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PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL
COMPETÊNCIA
Sumário
I. A lei que prevê e sanciona a contraordenação prevista nos nº 4 e 5, do artigo 49º, da n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (regime jurídico das autarquias locais) atribui competência ao juiz da Comarca para aplicar a coima, nada dizendo explicitamente sobre a competência para a investigação da infração. II. Sendo de repudiar por via interpretativa que a ausência da referência expressa à competência para instruir significa que nenhuma entidade tem essa competência, a leitura que se impõe fazer ao abrigo do artigo 9º, nº 3, do Código Civil, é a de que competência para aplicar a coima abrange a competência para investigar a contraordenação, pois a competência para o mais (aplicar a coima) abrange a competência para o menos (instrução /investigação). III. A opção de que a instrução do procedimento e aplicação ou não de uma coima, seja feita pelo Juiz da Comarca faz recair sobre este o dever de, autonomamente, como no processo criminal, construir a base da sua decisão, na busca da verdade material e boa decisão da causa, atento o caráter indisponível do objeto do processo, de forma simples, justa e equitativa e sem aligeiramento dos direitos de defesa do cidadão. IV. Na medida em que, o que se visa é a instrução do procedimento tendente à aplicação de uma coima, cuja competência lhe esta deferida, não viola a norma, em causa, o principio da isenção e imparcialidade do juiz, (já assim acontece nas situações de concurso de contraordenações com crimes) na medida em que a promoção - através da participação- não lhe pertence, podendo o juiz beneficiar do apoio de outras entidades, policiais ou administrativas para a prática de atos que reputar necessários, (cf. art.º 48º, e 56º, do R.G.C.C) com vista à instrução para a decisão de aplicação ou não da coima, cumprido que seja o direito de audição e de defesa do arguido, previsto no artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa e subsequente declaração de impedimento, para ulterior tramitação processual.
Texto Integral
Acordam, em conferência os Juízes Desembargadores, subscritores, da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.
I - RELATÓRIO
1. No dia 23 de janeiro de 2024 foi proferido despacho na primeira instância, que terminou com a seguinte Decisão: “Por tudo o que se expôs, decido declarar a incompetência deste juízo local criminal para a tramitação e instrução do presente processo contraordenacional. Deverão, assim, os autos serem devolvidos ao apresentante, para os efeitos tidos por convenientes. Notifique. Oportunamente, arquive-se.”
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2. Inconformado com o teor da Decisão dela veio a interpor recurso o Ministério Público, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos- [transcrição] “IV Conclusões 1. Os presentes autos tiveram origem com a participação apresentada pelo Presidente da Câmara do Município da ..., de uma situação enquadrável no disposto no artigo 49.º, n.º 4 do Regime Jurídico das Autarquias Locais, pedindo a aplicação, ao juiz de comarca, da coima prescrita no n.º 5 do mesmo artigo. 2. A Mma. Juiz declarou o juízo local criminal incompetente, “para tramitação e instrução do presente processo contraordenacional”. 3. O comportamento em causa é uma contraordenação, cf. o disposto no artigo 1.º do RGCO e 49.º, n.º 4 do Regime Jurídico das Autarquias Locais. 4. De acordo com o disposto no artigo 33.º do RGCO, o processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma. 5. E prossegue tal diploma, no seu artigo 34.º, n.º 1, referindo que a competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contraordenações. 6. O Regime jurídico das Autarquias Locais, diploma que prevê e sanciona a contraordenação em causa, atribui competência material ao juiz de comarca. 7. Não poderíamos deixar passar acriticamente tal solução, solução essa que belisca a competência da Administração Pública e subsidiariamente a do Ministério Público. 8. Solução que configura um resquício de ilícitos já completamente alterados e tratados diversamente pela evolução legislativa a nível penal, processual penal, contraordenacional e administrativo, dos últimos 30 anos. 9. No entanto, com adequado enquadramento histórico, e teleológico, não resta outra conclusão que não, a atribuição, pelo legislador, conscientemente, ao juiz de comarca, da competência material para aplicar a coima pelo cometimento da contraordenação em causa. 10. Assim, o despacho da Mma. Juiz, violou o disposto nos artigos 34.º, n.º 1 do RGCO, 49.º, n.ºs 4 e 5 do Regime Jurídico das Autarquias Locais. 11. O Tribunal Recorrido deveria ter interpretado as normas em causa, no sentido de estar munido da necessária competência material para tramitar o processo. 12. Devendo ser ordenada a sua substituição por despacho que aplica a coima em causa. Com o que Vossas Excelências farão a tão costuma JUSTIÇA!”
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3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal “a quo, subindo imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ou seja, nos termos legais.
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4. Não houve lugar a resposta.
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5. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer, devidamente fundamentado, pugnando pela procedência do recurso, destacando-se do seu teor o seguinte: “Nesta Instância, o Ministério Público acompanha nos seus precisos termos em que vem formulado, o recurso do Ex.º Senhor Magistrado do Ministério Público junto da 1ª Instância e atentas as razões expostas na citada motivação e sem necessidade de mais considerandos, emite-se parecer no sentido de que seja julgado procedente o presente recurso e, como consequência, revogado o douto despacho recorrido e substituído por douto acórdão que determine a competência material do juiz de comarca para a instrução do processo contraordenacional p. no art.º 49º, nº4 e 5 do Regime Jurídico das Autarquias Locais e consequente aplicação da respetiva coima.”
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6. Questões a decidir
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V). e a jurisprudência (como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.) são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso -, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o seu thema decidendum:
- o Juiz da Comarca é a entidade competente para nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 4 do Regime Jurídico das Autarquias Locais, instruir o procedimento para efetuar a aplicação, da coima prescrita no n.º 5 do mesmo artigo.
* II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
Perante as questões suscitadas no recurso torna-se essencial, para a devida apreciação do seu mérito, recordar a fundamentação vertida na decisão recorrida: [transcrição] “Transgressão/Contravenção O Sr. Presidente da Câmara da … veio apresentar participação nos termos do nos termos dos nºs 4 e 5 do art.º 49 da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (Regime Jurídico das Autarquias Locais) que estabelecem respetivamente: “a nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas” e que “a violação do disposto no número anterior é punida com coima de (euro) 150 a (euro) 750, para cuja aplicação é competente o juiz da comarca, após participação do presidente do respetivo órgão”. O Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro) prevê a forma de tramitação geral do processo de contraordenação, estabelecendo logo no seu art.º 1.º que contraordenação é “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”. Ora, o art.º 33.º do Regime Geral das Contraordenações prevê que “o processamento das contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma”, mais se acrescentando no art.º 34.º que “a competência em razão da matéria pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contraordenações” (n.º 1), que “no silêncio da lei serão competentes os serviços designados pelo membro do Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender ou promover” e que “os dirigentes dos serviços aos quais tenha sido atribuída a competência a que se refere o número anterior podem delegá-la, nos termos gerais, nos dirigentes de grau hierarquicamente inferior”. Da mesma forma, como deflui dos artigos 38.º a 40.º, n.º 2, apenas se verifica a competência do Tribunal, em primeira linha, quando esteja em causa responsabilidade criminal. Mais se acrescenta no artigo 54.º sobre a iniciativa do processo contraordenacional, prevendo-se no n.º 2 e no n.º 3, respetivamente, que “a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”, e que “as autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos”. Ou seja, conclui-se que a aplicação de uma coima deve ser precedida de um processo de investigação e instrução, com vista ao arquivamento do processo ou aplicação de uma coima. Ora, no âmbito do Regime Jurídico das Autarquias Locais, inexiste norma que preveja como deverá ser tramitada e instruído o processo de aplicação da coima prevista estabelecida nos n.ºs 4 e 5 do art.º 49.º, apenas se determinando que compete ao juiz da comarca, a aplicação da coima – o que, no nosso entender, não tem o condão de “eliminar” ou “ultrapassar” a fase de instrução prévia à aplicação da coima. Veja-se, por exemplo e a título de lugar paralelo, que nos termos do art.º 203.º, n.º 3 Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto (que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais), expressamente se prevê que “compete ao juiz da comarca, em processo instruído pelo Ministério Público, com recurso para a secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, aplicar as coimas correspondentes a contraordenações cometidas por eleitos locais no exercício das suas funções” (sublinhado nosso). Efetivamente, considerar que é o juiz que é competente para investigar, instruir e decidir bule com aqueles que são os princípios de isenção e imparcialidade que pautam o funcionamento da justiça e dos tribunais (recorda-se a expressão depreciativa, de natureza anglo-saxónico, chamando de “judge, jury and executioner” quem atua com poder absoluto e unilateral). ** Pela nossa parte, não nos parece que a referida coima possa ser aplicada “pelo juiz da comarca” tão só no seguimento da participação apresentada, sem qualquer investigação ou instrução prévia (e, por exemplo, sem se garantir o direito de audição e defesa do Arguido) – ou seja, entendemos que a atribuição da competência para aplicação da coima ao “juiz da comarca”, o que é diferente da atribuição da competência para proceder à investigação e instrução do processo de contraordenação. Por outro lado, a própria lei que prevê a contraordenação não estabelece quem se terá como competente para a instrução do processo contraordenacional (ao contrário do que foi feito, por exemplo, no âmbito da lei orgânica que regula a eleição de titulares para os órgãos das autarquias locais, que atribuiu a competência ao Ministério Público), não nos parecendo que se possa usar da analogia para atribuição da referida competência (designadamente com o que se previu no âmbito da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais). Por tudo o que se expôs, decido declarar a incompetência deste juízo local criminal para a tramitação e instrução do presente processo contraordenacional. Deverão, assim, os autos serem devolvidos ao apresentante, para os efeitos tidos por convenientes. Notifique. Oportunamente, arquive-se.”
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O antecedente despacho recaiu sobre a participação/oficio remetido pela Câmara Municipal da ..., cujo teor, é o seguinte: [transcrição] “TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA Ex. Sr. Dr. Juiz de Direito do Tribunal da Moita AA, Presidente da Câmara Municipal da ..., pessoa coletiva territorial de direito público nº ..., com sede na ..., vem, participar, nos termos do nº 4 do art.º 49 da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (regime jurídico das autarquias locais) na sua versão atualizada, para efeitos do previsto no n.º 5 da supra citada lei, contra BB, ..., ... ... os seguintes factos. 1º O Município da ... é uma entidade jurídica territorial de direito público. 2º No dia ..., (de 2023), realizou-se uma reunião publica do executivo camarário, presidida pelo aqui Participante. Doc. nº 1 3º Reunião essa que, nos termos do previsto no n.º 1 do art.º 49 da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (regime jurídico das autarquias locais) na sua versão atualizada, iniciou-se com “um período para intervenção e esclarecimento ao público”. 4º O período para intervenção e esclarecimento do publico é um período de discussão entre o publico e o executivo camarário. 5º Para poder participar nesse período, o Participado procedeu à respetiva inscrição mediante o preenchimento do impresso denominado “Pedido do Uso de Palavra” na qual consta entre outras advertências, o seguinte: “Nota n.º 1 ….. Nota n.º 2 | Dispõem os nº. 4 e 5 do art.º 49º da Lei 75/2013, de 12 de setembro que: - A nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas. - A violação do disposto no número anterior é punida com coima de (euro) 150 a (euros) 750, para cuja aplicação é competente o juiz da comarca, após participação do presidente do respetivo órgão.” Doc. nº 2 6.º A reunião do executivo encontra-se publicada online no endereço https://www.youtube.com/watch?v=hzph4Jzyz8g&t=1451s 7.º Mau grado a advertência, o Participado, ao minuto 25.18.00, interrompeu a discussão nos moldes que se transcrevem: Sr. Presidente - Disse:"...aquela seria feita pela Câmara Municipal da ... e a outra seria feita pelos moradores da ..., e isso foi..."Sr. BB interrompe na plateia: "A Câmara sempre fez isso Sr. Presidente! A Câmara sempre passou lá a máquina! (inaudível)...eu só quero que diga se vai passar a máquina ou não. Responda concretamente. Vai passar uma máquina a tapar os buracos ou não? Porque isso sempre foi feito...(inaudível)" Sr. Presidente - Advertiu: “Sr. BB, o Senhor faz o mesmo em todas as reuniões, devo-lhe lembrar da nota nº2, quando o Senhor entra. O Senhor interrompe constantemente as reuniões." Sr. BB intervém na plateia: "(inaudível)...tenho de interromper!" Sr. Presidente - Insistiu:" Sr. BB, devo-lhe lembrar da nota nº2 do documento que o Senhor assina cada vez que entra aqui nesta sala, agradeço que..."Sr. BB interrompe: (inaudível) Sr. Presidente - "...agradeço que não interrompe mais esta sessão, e que respeite os Senhores Vereadores, respeite o público aqui presente, bem como aquele que assiste a partir de casa, e que haja um bocadinho de urbanidade neste espaço está certo? Isto é feito com base no respeito, temos de ter.." Sr. BB: "O Senhor não respeita os outros, o Senhor não respeita os moradores da ...!" Sr. Presidente - Prossegue: "Continuando o que eu estava a dizer, relativamente à questão da repavimentação da ..., nada mais há a acrescentar relativamente a essa matéria, se dos nossos serviços forem necessários alguma ajuda, algum acompanhamento para definirem quais é que são as áreas, quais é que são as áreas do passeio, as áreas de pavimentação, algumas questões... "Sr. BB: "(inaudível)...por favor, eu não interrompo mais, responda concretamente. Vai passar uma máquina a tapar os buracos ou não?" Sr. Presidente - Avança: "Como eu estava a dizer..." Responde: "Sr. BB, não me custa nada!" Sr. BB: "Vai ou não vai?" Sr. Presidente: "Sr. BB, eu ia-lhe pedir que o Senhor se retirasse da sala, se faz favor. Depois eu continuo." Sr. BB: "Então chame a Polícia porque eu não saio! Se o Senhor me responder concretamente se lá vai passar (tão simples como isto), se vai lá uma máquina ou não? Diga-me só isto que eu não o interrompo mais." Sr. Presidente: "Bem, face ao exposto, vou passar depois, em devida oportunidade responderei a estas e outras questões, eu estava a responder, e visto ter sido interrompido, julgo que não há mais condições para dar mais respostas ás questões que este cidadão acaba agora de colocar." 27 min. 45 segundos 8º É possível visualizar o trecho de diálogo acima transcrito no endereço online acima mencionado do minuto 25.18 ao minuto 27.45 no extrato do vídeo que se junta como Doc. n.º 3 9º Esclarece-se que o doc. nº 3 constitui parte do vídeo identificado no supra art.º 6. 10 Ao 02.10 minuto do doc. n.º 3 é possível visualizar claramente o Participado a interromper o Sr. Presidente da Câmara. 11º O Participante já é useiro e vezeiro neste tipo de comportamento abusivo, tanto mais que no passado dia .../.../2023, a aqui Participante, apresentou queixa contra o Câmara Municipal da ... Pelo exposto, considerando-se que, os factos supra descritos são suscetíveis de configurarem a infração prevista e punida pelo n.º 4 e n.º 5 do art.º 49, todos da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (regime jurídico das autarquias locais) na sua versão atualizada, requer-se que seja aplicada a respetiva coima. PROVA TESTEMUNHAL - CC, com domicílio profissional na .... - DD, com domicílio profissional na .... - EE, com domicílio profissional na .... - FF, com domicílio profissional na .... - GG, com domicílio profissional na .... .Junta: Participação, 3 (três) documentos e procuração forense.”
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Tendo em conta a natureza da questão submetida no recurso, importa respeitar as regras da precedência lógica a que estão submetidas as decisões judiciais (artigo 608º, nº 1 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal.
Prescreve a Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, (regime jurídico das autarquias locais) na sua versão atualizada, no seu artigo 49.º que tem sob a epigrafe “Sessões e reuniões”
1 - As sessões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas, sendo fixado, nos termos do regimento, um período para intervenção e esclarecimento ao público.
2 - Os órgãos executivos das autarquias locais realizam, pelo menos, uma reunião pública mensal, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto na parte final do número anterior.
3 - Às sessões e reuniões dos órgãos das autarquias locais deve ser dada publicidade, com indicação dos dias, horas e locais da sua realização, de forma a promover o conhecimento dos interessados com uma antecedência de, pelo menos, dois dias úteis sobre a data das mesmas. 4 - A nenhum cidadão é permitido intrometer-se nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, as votações feitas ou as deliberações tomadas. 5 - A violação do disposto no número anterior é punida com coima de (euro) 150 a (euro) 750, para cuja aplicação é competente o juiz da comarca, após participação do presidente do respetivo órgão.
6 - As atas das sessões e reuniões, terminada a menção aos assuntos incluídos na ordem do dia, fazem referência sumária às eventuais intervenções do público na solicitação de esclarecimentos e às respostas dadas.
Como ponto de ordem cabe assinalar que nenhuma norma constitucional ou ordinária impede que a investigação/instrução e a decisão na fase administrativa do processo de contraordenação sejam da competência da mesma entidade, sendo que, como decidiu o Tribunal Constitucional no acórdão nº 581/2004, «a garantia constitucional dos direitos de audiência e de defesa em processo contraordenacional (nº 10 do artigo 32º da Constituição) não pode comportar a consagração de um princípio da estrutura acusatória do processo idêntico ao que a Constituição reserva, no nº 5 do artigo 32º, para o processo criminal». No mesmo sentido pronunciam-se Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora, pág. 119, nota 7), e António Leones Dantas, Considerações sobre o processo das contraordenações – A fase Administrativa, Revista do Ministério Público, 61).
É no Regime Geral das Contraordenações e Coimas, (daqui em diante R.G.C.C.) DL 433/82 de 27.10. que se mostra estabelecido o regime de tramitação do procedimento, geral, do processo de contraordenação, que no seu artigo 1º define a contraordenação como sendo todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine com uma coima.
Neste regime geral do processo de contraordenação, a competência para o processamento e aplicação de uma coima e sanções acessórias, está atribuída, nos termos da regra geral, do artigo 33º, do R.G.C.C. às autoridades administrativas, ressalvadas as especialidades previstas, as quais nos termos do artigo 34º, têm a sua competência em razão da matéria, determinada pela lei, que prevê e sanciona as contraordenações (nº 1) e caso não esteja é indicada a entidade, que é designada pelo Governo responsável pela tutela dos interesses que a contraordenação visa defender, (nº2) competência que pode vir a ser delegada (nº 3).
Assim, e a título meramente exemplificativo, de autoridades administrativas que têm a seu cargo o processamento das contraordenações e aplicação das coimas: no Código da Estrada, a competência está atribuída à ANSR, pelo artigo 169º; no Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) a competência está deferida ao dirigente do serviço tributário, em primeira linha, nos termos pelo artigo 76.º do RGIT; no Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, defere-se a competência à ASAE nos termos do seu artigo 41º, nº 2.
E compreende-se que assim seja, na medida em que a coima é uma sanção dirigida a advertir o cumprimento de deveres e obrigações que relevem, apenas, da preservação de uma certa “ordenação social”, ainda que, pelo artigo 20º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, esteja garantido o direito ao acesso aos tribunais, dos cidadãos, para defesa dos seus direitos, possibilitando o controlo judicial das decisões administrativas, que apliquem coimas e que sobre tal aplicação caiba, por último, a palavra aos tribunais, cf. artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa.
As autoridades competentes para processamento das contraordenações em processos criminais são os tribunais, em primeira linha, o que resulta evidenciado do disposto nos artigos 38º a 40º, do R.G.C.C. onde se prevê as situações de concurso entre crime e contraordenações.
Por sua vez, no que respeita à iniciativa e instrução do processo, prescreve o artigo 54º, do R.G.C.C. que que “a autoridade administrativa procederá à sua investigação e instrução, finda a qual arquivará o processo ou aplicará uma coima”, e que “as autoridades administrativas poderão confiar a investigação e instrução, no todo ou em parte, às autoridades policiais, bem como solicitar o auxílio de outras autoridades ou serviços públicos”.
Do exposto, resulta que, a aplicação de uma coima é precedida de diligências para averiguar da existência do ilícito, seus agentes e a sua responsabilidade, descobrir e recolher provas e decidir pela aplicação da coima ou pelo seu arquivamento a qual pode vir a ser confiada a autoridade policial, ou vir a ser solicitado auxilio a outras autoridades públicas ou serviços públicos, o que se traduz na concretização do principio da investigação oficiosa e da busca da verdade material, a que está vinculada a autoridade administrativa.
Acontece que, as normas sob os nº 4 e 5, do artigo 49º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, respeitam à organização do poder politico, mais concretamente ao poder local, suas assembleias e modo de funcionamento, que assumem natureza especial, ao atribuir competência ao Juiz da Comarca para a decisão de aplicar ou não uma coima, na medida em que limita a competência do presidente do respetivo órgão, à participação.
E existem outras normas a atribuir competência ao Juiz da Comarca para aplicar coimas, como é o caso da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14.08, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, no seu artigo 203º, nº3.
De facto, evidencia-se estar criado por via de Lei regimes jurídicos diferente do Regime Geral, para um conjunto delimitado de situações, particulares ou especificas, o que não só resulta da letra da lei, como do pensamento legislativo que lhe subjaz, pois atribui a competência para aplicar a coima ao Juiz da Comarca, nada dizendo, no nosso caso, sobre a competência para a respetiva instrução do procedimento.
Ora é neste silêncio da Lei - no que à atribuição de poderes de instrução respeita- e não com base na competência que lhe está deferida para aplicar a coima, que a Senhora Juíza se declara incompetente para o que lhe é solicitado, e que não defere a ninguém (a outra entidade), decidindo, primeiro pela remessa dos autos ao apresentante, depois determinando o seu arquivamento.
Não se nos afigura ter sido alcançada a decisão correta. É que se assim fosse, porque a lei também não atribui competência para a instrução/investigação a outra entidade, logo à partida a entidade competente para aplicar uma coima, - o juiz da comarca - não a podia aplicá-la, por nenhuma entidade ter competência para a instrução/investigação da respetiva contraordenação. Essa conclusão não pode deixar de ser afastada, em face da regra da interpretação consagrada no artigo 9º, nº 3, do Código Civil: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.”
Como já aludimos, o artigo 34º, do R.G.C.C., atribui a competência em razão da matéria, às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contraordenações (que não terão de ter caráter necessariamente administrativo).
Revela-se assim, que não existe impedimento para que os dois momentos processuais se incluam - instrução e sancionamento - no âmbito de competência da mesma entidade, devendo entender-se que a competência para o mais (aplicação da sanção) abrange a competência para o menos (investigação), na ausência de lei que diga o contrário.
Estamos em crer que o legislador, nas situações previstas nesta norma, quis retirar à autoridade administrativa e atribuir aos Tribunais, enquanto órgãos independentes, o poder de instrução/tramitação de procedimentos, que possam ou não culminar na aplicação de uma coima, ao cidadão que se intrometer nas discussões, aplaudir ou reprovar as opiniões emitidas, nas votações feitas ou as deliberações tomadas, nas sessões daqueles órgãos, de modo a que a autoridade administrativa, não possa através de qualquer procedimento condicionar Munícipes no exercício dos seus direitos de cidadania, desde logo do direito à participação na gestão do município, que é não só um direito, como um dever.
Por isso, no Regime Jurídico das Autarquias Locais, reclama que a instrução não seja feita por quem tem interesse, pessoal, no desfecho ou aplicação da coima, daí estar indicado que feita a participação esta é remetida pelo presidente do respetivo órgão, para quem compete aplicar a coima.
A opção de que a instrução do procedimento e aplicação ou não de uma coima, seja feita pelo Juiz da Comarca, faz recair sobre este o dever de, autonomamente, como no processo criminal, construir a base da sua decisão, na busca da verdade material e boa decisão da causa, atento o caráter indisponível do objeto do processo, de forma simples, justa e equitativa e sem aligeiramento dos direitos de defesa do cidadão.
Na medida em que, o que se visa é a instrução do procedimento tendente à aplicação de uma coima, cuja competência lhe esta deferida, não viola a norma, em causa, o principio da isenção e imparcialidade do juiz, (já assim acontece nas situações de concurso de contraordenações com crimes) na medida em que a promoção - através da participação- não lhe pertence, podendo o juiz beneficiar do apoio de outras entidades, policiais ou administrativas para a prática de atos que reputar necessários, (cf. art.º 48º, e 56º, do R.G.C.C) com vista à instrução para a decisão de aplicação ou não da coima, cumprido que seja o direito de audição e de defesa do arguido, previsto no artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa e subsequente declaração de impedimento, para ulterior tramitação processual.
Em face do que merece provimento o recurso interposto.
IV- Dispositivo
Tudo visto e ponderado, decidem as juízas desembargadoras subscritoras em conceder provimento ao recurso e, nessa conformidade, revogar a decisão recorrida determinando-se que aquela seja substituída por outra em que o Tribunal recorrido proceda à instrução do procedimento participado tendente à decisão de aplicar a coima, nos termos do nº 4 e 5, do artigo 49º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, se for o caso.
Sem custas
(Nos termos do disposto no art.º 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art.º 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Lisboa 21 de Novembro 2024
Isabel M.T. Monteiro
Maria de Fátima R. Marques Bessa
Marlene Fortuna