ACIDENTE DE TRABALHO
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1
5
REVISÃO DA INCAPACIDADE
CADUCIDADE DO DIREITO
INCONSTITUCIONALIDADE DOS PRAZOS DE CADUCIDADE
Sumário


1. O regime jurídico dos acidentes de trabalho regulado pela Lei 98/2009, apenas se aplica aos ocorridos após a sua entrada em vigor.
2. Como tal, aos acidentes ocorridos durante a vigência da Lei 100/97, de 13 de Setembro, continua a ser aplicável o prazo de caducidade de 10 anos para requerer a revisão da incapacidade, tal como estava previsto no art. 25.º n.º 2 dessa Lei.
3. A Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL 341/93 não previa uma forma automática de aplicação do factor de bonificação por efeito da idade.
4. Exigia a verificação de um pressuposto básico: a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto que trabalho que o sinistrado ocupava com carácter permanente.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No extinto Tribunal do Trabalho de Évora, foi participado acidente de trabalho ocorrido em 19.05.2007 a AA, quando exercia as funções de sócio-gerente de (…), Lda..
Tal participação deu entrada em 26.05.2008.
De acordo com os autos, o sinistrado nasceu a …/…/1948, em França, tendo 58 anos de idade à data do acidente.
Na tentativa de conciliação, as partes discordaram apenas da incapacidade – o perito médico havia atribuído uma IPP de 50,02%, a Seguradora entendeu que deveria ser inferior.
Em consequência, a Seguradora AXA Portugal – Companhia de Seguros, S.A. (hoje Ageas Portugal), requereu junta médica, na qual foi atribuída uma IPP de 43,64%.
Quer no exame médico singular, quer na junta médica, não foi atribuído qualquer factor de bonificação ao sinistrado.
Por sentença de 03.03.2010, transitada em julgado, foi fixada ao sinistrado uma IPP de 43,64%, desde o dia seguinte à data da alta, ocorrida a 08.04.2009. A pensão anual e vitalícia devida ao sinistrado foi fixada em função dessa incapacidade – no caso, € 7.267,83, devida a partir de 09.04.2009.

Em 11.12.2012, o sinistrado requereu a revisão de incapacidade.
Quer no exame médico singular, quer na junta médica, foi declarado que a incapacidade se mantinha em 43,64%.
Por sentença de 08.05.2013, transitada em julgado, foi declarado que a incapacidade se mantinha inalterada e mantida a pensão anteriormente fixada ao sinistrado.

Em 31.01.2023, voltou o sinistrado a requerer a revisão de incapacidade.
O incidente foi admitido liminarmente, mas a Seguradora veio aos autos arguir a caducidade do direito do sinistrado em requerer a revisão de incapacidade, pelo decurso do prazo de 10 anos a que se refere o art. 25.º n.º 2 da Lei 100/97, de 13 de Setembro, excepção esta cujo conhecimento o tribunal relegou para final.
No exame médico singular foi decidido fixar ao sinistrado uma IPP de 66,21%, por aplicação do factor de bonificação de 1,5, pela idade do sinistrado à data da consolidação.
Requerida junta médica pela Seguradora, ali se declarou, por maioria dos peritos do tribunal e da Seguradora, que não existia agravamento da incapacidade.
A sentença decidiu julgar improcedente a excepção de caducidade arguida pela Seguradora, mas concluir que não ocorria agravamento da incapacidade do sinistrado, motivo pelo qual foi julgado improcedente o pedido de revisão.

Discordando do segmento da decisão que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de requerer a revisão da incapacidade, a Seguradora deduziu o recurso principal, concluindo:
a) O presente recurso é interposto por a Recorrente não se conformar com o segmento da Decisão respeitante à apreciação da caducidade do direito do sinistrado a requerer a revisão da incapacidade, tendo assim por objecto a matéria de direito da sentença proferida.
b) O acidente de trabalho envolvendo o sinistrado ocorreu no dia 19.5.2007, o qual teve alta no dia 08.04.2009, com fixação de uma IPP de 43,64%, cfr. sentença proferida em 03.03.2010.
c) Posteriormente, mais concretamente em 08.05.2013 veio o sinistrado suscitar o incidente de revisão, tendo o Tribunal concluído – através de exame por Junta Médica – pela não verificação do agravamento, ou seja, pela manutenção da incapacidade inicialmente fixada.
d) Em 2023 o sinistrado suscitou novo incidente de revisão, apesar de decorridos mais de 10 anos depois da data de fixação da pensão (ou seja, 03.03.2010), nos termos do artigo 25º nº 2 da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro.
e) Em sede de contestação, a Recorrente alegou que o direito do sinistrado em requerer a revisão havia caducado, atenta a ultrapassagem dos 10 anos depois da data de fixação da pensão.
f) Em relação à questão da caducidade do direito do sinistrado, o Tribunal a quo considerou que não assiste razão à Recorrente AGEAS, uma vez que o artigo 25º, nº 2, da Lei nº 100/97, em vigor à data do acidente de trabalho e na data a partir da qual foi fixada a IPP (09.04.2009), foi, entretanto, revogado pela Lei nº 98/2009 de 4/9, a qual entrou em vigor em 01.01.2010, sendo que a Sentença que fixou a incapacidade (de 43,64%) foi proferida posteriormente, ou seja, em 03.03.2010.
g) O Tribunal a quo entendeu não assistir razão à Recorrente AGEAS, ao pretender a aplicação da lei vigente à data da alta, no que concerne ao pedido de revisão.
h) Entende o Tribunal a quo que todos os trabalhadores têm direito a assistência e justa reparação quando vítimas de acidentes de trabalho e que tal passa por facultar ao sinistrado a possibilidade de requerer a revisão da incapacidade, independentemente do lapso de tempo decorrido desde a fixação.
i) Para o Tribunal a quo, a questão relaciona-se, nem tanto com a inconstitucionalidade do artigo 25º nº 1 da Lei nº 100/97, mas sobretudo com a aplicação da Lei nº 98/2009, de 4/9, a situações em que está em causa a revisão de incapacidade permanente parcial decorrente de acidente ocorrido em data anterior à entrada em vigor desta lei.
j) Entende o Tribunal a quo que o artigo 187º nº 1 da Lei nº 98/2009, ao não excluir da sua previsão o disposto no artigo 70º, é inconstitucional, por violação do direito dos trabalhadores à justa reparação dos acidentes de trabalho (artigo 59º, nº 1 alínea f) CRP) e por contender com o princípio da igualdade (artigo 13º CRP).
k) Para o Mº Juiz a quo a questão da (im)possibilidade de admissibilidade do requerimento de revisão não pode sequer colocar-se, defendendo uma aplicação retroactiva da Lei nº 98/2009 de 4/9, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2010, ao sinistro ocorrido em 19.05.2007.
l) Porém, tal perspectiva não é minimamente defensável e colide, outrossim, com os princípios elementares da segurança e confiança jurídica na sucessão das leis no tempo.
m) Olvida o Tribunal a quo que as expectativas do responsável pelo pagamento da pensão, no caso a aqui Recorrente AGEAS, são legítimas e também merecem tutela, e não, apenas, as do sinistrado.
n) O regime da reparação por acidentes de trabalho decorre da lei, mas a relação jurídica que conduz à reparação pelo acidente de trabalho por uma empresa resulta do contrato de seguro celebrado.
o) É pela celebração deste contrato de seguro que a entidade empregadora transfere para a seguradora a sua responsabilidade, ficando assente entre ambas as condições e termos do ressarcimento por parte desta última de uma prestação ao trabalhador sinistrado, caso se verifique(m) a(s) condição(ões) de que depende(m) a cobertura. Em contrapartida, a entidade empregadora paga o prémio de seguro acordado, sendo que, para a determinação do seu montante, tem-se em linha de conta o risco seguro, o qual é aferido pelo regime legal vigente.
p) Prevendo o regime em vigor à data da celebração do contrato e do sinistro que, decorridos mais de 10 anos desde a data de fixação da incapacidade permanente, o direito a requerer tal revisão mostra-se extinto, sentido algum fará aplicar um “novo regime”, o qual consagra uma solução normativa diferente, mesmo perante situações jurídicas semelhantes, caso em que o princípio da segurança ficaria fortemente abalado, para prejuízo da responsável seguradora.
q) O acidente de trabalho ocorreu a 19.05.2007, aplicando-se ao caso a Lei nº 100/97, de 13/09, entretanto revogada pela Lei nº 98/2009 de 04/09.
r) Porém, conforme previsão expressa da Lei nº 98/2009, a mesma apenas é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após 01.01.2010 (cfr. artigos 187º, nº1 e 188º da dita Lei).
s) A Lei nº 98/2009 cortou com a solução anterior, deixando de prever qualquer prazo para o requerimento de revisão da incapacidade.
t) Questão diferente é a constatação da inconstitucionalidade, ou não, da norma que limita temporalmente a possibilidade de ser requerida a revisão da incapacidade no prazo de dez anos.
u) A questão prende-se, sobretudo, em saber se a Lei nº 98/2009, onde desaparece o prazo para pedir revisão da incapacidade, tem aplicação retroactiva, permitindo a revisão da incapacidade sem dependência de prazo em processos emergentes de acidentes ocorridos antes da sua vigência, não obstante esta preveja expressamente a sua aplicação apenas a acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor.
v) Contrariamente ao que parece resultar da Decisão Recorrida, o Tribunal Constitucional tem reiterado sucessivamente o entendimento de que a fixação de um limite temporal para requerer a revisão da incapacidade, nomeadamente, o prazo de dez anos, não viola a Constituição.
w) O apelo do Tribunal a quo aos princípios constitucionais da justa reparação e igualdade entre trabalhadores em acidentes de trabalho, não pode ser feito de forma arbitrária e indiscriminada, sob pena de se violar as legítimas expectativas da entidade pagadora e um dos princípios basilares de Direito: da segurança jurídica.
x) O princípio constitucional da justa reparação dos acidentes de trabalho, consagrado no artigo 59º, nº1, alínea f) da CRP, não exige que a lei ordinária consagre uma possibilidade ilimitada de revisão da incapacidade e refere-se que aquele prazo é suficiente, pois o seu decurso sem alteração da incapacidade permite estabelecer uma presunção de consolidação e de estabilização das lesões.
y) Questão diferente é se existir um agravamento das lesões, com revisão intercalar da incapacidade, caso em que se considera ilidida a presunção de consolidação e estabilização da situação clínica.
z) Se até um dado momento não ocorreu qualquer evolução da lesão, seja pelo agravamento, seja pela melhoria, uma vez ultrapassado esse momento dificilmente ela virá a ocorrer. Esse momento a partir do qual se presume que já não vai haver evolução fixou-o o legislador no termo dos dez anos após a fixação da pensão.
aa) Considerou-se, por isso, razoável que já não seja possível pedir a revisão da pensão.
bb) Os casos em que foram produzidos juízos de inconstitucionalidade se reportam a situações de facto em que, a certo momento do período de dez anos, ocorreram revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado ou a existência de um elemento novo, susceptíveis de contrariar a presunção de estabilização das lesões.
cc) Nas situações em que se verifica uma circunstância que indicia a não estabilização da lesão no decurso daquele prazo (com registo de alterações), entendeu-se que era inconstitucional não permitir a revisão da pensão. A revisão após aquele prazo tem a sua razão de ser na presunção de que findo esse período se dá a estabilização da lesão.
dd) O princípio da presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado é o elemento determinante na jurisprudência constitucional para concluir não se mostrar desconforme com a Constituição a fixação de um prazo findo o qual se mostra vedado o direito de revisão da pensão atribuída ao sinistrado em acidente laboral: 10 anos.
ee) O Tribunal Constitucional tem reiterado o entendimento de que o princípio da igualdade não será em regra aplicável a fenómenos de sucessão de leis no tempo (vide, entre outros, os Acórdãos nºs 43/88, 309/93, 99/2004, 188/2009, 3/2010, 260/2010 e, o já citado, 398/2011, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
ff) A mera sucessão de leis não afecta, só por si, o princípio da igualdade, mostrando-se, até, redutora uma análise nesse sentido. Não existe qualquer imposição constitucional, no sentido de dever ser ilimitada a possibilidade de revisão das pensões por acidente de trabalho.
gg) O entendimento do Tribunal Constitucional é o de que o legislador dispõe de margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais consagrado no artigo 59º, nº 1, alínea f), CRP, não se afigurando como irrazoável a fixação de um prazo para o pedido de revisão da pensão.
hh) Os Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 136/2014, 205/2014 e 583/2014, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, julgou conforme a constituição o nº 2 do artigo 25º da Lei nº 100/97, de 13.09.
ii) Isto dito, a mencionada jurisprudência vai no sentido da inaplicabilidade do artigo 70º da Lei nº 98/2009 retroactivamente e da não inconstitucionalidade do artigo 25º, nº 2, da Lei nº 100/97.
jj) Não há, pois, razões para afastar a aplicação da regra estabelecida no nº 2, do artigo 25º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro e muito menos para aplicar retroactivamente a Lei nº 98/2009, pois, a sua aplicabilidade se restringe aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2010, não podendo fazer reviver-se à luz da nova lei, um direito que pelo decurso do tempo já se encontrava extinto nos termos da lei que anteriormente lhe era aplicável.
kk) Considerando que a data da fixação da pensão, para efeitos de pedido de revisão, corresponde à data do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial, no caso, teremos forçosamente de concluir que os 10 anos para formular o pedido de revisão (sem que nunca tivesse sido reconhecido judicialmente qualquer agravamento) já há muito haviam decorrido, quando o sinistrado, em 2023, formulou tal pedido, sendo por isso de declarar a caducidade do direito de requer a revisão da incapacidade.
ll) Mal andou o Tribunal a quo ao não verificar a caducidade do direito ao pedido de revisão apresentado pelo sinistrado / Autor.
mm) Assim, deve a Decisão ser alterada e, em consequência, ser declarada a caducidade do direito do Autor ao pedido de revisão da incapacidade que lhe foi fixada em 03.03.2010.

O sinistrado respondeu e deduziu recurso subordinado em relação à parte da sentença que lhe foi desfavorável, concluindo:
1. A decisão recorrida considerou improcedente o incidente a requerer a revisão da incapacidade permanente parcial de 43,64%, e consequentemente da pensão anual e vitalícia que foi atribuída.
2. Para o efeito assenta a sua decisão, no laudo médico maioritário de dois dos três peritos médicos que constituíram a junta médica, pela inexistência de qualquer agravamento.
3. Procedeu à correcção da IPP atribuída de 43,64% para 44,14% por se verificar um erro de cálculo, desde que foi fixada a incapacidade permanente no sinistrado.
4. A procedência do presente incidente teria de ter por base um efectivo agravamento da situação clínica do sinistrado, e não apenas a correcção de um lapso ou a aplicação do factor de bonificação de 1,5%.
5. Entendeu o Tribunal a quo, que apesar da perícia médica, ter concluído que inexista agravamento da incapacidade, deve o sinistrado beneficiar do factor de 1,5% por já ter os 50 anos de idade.
6. E, que por isso, está na base a interpretação jurídica efectuada pelo perito, nos termos do artº. 70º. nº.1 da LAT, conjugado com a Instrução 5 da TNI, mas que esta é uma daquelas situações em que o julgador deve decidir de forma diferente da conclusão pericial.
7. Acontece que, dispõe o nº.5 das Instruções gerais da TNI, do DL nº. 352/2007, de 23 de Outubro : “5 - Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos(sublinhado nosso) ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor; b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
8. Por isso, nos termos e ao abrigo da norma supra, nada impede que o factor de bonificação de 1,5% lhe venha a ser aplicado apenas por via da idade e, independentemente da alteração, ou não da sua situação clínica e, consequentemente da sua capacidade para o trabalho.
9. O entendimento do Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 01.02.2016, é que a bonificação de 1,5% deve ser aplicada ao sinistrado, independentemente do pedido de revisão, na medida em que depende apenas do factor da idade.
10. O requisito da idade não se prende com a necessidade de lhe ser aumentada ou diminuída a IPP, no incidente de Revisão, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo.
11. A jurisprudência vai neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 30.05.2012, e, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, a 10.07.2020, processo nº. 225/12.6T4AGD.1.C1.
12. Dado que á data do pedido de revisão, o Sinistrado já tinha mais de 50 anos de idade, era aplicável o factor de bonificação de 1,5%.
13. Sendo que o factor de bonificação é de conhecimento oficioso, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em 20.09.2021, processo nº. 96/13.5TTGDM.6.P1.
14. Assim a douta decisão recorrida violou, designadamente as disposições legais citadas nesta alegação e conclusões.
15. Deve, por conseguinte, a decisão recorrida, na parte objecto do presente recurso subordinada, ser revogada e substituída por Douto Acórdão que atribua o factor de bonificação de 1,5% ao Sinistrado por ter mais de 50 anos.

Respondendo, a Seguradora afirmou que o recurso subordinado não deve ser provido.
Nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público formulou parecer no sentido de ao recurso principal ser negado provimento, mas ao recurso subordinado ser concedido provimento.
Cumpre decidir.
Os factos a ponderar são os constantes do relatório.

APLICANDO O DIREITO
Da caducidade do direito de requerer a revisão da incapacidade
Esta Relação de Évora tem conhecido desta questão com frequência, seguindo-se aqui a jurisprudência adoptada nos Acórdãos de 29.11.2018 (Proc. 2515/17.2T8STR.E1) e de 13.07.2022 (Proc. 203/21.4T8STR.2.E1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
Este último objecto de recurso de constitucionalidade, tendo o Tribunal Constitucional decidido “não julgar inconstitucional o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretado no sentido de consagrar um prazo preclusivo de 10 (dez) anos, contados da fixação inicial da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, para a revisão da mesma com fundamento em agravamento das lesões; e, em consequência, negar provimento ao recurso” – Decisão Sumária n.º 641/2022, reclamado para a Conferência, e confirmado pelo Acórdão n.º 219/2023, com dois votos de vencido (decisões estas publicadas no site daquele Tribunal).
Mantém-se o mesmo entendimento.
A Lei 98/2009 estipulou claramente nos seus arts. 187.º e 188.º que se aplicava apenas a acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor, ou seja, aos ocorridos após 01.01.2020. Logo, a aplicação do art. 70.º da nova Lei a acidentes ocorridos anteriormente não tem lugar, continuando estes a ser regulados pela Lei em vigor ao tempo da sua ocorrência.
A inconstitucionalidade deste regime tem sido desafiada por diversas vezes, mas o Tribunal Constitucional tem afirmado que o princípio da igualdade não se aplica diacronicamente, mas apenas para situações iguais e sincrónicas, permitindo a coexistência de regimes jurídicos diferentes para situações semelhantes resultantes da mera sucessão de leis no tempo, reflexo das diversas políticas legislativas que se foram consagrando, em obediência aos princípios igualmente constitucionais da não retroactividade da lei e da segurança jurídica.
A propósito, escreveu-se o seguinte no Acórdão n.º 583/2014 do Tribunal Constitucional:
“A jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito do artigo 25.º, n.º 2, da LAT pode agrupar-se em dois grupos de decisões, a que correspondem juízos diametralmente opostos: (i) decisões no sentido da inconstitucionalidade [acórdãos n.ºs 147/2006, 59/2007, 161/2009 e nas decisões sumárias n.ºs 390/2008, 470/2008 e 36/2009, disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt] e (ii) da não inconstitucionalidade [acórdãos n.ºs 155/2003, 612/2008, 219/2012].
Ao contrário do que se poderia pensar, pese embora o sentido divergente das pronúncias, se atentarmos nos fundamentos de cada uma das decisões, verificamos que elas não são contraditórias: bem pelo contrário, assentam no mesmo critério jurisprudencial, sendo perfeitamente coerentes.
Esse critério está intimamente ligado à razão de ser da fixação pelo legislador de um limite temporal a partir do qual já não é possível pedir a revisão das prestações. Como sublinha Carlos Alegre (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, regime jurídico anotado, 2.ª Edição, Almedina, pág. 124-132), a fixação deste limite «surge da verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação de dois anos iniciais em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em 10 anos)».
O ponto é que se, até um dado momento, não ocorreu qualquer evolução da lesão, seja pelo agravamento, seja pela melhoria, uma vez ultrapassado esse momento dificilmente ela virá a ocorrer. Esse momento a partir do qual se presume que já não vai haver evolução fixou-o o legislador no termo dos dez anos após a fixação da pensão. Considerou, por isso razoável que já não seja possível pedir a revisão da pensão.
Analisando a jurisprudência do Tribunal que acima referimos, verifica-se que o grupo de casos em que foram produzidos juízos de inconstitucionalidade [ponto (ii)] se reporta a situações de facto em que, a certo momento do período de dez anos, ocorreram revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado (ou, no caso do acórdão n.º 161/2009, por ter sido proferida uma decisão judicial reconhecendo a existência de um elemento novo, igualmente susceptível de contrariar a presunção de estabilização das lesões).
Nestas condições, em que se verifica uma circunstância que indicia a não estabilização da lesão no decurso daquele prazo, o Tribunal entendeu que era inconstitucional não permitir a revisão da pensão. O que se compreende pois, como acima referimos, a impossibilidade de pedir a revisão após aquele prazo tem a sua razão de ser na presunção de que findo aquele período se dá a estabilização da lesão.
Já no grupo de casos em que se julgou não inconstitucional a norma do n.º 2 da Base XXII [antecedente do artigo 25.º, n.º 2, da LAT] estavam em causa situações em que o prazo de dez anos decorreu sem que tivessem ocorrido quaisquer revisões da pensão (seja porque não foram formulados pedidos de revisão, seja porque foram indeferidos). Aqui o entendimento do Tribunal assentou no pressuposto de que, nessa circunstância, não havia qualquer razão para deixar de presumir a estabilização da lesão. Como tal, o Tribunal considerou que não existiam motivos para manter o juízo de inconstitucionalidade que havia formulado nos arestos do grupo (i).»
No caso, o sinistrado teve alta no ano de 2009 e por sentença de 03.03.2010 foi fixada uma IPP de 43,64% e atribuída a respectiva pensão anual e vitalícia.
Requereu a revisão da incapacidade, em 2012, mas sem sucesso: a incapacidade ficou inalterada e a pensão foi mantida.
Em consequência, quando voltou a requerer a revisão da incapacidade, em 31.01.2023, já o seu direito tinha caducado, por decurso do prazo de 10 anos sem agravamento da sua incapacidade, como previsto no art. 25.º n.º 2 da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
Procede, pois, o recurso da Seguradora, com procedência da excepção de caducidade.

Da aplicação do factor de bonificação
Argumenta o sinistrado que deveria ter sido aplicado o factor de bonificação 1,5, em virtude da sua idade superior a 50 anos.
Sem prejuízo de não ter ocorrido a revisão da incapacidade, por procedência da excepção de caducidade, chamaremos a atenção para o seguinte.
O acidente ocorreu em 19.05.2007, data em que estava em vigor a anterior Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL 341/93, de 30 de Setembro, que é a aplicável ao acidente dos autos.
Com efeito, o art. 6.º n.º 1 al. a) do DL 352/2007, de 23 de Outubro, estipula expressamente que as tabelas aprovadas pela nova lei apenas se aplicam “aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor” – sendo que este diploma apenas entrou em vigor 90 dias depois, como resulta do seu art. 7.º.
Ora, no que respeita à aplicação do factor de bonificação, a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL 341/93 não previa uma forma automática de aplicação do factor de bonificação por efeito da idade.
A Instrução Geral n.º 5 al. a) dessa Tabela dizia o seguinte:
“5 – Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais;”
A propósito desta norma, o Acórdão da Relação do Porto de 03.03.2004, na CJ, tomo II, pág. 223, notou o seguinte:
«Conforme decorre do teor da referida instrução, sempre que as lesões sofridas no acidente acarretem uma perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto que trabalho que ocupava com carácter permanente, o sinistrado tem direito à bonificação de 1,5 em duas situações:
a) quando não haja possibilidade de lhe atribuir um posto de trabalho compatível com a sua incapacidade,
b) ou quando o mesmo tenha 50 ou mais anos de idade.
Trata-se de duas situações distintas, mas com um pressuposto comum que é a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto que trabalho que o sinistrado ocupava com carácter permanente. A verificação deste pressuposto, sendo absolutamente necessária em ambas as situações, não é, todavia, suficiente para que o sinistrado possa beneficiar do factor 1,5. É necessário, ainda, que a reconversão do seu posto de trabalho não seja possível ou que ele tenha 50 anos de idade ou mais.
Isto quer dizer que a idade do sinistrado é irrelevante, na hipótese a) e que a possibilidade da reconversão do posto de trabalho é irrelevante, na hipótese b). Deste modo, se o sinistrado tiver 50 anos ou mais (e verificada que seja a já referida perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente), ele terá sempre direito à bonificação do factor 1,5, mesmo que tenha havido reconversão do seu posto de trabalho.»
No caso, nada foi alegado acerca da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto que trabalho que o sinistrado ocupava com carácter permanente à data do acidente – sócio-gerente de uma sociedade comercial.
Não o foi na fase inicial do processo, nem nas sucessivas revisões de incapacidade.
E certo é que nos encontramos perante um mero incidente de revisão de incapacidade, e não perante um recurso de revisão da sentença de 03.03.2010, que não atribuiu qualquer factor de bonificação.
Como tal, o recurso subordinado do sinistrado jamais poderia proceder.

DECISÃO
Destarte, decide-se:
a) conceder provimento ao recurso principal deduzido pela Seguradora e julgar procedente a excepção de caducidade do direito de o sinistrado requerer a revisão de incapacidade;
b) negar provimento ao recurso subordinado deduzido pelo sinistrado.
Custas pelo sinistrado.

Évora, 23 de Maio de 2024

Mário Branco Coelho
Paula do Paço
João Luís Nunes