RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO LABORAL
FUNÇÕES DE INSTRUTOR E MONITOR DE ATIVIDADE FÍSICA E RECREAÇÃO
PRESUNÇÃO LEGAL / ARTIGO 12.º DO CT
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
II - Impendendo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do CC, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos do contrato, estabeleceu o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009.
III - Tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito), quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum –, o que significa que, ao invés do que resulta do regime geral da repartição do ónus da prova (artigo 342.º, n.º 1, do CC), o autor fica dispensado de provar outros elementos, afirmando-se a existência de um contrato de trabalho, por ilação, demonstrados que sejam aqueles (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do CC), caso a outra parte não prove factos tendentes a elidir aquela presunção de laboralidade (artigo 350.º, n.º 2, do CC).
IV - Integradas as circunstâncias previstas em mais do que uma das alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do CT, mostra-se preenchida a presunção da existência de contrato de trabalho, cumprindo pois indagar, seguidamente, se a ré ilidiu aquela presunção, demonstrando que, apesar da verificação daquelas circunstâncias e da presunção das mesmas derivada, a relação existente não pode ser considerada como uma relação de trabalho subordinado.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 1438/24.3T8AVR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1

Autor: Ministério Público

Ré: A..., Lda.,

_______

Nélson Fernandes (relator)

Rui Penha

Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. O Ministério Público propôs ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, contra A..., Lda., pedindo que se declare que seja reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e AA, com a categoria profissional de Instrutor e monitor de atividade física e recreação, com início em 14 de fevereiro de 2023.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 28 de fevereiro de 2024, a Autoridade Para As Condições do Trabalho (ACT) efetuou uma visita inspetiva ao referido estabelecimento da Ré, verificando que esta mantinha aí ao seu serviço o identificado trabalhador, sob as suas ordens, autoridade, direção e fiscalização, mediante retribuição, desde 14 de fevereiro de 2023, executando funções inerentes à sua categoria profissional de Instrutor e monitor de atividade física e recreação, sendo que, notificada a Ré, esta não regularizou a situação do trabalhador, com quem mantém um verdadeiro contrato de trabalho, ainda que a tempo parcial.

Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, impugnando a versão dos factos alegada na petição inicial e defendendo que não está em causa um vínculo de natureza jurídico-laboral, mas um mero contrato de prestação de serviços. Concluiu pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição.

Notificado nos termos do art. 186º-L n.º 4 do Cód. de Processo do Trabalho, o trabalhador declarou aderir aos factos alegados pelo Ministério Público na petição inicial.

2. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Em face de todo o exposto, julga-se a acção procedente e, em consequência:

- Reconhece-se a existência de um contrato de trabalho (a tempo parcial) entre a R. e o trabalhador AA, com início em 14 de Fevereiro de 2023.

Custas pela R. – art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.

Registe e notifique.

Comunique ao Centro Local competente da Autoridade para As Condições do Trabalho e ao Instituto da Segurança Social, I.P. – cfr. art. 186º-O, n.º 9, do Cód. de Processo do Trabalho.

Valor da acção: € 2.000,00.”

2.1. Inconformada com o decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, apresentando as suas alegações, que rematou com as seguintes conclusões:

“1. A atividade exercida pela beneficiária e pelo prestador de serviços está abrangida ao abrigo da Lei 39/2012 de 28 de agosto;

2. Nas instalações desportivas é obrigatória a existência de um diretor técnico e de técnicos de exercício físico;

3. As funções destas profissões estão definidas na Lei 39/2012 de 28 de agosto

4. A coordenação e supervisão legalmente exigida no artigo 7º da Lei 39/2012 de 28 de agosto a que está sujeito um técnico de exercício físico por parte de um Diretor Técnico não se confunde com a autoridade e direção exigida na relação laboral;

5. Os índices de subordinação jurídica estabelecidos para uma relação de contrato de trabalho, são em muitas ocasiões comuns à da relação de contrato de prestação de serviços, não só por força do contrato em si mas pelas condições convencionadas pelas partes.

6. O local de trabalho e o horário da realização da prestação de serviços está associada com o próprio funcionamento do ginásio, pois na verdade, é nesse período que os clientes da R. frequentam as suas instalações para a prática desportiva;

7. A retribuição do prestador de serviço é determinada em função das horas que o prestador de serviço prestava e por aqui não se poderá deduzir que auferia uma quantia certa, tal como decorre da al. d) do n.º 1 do artigo 12 do CT.

8. não existe qualquer dependência económica do prestador de serviços em relação à R.

9. No âmbito de uma estrutura organizacional como a da R., por onde passam inúmeros clientes e considerando a obrigatoriedade da presença de um instrutor de fitness é natural que o prestador de serviços avise quando falta ou quando goza férias;

10. O prestador de serviços jamais foi sujeito à ação disciplinar;

11. A ausência de instrutores de fitness ou técnicos de exercício físico nas instalações da R configura um ilícito contraordenacional nos termos do artigo 23 da Lei 39/2012 de 28 de agosto;

12. Os equipamentos que se encontram num ginásio, como é de conhecimento notório, são na sua maioria pesados, de complexidade técnica e que exigem condições de segurança, por forma a evitar lesões aos clientes;

13. Não será uma simples t-shirt fornecida pela R. que preenche tal característica, na medida em que face à obrigatoriedade de existência de técnicos de exercício físico, é um meio dos clientes os distinguirem dos demais clientes;

14. O restante vestuário, tal como calças, calções e calçado pertencia e era escolhida livremente pelo próprio prestador de serviço e jamais foi fornecido pela R.;

15. Não se verificam as características das al. a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do CT;

16. A factualidade dada como provada demonstra a inexistência de qualquer subordinação jurídica, pois o prestador de serviços “planeia e monitoriza as actividades físicas dos clientes, para assegurar as condições de segurança, explica regras e regulamentos, avalia as capacidades dos clientes e recomenda actividades e exercícios físicos, demonstra e ensina movimentos do corpo, conceitos e aptidões utilizados nas actividades físicas e o modo de funcionamento dos equipamentos a utilizar” (facto provado em 4) com total independência e autonomia técnica, não existindo quaisquer instruções ou direção da R. para o efeito.

17. A relação contratual estabelecida entre o prestador de serviço e a beneficiária é de prestação de serviços e não de contrato de trabalho.

Conclui que deve ser concedido provimento ao recurso, sendo revogada a sentença recorrida e julgando-se totalmente improcedência e em consequência reconhecer-se a inexistência de contrato de trabalho.

2.1.1. Contra-alegou o Ministério Público, concluindo nos termos que se seguem:

1- A recorrente não colocou em crise a matéria de facto dada como provada, nem a sua fundamentação, razão pela qual se nos afigura que a questão é a de mera aplicação do Direito aos factos.

2- A questão que se coloca nos presentes autos é a de aferir a natureza da relação jurídica estabelecida entre a Ré e AA.

3- O artigo 11.º do Código do Trabalho define o contrato de trabalho, presumindo-se a sua existência, quando se verifiquem alguns dos pressupostos elencados no n.º 1 do artigo 12.º do mesmo diploma legal.

4- São três os elementos essenciais que caracterizam o contrato de trabalho: a actividade laboral (intelectual ou manual), a retribuição e a subordinação jurídica do trabalhador, que se encontra sujeito à organização, autoridade e direção da entidade empregadora.

5- Dispõe, actualmente o Código do Trabalho uma presunção legal de laboralidade, no seu artigo 12.º.

6- Bastará a verificação de dois elementos vertidos nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º, para que a presunção de laboralidade funcione, transferindo para a entidade empregadora o ónus da prova da respetiva elisão.

7- Demonstrados alguns dos elementos “indícios” previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º, do Código do Trabalho, verificam-se as premissas de uma presunção iuris tantum, que compete à entidade empregadora afastar, fazendo prova do contrário.

8- No caso concreto dos autos resulta da factualidade provada que AA exerce desde 14 de Fevereiro de 2023 funções de Instrutor e monitor de actividade física e recreação, no estabelecimento da Ré, usando vestuário e instrumentos de trabalho da R., cumprindo um horário de trabalho por esta determinado, de quem recebia como contrapartida do seu trabalho, mensalmente, uma quantia calculada em função das horas de trabalho prestadas, à razão de 6,00€/hora, aos dias úteis da semana e de 7,00€/hora, aos sábados e domingos; obedecia às ordens e instruções da Ré, nomeadamente da sua directora técnica e da sua gerente comercial, que monitorizavam e supervisionavam a elaboração e execução dos planos de treino.

9- Verificam-se os seguintes indícios de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c) e d), do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho;

10- O trabalhador em apreço estava inserido na organização da Ré, com funções de Instrutor e monitor de actividade física e recreação, tem um horário de trabalho por esta imposto, tem uniforme, trabalha sob as suas orientações e indicações e em respeito pelo seu regulamento interno, e com os seus materiais de trabalho, não podendo considerar-se ilidida a presunção do artigo 12.º do Código do Trabalho, atenta a factualidade dada como provada e não provada, a qual não foi colocada em crise pela Recorrente.

11- Pelo exposto, atenta da factualidade provada e não provada e fundamentação que consta da douta sentença proferida, entendemos não merecer a decisão “a quo”, agora posta em crise, qualquer censura.”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.


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Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II- Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, as questões a decidir são as seguintes: (1) matéria de facto / intervenção oficiosa; (2) aplicação do direito: saber se a sentença errou na aplicação do direito, a respeito da qualificação da relação como laboral.


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III – Fundamentação

A) Fundamentação de facto

O Tribunal recorrido, pronunciando-se sobre a matéria de facto, fez constar o seguinte (transcrição):

“Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa, de entre os alegados na petição inicial e contestação:

1. No dia 28 de Fevereiro de 2024, pelas 14h45m, a Sr.ª Inspectora da ACT, BB, efectuou uma visita inspectiva ao estabelecimento da R., denominado “B...”, sito na Zona Industrial ..., Rua ..., em Aveiro.

2. O trabalhador aqui em causa executa funções de Instrutor e monitor de actividade física e recreação, no referido estabelecimento, desde 14 de Fevereiro de 2023.

3. No exercício dessas funções, o trabalhador planeia e monitoriza as actividades físicas dos clientes, para assegurar as condições de segurança, explica regras e regulamentos, avalia as capacidades dos clientes e recomenda actividades e exercícios físicos, demonstra e ensina movimentos do corpo, conceitos e aptidões utilizados nas actividades físicas e o modo de funcionamento dos equipamentos a utilizar.

4. O trabalhador exerce essas funções no estabelecimento acima identificado, pertencente à R..

5. O trabalhador utiliza, no exercício dessas suas funções, equipamentos, instrumentos e materiais pertencentes à R., nomeadamente aparelhos e material de fitness e de musculação.

6. O trabalhador observa horas de início e termo da prestação de trabalho determinadas pela R., cumprindo o seguinte horário de trabalho, por esta elaborado: 2.ª feira, das 16:00 às 18:30 horas e das 19:00 às 21:30 horas; 3.ª feira, das 16:30 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 4.ª feira, das 16:00 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 5.ª feira, das 16:30 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 6.ª feira, das 17:00 às 20:00 horas e das 21:00 às 23:00 horas; 3.º sábado de cada mês, das 09:00 às 15:00 horas; e 3.º domingo de cada mês, das 09:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas.

7. O trabalhador recebe da R., como contrapartida do seu trabalho, uma quantia mensal, em função do tempo de trabalho prestado (6,00€/hora, de 2.ª feira a 6.ª feira; e 7,00€/hora, aos sábados e domingos), paga por transferência bancária, até ao dia 8 do mês seguinte.

8. Para o efeito, o trabalhador preenche um ficheiro em Excel disponibilizado pela R., que envia para a gerente da R., CC, no final de cada mês, com os registos dos tempos de trabalho prestado nesse mês, que a gerente posteriormente confere, antes de dar pagamento.

9. No exercício das suas funções, o trabalhador obedece às ordens e instruções da R., nomeadamente da sua directora técnica, DD, e da sua gerente comercial, CC, que monitorizam e supervisionam a elaboração e execução dos planos de treino.

10. A R. exigia do trabalhador assiduidade e pontualidade, bem como que comunicasse previamente as faltas.

11. No exercício das suas funções, o trabalhador usa obrigatoriamente vestuário disponibilizado pela R., com a inscrição de “instrutor”, uma placa identificativa com o respectivo nome, e logótipo da R..

12. A R. foi notificada, por email de 5 de Março de 2024, para no prazo de 10 dias, regularizar a situação ou pronunciar-se, dizendo o que tivesse por conveniente, nos termos do disposto no artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.

13. A R. não regularizou a situação, nem respondeu.

14. Após a visita inspectiva, a R. solicitou ao trabalhador que este alterasse a descrição dos recibos que emitia, de forma a passar a fazer constar nos mesmos “Horas no ginásio ... + material”.

15. A R. explora vários ginásios no país.

16. Os ginásios da R. são frequentados diariamente por um elevado número de clientes.

17. Um instrutor de fitness deve possuir uma formação especializada, Curso Técnico de Exercício Físico e ainda ser titular de uma Cédula Profissional emitida pelo IPDJ – Instituto Português do Desporto e Juventude.

18. A R. não estabelece ao trabalhador objectivos mensais.

19. O trabalhador utiliza as instalações e os equipamentos da R. também para prestar treinos personalizados a clientes, sendo o pagamento desses serviços efectuado directamente pelos clientes ao trabalhador.

20. Alguns dos equipamentos do ginásio (nomeadamente máquinas de musculação, bicicletas e passadeiras), apesar de serem móveis, não podem ser transportados facilmente, dado o seu peso e dimensão.

21. Por vezes, o trabalhador substituía colegas quando estes faltavam, e vice-versa.

22. O trabalhador indicava à R., com antecedência, os dias em que pretendia gozar férias.

23. O trabalhador nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar por parte da R..

24. O trabalhador emitia “recibos verdes”, relativamente às quantias que lhe eram pagas pela R..

25. A R. nunca pagou ao trabalhador subsídios de férias e de Natal, e este nunca os reclamou.


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Não se provaram quaisquer outros factos, de entre os alegados na petição inicial e contestação, com relevo para a decisão da causa, nomeadamente:

- Que o valor mínimo da mensalidade cobrada aos clientes pela R. é de € 19,99.

- Que além do baixo custo da mensalidade, a qualidade e variedade dos equipamentos disponibilizados pela R. é um critério que determina a escolha dos seus ginásios pelos clientes.

- Que não existe por parte da R. qualquer instrução que condicione a forma do exercício da actividade do trabalhador, agindo este com total independência.

- Que os planos de treino dos clientes da R. eram livremente elaborados pelo trabalhador.

- Que jamais a R. teve qualquer intervenção ou prestou qualquer orientação no trabalho desenvolvido pelo trabalhador.

- Que jamais a R. procedeu a qualquer avaliação ou controlo das metodologias de treino e anatomia utilizadas pelo trabalhador.

- Que o trabalhador geria livremente o seu horário e as marcações com os clientes que o contratavam.

- Que o trabalhador desenvolvia actividades desportivas para outras entidades que não a R..

- Que nenhum dos equipamentos da R. que o trabalhador usava para exercer as suas funções pode por este ser transportado diariamente ou facilmente para as instalações da R..

- Que o trabalhador sempre suportou os custos com a sua formação profissional.”


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B) Discussão

1. Matéria de facto

Os poderes atribuídos ao tribunal da relação pelo disposto no n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do CPT, para a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto envolvem, para além dos casos em que essa alteração é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, o que não ocorre no caso, ainda, também, os casos em que essa intervenção se imponha oficiosamente ao Tribunal de recurso, intervenção esta que, assim o entendemos, nos é imposta no presente recurso.

É que, com salvaguarda do respeito devido, constam da pronúncia do Tribunal recorrido no âmbito da matéria de facto, expressões que se assumem como claramente conclusivas e/ou genéricas que não se traduzem propriamente em factos, sendo que, socorrendo-nos dos ensinamentos de Alberto dos Reis, a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[1]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[2]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[3] Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[4], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.

O que antes dissemos relaciona-se, por um lado, e desde logo, de resto ao longo do que se fez constar da factualidade provada, com a frequente utilização da expressão “trabalhador”, a qual, numa ação em que está afinal em causa, no âmbito da aplicação do direito, a questão de saber se a relação assumirá ou não natureza laboral, consideramos que deve ser evitada, precisamente por tal expressão (trabalhador), por regra, ser utilizada, incluindo na linguagem comum, para identificar, precisamente, a pessoa que presta a atividade no âmbito dessa mesma relação, razão pela qual se altera oficiosamente a matéria de facto, substituindo-se o uso dessa expressão por “o prestador da atividade”, por ser inócua para efeitos da qualificação da relação existente. A que acresce, diga-se, quanto à utilização, em particular no ponto 2.º da factualidade provada, da expressão “o trabalhador aqui em causa”, que se trata de expressão puramente genérica, ao não se identificar expressamente a pessoa a que se refere, o que entendemos deve ocorrer, sendo que, não existindo dúvidas de que o Tribunal se está a referir a AA, tal se fará constar no presente recurso.

Por outro lado, ainda, neste caso no ponto 9.º, em relação ao qual consideramos que desse deve ser excluído o segmento “obedece às ordens e instruções da R.”, pois que, não se concretizando sequer em termos factuais, mesmo que de forma mínima, o que integraria então esses conceitos, ou seja quais os atos concretos que poderiam ser (através de um juízo já valorativo) qualificados como “ordens” e “instruções”, o seu uso assume-se, por si sós, como meros juízos conclusivos e valorativos, incluindo normativos – sendo que, mesmo admitindo que em tese pudessem ser utilizadas, exigir-se-ia, pelo menos, fator que assume mais uma vez relevância, como já dito, que tivessem sido concretizadas factualmente. Dito de outro modo, salvo o devido respeito, sempre se imporia aquela alegação minimamente concretizada e sua posterior prova, ou seja, impunha-se que tais conceitos estivessem devidamente fundados em factos concretos, até para que se pudesse, a ser esse o caso, aferir se poderiam integrar-se na categoria de “juízos de facto”, cuja utilização neste âmbito, como dissemos já, pressupõe que estejam concretizados na factualidade provada, o que neste caso não ocorre, sendo assim caso para perguntar, já que sequer o Tribunal a quo o explica, o que se consubstancia afinal como “ordem” ou “instrução” (ou seja quais o factos concretos que como tal se poderiam qualificar).

Assim o dizemos na consideração, ainda, como fator também decisivo, que o uso de tais expressões, aceitando-se que o pudessem ser desacompanhadas de qualquer concretização (o que entendemos não ser o caso), acabaria por poder assumir particular relevância, para não dizer em muitos casos mesmo decisiva, nos destinos da ação ao nível da aplicação do direito, em que, como no caso, esteja em causa apurar se estamos perante uma relação de natureza laboral[5][6]. Deste modo, nos termos antes mencionados, não devem tais expressões, num caso como o que aqui se discute, ter assento em sede factual[7] – a mera utilização das referidas expressões, em si mesmas, como que pode resolver uma questão jurídica fundamental em que assenta a qualificação jurídica do contrato, a qual é objeto da ação, assim a de saber se existe no caso subordinação jurídica na execução do contrato, caraterística do contrato de trabalho, pois que essa subordinação assenta nomeadamente na circunstância de o prestador da atividade estar “necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem”.

Nestes termos, mas por intervenção oficiosa deste Tribunal da Relação, a factualidade provada é alterada em conformidade, passando a constar, na parte afetada, o seguinte (sublinhadas as expressões introduzidas):

“(…)

2. AA executa funções de Instrutor e monitor de actividade física e recreação, no referido estabelecimento, desde 14 de Fevereiro de 2023.

3. No exercício dessas funções, planeia e monitoriza as actividades físicas dos clientes, para assegurar as condições de segurança, explica regras e regulamentos, avalia as capacidades dos clientes e recomenda actividades e exercícios físicos, demonstra e ensina movimentos do corpo, conceitos e aptidões utilizados nas actividades físicas e o modo de funcionamento dos equipamentos a utilizar.

4. Exerce essas funções no estabelecimento acima identificado, pertencente à R..

5. Utiliza, no exercício dessas suas funções, equipamentos, instrumentos e materiais pertencentes à R., nomeadamente aparelhos e material de fitness e de musculação.

6. Observa horas de início e termo da prestação de trabalho determinadas pela R., cumprindo o seguinte horário de trabalho, por esta elaborado: 2.ª feira, das 16:00 às 18:30 horas e das 19:00 às 21:30 horas; 3.ª feira, das 16:30 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 4.ª feira, das 16:00 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 5.ª feira, das 16:30 às 19:30 horas e das 20:00 às 22:00 horas; 6.ª feira, das 17:00 às 20:00 horas e das 21:00 às 23:00 horas; 3.º sábado de cada mês, das 09:00 às 15:00 horas; e 3.º domingo de cada mês, das 09:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas.

7. Recebe da R., como contrapartida do seu trabalho, uma quantia mensal, em função do tempo de trabalho prestado (6,00€/hora, de 2.ª feira a 6.ª feira; e 7,00€/hora, aos sábados e domingos), paga por transferência bancária, até ao dia 8 do mês seguinte.

8. Para o efeito, preenche um ficheiro em Excel disponibilizado pela R., que envia para a gerente da R., CC, no final de cada mês, com os registos dos tempos de trabalho prestado nesse mês, que a gerente posteriormente confere, antes de dar pagamento.

9. No exercício das suas funções, a R., nomeadamente a sua directora técnica, DD, e a sua gerente comercial, CC, monitorizam e supervisionam a elaboração e execução dos planos de treino.

10. A R. exigia do prestador da atividade assiduidade e pontualidade, bem como que comunicasse previamente as faltas.

11. No exercício das suas funções, usa obrigatoriamente vestuário disponibilizado pela R., com a inscrição de “instrutor”, uma placa identificativa com o respectivo nome, e logótipo da R..

(…)

14. Após a visita inspectiva, a R. solicitou ao prestador da atividade que este alterasse a descrição dos recibos que emitia, de forma a passar a fazer constar nos mesmos “Horas no ginásio ... + material”.

(…)

18. A R. não estabelece ao prestador da atividade objectivos mensais.

19. O prestador da atividade utiliza as instalações e os equipamentos da R. também para prestar treinos personalizados a clientes, sendo o pagamento desses serviços efectuado directamente ao mesmo pelos clientes.

(…)

21. Por vezes, o prestador da atividade substituía colegas quando estes faltavam, e vice-versa.

22. O prestador da atividade indicava à R., com antecedência, os dias em que pretendia gozar férias.

23. Nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar por parte da R..

24. Emitia “recibos verdes”, relativamente às quantias que lhe eram pagas pela R..

25. A R. nunca pagou ao prestador da atividade subsídios de férias e de Natal, e este nunca os reclamou.


2. O Direito do caso

Nas conclusões que formulou, para ver afastado o julgado, invoca a Apelante, nomeadamente, os seguintes argumentos:

- a atividade exercida pela beneficiária e pelo prestador de serviços está abrangida ao abrigo da Lei 39/2012 de 28 de agosto, sendo obrigatória a existência de um diretor técnico e de técnicos de exercício físico, estando estas profissões definidas na referida lei, que exige também coordenação e supervisão (artigo 7.º), a que está sujeito um técnico de exercício físico (por parte de um Diretor Técnico), o que não se confunde com a autoridade e direção exigida na relação laboral, sendo que a ausência de instrutores de fitness ou técnicos de exercício físico nas instalações configura um ilícito contraordenacional (nos termos do artigo 23);

- não se verificam as características das al. a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 12º do CT: os índices de subordinação jurídica estabelecidos para uma relação de contrato de trabalho, são em muitas ocasiões comuns à da relação de contrato de prestação de serviços, não só por força do contrato em si mas pelas condições convencionadas pelas partes – o local de trabalho e o horário da realização da prestação de serviços está associada com o próprio funcionamento do ginásio, pois na verdade, é nesse período que os clientes frequentam as suas instalações para a prática desportiva, sendo que a retribuição do prestador de serviço é determinada em função das horas que o prestador de serviço prestava e por aqui não se poderá deduzir que auferia uma quantia certa, tal como decorre da al. d) do n.º 1 do artigo 12 do CT, para além de que não existe qualquer dependência económica do prestador de serviços em relação à Ré; no âmbito de uma estrutura organizacional como a da Ré, por onde passam inúmeros clientes e considerando a obrigatoriedade da presença de um instrutor de fitness é natural que o prestador de serviços avise quando falta ou quando goza férias; o prestador de serviços jamais foi sujeito à ação disciplinar; os equipamentos que se encontram num ginásio, como é de conhecimento notório, são na sua maioria pesados, de complexidade técnica e que exigem condições de segurança, por forma a evitar lesões aos clientes, sendo que não será uma simples t-shirt fornecida que preenche tal característica, na medida em que face à obrigatoriedade de existência de técnicos de exercício físico, é um meio dos clientes os distinguirem dos demais clientes e o restante vestuário, tal como calças, calções e calçado pertencia e era escolhida livremente pelo próprio prestador de serviço e jamais foi fornecido pela Ré;

- a factualidade dada como provada demonstra a inexistência de qualquer subordinação jurídica – pois o prestador de serviços “planeia e monitoriza as actividades físicas dos clientes, para assegurar as condições de segurança, explica regras e regulamentos, avalia as capacidades dos clientes e recomenda actividades e exercícios físicos, demonstra e ensina movimentos do corpo, conceitos e aptidões utilizados nas actividades físicas e o modo de funcionamento dos equipamentos a utilizar” (facto provado em 4) com total independência e autonomia técnica, não existindo quaisquer instruções ou direção da R. para o efeito –, sendo relação contratual estabelecida de prestação de serviços e não de contrato de trabalho.

Por sua vez, nas contra-alegações, pugnando-se pela manutenção do julgado, invoca-se que, sendo três os elementos essenciais que caracterizam o contrato de trabalho (a atividade laboral (intelectual ou manual), a retribuição e a subordinação jurídica do trabalhador, que se encontra sujeito à organização, autoridade e direção da entidade empregadora), estabelece-se no artigo 12.º do Código do Trabalho uma presunção legal de laboralidade, bastando a verificação de dois elementos vertidos nas alíneas do seu n.º 1 para que essa presunção opere, transferindo para a entidade empregadora o ónus da prova da respetiva elisão, sendo que, no caso, resulta da factualidade provada o preenchimento da previsão das alíneas a), b), c) e d), do n.º 1 do aludido artigo, não podendo considerar-se ilidida a presunção em face daquela factualidade.

Delimitada a questão que é colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, começaremos por fazer algumas considerações prévias, em termos do seu enquadramento, nos termos que se seguem:

Desde logo, face à factualidade provada, para dizermos que não se nos colocam dúvidas quanto ao ser aplicável, como o foi na sentença recorrida, o regime que resulta do artigo 12.º do Código de Trabalho vigente (CT/2009), pois que, tal como tem sido repetidamente dito pela Jurisprudência, a lei aplicável, para efeitos da qualificação do contrato, é a que vigorava à data do início da relação entre as partes, salvo alteração ocorrida nessa relação em momento posterior[8].

Avançando-se na análise, porque esta Secção do Tribunal da Relação já se pronunciou diversas vezes sobre o regime que resulta desse normativo, tal como no recente acórdão de 4 de março de 2024[9], socorremo-nos mais uma vez do que se afirmou no Acórdão de 23 de setembro de 2019[10], cujas considerações, que se mantêm atuais[11], consideramos ajustadas para a apreciação do caso que se aprecia.

O CT/2009, assim o seu artigo 11.º, define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.[12][13]

É em geral reconhecido que são elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.

Sabendo-se que, neste âmbito, incumbe sobre quem pretenda ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime que decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil (CC), o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato[14], o legislador, à semelhança de outros casos em que previu também a existência de presunções[15], estabeleceu, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, assim atualmente no artigo 12.º do CT/2009, do que resulta, tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.

Quis assim o legislador, até por reconhecer que a realidade nos demonstra que muitas vezes sob a capa de outras figuras contratuais se escondem verdadeiros contratos de trabalho, estabelecer no n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, facilitando a tarefa interpretativa, que deve presumir-se “a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.

Importa ainda esclarecer, tal como tem sido repetidamente afirmado (seja na Doutrina seja na Jurisprudência), que a existência ou não de subordinação jurídica do prestador da atividade assume-se em geral como fator determinante no âmbito do contrato de trabalho. Aqui nos socorrendo dos ensinamentos de Monteiro Fernandes[16], diremos assim, também, que “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”

Pronunciando-se sobre a aplicação do regime que resulta do citado artigo 12.º, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2017[17] o seguinte:

“(…) Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que: (…)

Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.

E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.

Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto” [[18]].

De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.

Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[[19]].”

Resulta assim do artigo 12.º do CT/2009, que aqui se analisa, que se presume que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que preenchidas, pelo menos, duas das cinco alíneas aí previstas, prova essa cujo ónus impende como se disse sobre o autor para fazer operar a presunção, sendo que, se o fizer, impenderá então sobre a outra parte o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho.

O que regime que acabou de referir-se, no que se refere às situações em que esteja em causa a verificação sobre se o contrato deve ser qualificado como de trabalho ou diversamente de prestação de serviços, foi também sintetizado no Acórdão desta Relação e Secção de 19 de Maio de 2014[20], quando se escreveu que, “em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual”, sendo que, “na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.(...)”

Partindo assim do enquadramento antes delineado, que de resto não diverge do que foi considerado na sentença recorrida, poderemos então avançar, na sua aplicação ao caso, que a questão passará por saber, desde logo, como é pressuposto, se no caso o Ministério Público logrou fazer a prova a verificação de pelo menos duas das alíneas do supra citado n.º 1 do artigo 12.º do CT – pois que se assim não for, não operando então a presunção aí prevista, terá de demonstrar todos os factos de que dependa a qualificação do contrato como de trabalho.

O Tribunal a quo, na sentença recorrida, respondeu positivamente a tal questão, nos termos seguintes (transcrição[21]):

«(…) A relação jurídica de trabalho subordinado tem como facto constitutivo o contrato de trabalho, tal como definido no art. 11º do Cód. do Trabalho3, ou seja, enquanto negócio jurídico pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade e direcção destas, isto é, com subordinação jurídica ao empregador.

Por seu turno, o contrato de prestação de serviço é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154º Cód. Civil), sendo fonte da constituição de relações de trabalho não subordinado, mas autónomo.

A subordinação jurídica consiste numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato, face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites desse contrato e das normas que o regem4. De tal forma que o prestador de trabalho se encontra colocado sob a autoridade da entidade patronal, que lhe pode dar ordens relativas ao modo e tempo da execução do trabalho, o que significa que disciplina e vigia o seu comportamento.

Ou seja, é ao credor do trabalho que cabe programar, organizar e dirigir a actividade do devedor, não só definindo as tarefas a realizar, mas também definindo quando, como e com que meios as deve executar cada trabalhador, já que o trabalho se integra na organização económica da entidade patronal, sendo um elemento ao serviço dos fins empresariais que se têm em vista.

Face à diversidade das situações que neste campo se podem configurar, nem sempre é facilmente apreensível a existência ou não dessa subordinação jurídica, como elemento constitutivo do contrato de trabalho.

Daí que seja usual o recurso a métodos indiciários em ordem a tal dedução, como sejam a organização do trabalho (se é do “trabalhador” indicia-se que estamos perante trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado); o resultado do trabalho (se tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesmo, trabalho subordinado); a propriedade dos instrumentos de trabalho (se pertencem ao trabalhador indicia-se trabalho autónomo, se não, trabalho subordinado); o lugar de trabalho (se pertence ao trabalhador indicia-se trabalho autónomo); o horário de trabalho (se existe horário definido pela pessoa a quem a actividade é prestada, indicia-se subordinação); a retribuição (a existência de uma retribuição certa, à hora, ao dia ou à semana, indicia a existência de subordinação, enquanto que o pagamento em função dos resultados obtidos, indicia trabalho independente); o direito a férias pagas (indicia subordinação); a prestação de trabalho a um único empresário (indicia subordinação); a existência de ajudantes do prestador do trabalho e por ele pagos (o que indicia trabalho autónomo); e os descontos efectuados para a Segurança Social e IRS como trabalhador dependente ou independente5.

Tratam-se, porém, de meros indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, pelo que cada um deles assume um valor muito relativo, devendo prevalecer um juízo de globalidade, a formular com base na ponderação de toda a informação disponível e a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo6.

Em sede de ónus da prova, o art. 12º n.º 1 estabelece uma presunção legal de laboralidade, fazendo presumir a existência de contrato de trabalho “(…) quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.

Significa isto que, verificando-se pelo menos dois dos elementos indiciários elencados7, presume-se a existência de uma relação de natureza jurídico-laboral. Passando então a caber à R. o ónus de demonstrar o contrário, o mesmo é dizer, de que o que está em causa não é um vínculo de trabalho subordinado, sob pena de, não o fazendo, prevalecer a presunção de laboralidade – cfr. arts. 350º n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil.

No caso, provou-se que o trabalhador aqui em causa exerce, desde 14 de Fevereiro de 2023, funções de Instrutor e monitor de actividade física e recreação, em estabelecimento da R., usando vestuário e instrumentos de trabalho da R., cumprindo um horário de trabalho por esta determinado, de quem recebe como contrapartida do seu trabalho, mensalmente, uma quantia calculada em função das horas de trabalho prestadas, à razão de 6,00€/hora, aos dias úteis da semana e de 7,00€/hora, aos sábados e domingos.

Tanto bastando para que se presuma a existência de um contrato de trabalho, por se mostrarem preenchidas, em concreto, as circunstâncias previstas nas als. a), b) c) e d) do n.º 1 do art. 12º.

Presunção essa que a R. não logrou afastar, por não se terem provado factos suficientes para o efeito.

Extraindo-se, ao invés, da factualidade apurada, elementos que apontam para a natureza jurídico-laboral do vínculo, designadamente a circunstância de no exercício das suas funções, o trabalhador obedecer às ordens e instruções da R., nomeadamente da sua directora técnica e da sua gerente comercial, que monitorizam e supervisionam a elaboração e execução dos planos de treino.

De tudo se concluindo pela procedência da acção.»

Em resposta, então, à questão que aqui se nos coloca, nos termos que antes enunciámos, por direta referência ao quadro factual provado, como nos é imposto, desde já diremos que não se nos oferece dúvidas a afirmação de que, no caso, se encontram preenchidas as circunstâncias previstas nas alíneas a), b) c) e d), do n.º 1 do artigo 12., do CT, em face do que resulta, respetivamente, dos pontos 2.º e 4.º, 5.º e 6.º provados, admitindo-se ainda, também, tal como o fez o Tribunal recorrido, que ocorra do mesmo modo o preenchimento da sua alínea d), neste caso tendo por base o que resulta dos pontos 7.º e 8.º (a contrapartida que é paga, não obstante poder variar em função do número exato de horas em que foi prestada a atividade no mês, tem por referência um valor hora certo e determinado).

Opera, pois, no caso a presunção de laboralidade a que antes nos referimos, do que decorre que competiria à Ré / aqui Recorrente o ónus de provar que, apesar disso, não estaremos perante um contrato de trabalho – demonstrando que, a despeito de se verificarem as circunstâncias em causa, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.

Ora, concluindo a sentença recorrida que não foi o caso, também essa conclusão não nos merece censura.

E não nos merece censura pois que a Ré não logrou provar, quando o ónus sobre si impendia, factos dos quais resulte, de modo bastante, que, no caso, a relação não poderia ser tida como assumindo natureza laboral.

Na verdade, salvo o devido respeito, a propósito do seu argumento de que a atividade exercida estará abrangida ao abrigo da Lei 39/2012 de 28 de agosto, sendo obrigatória a existência de um diretor técnico e de técnicos de exercício físico, estando estas profissões definidas na referida lei, que exige também coordenação e supervisão (artigo 7.º), a que está sujeito um técnico de exercício físico (por parte de um Diretor Técnico), sendo verdade que tal resultará da referida lei, daí não resulta, porém, que tal não se possa traduzir, diversamente do que diz, na existência de autoridade e direção que se verificam, em princípio, numa relação laboral, pois que, afinal, essa autoridade e direção não tem necessariamente, e apenas, a ver com o modo é prestada a atividade e sim, também, com a própria integração desde logo na organização em que essa se insere. A título exemplificativo, que aqui utilizaremos por permitir por si só afastar tal argumentação, por poder a situação, com as necessárias adaptações, esclarecer o que aqui está em causa, não é pela circunstância de a atividade de um profissional médico estar expressamente regulada por lei, incluindo quanto à exigência da imposta formação profissional para o efeito, como ainda que nesse exercício esse profissional goze da necessária autonomia técnica (não recebendo, pois, quaisquer ordens ou instruções nesse âmbito), que a relação desse profissional não possa ser qualificada como laboral, ou seja no âmbito de um contrato de trabalho. É que, utilizando de novo as palavras de Monteiro Fernandes, que já antes citámos, no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação, nos termos que antes mencionámos e que por essa razão não importa de novo referir.

Daí que, mesmo admitindo-se, como também o refere a Recorrente, que os índices de subordinação jurídica estabelecidos para uma relação de contrato de trabalho possam ser em muitas ocasiões comuns à da relação num contrato de prestação de serviços, não só por força do contrato em si mas pelas condições convencionadas pelas partes – como possam ser, no caso, desde logo, a circunstância de o local de trabalho e o horário da realização da prestação da atividade estar associada com o próprio funcionamento do ginásio, pois na verdade, é nesse período que os clientes frequentam as instalações para a prática desportiva, como ainda em face da natureza dos instrumentos utilizados –, tal não se traduz, porém, na possibilidade de por essa razão poder ser afastada a previsão das alíneas do n.º 1 do aplicado artigo 12.º do CT. Não se acompanha, pois, a Recorrente nesta conclusão, como não se acompanha, acrescente-se, quando refere que no âmbito de uma estrutura organizacional como a sua, com o argumento de que por aí passam inúmeros clientes e considerando a obrigatoriedade da presença de um instrutor de fitness, possa retirar-se a relevância que afinal resulta do facto de o prestador de serviços ter de avisar quando falta ou quando goza férias.

Neste contexto, esclareça-se também, de resto em conformidade com o que tem sido entendido na Jurisprudência, incluindo desta Secção, não assume relevância determinante para que possa ser ilidida a presunção legal de que goza o Autor, a circunstância, resultante da factualidade provada, de a Ré não estabelecer objetivos mensais (ponto 18.º), que o prestador da atividade nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar por parte da Ré (23.º) e de esse emitir “recibos verdes” relativamente às quantias que lhe eram pagas e de que nunca lhe foi pago “subsídios de férias e de Natal, e este nunca os reclamou” (24.º e 25.º).

Como não logra obter tal objetivo, diga-se ainda, não obstante ser de admitir que este aspeto poderia assumir em tese maior relevância, o facto provado (ponto 19.º) de o prestador da atividade utilizar as instalações e os equipamentos da Ré também para prestar treinos personalizados a clientes, sendo o pagamento desses serviços efetuado diretamente ao mesmo pelos clientes.

É que, não sendo esse facto por si só passível de dar corpo ao argumento da Recorrente de que não existe qualquer dependência económica em relação à mesma do prestador de serviços (pois que, afinal, sequer se sabe qual a amplitude dessa atividade quando o prestador recebe, isto sim sabe-se, uma quantia em dinheiro pela atividade que presta durante um horário determinado), também, do mesmo modo, ainda que tal relação com tais clientes possua, em si, a autonomia que é tida como caraterística desde logo do contrato de prestação de serviços, estamos afinal perante atividade que nada tem a ver com aquela que é exercida, pelo mesmo prestador da atividade, no âmbito da estrita relação que tem com a Ré / recorrente, sendo que, no âmbito da presente ação, é apenas esta que está em causa – nada obsta, pois que com esta não colide, tanto mais que autorizada, que o trabalhador possa, fora do seu horário, prestar tal atividade autónoma. Aliás, não obstante a prestação de tal atividade, importa assinalar que o teria de ser fora do horário em que estava vinculado perante a Ré, assim, tal como provado (ponto 6.º), um horário fixo semanal por esta determinado, de segunda a sexta-feira, mas também, ainda, num fim de semana por mês – “3.º sábado de cada mês, das 09:00 às 15:00 horas; e 3.º domingo de cada mês, das 09:00 às 13:00 horas e das 14:00 às 18:00 horas” –, não resultando nomeadamente provado que lhe assistisse, nomeadamente, a possibilidade de livremente escolher, ou pelo menos acordar com a Ré, um horário, porventura dentro das suas disponibilidades. Por outro lado, quanto à circunstância de resultar provado que por vezes substituía colegas quanto estes faltavam e vice-versa (ponto 21.º provado), tal em nada colide com o que possa ocorrer no âmbito de uma relação laboral, quando falta o trabalhador, sendo que, esclareça-se também não se traduz, desde logo, na possibilidade, que no caso não se provou, de, porventura, se poder substituir, por sua exclusiva iniciativa, por outro prestador, caso não pudesse comparecer no horário determinado pela Ré – pelo contrário, como já dito, a Ré “exigia do prestador da atividade assiduidade e pontualidade, bem como que comunicasse previamente as faltas” (ponto 10.º).

Neste contexto, como antes o dissemos, importando fazer uso do critério da verificação da existência ou não de subordinação jurídica no exercício da atividade – critério que é precisamente utilizado perante a existência de dificuldade de prova de elementos que distingam os contratos de trabalho e de prestação de serviços –, entendemos, pois, que não logrou a Ré / recorrente provar, desde logo, factos bastantes que permitam evidenciar, como seria pressuposto, que na relação em análise existisse, nomeadamente, qualquer tipo de autonomia por parte do prestador da atividade, dado o modo como a prestava (a factualidade provada não aponta no sentido de que o exercício da atividade apresente um grau de autonomia incompatível com a existência de um contrato de trabalho subordinado), ou seja, quaisquer factos que permitissem dizer que, no caso, não se verificava o pressuposto da subordinação, que está inerente à relação laboral – socorrendo-nos mais uma vez dos ensinamentos de Monteiro Fernandes[22], relembra-se que, “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…).” Mas também, ainda de acordo com o mesmo Autor, importa ter presente que “cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade” e que “o juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta” – “Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”

E, sendo assim, claudicando os argumentos da Recorrente também quanto a esta questão, improcede o recurso.

Por decaimento, a responsabilidade pelas custas impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC).


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV. Decisão

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, alterando-se oficiosamente a factualidade nos termos constantes do presente acórdão, em declarar improcedente o recurso, confirmando, por decorrência, a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 18 de novembro de 2024

(assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rui Penha
Teresa Sá Lopes
_________________
[1] CPC ANOTADO, III, pág. 212
[2] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda, 1993, pág.194.
[3] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra – 1982; pág. 268
[4] Relator Conselheiro Melo Lima, in www.dgsi.pt.
[5] Assim o tem considerado a nossa Jurisprudência, como pode ver-se, entre muitos outros, no Ac. STJ de 18-05-2017 (proc. n.º 859/15.7T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto), resultando do seu sumário, no que aqui importa, que, “como característica fundamental do vínculo laboral, a subordinação jurídica implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de subordinação do trabalhador cuja conduta pessoal na execução do contrato está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador dentro dos limites do contrato e das normas que o regem, não se exigindo, contudo, que elas sejam efetivamente dadas, bastando apenas que o possam ser, estando o trabalhador sujeito a recebê-las e a cumpri-las”.
[6] Ainda, para além do Ac. STJ de 18-05-2017, antes citado, o Acórdão mesmo Tribunal de 27 de novembro de 2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas (também disponível em www.dgsi.pt), em que pode ler-se, citando: “(...) Ou seja, no contrato de trabalho, a entidade patronal tem o poder de orientar, através de ordens, diretivas e instruções (poder de direção) a prestação a que o trabalhador se obrigou, fiscalizando a sua atuação. No contrato de trabalho é a entidade patronal que programa, organiza e dirige a atividade do trabalhador, definindo onde, como e quando este deve executar a sua obrigação. A subordinação jurídica existirá, pois, sempre que ocorra a mera possibilidade de ordens e direção, bem como quando a entidade patronal possa, de algum modo, orientar a atividade laboral em si mesma. (...)”
[7] Como antes o dissemos, por apelo a Doutrina e Jurisprudência, não devem ter assento na factualidade provada expressões que tenham envolvência jurídica, em particular em face da natureza da ação, se as mesmas tiverem a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem, escrevendo-se no Acórdão de 15 de setembro de 2016, antes citado, que devem evitar-se “formulações genéricas, de cariz conceptual ou de natureza jurídica que definam, por essa via, a aplicação do direito, como acontece quando os referidos conceitos se reportam directamente ao objecto da acção.”
[8] É abundante a Jurisprudência sobre esta questão, aqui se referindo, a título meramente exemplificativo, porque relatado pelo também aqui relator, o Acórdão desta Relação de 24 de Abril de 2017, in www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 7755/23.2T8VNG.P1, relatado pelo aqui relator, in www.dgsi.pt.
[10] Relatado também pelo aqui relator – apelação 234/12.5TTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] As alterações decorrentes da Lei n.º 13/2023, de 03 de Abril, não assumem no caso qualquer relevância, desde logo porque mantida a redação inicial do Código no que se refere aos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º.
[12] Idêntica noção consta do artigo 1152.º do Código Civil, nos termos do qual contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
[13] A noção de contrato de trabalho não sofreu, no que diz respeito à sua essência, propriamente alterações, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
[14] Vejam-se, entre outros, afirmando-o, os Acs. STJ de de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção, e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[15] “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do CC).
[16] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.
[17] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.
[18] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [6]: “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.
[19] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [7]: Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80
[20] Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto.
[21] Com exclusão de notas de rodapé.
[22] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.