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º»;
O artigo 43.º, do CP, nomeadamente nos seus n.os 1 e 2, não diz que «É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 48.», não convoca pois o artigo 48.º do CP, sendo que o artigo 48.º refere-se à substituição da multa por trabalho.
O n.º 3 do artigo 47.º, do CP, refere-se a autorização pelo tribunal do pagamento da multa dentro de determinado prazo que não exceda 1 ano, ou em prestações.
Na verdade, o n.º 3 estabelece «Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação».
Sendo certo que, de harmonia com o n.º 4 do mesmo preceito:
«Dentro dos limites referidos no número anterior e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados».
O n.º 5 do mesmo artigo 47.º, determina que: «A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento de todas»;
Mas, como refere o n.º 3 do artigo 49.º,do CP, (conversão da multa não paga em prisão subsidiária) - aplicável correspondentemente ex vi do n.º 2 do artigo 43.º, à prisão substituída: «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão [...] ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro.
Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão [...] se o forem, a pena é declarada extinta»;
Se a razão do não pagamento da multa, lhe for imputável: «Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença»; como determina o n.º 2 do artigo 43.º do CP.
A entender-se que relativamente à pena de multa substitutiva de pena de prisão, pode haver «Substituição da multa por trabalho», (expressão do epíteto do artigo 48.º do CP), o regime de incumprimento culposo dos dias de trabalho, obrigaria ao cumprimento de prisão subsidiária, nos termos dos n.os 1, 2 e 4, do artigo 49.º, do CP, o que, entraria em contradição insanável, com o disposto no n.º 2 do artigo 43.º, do CP.
E, o artigo 43.º, n.º 2, do CP, apenas permite a aplicação do n.º 3 do artigo 49.º; não remete para os demais números deste artigo.
A discussão jurídico-penal sobre a solução legal desejável para determinada situação, não tem que identificar-se - e pode não se identificar - com a solução assumida pela dogmática vigente.
Mas, sem dúvida que, independentemente das vicissitudes de historicidade jurídico-legal, à dogmática atualmente vigente tem o julgador de se ater. E esta, sendo expressivamente autêntica, óbvia e necessariamente que não pode desvincular-se do normativismo axiológico que intrinsecamente a moldou, na forma perspetivada pelo legislador.
Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque no seu Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Novembro de 2015, pág. 284, nota 7:«[...] a pena de multa resultante da substituição da pena de prisão não é passível, por sua vez, de substituição por dias de trabalho, dado o carácter imperativo da reversão da pena de substituição prevista no artigo 43.º, n.º 2, primeira parte, que não prevê, aliás, qualquer remissão para o disposto no artigo 48.º [...]»;
A pena de multa substitutiva aplicada na decisão, tem, pois, em meu entendimento, o seu regime executivo próprio, autónomo, previsto na lei, de forma completa e clara, que se concretiza na medida em que ela o convoca e, nos limites punitivos que lhe impõe, servindo assim os fins da pena concretamente aplicada, em obediência ao disposto no n.º 3 do artigo 9.º, do Código Civil:«Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados»;
In claris non fit interpretatio
Consequentemente, fixaria jurisprudência do seguinte teor:
«A pena de multa substitutiva da pena de prisão aplicada na decisão condenatória não é substituível por dias de trabalho face à norma imperativa do artigo 43.º, n.º 2, do Código Penal.»
Ora, concordamos totalmente, salvo o imenso e devido respeito que temos pela opinião que fez vencimento no Acórdão de fixação de jurisprudência, com esta posição assumida por 3 conselheiros em votos de vencido.
Em nosso entender andou bem o Tribunal a quo ao indeferir a pretensão do recorrente pelas razões que estão supra expostas.
Tal não impediu, nem impede o condenado de requerer, o pagamento da multa, substitutiva da pena de prisão, em prestações uma vez que ainda não se encontra em incumprimento.
Ou seja, enquanto estivermos na fase do cumprimento e não já na do incumprimento o arguido pode socorrer-se dos mecanismos legais para pagar em prestações evitando o cumprimento da pena de prisão.
O recorrente não pode pretender que se desfiem todas as penas de substituição, até que seja possível ao condenado cumprir uma delas.
A política criminal que está na origem da possibilidade de substituição de pequenas
penas de prisão por multa não é a mesma que está na aplicação de uma pena de multa como pena principal. Há todo um conjunto de exigências de prevenção geral e especial, de ilicitude e de culpa, que determinam a aplicação de uma pena de prisão e não de uma pena de multa, e que, permitem ainda, que, aplicada uma pena de prisão se possa ponderar a sua substituição por pena de multa.
E há que ter em conta que a aplicação de uma pena efetiva de multa não tem, claramente a mesma carga de prevenção geral e especial, de ilicitude e de culpa que tem uma pena de prisão.
Assim como não é possível condicionar a suspensão de execução de uma pena de prisão ao cumprimento de trabalho a favor da comunidade, fazendo com que para se suspender uma pena principal aplicando uma pena de substituição se aplica ainda outra pena de substituição. A regulamentação de cada uma delas é específica e autónoma. Seria como que uma dupla tributação penal ou uma duplicidade de penas.
No caso dos autos seria um sucessivo desdobramento em penas de substituição até que o condenado conseguisse cumprir uma delas quando na verdade, há outras formas de cumprir a pena de multa aplicada em substituição da execução da pena de prisão.
Assim sendo negaria provimento ao recurso mantendo o despacho recorrido.
*
Cristina Almeida e Sousa
Primeira Adjunta (e Relatora do acórdão)
*
Ana Cristina Guerreiro da Silva
Segunda Adjunta