CONTRATO DE FORMAÇÃO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
BOA-FÉ
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

1 - Viola o princípio da boa-fé na execução do contrato a parte que, embora justificadamente, o suspende, mas mantém tal suspensão ad aeternum sem que informe os demais contraentes acerca do que podem esperar.
2 - A violação de tal princípio constitui a devedora na obrigação de indemnizar pelos danos causados.
3 – Não viola o princípio da igualdade relativamente a um contrato de formação uma atuação que tem na sua base distinta situação dos formandos.

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, BB e CC, Autores nos autos à margem referenciados e neles melhor identificados, não se conformando com a sentença, vêm interpor recurso.
Pedem a revogação da Sentença recorrida.
Fundam-se nas seguintes conclusões:
1. Não podemos concordar com o sentido seguido pelo douto aresto de que se recorre.
2. O presente processo é igual ao processo dos Colegas dos AA., já julgado por este Venerando Tribunal, Proc. n.º 11760/22.8T8LSB.L1-4, que deu origem ao Acórdão de 24-04-2024, Relatora: Dra. Francisca Mendes, disponível em:
https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f7cd1ec d99fbd2cb80258b12003ce9aa?OpenDocument, com o seguinte sumário: “1 - Foi celebrado entre as partes um contrato de formação, com vista à celebração de contrato de trabalho (caso a formação fosse concluída com êxito). 2 - A suspensão dos termos do referido contrato perante a situação de crise da empresa na sequência da pandemia Covid 19 não configura uma conduta culposa que permita concluir que ocorre responsabilidade civil pré-contratual. 3.Não ocorre violação do princípio da igualdade quando a diversidade de tratamento dos formandos não assentou em critérios arbitrários. 4. Perante a falta de contactos a partir de Junho de 2021 e o alheamento por parte da recorrida quanto aos contratos estabelecidos entre as partes, deveremos concluir que ocorreu uma violação das regras da boa fé negocial. (Sumário da autoria da Relatora)”
3. Ficou claro pela prova documental e testemunhal produzida que a TAP exigia a disponibilidade total dos pilotos, porquanto os horários praticados na formação, e a sua exigência não permitiam a cumulação da formação com qualquer outra atividade profissional.
4. Os aqui Recorrentes, por forma a garantirem a sua disponibilidade total tiveram que proceder ao Abate aos Quadros na Força Aérea Portuguesa, onde exerciam funções até ao momento da abertura do concurso, não sendo possível aos Autores terem disponibilidade total sem procederem ao Abate aos Quadros.
5. Não era possível aos Recorrentes pedir uma licença sem vencimento na Força Aérea, ou qualquer outro regime que os permitisse frequentar o curso de formação da TAP sem ser através da via da cessação desse vínculo por completo.
6. A contratação dos aqui Recorrentes, na qualidade de ex-militares da Força Aérea era altamente provável devido à sua elevada experiência, sendo a taxa de probabilidade de reprovação manifestamente baixa.
7. Foi criada a legítima expectativa no espírito dos Recorrentes da sua contratação pela TAP findo o curso de formação com aprovação.
8. Sendo inequívoco que pode ser imputada à Recorrida a criação desse estado de confiança sobre a formação do futuro contrato de trabalho.
9. Convicção essa criada não só por ser a contratação benéfica para os Autores, como também por haver interesse na mesma por parte da TAP, porquanto teria a necessidade de integrar os referidos pilotos nos seus quadros por forma a reforçar a sua frota, daí assumirem as despesas da sua formação, o que, dado o custo elevadíssimo da mesma, representa igualmente um interesse da TAP em fazer render o seu investimento.
10. Não se nega portanto a legitimidade da interrupção da formação, mas antes a suspensão ad eternum, com cessação por completo do pagamento da bolsa de formação, que se traduzia no meio de sustento dos formandos.
11. Mais, apesar de terem suspenso o curso sem mais, a Recorrida, por forma a não perder o investimento feito nos Autores, decidiu continuar a alimentar a sua esperança na retoma do curso e posterior contratação, sem que para isso assegurasse o seu sustento durante esse período de disponibilidade, ou por outro lado, fizesse cessar por completo a formação.
12. Situação que não ocorreu com os colegas oriundos da Portugalia, que, apesar de se encontrarem na mesma situação de facto, isto é, encontrarem-se com a formação suspensa, continuaram a receber a bolsa de formação.
13. Ora, entendem aqui os Recorrentes que o facto de esses colegas provirem de uma companhia aérea do grupo da TAP não justifica por si o tratamento diferenciado para com os demais colegas.
14. A Recorrida continuou a “alimentar” a esperança dos Recorrentes na retoma do curso e posterior contratação, alegando que não se poderiam dar ao luxo de desperdiçar o investimento feito, e tinham a esperança de estes virem a integrar a “família TAP”, fazendo-o nos emails trocados com os formandos, na reunião solicitada pelos mesmos e em grupo de WhatsApp em que participavam formandos e responsáveis da formação (que pertenciam aos quadros da TAP).
15. Os Recorrentes demonstraram paciência e compreensão, mesmo quando confrontados com circunstâncias adversas e aguardaram que a TAP retomasse a formação ou os chamasse após a pandemia, o que nunca aconteceu.
16. Os danos graves sofridos pelos Recorrentes não são apenas financeiros, mas também emocionais, psicológicos e de carreira.
17. A Recorrida manteve o pagamento da “bolsa de formação” aos pilotos oriundos da Portugália, num claro e assumido ato de desigualdade e discriminação para com os restantes formandos, onde se incluíam os aqui Recorrentes.
18. Entendem os Autores, aqui Recorrentes, serem detentores do direito a serem indemnizados pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por esta situação criada pela Recorrida, a titulo de responsabilidade contratual e/ou pré-contratual, nos termos melhor expostos na petição inicial.
19. Reiteramos que à data da instauração da ação, já tinha decorrido quase um ano desde o último contacto da Recorrida, perdurando a situação de incerteza dos ora recorrentes face à inexistência de explicações por parte da recorrida que se manteve alheia ao contrato celebrado.
20. A referida situação de incerteza afetou o estado psicológico dos ora recorrentes, pelo que consideramos que tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do Código Civil).
21. A relação contratual que importa apreciar é a estabelecida entre as partes e os seus reflexos no estado psicológico dos AA., conforme os factos que ficaram provados.
22. A TAP exerceu os seus direitos de forma abusiva ao criar falsas expectativas de contratação, excedendo os limites da boa-fé e bons costumes.
23. A TAP falhou em cumprir a obrigação de agir de boa-fé tanto na formação quanto na execução das obrigações contratuais, suspendendo ad aeternum tal acordo de formação, se a mesma tinha um interesse em manter o mesmo para não perder o investimento tinha de pagar a bolsa aos Recorrentes.
24. A TAP atuou com culpa, falhando na mitigação do problema em que deixou os aqui Recorrentes, falhando na comunicação que teve para com estes, transmitindo-lhes sempre que se deveriam manter disponíveis e a estudar, que o investimento em formação e qualificação dos pilotos era um processo complexo, demorado e dispendioso que a TAP não podia desperdiçar, não tomando a decisão empresarial mais correta.
25. Venerandos Desembargadores, a situação dos Recorrente é uma tremenda injustiça, ficaram com a vida em suspenso para a aqui Recorrida não perder o seu investimento na sua formação, ficando num limbo de incerteza relativamente ao seu futuro e sem qualquer rendimento, pelo que mesmo no contexto de uma alteração superveniente das circunstâncias, que é pública e notória, não deixarão de concluir que a TAP procedeu com culpa.
26. Atento o disposto no art. 496.º, n.º 4 do Código Civil, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º do mesmo Diploma Legal.
27. Para o efeito, dever-se-á atender ao valor da bolsa, ao tempo decorrido à data da propositura da ação e à situação económica atual da TAP.
28. É do interesse da justiça e da reputação do sistema legal que o caso dos Recorrentes seja revisto e julgado com imparcialidade.
29. Tendo este Venerando Tribunal da Relação a oportunidade de corrigir uma grave injustiça e estabelecer um precedente de justiça e equidade.
30. Os Recorrentes buscam apenas a justiça e a clareza que lhes foram negadas pela TAP, esperando que este Tribunal as possa fornecer, revisitando e reavaliando a sentença recorrida.
31. Concluindo, a sentença violou o disposto nos artigos 227.º, 494.º, 496.º, 562.º, 762.º, n.º 2, 798.º, 799.º do Código Civil e artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação.
TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES S.A., Ré nos autos à margem referenciados, notificada da interposição de recurso vem apresentar as suas Contra-Alegações debatendo-se pela manutenção da sentença recorrida.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer ali se pronunciando pela improcedência do recurso.
Respondeu o Apelante, alertando para o teor do Acórdão desta Relação proferido no Proc.º 11760/22.8T8LSB.
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Os autos resumem-se como segue:
AA, BB e CC intentaram a presente ação comum contra “Transportes Aéreos Portugueses, S.A.” peticionando a condenação da Ré a pagar, a cada um, a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Mais peticionam a condenação da Ré, com base no instituto de responsabilidade pré contratual, a pagar, a título de indemnização pelo interesse contratual negativo, o valor de € 102.148,62 ao Autor AA; € 121.737,00 ao Autor BB e € 70.781,76 ao Autor CC e, com base na responsabilidade contratual, a quantia de € 19.410,00 – a título de diferenças salariais entre estes e os pilotos da Portugália.
Para tanto sustentam, em síntese, terem celebrado com a Ré um acordo de formação com vista a habilitá-los a desempenhar as funções de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP, na sequência do que lhes foi atribuída uma Bolsa de Formação, e que, em Março de 2020, por força do surgimento da Pandemia, a Ré deixou de proceder ao pagamento dessa bolsa e suspendeu, por tempo indeterminado, o curso de formação em que estavam integrados, sem que tenha, de forma clara comunicado e/ou formalizado a cessação do acordo existente, deixando-os numa situação de incerteza e sem qualquer fonte de rendimento. Mais sustentam os Autores que, para poderem ingressar no referido curso de formação, se viram obrigados a pôr fim aos vínculos laborais que antes possuíam com outras companhias - na medida em que se erigia como requisito obrigatório para ingresso uma total disponibilidade -, sendo que a tal anuíram por lhes ter sido assegurado um contrato de trabalho com a TAP no final da formação, o que não veio a verificar-se, tendo-os a empresa que lhes havia prometido um emprego estável e garantido deixado desprotegidos.
Contestando, sustenta a Ré a ausência de fundamento para o pretendido pelos Autores defendendo, por um lado, inexistir qualquer promessa de contrato e, por outro lado, qualquer comportamento violador da boa-fé, defendendo que se viu numa situação totalmente imprevisível e justificadora da suspensão dos acordos que havia celebrado com os Autores.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julga a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolve a Ré de todos os pedidos contra si deduzidos.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
- Os AA. têm direito a ser indemnizados pelos danos sofridos com a situação criada pela Recrdª?
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FUNDAMENTAÇÃO:
FACTOS:
Discutida e instruída a causa, com relevo para a sua decisão, resultaram provados os seguintes factos:
A.1. A Ré é a companhia aérea de bandeira portuguesa, que se dedica à exploração de serviços públicos de transporte aéreo de passageiros, carga e correio, bem como a prestação de serviços e a realização das operações comerciais, industriais e financeiras relacionadas, direta ou indiretamente, com a referida exploração e, ainda, exercer quaisquer outras atividades consideradas convenientes aos interesses empresariais;
B.1. No final do ano de 2018 a Ré definiu como objetivo da empresa a contratação de 300 pilotos até ao final de 2019, para fazer face aos planos de expansão da Companhia, que iria abrir 14 novos destinos no ano seguinte;
C.1. No seguimento do referido em B.1., a Ré decidiu abrir um concurso para contratar oficiais pilotos;
D.1. No dia 23 de Outubro de 2019, a Ré anunciou o início da fase de candidaturas, publicando no seu site os requisitos para a mesma;
E.1. Para se poderem candidatar os pilotos tinham que possuir, entre outras, as seguintes qualificações e certificações técnicas e médicas: Licença EASA CPL (A); Certificado Médico EASA Classe 1, válido; Exames teóricos de Linha Aérea válidos; Averbamento de nível de inglês técnico na licença igual ou superior a 4, válido; Qualificação de instrumentos em aviões multimotores, válida; e Formação MCC;
F.1. O concurso seguia os termos do regulamento do concurso para seleção de oficiais piloto para admissão na TAP;
G.1. De acordo com o regulamento referido em F.1. os candidatos chamados para a segunda fase do processo de seleção são submetidos às seguintes provas, todas eliminatórias, nas quais lhes será atribuída a classificação de “Apto” e “Não Apto”, com exceção da avaliação aeronáutica, cujo resultado é indicativo: avaliação aeronáutica; avaliação psicológica; prova de simulador e entrevista técnica; avaliação médica;
H.1. De acordo com o regulamento referido em F.1. os candidatos classificados em qualquer prova como “não aptos” ficarão imediatamente excluídos;
I.1. Os Autores, por preencherem os requisitos, concorreram ao concurso referido em C.1. e foram selecionados;
J.1. Na sequência do referido em I.1., o Autor AA, na qualidade de segundo outorgante, e a Ré, na qualidade de primeira outorgante, celebraram acordo escrito, datado de 22 de Novembro de 2019, denominado Acordo de Formação”, mediante o qual a segunda se obrigava a proporcionar ao segundo ações de formação profissional com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP;
K.1. Na sequência do referido em I..1, o Autor BB na qualidade de segundo outorgante, e a Ré, na qualidade de primeira outorgante, celebraram acordo escrito, datado de 02 de Dezembro de 2019, denominado Acordo de Formação”, mediante o qual a segunda se obrigava a proporcionar ao segundo ações de formação profissional com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP;
L.1. Na sequência do referido em I.1, o Autor CC na qualidade de segundo outorgante, e a Ré, na qualidade de primeira outorgante, celebraram acordo escrito, datado de 02 de Dezembro de 2019, denominado Acordo de Formação”, mediante o qual a segunda se obrigava a proporcionar ao segundo ações de formação profissional com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de Linha Aérea na TAP;
M.1. Sob a cláusula 3.ª dos acordos referidos em J.1., K.1. e L.1., ficou estabelecido que durante o período de formação, e até ser considerado ready for flights with LTC ao segundo outorgante será atribuído mensalmente a quantia equivalente a dois salários mínimos nacionais; o direito à utilização do refeitório da empresa para tomada de uma refeição diária gratuita;
N.1. Sob a Cláusula Sétima dos acordos referidos em J.1., K.1. e L.1., ficou estabelecido, no ponto 1., que a TAP poderá, a todo o tempo, por razões exclusivas do seu interesse ou conveniência, fazer cessar ou suspender as ações de formação objeto do presente acordo e, no ponto 3., do previsto nos precedentes n.ºs 1 e 2 desta cláusula não resulta para a TAP qualquer obrigação de compensar ou indemnizar o Segundo Outorgante;
O.1. Sob a Cláusula Décima do acordo referido em J.1., Décima Primeira do acordo referido em K.1. e Décima Terceira do acordo referido em L.1., ficou estabelecido que, concluídas com aproveitamento as ações de formação, o Segundo Outorgante é considerado apto a celebrar contrato com a TAP após o “ready for flights with LTC”;
P.1. Sob a Cláusula Décima Primeira do acordo referido em J.1., Décima Segunda do acordo referido em K.1. e Décima Quarta do acordo referido em L.1., ficou estabelecido que do acordo de formação não decorre qualquer obrigação da TAP de celebração futura de contrato individual de trabalho com o segundo Outorgante;
Q.1. Os acordos referidos em J.1., K.1. e L.1. previam que, caso o segundo outorgante obtivesse aproveitamento e recusasse celebrar contrato de trabalho com a Primeira Outorgante teria que compensar a TAP pelas despesas suportadas, num montante fixado em € 75.000,00;
R.1. Os acordos referidos em J.1., K.1. e L.1. previam que, em caso de cessação do acordo por ação ou omissão do segundo Outorgante, este constituía-se na obrigação de compensar a TAP das despesas suportadas com o recrutamento, integração e formação prestada no curso, no valor fixado em € 50.000,00;
S.1. Na sequência da assinatura dos acordos referidos em J.1., K.1. e L.1. foram entregues aos Autores uma farda, headsets, uma briefcase, manuais, computador, cartão CREW e um Cartão Aeroporto;
T.1. Os instrumentos referidos em S.1. eram propriedade da Ré e eram essenciais para a execução das funções dos Autores dentro da empresa;
U.1. Na sequência da assinatura dos acordos referidos em J.1., K.1. e L.1. foi atribuído aos Autores um endereço de e-mail profissional através do qual eram feitas todas as comunicações pela TAP;
V.1. Em 2020, o mundo foi assolado pela pandemia Covid-19, que obrigou a quase todos os países do globo a entrar num sincronizado e rigoroso isolamento, por forma a conter a disseminação da doença, sendo fechadas escolas, serviços não essenciais e suspendendo viagens internacionais de avião;
W.1. A partir desse momento, a Ré viu a sua atividade praticamente parada, obrigando-se a colocar os seus trabalhadores em “lay-off”, em particular os pilotos que deixaram de poder voar;
X.1. Em Março de 2020, com o início da Pandemia Covid-19, invocando esse motivo, os contratos referidos em J.1., K1.. e L.1. foram suspensos pela Ré por tempo indeterminado;
Y.1. Na sequência do referido em X.1, a Ré deixou de efetuar o pagamento da bolsa acordada;
Z.1. Em Abril de 2020, a Ré levou a cabo medidas de redução de custos, que incluíam a não renovação de contratos, a suspensão ou adiamento de investimentos e de contratações por se encontrar numa situação de fragilidade económica;
A.2. No dia 6 de Abril de 2020, a Ré remeteu aos Autores comunicação com, para além do mais, os seguintes dizeres: “(…) Como é do vosso conhecimento, o atual surto pandémico do COVID-19 que nos afetou a todos em geral, conduziu a TAP a uma situação de crise empresarial de especial gravidade, transversal a toda a indústria da aviação. As diversas restrições adotadas ao nível do transporte aéreo, no sentido de prevenir a disseminação da doença, implicaram uma paragem progressiva da operação, impossibilitando dessa forma a manutenção das atividades de treino. (…) serve o presente para vos informar que, em face aos constrangimentos atuais, foi decidido proceder à suspensão de toda a atividade de instrução, incluindo a que vos diz respeito. Face ao exposto, e compreendendo as vossas preocupações e expectativas, a Direção de Treino e Instrução irá manter todos os registos da vossa atividade de Instrução para eventuais ações futuras. (…) ”;
B.2. No dia 21 de Abril de 2020, os Autores receberam comunicação de onde constam, para alem do mais, os seguintes dizeres: “ (…) Conforme comunicado, no passado dia 06 de Abril, a TAP foi forçada a suspender toda a atividade de instrução/formação, devido ao surto do Covid-19 e consequente paragem total de diferentes segmentos de atividade da TAP. Respeitante à suspensão da atividade de Instrução, em concreto aquela que vos diz respeito, somos a informar: i) o pagamento da bolsa de formação será suspensos a partir do mês de Abril até ao reinício do treino; ii) Na eventualidade da TAP não terminar a formação e não admitir o piloto nos seus quadros, o mesmo fica livre do pagamento do curso. O investimento em formação e qualificação dos pilotos é um processo complexo, demorado e dispendioso pelo que a TAP não pode desperdiçar este investimento nos seus pilotos como os que, infelizmente, agora foi forçada a suspender o treino. Na esperança que em breve possa retomar a sua normal atividade e com isso retomar o treino dos pilotos, com os quais espera contar num futuro próximo, agradecemos toda a vossa compreensão e dedicação. (…)”;
C.2. O referido em B.2. levou os Autores a crer que havia por parte da TAP uma intenção de poder vir a levantar a suspensão, o que significaria que a ausência de remuneração se iria manter durante esse interregno, mas que deveriam os pilotos manter a disponibilidade total para regressar à TAP a qualquer momento, por estes afirmarem que esperavam contar com eles num futuro próximo;
D.2. A 27 de Abril de 2020, os Autores enviaram uma exposição através de e-mail para os Recursos Humanos da TAP, com um pedido de informação relativamente a um conjunto de dúvidas sobre a suspensão do curso e da bolsa de formação, solicitando ainda uma reunião suspendeu toda a atividade de instrução/formação devido ao surto pandémico de Covid-19;
E.2. No seguimento do referido em D.2. foi agendada uma reunião com os Recursos Humanos da TAP para dia 14 de Maio de 2020, de onde não saiu qualquer resultado prático;
F.2. Na reunião foi reiterado que se tratava de uma suspensão da formação e que num futuro próximo as ações seriam retomadas;
G.2. Durante este interregno as comunicações da Ré com os Autores foram quase inexistentes, tendo os Autores enviado vários pedidos de esclarecimento através do endereço de correio eletrónico profissional que lhes foi disponibilizado pela Ré, sem obter qualquer resposta ou solução concreta por parte da Companhia;
H.2. O referido em Y.1. deixou os Autores numa situação de incerteza quanto ao futuro e sem fonte de rendimento;
I.2. Após o referido em Y.1. não foi garantido pela TAP qualquer tipo de apoio aos formandos;
J.2. Os Autores receberam comunicação da Ré a requerer a entrega dos equipamentos referidos em S.1, o que fizeram;
K.2. Com a comunicação referida em J.2., os Autores ficaram cientes de que a Ré se comportava como se os acordos referidos em J.1., K.1. e L.1. tivessem terminado definitivamente;
L.2. A Ré não formalizou a cessação dos acordos referidos em J.1., K.1. e L.1.;
M.2. No curso dos Autores estavam integrados pilotos oriundos da Portugália;
N.2. Os pilotos referidos em L.2. continuaram a receber a bolsa de formação;
O.2. O referido em N.2. elevou a um nível superior o sentimento de injustiça por parte dos Autores;
P.2. O Autor AA era piloto na companhia de aviação ..., ZZ, desde Novembro de 2018;
Q.2. O Autor AA vivia sozinho em ...;
R.2. Por querer regressar ao seu país Natal e por ter o sonho de trabalhar na mesma companhia onde a mãe foi durante muitos anos assistente de bordo e posteriormente supervisora de cabine, o Autor AA decidiu candidatar-se ao curso da TAP;
S.2. O Autor AA via na companhia de bandeira portuguesa uma oportunidade de trabalho com estabilidade e perspetiva de futuro, por esta oferecer boas condições salariais e outras regalias;
T.2. Assim que soube da intenção da TAP de alargar a equipa de pilotos, o Autor AA decidiu concorrer ao curso de formação da companhia;
U.2. Na data da comunicação referida em X.1., o Autor AA encontrava-se na fase LIFUS, tendo realizado um dos dez LIFUS previstos;
V.2. Na data da comunicação referida em Y.1., o Autor AA encontrava-se a pagar uma quantia mensal referente a um empréstimo que havia contraído para financiar o seu curso de Type Rating;
W.2. Para poder fazer face aos encargos referidos em V.2. e não faltar com as suas obrigações, o Autor teve que recorrer à ajuda dos seus pais, ficando a viver com eles;
X.2. No período de Junho a Dezembro de 2020, para conseguir obter algum rendimento, o Autor AA começou a trabalhar na área do telemarketing e decidiu obter as cartas de condução de todas as categorias;
Y.2. O Autor AA teve um convite por parte do Aero Clube de ... para ser instrutor teórico de performance e planeamento de voo;
Z.2. O Autor AA frequentou a formação de CAM (Certificado de Aptidão de Motorista);
A.3. O Autor AA trabalhou como operador de telemarketing para poder continuar a subsistir;
B.3. Assim que obteve todas as licenças de condução, AA começou à procura de trabalho nessa área, bem como na área da aviação, por forma a reaver a sua independência financeira;
C.3. AA celebrou contrato de trabalho com a companhia aérea WW, S.A., onde se mantém em funções até ao presente momento;
D.3. O último contacto que AA teve da Ré foi em Agosto de 2020, quando requereu a devolução do equipamento;
E.3. O Autor BB era piloto na companhia aérea TT, voando a partir de ...;
F.3. Como tinha o objetivo de regressar a ..., o Autor ambicionava trabalhar na TAP, por ser a companhia de bandeira portuguesa, e por reconhecer ser uma empresa que lhe apresentava perspetivas de estabilidade e uma boa qualidade de vida (bom salário e outras regalias);
G.3. Na data da comunicação referida em X.1., o Autor BB encontrava-se na fase dos simuladores, aguardando a emissão da respetiva licença;
H.3. Em Junho de 2020 o Autor decidiu obter o certificado de aptidão de motorista e, no mês seguinte, começou a trabalhar como motorista de pesados internacional;
I.3. Devido ao cansaço extremo decorrente desta profissão o Autor apenas exerceu esta atividade até Dezembro de 2021;
J.3. No início do ano de 2022, o Autor iniciou o processo de recrutamento da WW, S.A. e em Abril começou em efetividade de funções enquanto piloto na companhia;
K.3. Fruto do stress vivido no período de desemprego e no período em que trabalhou longas horas como motorista, o Autor desenvolveu uma úlcera nervosa no estomago;
L.3. O Autor CC era piloto na companhia aérea UU, com quem voava a partir de ...;
M.3. Pela perspetiva de estabilidade, oportunidade de voar Airbus e fazer viagens de longo curso, o Autor CC decidiu concorrer ao curso da TAP já no final do ano de 2018, mas foi apenas no final de 2019 que foi chamado para o curso em causa nos autos;
N.3. Em Dezembro de 2019, o Autor CC iniciou o seu curso, chegando a concluir o Type Rating;
O.3. Na data da comunicação referida em Y.1., o Autor CC encontrava-se na fase de simuladores, aguardando a emissão da respetiva licença;
P.3. O Autor CC sobreviveu com as suas poupanças e com a ajuda económica dos pais;
Q.3. O Autor CC trabalhou num Call Center;
R.3. Em Dezembro de 2020, o Autor CC iniciou um curso de instrutor de voo na ...;
S.3. Em Janeiro de 2021 o Autor CC começou a trabalhar como instrutor de aviação na ... College, em ..., onde permaneceu em funções até Novembro de 2021;
T.3. Desde Novembro de 2021 que o Autor CC se encontra a trabalhar como piloto na companhia aérea VV, sediada em ... na ..., com quem voa a partir de ..., onde vive sozinho;
U.3. Os Autores sentiram angústia, stress e sentiram-se envergonhados;
V.3. O Autor AA, enquanto piloto da ZZ, auferia em média um vencimento mensal líquido de € 4.864,22;
W.3. O Autor BB enquanto piloto da TT auferia em média um vencimento mensal líquido de € 5.797,00;
X.3. O Autor CC enquanto piloto da UU auferia em média um vencimento mensal líquido de € 3.370,56;
Y.3. A Ré efetuou a suspensão referida em Y.1. logo que a sua operação foi suspensa e se deu conta que, quando fosse reativada, não o seria com a mesma dimensão e necessidades programadas antes de Março de 2020;
Z.3. A Ré encetou um plano de contingência em função da paralisação total da sua atividade, do qual faziam o lay off, a caducidade dos contratos a termo, medidas como licenças sem retribuição e a suspensão das atividades de formação (estas também por força das restrições emergentes dos confinamentos e impostas por lei);
A.4. A partir da segunda quinzena de Março, a Ré teve o período mais conturbado do ponto de vista operacional e administrativo, quanto à indefinição da situação que se vivia, com todos os seus serviços praticamente paralisados;
B.4. A Ré deixou de voar para qualquer destino, e não sabia qual o seu plano, quais as rotas em que se justificava voar, ou até quais as que continua autorizada a voar;
C.4. A fase de Cursos sempre será aquela que mais custos representa para Ré, e aquela sem a qual – e respetiva aprovação - o candidato, designadamente os aqui Autores, não estariam em condições de ascender a Oficiais de Piloto de Linha Aérea da Ré;
D.4. Na data referida em A.2. ninguém sabia ou podia prever a incidência que a pandemia de Covid-19 teria na atividade da Ré;
E.4. Em 24 de Agosto de 2020, a TAP enviou comunicação eletrónica em que solicita a entrega do fardamento e equipamentos disponibilizados aquando do processo de formação e qualificação tipo, designadamente cartão crew e cartão aeroporto que permitiam o acesso dos formandos ao aeroporto e a áreas de acesso restrito;
F.4. A solicitação referida em E.4. prendeu-se com razões de segurança;
G.4. A Ré foi declarada empresa em situação económica difícil em 14 de Janeiro de 2021, renovada a 29 de Dezembro, com efeitos até 31 de Dezembro de 2022;
H.4. A Ré manteve o pagamento da bolsa aos formandos provenientes da Portugália na perspetiva de manutenção de uma relação que permitisse vir a reintegrar esses formandos na Portugália, detida a 100% pelo Ré, por onde se iniciou algum retorno da atividade, em cujo equipamento (Embraer) aqueles formandos se encontravam certificados e podiam voar.
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O DIREITO:
Pretendem os Apelantes ter direito a indemnização pelos danos sofridos com a situação criada pela Apelada, sem que, contudo, neguem a legitimidade da interrupção da formação. A tónica assenta, pois, na suspensão ad eternum da mesma, com cessação por completo do pagamento da bolsa de formação, que se traduzia no seu meio de sustento.
Delimitada assim a questão consideramos desnecessários quaisquer considerandos acerca da legitimidade da suspensão da formação por parte da Apelada.
A fundamentação apresentada para o presente recurso assenta na suspensão ad aeternum da formação (conclusões 10, 15, 23 e 19), na manutenção da esperança de retorno do curso (conclusões 11 e 1), no tratamento diferenciado de um conjunto de formandos (conclusões 13 e 17) e na criação de falsas expetativas de contratação (conclusão 22).
Será, pois, a partir de tal delimitação que enfrentaremos o pedido indemnizatório.
Os Apelantes celebraram com a Apelada um contrato de formação que, com o início da pandemia COVID 19, foi suspenso em Março de 2020, vindo aqueles a receber informação desta até Agosto de 2020, momento a partir do qual ficaram numa espécie de limbo – não lhes foi comunicada a cessação dos acordos de formação e também nada lhes foi dito sobre os acordos suspensos. Em 9/05/2022 – data da propositura da ação- era este o ponto da situação.
E é daqui que partirá a nossa análise o que implica que circunscrevamos o Direito aplicável ao caso não a uma situação de culpa in contrahendo, mas antes a uma situação de eventual violação do princípio da boa-fé no cumprimento do contrato. Na verdade, estando em execução um acordo de formação, não nos parece aplicável o disposto no Artº 102º do CT (ou 227º do CC), mas antes o disposto no Artº 126º/1 do CT (ou 762º/2 do CC). E, invocada que está uma situação de discriminação, também ao disposto no Artº 24º do CT.
O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações (Artº 126º/1 do CT).
Tal como dito na sentença, a boa-fé consiste, “em geral no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir”, pressupondo tutela da confiança e da expetativa criada às partes.
“À ideia de boa-fé estão ligados os deveres de fidelidade, lealdade e honestidade e o direito de confiança na realização e fiel cumprimento dos negócios jurídicos”, também com ela se relacionando “a possibilidade de resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes à data da sua conclusão” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed., Coimbra Editora, Limitada).
A propósito do princípio da confiança, aliado natural do da boa-fé, diz-se que “cada contraente deve responder pelas expetativas que justificadamente cria, com a sua declaração, no espírito da contraparte” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., Almedina, 213).
Do princípio da boa-fé emerge a circunstância de o devedor não poder “cingir-se a uma observância puramente literal das cláusulas do contrato”, antes envolvendo “a necessidade de observância de múltiplos deveres acessórios de conduta”, ou seja, implica leal colaboração ao longo do desenvolvimento da relação contratual (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 3ª Ed., Almedina, 10 e ss.). Entre tais deveres está, naturalmente, o de informação.
Isto posto, vejamos os factos!
Aberto concurso para contratação de oficiais pilotos, os Apelantes, todos com vidas profissionais ativas, concorreram ao concurso, tendo, na sequência, celebrado acordos de formação. Acordos esses que foram suspensos com base na justificação que os autos revelam e que não merece oposição por parte dos mesmos.
O que merece a rebelião dos Apelantes é a circunstância de a suspensão ter perdurado no tempo sem notícia do seu termo ou retoma da formação, mantendo-se, contudo, uma situação de esperança que não encontrou concretização, bem como criação de falsas expetativas de contratação.
Revelando o acervo fático cuja prova se obteve quer a suspensão da formação, quer a ausência de notícias desde Agosto de 2020, não se pode dizer que foi mantida pela Apelada uma convicção de futura contratação ou, de algum modo, criadas expetativas a esse respeito.
Na verdade, desde a sua assinatura, que os acordos de formação eram explícitos no sentido de, através deles, vir a ser proporcionada formação profissional com vista a uma habilitação para oficial piloto de linha aérea, consignando-se a possibilidade de a contratante poder, a todo o tempo, por razões do seu interesse e conveniência, fazer cessar ou suspender as ações de formação e que a contratação dependia da conclusão, com aproveitamento, das mesmas, dali não decorrendo qualquer obrigação de celebração de contrato individual de trabalho1. Sendo certo que a partir das comunicações ocorridas em Abril de 2020 os AA. acreditaram que havia, por parte da Apelada, uma intenção de poder vir a levantar a suspensão, também é que de uma reunião ocorrida em Maio de 2020 decorreu que as ações seriam retomadas num futuro próximo. Contudo, não só não o foram, como também em Agosto do mesmo ano, foi solicitada a entrega dos equipamentos que haviam sido atribuídos aos formandos. Porém, sem formalização da cessação dos acordos de formação.
Ora, contrariamente ao que pretende a Apelada, e não obstante a matéria que integra o ponto K.2, não se pode concluir que desde Agosto de 2020 os AA. sabiam que a formação tinha cessado definitivamente. O que dali emerge é que com a comunicação de Agosto os AA. ficaram cientes de que a R. se comportava como se os acordos de formação tivessem terminado, o que é substancialmente distinto e indicia até uma convicção de abuso na atuação da Apelada.
Podemos, pois, sem margem para dúvidas, concluir pela manutenção da situação de suspensão sem preocupação de disponibilização de informação adequada, assim se mantendo uma situação de incerteza incompatível com uma atuação povoada pela boa-fé no desenvolvimento da relação previamente estabelecida. Do mesmo modo que, a partir da reunião de Maio de 2020 foi mantida a esperança de retorno ao curso. Já não que tivessem sido criadas falsas expetativas de contratação.
Do circunstancialismo relatado emerge, pois, a omissão de um adequado dever de conduta inerente ao débito de leal colaboração.
Já no concernente à invocada discriminação, não subscrevemos a tese dos Apelantes.
Os trabalhadores têm direito a igualdade de tratamento no que se refere, nomeadamente, à formação, não podendo ser prejudicados em razão de algum dos fatores enunciados no Artº 24º/1 do CT. Por sua vez, o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão, nomeadamente, desses fatores.
Não estando aqui em causa nenhum daqueles fatores, é certo que, contrariamente ao que ocorreu com os Apelantes, a Apelada manteve o pagamento da bolsa aos formandos provenientes da Portugália. Com o que lhes dispensou distinto tratamento.
Todavia, a situação da qual estes partiam era distinta da dos Apelantes. Estes formandos eram pilotos oriundos da Portugália, empresa detida a 100% pela R., por onde se iniciou algum retorno da atividade em cujo equipamento aqueles formandos se encontravam certificados e podiam voar.
Perante esta diferença de base, nem todos os formandos podem ser considerados em igualdade de condições, pelo que não vemos afrontado o princípio da igualdade que, como se sabe, pressupõe tratamento igual para o que é igual. A resposta da Apelada à respetiva situação não assenta em algum critério arbitrário, antes apresenta uma justificação plausível.
Tendo-se concluído que a Apelada não atuou em conformidade com a boa-fé que deve presidir ao desenvolvimento da relação negocial, violou o princípio consignado no Artº 126º/1 do CT.
Consignou-se na sentença recorrida:
A responsabilidade civil comporta duas modalidades: (i) a contratual (ou obrigacional), fundada numa violação do contrato por falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, estando em causa a violação de direitos de crédito ou de obrigações em sentido técnico, nelas se incluindo não só os deveres primários de prestação, mas também deveres secundários e pode resultar do não cumprimento de deveres principais/essenciais ou de deveres acessórios/secundários); (ii) a extracontratual (delitual ou aquiliana), fundada na violação de normas que impõem deveres de ordem geral e correlativamente de direitos absolutos do lesado.
Tanto a responsabilidade contratual (cfr. artigo 798º, do Código Civil) como a extracontratual (cfr. artigo 483º, do Código Civil) assumem como requisitos essenciais para o nascimento da obrigação de indemnizar, a existência de um facto voluntário, ilícito, culposo e danoso, exigindo-se que se estabelece entre o ato e o dano um nexo causal. – Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, Vol. I”, pág. 532 e ss.
Ponderado tudo quanto supra se deixou exarado e cotejando-o com a factualidade supra elencada como provada, conclui-se não terem os Autores provado a existência de um ato ilícito por parte da Ré.
Os factos demonstram, é certo, a existência de uma negociação entre as partes, a sua interrupção e a existência de danos não patrimoniais por parte dos Autores”.
A sentença conclui, assim, pela ausência de prova de qualquer ato ilícito.
Conforme supra dito, discordamos, em parte, desta conclusão, por entendermos ter sido violado o princípio da boa-fé conforme explicitado, o que confere ilicitude à conduta da Apelada.
Vejamos, então, o que decidir em termos de responsabilidade civil!
Repete-se que os Apelantes acentuam, no recurso, a responsabilidade da Apelada pela manutenção da situação de incerteza (e não pela suspensão da formação).
E parecem pretender indemnização por danos, quer de natureza patrimonial, quer não patrimonial.
Fundam os primeiros na circunstância de terem tido que rescindir os seus contratos com as empregadoras anteriores, concluindo ser devido a título de indemnização o valor correspondente aos salários não auferidos caso nunca tivessem celebrado o acordo de formação e, bem assim, na violação do princípio da igualdade.
Relativamente aos danos desta natureza, cumpre apenas afirmar, tal como salienta quer a Apelada, quer o Ministério Público no seu parecer, que não provaram os Apelantes qualquer obrigação de rescisão dos seus anteriores contratos de trabalho. Essa foi uma opção sua, fundada, porventura, na sua crença de que concluiriam o curso com aproveitamento. Mas não uma condição ou requisito para a celebração do acordo de formação. E, quanto à violação do princípio da igualdade, já referimos que a não vislumbramos no caso concreto.
Restam, assim, os danos de natureza não patrimonial.
Estando nós circunscritos ao contrato celebrado, competia à Apelada R. provar que o incumprimento do princípio supra reportado não procede de culpa sua (Artº 799º/1 do CC), o que soçobrou no caso dos autos.
Assim, considera-se a mesma obrigada a indemnizar os Apelantes nos termos do disposto no Artº 798º do CC. Tal indemnização circunscreve-se aos danos decorrentes do débito de leal colaboração, ou seja, aos danos morais sofridos em consequência da perpetuação da incerteza daqueles face à falta de explicações da responsável civil.
Relevam os danos reportados no ponto U.3 – os AA. sentiram angústia, stress e sentiram-se envergonhados.
Considerando que a situação de incerteza perdurou desde Maio de 2020, ascendendo o pedido por danos de natureza não patrimonial à quantia de 15.000,00€ (a cada um dos AA.)2, e revelando-se os danos aptos a merecer a tutela do direito, entendemos por bem fixar a indemnização no valor de 10.000,00€ a cada um dos Apelantes3.
Termos em que a apelação procede parcialmente.
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As custas deverão ser suportadas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (Artº 527º do CPC).
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, alterar a sentença condenando a Apelada a pagar a cada um dos Apelantes a quantia de dez mil euros (10.000,00€), confirmando, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.

Lisboa, 5/12/2024
MANUELA FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
ALDA MARTINS
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1. Analisou-se na sentença a correlação desta questão com a existência de uma promessa de contratar, ideia que foi repudiada e não mereceu oposição
2. Valor fundado em danos de maior relevo do que aqueles cuja prova se obteve – noites sem dormir, stress constante, necessidade de medicação
3. Valor igual foi atribuído no âmbito do Proc.º 11760/22.8T8LSB em que se analisou idêntica situação