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AECOP
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
Sumário
I - Atento o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 266 do CPC, a compensação deve ser deduzida, sempre, por via reconvencional, inclusivamente em sede de AECOP. II – Mas a compensação tem de ser efetivamente deduzida/invocada. III – Não o sendo, não será também de admitir, em sede de AECOP, a dedução de reconvenção com fundamento nas restantes alíneas – que não a alínea c) – do n.º 2 do artigo 266 do CPC. IV – Salvo se – ocasião em que passa a ser genericamente admissível a reconvenção – a alteração do valor da causa, por força do disposto no artigo 299, n.º 1 do CPC, implicar que os termos posteriores dos autos sigam a forma processual comum.
Texto Integral
Processo n.º 87269/23.YIPRT-A.P1
Recurso de apelação
Relator – José Eusébio Almeida
Adjuntos: Anabela Mendes Morais e Carlos Gil
Recorrente – A..., Lda.
Recorrida – B..., Lda.
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
Através de Requerimento de Injunção, a requerente B..., Lda. veio solicitar a notificação da requerida A..., Lda. no sentido de lhe “ser paga a quantia de €14 409,43 conforme discriminação e pela causa a seguir indicada: Capital: €13 873,56 Juros de mora: € 353,87 (...)” expondo, como fundamento da sua pretensão, os seguintes factos: “A ora Requerente, B..., Lda., dedica-se especialmente ao ramo da construção de edifícios, revestimento de pavimentos, gestão e fiscalização de obras de construção civil, compra e venda de materiais de construção, pelo método tradicional ou via online, entre outras. Por seu turno, a ora Requerida, A..., Lda., tem como área de atividade a Construção civil, bem como conservação e restauro de edifícios. Instalação de equipamento sanitário e colocação de vidros. Obras de isolamento, pintura e revestimento de paredes e pavimentos. Instalação de soalhos, tetos falsos e acabamentos de construção civil. Escavações, demolições e terraplenagens. Instalação, reparação e manutenção de sistemas de aspiração central, exaustão, canalização, eletricidade, de sistemas de automatismos para portões, e, ainda de trabalhos de carpintaria, caixilharia e serralharia, entre outras. No âmbito do exercício das atividades profissionais suprarreferidas, a Requerente e Requerida celebraram um contrato de prestação de serviços, em que a Requerida solicitou à Requerente o fornecimento e aplicação de reboco, devidamente sarrafado e desempenado, pronto a receber cerâmico, bem como, fornecimento e aplicação de reboco devidamente desempenado, com acabamento estanhado, pronto a receber pintura.
No seguimento do contrato anteriormente referido, a ora requerente emitiu a seguinte fatura: - Fatura n.º ..., vencida a 01/05/2023, com o valor de €13.873,56€ (treze mil, oitocentos e setenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos);
A suprarreferida fatura corresponde aos serviços efetuados pela Requerente, que apesar de se ter solicitado o seu pagamento, a Requerida não logrou pagar. Acontece que, após ter sido apresentada a fatura à Requerida, esta última não procedeu ao seu pagamento, ficando em dívida à Requerente o valor total de €13.873,56 (treze mil, oitocentos e setenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos). Apesar de para tanto ser instada, a verdade é que a Requerida não pagou à Requerente os valores correspondentes aos fornecimentos referidos. A dívida é certa, líquida e exigível, pelo que a Requerente reclama o seu pagamento, acrescido de juros de mora e despesas administrativas suportadas com a cobrança da divida. Especificamente, deve a Requerida a título de juros de mora a quantia de 353,87€ (trezentos e cinquenta e três euros e oitenta e sete cêntimos). Também a Requerente, com as diligências efetuadas para a cobrança dos valores em divida, suportou despesas administrativas não inferiores a 80,00€ (oitenta euros), e cujo ressarcimento também se reclama”.
A requerida deduziu Oposição, terminando essa peça processual com a seguinte pretensão: “Nestes termos e melhores de direito deve ser julgada procedente, por provada a exceção invocada com as legais consequências. Caso assim não se entenda deve ser julgada improcedente a presente acção por não provada. Que seja dada como provada a reconvenção e em consequência seja a requerente/reconvinda condenada a pagar a quantia de €2.106,33, acrescida de juros à taxa legal desde a data da apresentação da reconvenção até efetivo e integral pagamento”.
Nessa oposição (que se transcreve com detalhe, por entendermos relevante à apreciação do objeto do recurso), a requerida veio sustentar:
“POR EXCEPÇÃO
1 - A requerida acordou com a requerente que esta lhe fornecesse e aplicasse, mediante orçamento prévio, reboco sarrafado e reboco com acabamento estanhado no edifico denominado “...”, na cidade de Aveiro.
2 - Foi também acordado entre a requerente e requerida que os trabalhos apenas poderiam ser faturados depois de ser efetuado um auto de medição aos trabalhos concluídos e no qual teriam, obrigatoriamente, de estar presentes os legais representantes das duas sociedades.
3 - O primeiro auto de medição foi efetuado nos termos acordados, tendo a fatura sido emitida a 06/02/2023 e paga a 08/02/2023.
4 - Posteriormente, a requerente realizou trabalhos que careciam de ser medidos para que pudessem ser faturados.
5 - Todavia, como seria a medição final, todos os trabalhos teriam de estar concluídos.
6 - O certo é que, faltavam realizar alguns trabalhos contratualizados, designadamente os remates de peitoris da caixa de escada e os topos dos degraus da caixa de escada.
7 - Isto para além de estarem por tratar os resíduos produzidos pela ré, decorrentes dos trabalhos que efetuou.
8 - Conforme, por diversas vezes, a requerida informou a requerente quer presencialmente quer telefonicamente.
9 - Em 26/03/2023 pelas 21h28m a requerente enviou correspondência eletrónica à requerida, sem que nada se justificasse, onde informava de que iria proceder à faturação de forma unilateral.
10 - No dia seguinte 27/03/2023 pelas 15h17m o gerente da requerida mandou mail de resposta onde agendou uma reunião na obra no dia seguinte (28/03/2023) pelas 14h, com o intuito de clarificar e encerrar definitivamente o assunto.
11 - Nesse mesmo dia 27/03/2023 a requerente respondeu à requerida por e mail, reconhecendo que havia situações por resolver em obra.
12 - Dando a conhecer que o gerente estaria ausente e que logo que possível entrariam em contacto.
13 - Em face desta posição a requerida ficou a aguardar o contacto da requerente para agendar visita à obra para verificar os trabalhos em falta, ver a forma de os solucionar bem assim como para e efetuar as medições dos trabalhos já realizados pela requerida.
14 - Sucede porém que, de forma inexplicável, a requerente no dia 01/05/2023, emitiu unilateralmente a fatura n.º ... no valor de €13.873,56, com vencimento nessa mesma data.
15 - Nesse mesmo dia (01/05/2023, pelas 16h53m) a requerida remeteu mail de resposta à requerente com o seguinte teor;
“Comunico que não consideramos a fatura por vós enviada validada. (...)
16 - Devolvendo pela mesma via a fatura que lhe havia sido remetida pela requerente e marcando visita à obra para resolver os assuntos em falta.
17 - Mais uma vez a requerente não compareceu em obra para realizar a medição dos trabalhos realizados.
18 - Posteriormente, por carta registada com A/R, datada de 13/06/2023, a requerente mandou à requerida a fatura que já lhe havia sido remetida por mail em 01/05/2023.
19 – A requerente respondeu a essa carta por carta registada com A/R remetida em 28/06/2023 e que foi recebida pela requerente em 04/07/2023 a qual tenha o seguinte teor:
“Exmos Senhores (...) Como aconteceu em anteriores vezes as faturas dos trabalhos efetuados apenas são emitidas e aceites após prévia realização de auto de medições dos trabalhos contratados e realizados. (...) Assim e porque esta empresa não reconhece que estejam em divida valores indicados na fatura ... de 01/05/2023, vem fazer a devolução, mais uma vez, da dita fatura (...). Junta: fatura”.
20 - Ou seja, mais uma vez a requerida devolveu a fatura e reiterou que não dispensava que os trabalhos fossem previamente medidos antes de serem faturados, não reconhecendo estar em dívida nos valores faturados unilateralmente pela requerente.
21 - Razão pela qual a requerida não reconhece dever à requerente os valores por esta reclamados no presente requerimento de injunção.
POR IMPUGNAÇÃO
22 - Aceita-se por corresponder à verdade o alegado no primeiro, segundo e terceiro parágrafo do requerimento de injunção.
23 - Por tudo quanto já foi alegado supra em 1.º a 21.º desta peça processual deixa-se impugnada a matéria de facto vertida nos parágrafos quatro a nove do requerimento de injunção, por ser falso, inexato, não corresponder à verdade, ou não ter as consequências jurídicas que a requerente lhe pretende atribuir.
24 - Sendo falso que a dívida seja certa, líquida e exigível, porquanto não foi efetuada qualquer medição aos trabalhos realizados cujo pagamento se reclama.
25 - Medição essa que era prévia à emissão da fatura e teria de ser realizada de forma conjunta.
26 - A requerida não reconhece ser devedora da quantia constante na fatura que é reclamada pela requerente.
27 - Muito menos está em mora para com a requerente, pois a fatura apenas poderia ser emitida depois de efetuada a medição dos trabalhos, conforme acordado, o que não sucedeu até à presente data.
28 - Desta forma não são devidos os juros de mora reclamados pela requerente, bem assim como as despesas no valor de €80,00 as quais inclusivamente se desconhece se a requerente as realizou ou não.
EM RECONVENÇÃO
29 - Como já se alegou em 1.º desta peça processual, a requerida acordou com a requerente um contrato de empreitada para que esta lhe fornecesse e aplicasse, mediante orçamento prévio, reboco sarrafado e reboco com acabamento estanhado no edifico denominado “...”, na cidade de Aveiro.
30 - No âmbito desse contrato de empreitada a requerente estava obrigada a tratar os resíduos que produzisse em obra com os trabalhos que iria realizar.
31 - Suportando os custos com esse tratamento.
32 - Durante a execução dos trabalhos a requerente gerou resíduos que foram deixados em obra, sem que fossem devidamente tratados.
33 - Foi a requerida que teve de contratar empresa especializada para tratar os resíduos cujo tratamento era da responsabilidade da requerente.
34 - A requerida despendeu a quantia de €2.106,33, para mandar efetuar a recolha, tratamento e depósito em aterro de tais resíduos, os quais se encontram materializados nas faturas nos ... de 17/03/2023 no valor de 127,20; ... de 17/03/2023 no valor de 306,55, ... de 19/05/2023 no valor de 602,08 e ... de 04/08/2023 todas emitidas pela sociedade C... Unipessoal Lda. e a ela pagas pela requerida.
35 - Assim a requerida é credora para com a requerente da quantia de €2.106,33, cujo pagamento reclama.
36 - Pagamento esse que era da responsabilidade da requerente, mas que a requerida assumiu e agora se reclama à requerente, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da apresentação da presente reconvenção até efetivo e integral pagamento.
37 - A compensação de créditos nos processos no âmbito do regime do Decreto-lei n.º 269/98, de 1.9 deve ser feita por via da dedução de reconvenção – cfr. de entre outros o acórdão do tribunal da relação de Lisboa proferido no processo 72269/19.0YIPRT.L1-7 em que foi relator o Juiz desembargador Luís Filipe Pires de Sousa disponível em dgsi.pt.”
Na sequência, veio a ser proferido o despacho recorrido, que se transcreve: ”Nos termos preceituados pelo art. 10.º, 4, DL no 62/2013, de 10 de maio, “as ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação”. A alçada da Relação é de €30.000,00 (art. 44.º, 1, LOSJ), pelo que a presente acção se situa na metade inferior àquela alçada, dado que o pedido da A. é de €14.409,43 (cfr. art. 297.º, 1, CPC). Consequentemente, não é processualmente admissível a dedução de reconvenção, atenta a presente forma processual, pelo que não se admite o pedido reconvencional deduzido – cfr., a este respeito, v. g., o Acórdão da Relação de Évora de 3 de dezembro de 2015, no Proc. n.º 51776/15.9YIPRT-A.E1, relatado por Bernardo Domingos, in dgsi.pt”.
II – Do Recurso
Discordando do despacho acabado de transcrever a requerida veio apelar. Pretende a admissão da reconvenção deduzida e, para tanto, apresenta as seguintes Conclusões:
1 - O recurso tem por objeto o despacho que decidiu indeferir o pedido reconvencional formulado em conjunto com a oposição à renovação.
2 - A requerente alega ter prestado à requerida um conjunto de trabalhos de construção civil, no valor de 14.409,43€ que discrimina no requerimento de injunção
3 - Na sua oposição a ré veio excecionar o facto de os trabalhos realizados pela requerida não terem sido devidamente concluídos, bem assim como o facto de a requerente não ter tratado os resíduos de obra no valor de 2.106,33€.
4 - No caso, a causa de pedir na ação e na reconvenção é comum e tem por base um contrato de empreitada celebrado entre a requerente e a requerida.
5 - A reconvenção é admissível quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (ou parte desta) em que o autor funda o direito que invoca – art. 266, n.º 2 do CPC.
6 - A injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00, após a oposição o processo transmuta-se para processo comum – art. 10.º, n.º 2 da Lei 62/2013.
7 - Nos casos em que o valor da divida seja inferior a 15.000,00€ então o processo após a dedução de oposição segue a forma de processo especial (posição defendida no despacho em crise) – art. 3.º a 5.º do Decreto Lei 269/98 de 01/09.
8 - Para efeito de apuramento do valor da ação deve ser tido em consideração o valor do pedido formulado no requerimento de injunção 14.409,43€, acrescido do valor da reconvenção 2.106,33€, pelo que o valor final é de 16.515,76€ – art. 299 e ss do CPC.
9 - Sendo esse o valor que deve ser considerado para aferir se o processo se transmuta nos termos do art. art. 10.º, n.º 2 da Lei 62/2013 ou se o processo segue a forma especial prevista no art. 3.º a 5.º do Decreto Lei 269/98 de 01/09.
10 - A posição que defende a inadmissibilidade de reconvenção sempre redundaria num desperdício de recursos e consequente violação da imprescindível economia de custos, pois obrigaria a colocar uma nova ação quando toda a problemática do mesmo negócio jurídico poderia/deveria ser apreciada na mesma acção.
11 - O atual Código do Processo Civil dá/impõe ao Juiz da causa que faça uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal com vista a atingir a justiça material – art. 6.º e 547 do CPC.
12 - Neste sentido e de entre muitos outros veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.06.2017 proferido no processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2, e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4.06.2019, proferido no processo 58534/18.0YIPRT.P1 e de 13.6.2018 proferido no processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1 de entre outros, todos disponíveis em dgsi.pt.
Não houve resposta ao recurso, o qual foi recebido nos termos legais, como apelação a subir em separado e com efeito devolutivo. Mantido, nesta sede, o sentido do despacho que recebeu o recurso, ao autos correram Vistos, e nada se observa que obste ao conhecimento do mérito da apelação, cujo objeto, tendo em conta as conclusões da apelante, consiste em saber se a decisão apelada deve ser revogada, porquanto a reconvenção deduzida na oposição devia ter sido admitida.
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto
A factualidade constante do antecedente relatório – na qual se transcreve o Requerimento de Injunção e a Oposição da recorrente – mostra-se bastante à apreciação do mérito do recurso.
III.II – Fundamentação de Direito
Da leitura do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, e tendo presentes as suas sucessivas alterações[1], podemos, liminarmente, ter como assente o que nos parece ser consensual: apresentado o Requerimento de Injunção, o requerido pode, ou não, deduzir Oposição. Deduzindo-a, o procedimento passa a seguir os termos do processo comum ou os da ação especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos (AECOP). Na primeira situação se estiverem em causa transações comerciais de valor superior a metade da alçada do Tribunal da Relação; na segunda hipótese, quando a obrigação pecuniária emerge de contrato com valor igual ou inferior ao de metade da alçada do Tribunal da Relação.
Naquele primeiro caso, isto é, quando, em razão da oposição, a injunção se transmuta em processo comum, não se questiona a possibilidade de o oponente (agora réu) deduzir reconvenção[2]. Porém, na segunda hipótese, quando a injunção, por efeito da oposição, se transmuta numa AECOP, já será questionável que o oponente possa deduzir reconvenção, mesmo que essa seja a única via pela qual lhe é possível deduzir a compensação[3].
No caso que apreciamos está em questão, primeiramente, a possibilidade de a oponente deduzir reconvenção numa injunção transmutada em AECOP. Vejamos.
Genericamente – e, em concreto, nas possibilidades legais aplicáveis ao processo declarativo comum – o réu pode, contestando, defender-se de forma direta se a oposição “consistir, quer na contradição dos factos articulados na petição, quer na afirmação de que esses factos não podem surtir o efeito jurídico almejado pelo autor”; pode, ainda, “limitar-se a exercer uma defesa indireta ou oblíqua através de uma qualquer exceção perentória”; mas pode, ainda, aproveitar o seu articulado (contestação) “para operar uma modificação objetiva da instância, deduzindo um pedido que se perfile em substância (que não apenas formalmente) como autónomo relativamente ao pedido principal (formulado pelo autor), visando através dele obter a condenação do autor nesse novo pedido”. Assim, quando o pedido formulado pelo réu se “consubstanciar numa verdadeira pretensão autónoma deduzida pelo réu contra o autor, estaremos perante um pedido reconvencional”[4].
A reconvenção é, portanto, “uma ação cruzada contra o autor, servindo para o réu formular pretensão ou pretensões correspondentes a uma ou a diversas ações autónomas”[5]. Permite ao “réu deduzir pedidos contra o autor, em exercício (facultativo) do direito de ação e em ampliação do objeto do processo”[6].
Como decorre do disposto no artigo 266 do CPC (correspondente ao anterior artigo 274 do mesmo diploma) e, concretamente, do seu n.º 2, a reconvenção é admissível “a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa; b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter”.
Com alguma síntese, podemos dizer que a alínea a) do citado n.º 2 do artigo 266 do CPC abrange os casos em que, porque toda a ação “radica num certo ato ou facto jurídico”, a pretensão “reconvencional se encontre em conexão com esse facto jurídico já processualmente adquirido (artº 266.º, n.º 2, al. a)); isto é: que provenha da mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido originário (do autor) ou emirja de ato ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa”[7]. Assim, e centrando-nos na primeira hipótese contemplada, “O facto jurídico que serve de fundamento à ação (al. a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de um contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor”[8].
A alínea b) não suscita, salvo melhor saber, qualquer dificuldade interpretativa e abrange a reclamação do crédito derivada das despesas ou benfeitorias conexas com a coisa cuja entrega o autor pretende do réu. Também a última das alíneas (alínea d)) não suscitará dúvidas relevantes, nem carece ser equacionada no caso que apreciamos: permite ao reconvinte o aproveito da ação para obter, em seu próprio benefício, o efeito jurídico pretendido pelo demandante.
A alínea c) [Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor] já obriga a um esclarecimento mais detalhado, mesmo que, ainda assim, sucinto. Com efeito, não deixa de ser sintomático que toda a jurisprudência citada pela apelante nas conclusões do seu recurso (“o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.06.2017 proferido no processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2[9], e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 4.06.2019, proferido no processo 58534/18.0YIPRT.P1[10] e de 13.6.2018 proferido no processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1[11] de entre outros, todos disponíveis em dgsi.pt.”) pressuponham uma situação de compensação de créditos.
Com a atual alínea c) do n.º 2 do artigo 266 do CPC veio o legislador do Código de Processo Civil de 2013 tomar posição na divergência, quer doutrinária, quer jurisprudencial, respeitante ao modo processual através do qual deve ser invocado, pelo réu, um contracrédito, entendendo-se, de forma significativamente maioritária[12] que a invocação da compensação há de fazer-se necessariamente através da reconvenção.
Antes da vigência do atual Código de Processo Civil, a orientação maioritária, na jurisprudência e na doutrina, “perspetivava a compensação sob dois prismas: a compensação deduzida como exceção, se o crédito do réu não excedesse o crédito reclamado pelo autor; e como reconvenção, se o crédito do réu fosse de valor superior e este pretendesse a condenação do autor no pagamento desta parte do seu crédito”[13].
Em rigor - e usamos a expressão de Miguel Mesquita, quando aborda a questão no domínio do CPC anterior e, concretamente, em razão do disposto no artigo 274, n.º 2, alínea b), desse diploma – “o dilema da escolha entre a exceção e a reconvenção”[14] multiplicava-se em quatro teses ou entendimentos.
A primeira tese é a da compensação-exceção, atribuída a Vaz Serra, Anselmo de Castro, Menezes Cordeiro e Lebre de Freitas, segundo a qual a reconvenção é admissível “quando o réu se propõe obter o que resta, a seu favor, depois da compensação. Quando a esta parte sobejante do contracrédito, o réu tanto pode reconvir, como intentar uma ação autónoma” [Reconvenção e ... cit., pág. 302]; a tese da compensação-reconvenção é atribuída a Castro Mendes, Almeida Costa e Teixeira de Sousa; de acordo com ela, e ultrapassando a debilidade da tese anterior, “o enquadramento da compensação no regime da reconvenção permite resolver o problema da extensão do caso julgado ao contracrédito” [Reconvenção e... cit., pág. 316].
Miguel Mesquita refere, em terceiro lugar a “tese da compensação-reconvenção híbrida” [Reconvenção e... cit., págs. 323/326], atribuída a Antunes Varela. Com efeito, este Professor de Coimbra entende que, quando o contracrédito deduzido pelo réu não é de “montante superior ao do autor ou não pedindo ele a condenação do autor no pagamento do seu crédito residual”, então a compensação assemelha-se à exceção perentória, pois o “réu limita-se a invocar um facto que, embora autónomo, tende apenas à improcedência total ou parcial da ação, por ser total ou parcialmente extintivo do direito que o autor se arroga”; no entanto, se o contracrédito do réu for de montante superior ao do autor e aquele pretenda a condenação do autor na parte residual, “na medida em que, além de afastar o pedido do autor, o réu passa deliberadamente ao contra-ataque, deduzindo um outro pedido contra este, a sua arguição equipara-se, também nesse aspeto, ao pedido reconvencional”[15]. Em quarto lugar, Miguel Mesquita, citando Luso Soares [O réu que pretenda invocar a compensação, em princípio, pode opô-la por exceção ou por reconvenção, como julgue mais conveniente e oportuno, salvo nos processos em que a reconvenção não seja admissível, caso em que a compensação só pode ser invocada por exceção] dá nota da tese da “ambivalência processual da compensação” [Reconvenção e... cit., pág. 330].
E, avançando o seu próprio pensamento – recordemos: decorrente do CPC anterior -, o citado autor, admitindo, ainda assim, a desnecessidade de uma interpretação revogatória do preceito então vigente, sustenta que o (seu) “único sentido válido foi encontrado pelos defensores da tese da compensação-exceção, quando afirmam que a reconvenção é admissível sempre que o réu pretenda obter o saldo resultante do encontro de contas”. Sustentando a vantagem da revogação da norma anterior, acrescenta, ainda, como um segundo passo, a vantagem de transformar a compensação numa exceção reconvencional, “cuja procedência produza, ao nível do caso julgado, efeitos distintivos dos de qualquer outra exceção perentória”[16].
O entendimento que, já anteriormente, fazia prevalecer a necessidade de reconvenção para poder ser invocada a compensação pelo réu, entendimento que, como também nos parece, veio a ser consagrado no atual Código de Processo Civil[17], parte da própria natureza da compensação enquanto meio de extinção das obrigações e, processualmente, da sua natureza de exceção perentória, mas que, ainda assim, há que distinguir de outras exceções perentórias. Explicando-o, refere Paulo Pimenta[18]: “entre as exceções perentórias extintivas, únicas que aqui interessam, é costume apontar-se, como já se fez, a prescrição, a caducidade, o pagamento, o perdão, a dação em cumprimento e a novação. (...) sendo indiscutível que, face ao direito material, a compensação constitui, quanto aos seus efeitos, uma figura com contornos semelhantes àqueloutras, fazendo cessar a obrigação do réu (devedor) perante o autor (credor), não podemos ignorar que a compensação tem particularidades que não se verificam nas restantes figuras. (...) quando é arguida a compensação de créditos, o direito do autor não se extingue ou cessa por qualquer circunstância inerente ao próprio direito, ou melhor à própria relação jurídica, mas, tão-só, porque o réu é simultaneamente, credor do autor, crédito esse proveniente de outra relação jurídica havida entre ambos, e que pode ser absolutamente distinta da apresentada pelo autor. Por se tratar de uma nova relação jurídica trazida pelo réu para o processo, aí fazendo valer o respetivo direito de crédito, faria sentido que o exercício deste direito (de compensação) ocorresse através de pedido reconvencional”.
Assim, razões materiais e processuais justificam a opção tomada pelo legislador de 2013, sendo certo que “o nosso sistema continha já, e há bastante tempo, várias indicações no sentido que agora ficou explícito”. Pode, pois, dizer-se (ainda que da opção legislativa possam resultar outras ou novas questões problemáticas) que “a opção do legislador resolveu qualquer dúvida a respeito da forma de invocação de contracrédito por via judicial, implicando sempre a dedução de reconvenção”[19].
A questão relevante passa, então a ser a seguinte: a compensação só pode ser deduzida por via reconvencional; a AECOP não admite a reconvenção; pode invocar-se a compensação neste processo especial?
Colocando esta questão, Jorge Manuel Leitão Leal[20] chega à conclusão que transcrevemos: “5. Conclusão. A questão da alegabilidade da compensação de créditos em AECOP convoca a instrumentalidade do processo civil face ao direito substantivo, a relação entre o processo comum e os processos especiais, os limites da adequação formal. No ordenamento jurídico português a legalidade do processo é ainda regra, e o julgador, no exercício da adequação formal, não pode alhear-se dos fins do legislador ordinário quando este traça os concretos ritos processuais. O legislador português optou por impor à invocação da compensação, enquanto exceção perentória oponível ao crédito do autor, a forma processual da reconvenção. Mas existem modelos processuais que não comportam a reconvenção. Um deles é a AECOP (ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, prevista no Anexo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro). Ora, tal opção não deve, sob pena de violação do direito fundamental à jurisdição, negar ao devedor a possibilidade de invocar em juízo, contra o autor, o contracrédito que tenha perante ele. Em processos como a AECOP, em que a reconvenção não é admissível, o juiz não deverá, ao abrigo do poder-dever da adequação formal, autorizar que o devedor invoque o seu contracrédito em reconvenção. Contudo, o juiz deve admitir a invocação da compensação na contestação, enquanto exceção, possibilitando depois ao autor o exercício do contraditório[21] nos termos do n.º 4 do art.º 3.º do CPC. Desta forma o juiz cumprirá o poder-dever da adequação formal (admissão da dedução da compensação na contestação, fora da reconvenção), orientando o processo para a prossecução do direito substantivo (possibilidade do exercício do direito à compensação), sem frustrar o fim específico tido em vista pelo legislador ao construir o modelo da AECOP (não admissão da reconvenção, em vista à celeridade do processo)”.
A propósito da questão em análise, Miguel Teixeira de Sousa no Blog do IPPC (publicação de 26.04.2017)[22] refere o seguinte: “(...). Atendendo a que a admissibilidade da reconvenção se encontra regulada no art. 266.º CPC e considerando que este preceito se inclui nas disposições gerais e comuns do CPC, parece não se suscitar nenhumas dúvidas quanto à sua aplicação às AECOPs. Contra esta solução poder-se-ia invocar que o regime estabelecido no art. 549.º CPC quanto ao direito subsidiariamente aplicável aos processos especiais não vale para os processos especiais "extravagantes", isto é, para os processos regulados fora do CPC. É claro, no entanto, que não é assim. Em particular quanto às AECOPs, basta atentar em que o regime que consta do regime anexo ao DL 269/98 é insuficiente para as regular, pelo que é indiscutivelmente necessário aplicar, em tudo o que não esteja previsto nesse regime, o que consta do CPC. Contra aquela solução poder-se-ia também alegar que o regime das AECOPs -- nomeadamente, a sua tramitação simplificada e célere - não é compatível com a dedução de um pedido reconvencional pelo demandado. Sob um ponto de vista teórico nada haveria a objetar a este argumento, dado que a inseribilidade na tramitação da causa constitui um requisito (procedimental) da reconvenção. A ser assim, haveria que concluir que a reconvenção não é admissível nas AECOPs e que procurar soluções alternativas para a invocação da compensação nessas ações. Contra este argumento existe, no entanto, um contra-argumento de muito peso. É ele o seguinte: se não se admitir a possibilidade de o réu demandado numa AECOP invocar a compensação ope reconventionis, essa mesma compensação pode vir a ser posteriormente alegada pelo anterior demandado como fundamento da oposição à execução (cf. art. 729.º, al. h), CPC); ora, como é evidente, não tem sentido coartar as possibilidades de defesa do demandado na AECOP e possibilitar, com isso, a instauração de uma execução que, de outra forma, poderia não ser admissível. A economia de custos na AECOP traduzir-se-ia afinal num desperdício de recursos, ao impor-se que aquilo que poderia ser apreciado numa única acção tivesse de ser decidido em duas ações. Sendo assim, há que concluir que o demandado numa AECOP pode invocar a compensação por via de reconvenção. Se for necessário, cabe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (cf. art. 6.º e 547.º CPC) para ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
2. Uma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de exceção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte: - A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem; - A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de exceção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as exceções perentórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.º, n.º 2, CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa acção, não é possível invocar a exceção de caso julgado numa acção posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa acção, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa acção posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correta, porque é a única que evita as referidas consequências).
3. O que se disse a propósito da dedução da reconvenção para fazer valer a compensação vale para todos os outros casos em que, nos termos do art. 266.º, n.º 2, CPC, a reconvenção seja admissível na AECOP pendente” (sublinhado nosso).
E, no dia seguinte, Miguel Teixeira de Sousa faz nova publicação no Blog do IPPC[23], complementando a antes transcrita: “1. Na sequência de um post anterior importa esclarecer dois pontos. Um primeiro é o seguinte: a escolha quanto à alegação da compensação judicial nas AECOPs só pode ser entre a sua invocação através de reconvenção (como resulta do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC) e a não invocação da compensação nas referidas AECOPs. Dado que a reconvenção é a única forma prevista no CPC para a alegação da compensação nas ações declarativas, a opção nunca pode ser entre a invocação da compensação por reconvenção e a sua alegação por exceção. A admitir-se a invocação da compensação nas AECOPs, isso só pode suceder através da forma prevista no CPC. Qualquer outra forma de alegação da compensação -- nomeadamente ope exceptionis - implica uma interpretação corretiva do CPC, dado que determina a não aplicação da forma prevista no CPC para a invocação da compensação judicial nos processos declarativos. Em teoria, pode discutir-se se a compensação pode ser invocada nas AECOPs; mas, se se concluir que essa invocação é admissível, então só o pode ser através da forma prevista na lei. Recorde-se ainda que, tendo presente os poderes de gestão processual e de adequação formal que são concedidos ao juiz (cf. art. 6.º, n.º 1, e 547.º CPC), dificilmente se pode aceitar, hoje em dia, qualquer argumento baseado na inadequação da tramitação das AECOPs para justificar a inadmissibilidade da reconvenção nessas ações. Aliás, a alternativa por vezes sugerida - a invocação da compensação ope exceptionis - não se afasta significativamente, em termos de tramitação da ação, daquela que é exigida quando a compensação é alegada por via de reconvenção. Acresce que a solução reconvencional é a única que é coerente com o estabelecido no art. 848.º, n.º 1, CC, no qual se dispõe que a compensação se torna efetiva mediante declaração de uma das partes à outra. Dito de outro modo: a alegação da compensação judicial é um "ataque" do credor demandado (e é por isso que opera por via de reconvenção), e não uma "defesa" desse credor (e é por isso que não pode operar por via de exceção) (...)” (sublinhados nossos).
Tendo presentes as considerações anteriormente transcritas e o que vem sendo o progressivo entendimento jurisprudencial, entendemos que a compensação pode ser invocada numa AECOP, devendo sê-lo, necessariamente, por via reconvencional. É que a compensação, após a vigência do atual Código de Processo Civil, tem de ser feita por via da reconvenção e não enquanto exceção perentória, e a sua inadmissão representaria sempre uma violação do princípio da economia processual e um coartar do direito de ação do oponente, que não colhe justificação bastante na natureza célere e simplificada deste processo especial.
A questão que, ainda assim, importa equacionar – e no pressuposto de a reconvenção só poder ser admissível ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 266 do CPC, é a de saber se o recorrente, na sua oposição, invocou a compensação.
A compensação é uma das causas legalmente previstas[24] de extinção das obrigações (além do cumprimento) e mostra-se esclarecida no artigo 847 do CC, que enuncia os respetivos requisitos: “1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. 2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente. 3. A iliquidez da dívida não impede a compensação”.
A compensação não pode ser “feita sob condição ou a termo”, sob pena de ser ineficaz (artigo 848, n.º 2 do CPC), implica a reciprocidade dos créditos [1. A compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efetuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro. 2. O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respetivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor] como esclarecem os números 1 e 2 do artigo 851 do CC e mostra-se excluída nos casos previstos no artigo 853, ainda do CC [1. Não podem extinguir-se por compensação: a) Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos; b) Os créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem da mesma natureza; c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei o autorize. 2. Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado].
A compensação – referem-no Pires de Lima e Antunes Varela[25] – “é uma forma de extinção das obrigações em que, em lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta”.
Mário Júlio de Almeida Costa esclarece que a compensação, fundamentalmente, traduz-se “na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira. Representa um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos. Além disso, afigura-se equitativo não obrigar a cumprir quem seja ao mesmo tempo credor do seu credor, pois de outro modo correria o risco de não ver o respetivo crédito inteiramente satisfeito, caso se desse, entretanto, a insolvência da contraparte”[26].
Importa ter presente – como decorre do n.º 1 do artigo 848 do CC – que “a compensação não opera automaticamente (ipso iure), mas mediante declaração recetícia”[27].
Como refere Mónica Duque[28], “A compensação não opera automaticamente, sendo necessária a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos. Ao contrário do que sucedia na vigência do CC anterior (que adotava o sistema da compensação automática ou ipso iure, em termos similares aos formulados em França, em Itália e em Espanha), para que os dois créditos se considerem extintos, não basta que se verifiquem os requisitos fixados na lei para poderem ser compensados (situação de compensação), sendo necessária, para além disso, a manifestação de vontade de um dos credores/devedores no sentido da extinção (declaração de compensação)”.
Da referência à “extinção dos dois créditos recíprocos” ou mesmo da ineficácia da compensação se feita sob condição ou a termo (artigo 848, n.º 2 do CC) poderia resultar o entendimento da inadmissibilidade da invocação processual da compensação a título subsidiário. Não acompanhamos, porém, tal entendimento.
A propósito, transcrevemos as palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[29]: “A respeito da compensação e da reconvenção (se deduzidas a título subsidiário), alguma jurisprudência vem reiterando (de modo erróneo) a impossibilidade de o demandado invocar validamente a compensação sem reconhecer (previamente) o crédito que pretende ver compensado; questão que surge amiúde nas ações de dívida instauradas no domínio obrigacional/creditício. Olvidam, porém, que, de jure constituto, a compensação só pode ser deduzida através de pedido reconvencional. O réu pode invocar a compensação a título eventual ou subsidiário, deduzindo o pedido de extinção (total ou parcial) de um seu contracrédito, apenas para a hipótese de o crédito do autor vir a ser judicialmente reconhecido, sem que tenha existido da sua parte qualquer negação ou afirmação perentória da existência do crédito contra si reclamado (...)”.
Ana Taveira da Fonseca[30], por sua vez, e a propósito da ineficácia da declaração de compensação feita sob condição ou a termo, refere: “Esta situação não pode ser confundida com os casos em que se começa por contestar a existência de uma obrigação e, subsidiariamente, se invoca a compensação para o caso de se vir a considerar que esta existe (compensação eventual). Neste caso, não estaremos perante uma verdadeira condição, mas uma declaração feita sob reserva da verificação de um pressuposto essencial da compensação, ou seja, a existência da obrigação”.
Feitas as considerações precedentes, importa olhar à Oposição deduzida pela recorrente (e que, propositadamente, foi oportunamente transcrita) no sentido de saber se, efetivamente, foi nela invocada a compensação.
O nosso entendimento é que o não foi. Vejamos.
Pela Oposição deduzida, a requerida pretende a condenação da requerente no pagamento de determinada quantia que, concretamente, se refere ao tratamento dos resíduos e, a propósito da compensação, limita-se a citar um acórdão que sustenta ser a compensação deduzível por reconvenção, em sede de AECOP [A compensação de créditos nos processos no âmbito do regime do Decreto-lei n.º 269/98, de 1.9 deve ser feita por via da dedução de reconvenção – cfr. de entre outros o acórdão do tribunal da relação de Lisboa proferido no processo 72269/19.0YIPRT.L1-7 em que foi relator o Juiz desembargador Luís Filipe Pires de Sousa disponível em dgsi.pt]. Tal citação, porém, está longe de, per si, significar que a compensação haja sido pedida pela recorrente. Esta pretensão, de compensação, claramente não vem refletida no pedido formulado, condição mínima para que pudesse falar-se da invocação da pretensão a título de compensação.
Sintetizando, entendemos que a compensação pode ser deduzida em sede de AECOP, através de reconvenção. No entanto, no caso presente, o recorrente não deduziu compensação.
Entendemos, por outro lado – e diferentemente de Miguel Teixeira de Sousa (cf. ponto 3 da publicação referida na nota 22) - que a possibilidade de deduzir reconvenção numa AECOP só se justifica nos casos da alínea c) do n.º 2 do artigo 266 do CPC, ou seja, na invocação de compensação de créditos, atenta a natureza desta exceção perentória e a circunstância de, pela sua natureza e tramitação, a AECOP não admitir a dedução de reconvenção.
Assim, a dedução de reconvenção pela oponente, a qual, em rigor, se enquadra no disposto na alínea a) do já citado n.º 2 do artigo 266 do CPC, não seria de admitir.
Sucede que, no caso presente, tal como (também) sustenta a recorrente e se defende no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por si citado, do efeito da soma do valor da injunção ao valor da reconvenção é ultrapassado o montante de 15.000,00€, e há que aplicar a regra prevista no artigo 299 do CPC[31].
Dir-se-á que tal regra, definidora do valor da causa não pode levar a que, por ação do oponente/reconvinte (que pode “escolher o valor” da sua pretensão) a reconvenção passe a ser automaticamente admitida e o processo passe a seguir os termos do processo comum, pois a AECOP aplica-se à injunção com valor (pedido) até 15.000,00€.
Tal objeção, porém, não colhe. Com efeito, sempre será a parte a, necessariamente, quantificar o pedido que formula e dessa formulação/quantificação, retira a lei processual os legais efeitos. No caso presente, os pedidos são distintos e tem de ter aplicação o disposto no artigo 299, n.º 1 do CPC.
Mas, por ser assim, após a oposição, e somados aqueles valores, a ação deve seguir a forma correspondente ao processo comum. E, no processo comum, a reconvenção, mesmo a concretamente deduzida pela recorrente é admissível.
Neste sentido, o recurso revela-se procedente, e a decisão recorrida deve ser revogada.
Por não ter havido oposição da requerente, nem a mesma ter respondido ao recurso, as respetivas custas são devidas pela apelante, atento o benefício que retira do ora decidido.
IV – Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) em julgar procedente o recurso e, revogando o despacho recorrido, determina-se que a reconvenção deduzida seja admitida e os autos passem a ser a forma processual comum.
Custas pela apelante.
Porto, 11.11.2024
José Eusébio Almeida
Anabela Morais
Carlos Gil
________________ [1] Iniciadas com Decreto-Lei n.º 389/99, de 23/09 e culminadas na Lei n.º 117/2019, de 13/09. Entre aquele primeiro diploma e este último há que destacar o Decreto-Lei n.º 62/2013, que revogou o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17/02 e veio permitir a utilização do procedimento quando estejam em causa obrigações pecuniárias decorrentes de transações comerciais, sem limite máximo do respetivo valor. [2] Assim sustenta Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 8.ª Edição, Almedina, 2021, pág. 188): “Deduzindo a entidade requerida oposição, pode no seu âmbito deduzir reconvenção e nela invocar a compensação, verificados os respetivos pressupostos, visto que a empresa requerente de injunção, na ação transmutada, pode responder-lhe por via de réplica, nos termos do artigo 584.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”. [3] Como melhor se explicará a possibilidade de dedução de reconvenção, em sede de AECOP, só deverá colocar-se quando a mesma seja uma via para a dedução de compensação. Entendendo que o oponente, neste tipo de procedimento especial, não pode deduzir nem reconvenção nem sequer a exceção perentória da compensação, Salvador da Costa (A Injunção e as Conexas... cit., págs. 33/34) considera: “face ao regime geral previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, um dos casos de admissibilidade de reconvenção é aquele em que o réu pretende o reconhecimento de um crédito para obter a compensação no confronto do autor. (...) esta ação declarativa de condenação com processo especial, apenas com dois articulados, a petição inicial do autor e a contestação do réu, acantona a resposta do primeiro ás exceções deduzidas pelo último na própria audiência final. A sua estrutura, envolvida de ampla simplificação, com vista à respetiva celeridade, implica que o réu não possa deduzir reconvenção e, consequentemente, a referida compensação.” [4] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3.ª Edição, Almedina, 2022, págs. 136 e 154. [5] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, Almedina, 2022, pág. 334, anotação 1. [6] José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 5.ª Edição, GestLegal, 2023, pág. 148. [7] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil... cit., págs. 164. [8] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil... cit., pág. 335, anotação 4. [9] “II - Pretendendo a ré exercer o direito à compensação de créditos (e assim deixar de suportar, pelo menos em parte, o risco de insolvência da contraparte), a rejeição da reconvenção perfila-se como um prejuízo não menosprezável para aquela, cabendo, por outro lado, que não esquecer que o legislador civil facilita a invocação daquela forma de extinção das obrigações e que a celeridade é uma condição necessária, mas não suficiente, da Justiça”. [10] “Deduzindo oposição, a Requerida defendeu-se por exceção e, em reconvenção, pediu a condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de 22.792,93€ e a operatividade da compensação”. [11] “III - Com efeito, não faz sentido que se retire ao réu a possibilidade de numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção, quando essa mesma compensação poderá ser depois por ele invocada como fundamento de oposição à execução, conforme decorre do art. 729º, al. h) do Cód. do Proc. Civil”. [12] Divergentemente, José Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum... cit., págs. 159/161) e José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 520/522) sustentam que a melhor interpretação do preceito seria a de que, com ele, nada mudara... “não fora uma consequência prática que RAMOS FARIA – LUÍSA LOUREIRO apontam: com a supressão, pela Assembleia da República, da réplica em resposta às exceções, o autor só poderia pronunciar-se sobre a existência e o conteúdo da nova relação jurídica trazida ao processo pelo réu nos termos do art. 3-3, o que não é o mais conveniente para o bom desenrolar do processo. Daqui se retirará que o réu passou a ter, no caso da compensação, o ónus de reconvir, formulando o pedido de mera apreciação da existência do contracrédito, com base no qual pode fazer valer, em exceção, a extinção do crédito do autor” (págs. 161 e 522, respetivamente, das obras citadas). [13] Gabriela Cunha Rodrigues, “A injunção à luz das recentes alterações legislativas e das reflexões do Grupo de Trabalho constituído por Despacho de 24.5.2018”, in Julgar Online, dezembro de 2019, págs. 1 e ss., a pág. 15. [14] Reconvenção e Exceção no Processo Civil, Almedina, 2009, págs. 297 e ss, a pág. 297. [15] João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7.ª Edição (14.ª Reimpressão), Almedina, 2022, págs. 221/222 e 218. [16] Reconvenção e... pág. 338. [17] Não deixando de criticar a solução do novo CPC, mas reconhecendo a sua inequívoca consagração, Ana Taveira da Fonseca (Da Recusa de Cumprimento da Obrigação para Tutela do Direito de Crédito, Almedina, 2015, pág. 462) deixou dito: “Não podemos, por conseguinte, deixar de discordar da solução constante do denominado Novo Código de Processo Civil. Aí se prevê que a reconvenção é admissível quando o réu pretender o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o valor em que o crédito invocado excede o do autor (art. 266.º, n.º 2, al. c), do CPC). Pelo exposto, não podemos deixar de criticar esta inflexão relativamente àquela que era a solução adotada, até aqui, pela doutrina e jurisprudência dominantes. Num sistema em que o devedor pode extinguir extrajudicialmente uma obrigação através de uma declaração de compensação, qual o sentido de exigir o recurso á reconvenção, se este mesmo devedor pretender invocar judicialmente a compensação?”. [18] Processo Civil Declarativo, 3.ª Edição, Almedina, 2020, págs. 212/213. [19] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil... cit., pág. 336, anotações 8. e 9. [20] “AECOP, compensação e gestão processual”, in Revista Eletrónica de Direito (RED) – Junho/2021 – N.º 2 (Vol. 25), U. PORTO, págs. 185 e ss., a pág. 205. [21] Sublinhado nosso. [22]https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2017-05-04T07:30:00%2B01:00&max-results=12&reverse-paginate=true [23]https://blogippc.blogspot.com/search?updated-max=2017-05-02T18:29:00%2B01:00&max-results=12&reverse-paginate=true [24] Referimos a compensação legal, pois é essa que aqui se equaciona. Diga-se, ainda assim, que a compensação pode ser convencionada entre as partes: compensação convencional. [25] Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, 1986, pág. 135. [26] Direito das Obrigações, 12.ª Edição (7.ª Reimpressão), Almedina, 2019, pág. 1099. [27] Tiago Azevedo Ramalho, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, Ana Prata (Coord.), Almedina, 2021 (Reimpressão), pág. 1103. [28] Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, Coordenação José Brandão Proença, Universidade Católica Editora, 2019, pág. 1270, anotação 4. [29] Direito Processual Civil... cit., págs. 171/172 [30] Da Recusa de Cumprimento... cit., pág. 457. [31] A propósito do valor da causa – e inerente pagamento das custas -, não deixa de ser pertinente a observação de Antunes Varela quando referia, ainda que a propósito da compensação: “precisamente porque a compensação envolve a apreciação de uma relação jurídica inteiramente distinta e autónoma da relação creditória na qual se apoia o pedido formulado pelo autor (...) Podem destacar-se, a mero título de exemplo, as relativas á competência e às custas do processo. (...) De igual modo, não parece razoável determinar o valor da ação para efeito de custas apenas em função do pedido do autor, sendo certo que a atividade jurisdicional do estado se estendeu, de facto, às duas relações jurídicas distintas, autónomas e contrapostas que o tribunal teve de apreciar e julgar”( Das Obrigações... cit., pág. 224).