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PERSI
CONSUMIDOR
APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário
da responsabilidade do relator (art.º 663º nº 7 do Código de Processo Civil): I- O Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), instituído pelo Decreto-Lei nº 272/2012, de 25/10 é aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito. II- O PERSI constitui uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (artºs. 14º a 17º do Decreto-Lei nº 272/2012, de 25/10). III- Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito (art.º 18º nº 1, al. b) do Decreto-Lei nº 272/2012, de 25/10). IV- Sendo intentada acção com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos requeridos.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
1- Em 11/4/2017, LR apresentou-se à insolvência.
2- Por sentença proferida em 12/4/2017, foi declarada a insolvência da devedora.
3- Por despacho de 19/9/2017, o Processo de insolvência foi declarado encerrado e foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo da insolvente.
4- Em 15/12/2022, foi proferido despacho a declarar a exoneração do passivo restante, por ter a insolvente cumprido as obrigações a que se obrigou no respectivo período.
5- A credora “C…, S.A.”, adquirente do imóvel apreendido nos autos, veio por várias vezes requerer que lhe fosse entregue tal imóvel, na sequência do despacho de 18/03/2022 que ordenou a entrega judicial do mesmo.
6- Tal entrega não se veio a concretizar.
7- Com data de 26/1/2024, veio a insolvente requerer que fosse “declarada a extinção da execução, absolvendo-se a executada da instância e do pedido, com natural revogação da penhora bem como da adjudicação/venda”, isto por não ter sido previamente incluída no PERSI pela credora “C…, S.A.”.
8- A credora “C…, S.A.” defendeu a improcedência de tal pretensão “por inadmissível e sem qualquer fundamento legal”.
9- Na sequência de tais requerimento e oposição, foi proferido em 18/4/2024 o seguinte despacho: “Vem a insolvente requerer que seja declarada a extinção da execução, absolvendo-se a executada da instância e do pedido, com natural revogação da penhora bem como da adjudicação/venda. Tendo em consideração que os presentes autos são de insolvência e não de execução e não se encontrando em causa qualquer penhora, indefere-se o requerido por manifestamente improcedente. Sem custas, atenta a simplicidade da decisão. Notifique”.
10- Inconformada com tal decisão, dela recorreu a insolvente, para tanto apresentando as suas alegações, com as conclusões que se seguem: “1ª Tal como decorre do Ac. STJ de 9/02/2017 no Proc. 194/13 durante o período entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento a instituição de crédito não pode instaurar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito, o mesmo se devendo considerar quanto à reclamação de créditos na insolvência do devedor hipotecário. 2ª A instituição de crédito mutuantes deve informar o cliente da ocorrência de uma situação de mora e dos montantes vencidos em dívida, procurando obter informações acerca das razões subjacentes ao incumprimento; e, caso esse incumprimento se mantenha, integram, obrigatoriamente, o cliente no PERSI entre o 31º dia e 60º dia subsequentes à entrada em mora; 3ª Recorde-se que, muito antes de 2012, através DL 349/98, art.º 7º B, n.º 1, estabelecia-se que os mutuantes apenas podem proceder à resolução ou a qualquer a outra forma de cessação do contrato de crédito após três prestações vencidas e não pagas pelo mutuário, acrescentando-se que o incumprimento parcial da prestação não é considerado desde que… 4ª A questão que se coloca desde logo é a de saber tal imposição normativa em vigor desde 1998, era ou não do conhecimento oficioso entendendo a Recorrente que tal questão deveria ter sido conhecida de forma oficiosa pelo Tribunal quando deu entrada a reclamação de créditos apresentada pela “C…, S.A.” enquanto instituição hipotecária. 5ª Aliás, nos termos da correspondente Diretiva foi imposto aos Estados-Membros adotar medidas que determinem uma ponderação adequada antes de intentarem processos de execução ou de apresentarem reclamações de créditos hipotecários. Será que foi exigida prova da tentativa da instituição bancária de evitar ir para Tribunal? Foi exigida prova da interpelação do fiador? etc… como condição de procedibilidade. 6ª Não restam dúvidas de que o regime do PERSI instituído em 2012 já tinha consagração legal antes de 2012. Aliás, por força da Diretiva Comunitária (Directiva nº 2014/17/EU) através da qual as instituições financeiras ficaram obrigadas a acompanhar de forma permanente e sistemática a execução dos contratos de créditos dos seus clientes, com vista a detetar eventuais indícios de riscos de incumprimento, cabendo-lhes implementar um plano de reestruturação ou um modelo de negociação, não estando dependente de qualquer pedido formulado pelo mutuário. 7ª Efectivamente, na data da instauração da execução já se encontrava em vigor a obrigação legal de a instituição financeira dar cumprimento, sem nada ser solicitado, aos deveres de informação e comunicação os quais não tendo sido alegados nem demonstrado o seu cumprimento deveria ter conduzido ao despacho de ineptidão da reclamação de créditos – de conhecimento oficioso – o que não teve lugar e apesar do tempo decorrido ainda podem e devem ser suscitados. 8ª Temos assim que enquanto o mutuante não proporcionar ao devedor consumidor a oportunidade para encontrar uma solução extrajudicial, tendo em vista a renegociação ou a modificação do modo de cumprimento da divida, não lhe é permitido o recurso à via judicial para fazer valer o seu crédito. 9ª Ora, a instituição financeira não só não demonstrou na reclamação de créditos ter dado cumprimento a essa obrigação como também não notificou o fiador, sendo que também com base em tal omissão deveria a reclamação ter sido (oficiosamente) liminarmente indeferida omissão essa que não é da responsabilidade da Recorrente, não obstante o tempo decorrido. 10ª Aliás, dir-se-á que a insolvente qual executada já deveria ter entregue as chaves, mas como pode tal entendimento ser compatível a omissão dos referidos deveres por parte da instituição financeira, excepção essa que é do conhecimento oficioso? 11ª E como pode a adquirente “C…, S.A.” que não ponderou aquando da compra, por um valor manifestamente inferior ao de mercado? 12ª Mais, adquiriu uma casa sabendo que estava ocupada, afigurando-se que uma família não tem mais direitos do que a outra! 13ª Aliás, a adquirente assumiu uma posição semelhante à de uma cessionária, verificando-se que através dessa compra pretendeu-se alcançar o que era proibido, resultando do Dl 227/22, de 25/10, artigos 14º, 16º e 18º – em vigor na data da compra pela “C…, S.A.” e – proíbe a cessão total ou parcial do crédito ou a transmissão a terceiro da posição contratual na vigência do PERSI. 14ª Aliás, admitir a Exma AI a prosseguir com a apreensão (penhora) ainda que com base em alegada lacuna não é mais do que deixar entrar pela janela o que se impediu de entrar pela porta, contornando a intenção que esteve subjacente ao regime criado pelo DL nº 227/2012, de 25/10, configurando tal solução uma clara fraude à lei que nada tem a ver com a posição da ora Recorrente. 15ª A lógica do Tribunal a quo reside em considerar que nunca se poderá pôr em causa a cobrança de um crédito, ainda que o procedimento subjacente adjudicação tenha violado flagrantemente normas imperativas, uma vez que o Tribunal a quo coloca as regras da iniciativa privada, da livre transmissibilidade da propriedade, da concorrência e da estabilidade do mercado acima de quaisquer outros interesses! 16ª Pelo contrário, regime instituído nos artigos 14º a 16º e 18º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, não permite outro entendimento que não seja o de que o legislador pretendeu impedir a cessão de créditos e a instauração de uma acção de execução e naturalmente da reclamação de créditos hipotecários antes da integração do devedor/insolvente em incumprimento no PERSI e durante a sua execução; sendo assim ininteligível a alegação de que a excepção em causa apenas pode ser invocada no processo executivo. 17ª Naturalmente que perante a alegação da excepção a instituição bancária deveria vir aos autos alegar e sobretudo fazer prova com junção do talão do registo do CTT da carta a comunicar que perante o sinal de incumprimento o mutuário tinha o direito ou período de carência de 4 anos com pagamento apenas da parte relativa aos juros. 18ª A instituição bancária hipotecária notificada da excepção nada veio dizer e muito menos juntar em termos de prova documental, sendo certo que foi notificada através do mandatário. 19ª A doutrina tem sido unânime a considerar que perante essa falta de alegação e sobretudo de prova, sejam consideradas como demonstração do incumprimento da norma imperativa sobre a instituição bancária. 20ª Demonstrado o incumprimento da norma imperativa encontra-se evidenciada a aplicação das denominadas excepções dilatórias contempladas no art.º 578º do CPC, as quais são de conhecimento oficioso, com efeitos à data da reclamação de créditos ao abrigo do normativo da Defesa do Consumidor. 21ª Sendo do conhecimento oficioso, não está sujeita a qualquer preclusão, ou seja, pode ser invocada e declarada a todo o momento, e diríamos nós qualquer que seja a fase do processo pois que de outra forma a instituição bancária incumpridora passaria a ser beneficiaria da violação. 22ª Ao contrário da decisão recorrida, há muito que o Tribunal da 1ª instância – por se tratar de excepção de conhecimento oficioso – devia ter apreciado e verificado a excepção dilatória da inominada de preterição do PERSI. 23ª Assim, é absolutamente irrelevante que o prazo de contestação da reclamação de créditos tenha ou não sido precludido pois que o conhecimento oficioso e o carácter imperativo da excepção em causa não se compadecem com a preclusão do prazo de contestação… 24ª Sendo, aliás, irrelevante se já teve lugar ou não alguma transmissão pois que na prática o imóvel nunca deixou de estar na posse da Recorrente em conjunto com a irmã e sobrinhos! 25ª Ora, no caso em apreço não é essa a questão nem se trata de indeferimento preliminar nem de aperfeiçoamento do requerimento executivo, mas tão só do conhecimento da excepção dilatória e da absolvição da instância, naturalmente com consequências na nulidade de adjudicação pela instituição hipotecária. 26ª Por outras palavras, o conhecimento da excepção não visa qualquer aperfeiçoamento do requerimento executivo pois que não se pode aperfeiçoar a falta de uma notificação formal pois que o não envio da carta registada não pode ser suprido com o aperfeiçoamento do… 27ª Não está em causa o aperfeiçoamento do requerimento executivo nem o indeferimento preliminar pois que o indeferimento preliminar é passível de suprir deficiências e apresentar novo requerimento e como já vimos a questão não se resolve com suprir deficiências mas tão só com aplicar uma sanção à instituição bancária que violou uma norma imperativa, e que não pode com base na violação ser beneficiada com novas oportunidades. 28ª Resulta do despacho recorrido que a recorrente reclamou e arguiu a nulidade da penhora/apreensão e da venda. Perante tal arguição de nulidade era suposto que o Meritíssimo Juiz proferisse despacho liminar e consequente determinação de suspensão imediata dos atos de insolvência. 29ª Aliás, também era suposto que o Tribunal ordenasse a notificação da Reclamante Hipotecária para se pronunciar sobre a arguição de nulidade da penhora e da venda e pedido de extinção da instância. 30ª Mais, quanto a dúvidas sobre o realojamento as mesmas foram colocadas de forma expressa tendo sido arroladas testemunhas destinadas a fazer prova da impossibilidade de realojamento, desconhecendo-se as razões da recusa de inquirição (art.º 861º nº 6 do CPC). Nestes termos e nos demais de direito doutamente supridos deve o presente recurso ser admitido, julgado procedente por provado revogando-se o despacho recorrido e declarando-se absolvição da insolvente da instância e consequente nulidade da adjudicação pela “C…, S.A.”, se fará Justiça”.
11- Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – Fundamentação
a) A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório deste Acórdão, para o qual se remete.
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b) Como resulta do disposto nos artºs. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Assim, perante as conclusões das alegações do recorrente, as questões em recurso são as seguintes:
-Saber se previamente à instauração da acção estava a credora “C…, S.A.” obrigada a recorrer ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
-Em caso afirmativo, quais as consequências de tal eventual omissão.
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c) Vejamos a primeira questão, ou seja, verificar se a credora “C…, S.A.” estava obrigada a recorrer ao PERSI.
A recorrente insurge-se contra a decisão que indeferiu o seu pedido de “extinção da execução, absolvendo-se a executada da instância e do pedido, com natural revogação da penhora bem como da adjudicação/venda”.
Argumenta aquela que a preterição do PERSI configura uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a sua absolvição da instância.
Ora, a propósito de questão similar, consta do Acórdão da Relação de Lisboa de 12/10/2021 (Procº 4270/21.2 T8SNT-B.L1, Relatora Renata Linhares de Castro, consultado na “internet” em www.dgsi.pt): “Como consta do preâmbulo do Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro (diploma a que nos estaremos a referir quando forem citados artigos sem menção da sua origem), visa o mesmo “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários””. “A par de um plano de acção para o risco de incumprimento (PARI), traduzido em procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito, foi definido um procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), “no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor””. “Este diploma – que foi desenvolvido através do Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012, de 17 de dezembro – introduziu, assim, na nossa ordem jurídica, princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários (susceptíveis de serem qualificados como consumidores para efeitos da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho) e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações (vide, Portaria nº 2/2013, de 2 de janeiro)”. “Entrou o mesmo em vigor em 01/01/2013 – artigo 40º – ou seja, em momento muito anterior àquele no qual ocorreu o incumprimento por parte dos requeridos”. “Considerando que o imóvel que serve de garantia ao contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a requerente e os requeridos corresponde à casa de morada de família dos segundos (habitação própria e permanente), dúvidas inexistem quanto a estarem os mesmos abrangidos pelo regime consignado no citado Dec. Lei – como prescreve o artigo 2º, na sua primitiva redacção (à data em vigor e aqui aplicável face ao disposto no artigo 12º, nº 2, do Código Civil, sendo à mesma que nos estaremos a referir ao longo do presente acórdão): “1 – O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários: a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para o arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria; b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel; (…)””. “Porque pertinente, veja-se que o artigo 4.º determina: “1 – No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa. 2 – Os clientes bancários devem gerir as suas obrigações de crédito de forma responsável e, com observância do princípio da boa fé, alertar atempadamente as instituições de crédito para o eventual risco de incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito e colaborar com estas na procura de soluções extrajudiciais para o cumprimento dessas obrigações””. “Nestes casos, ocorrendo, por parte dos clientes bancários, mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, as instituições têm obrigatoriamente de os integrar no PERSI – artigos 12º e 14º – por forma a viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial (privilegiando-se, assim, a renegociação do contrato)”. “O início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações: a) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31º e 60º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa – artigo 14º, nº 1; b) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14º, nº 2, al. a); e c) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14º, nº 2, al. b)”. “Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: a) uma fase inicial – artigo 14º, b) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15º, e c) uma fase de negociação – artigo 16º”. “O mencionado objectivo em alcançar um consenso extrajudicial sai reforçado pelo próprio teor do artigo 18º, segundo o qual, “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (…)””. “Ou seja, a acção judicial apenas poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI”. “Tecidos estes breves comentários, vejamos o que, na sentença recorrida, se escreveu quanto a esta matéria”. “Na mesma defendeu-se que a integração do cliente bancário no PERSI e a conclusão do procedimento são “condição de admissibilidade da instauração da acção, no caso, executiva, não podendo prosseguir acção que tenha sido instaurada sem a conclusão do PERSI”, bem como que “No caso dos autos, o contrato celebrado entre a requerente e os requeridos encontrava-se em vigor à data de entrada em vigo do DL 227/2012 e as obrigações em causa venceram-se pelo menos em 2018, estando, portanto sujeito ao seu regime””. “Contudo, sustentando-se no entendimento defendido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2017 (Processo nº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, relatado por Fernanda Isabel Pereira), refere o tribunal a quo que “já antes do incumprimento que levou à resolução do contrato, o mesmo havia sido reestruturado, em 2008, na sequência de anteriores incumprimentos”. ““Ou seja, houve tentativas e negociações com vista à resolução da situação de incumprimento, que não lograram atingir um resultado positivo, pelo que, socorrendo-nos do entendimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão supra referido, entendemos que, não obstante a não integração formal dos requeridos no regime do PERSI, as suas legais e legítimas expectativas não se mostraram goradas por tal falta, visto não terem os mesmos sido privados de diligências de resolução da sua situação, que não se chegaram a bom porto, por incapacidade financeira dos requeridos””. ““Consequentemente, entende-se que, no caso, a não sujeição a PERSI não era impedimento para que a requerente intentasse a presente acção.
Concluindo-se pela legitimidade da requerente e pelo não relevo da não sujeição dos contractos ao regime do PERSI, (…)””. “Ora, face às concretas circunstâncias do presente litígio, desde já se dirá não se subscrever tal posição”. “Tendo a requerente intentado acção com vista à declaração de insolvência dos requeridos, sem que previamente tenha cumprido com a obrigação de os integrar no PERSI (nos moldes decorrentes do Dec. Lei n.º 227/2012) - como, aliás, a própria apelada reconhece não ter sucedido – estar-se-á, perante uma violação, por omissão, de normas imperativas, a saber, os artigos 14º e 18º, nº 1, al. b)”. “Tal imperatividade resulta do teor dessas mesmas normas – no artigo 14º refere-se expressamente que “o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI” e no artigo 18º consigna-se que “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de (…) intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” – a que não é alheio o fim de cariz social visado pelo diploma no seu preâmbulo – “adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes e a redução dos níveis de endividamento das famílias”; “prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”; “adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários””. “Tal omissão, como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência (pese embora, na quase globalidade dos casos, em sede de acções executivas), configura uma excepção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, que impede ab initio a instauração de acções judiciais e que, como tal, terá de acarretar a absolvição da instância dos requeridos – artigos 576º, nº 2, 577º e 578º, todos do CPC, ex vi artigo 17º do CIRE”. “(…)” “Este entendimento, defendido para a acção executiva, terá necessariamente de ser válido para a acção na qual a instituição de crédito venha peticionar a declaração de insolvência do mutuário consumidor”. “Com efeito, representando o processo de insolvência a execução universal, também no mesmo se visa, em última escala, por efeito da liquidação do património do devedor, a satisfação dos credores (nestes se incluindo as instituições de crédito relativamente a clientes que se encontrem em situação de mora ou de incumprimento) – como se estatui no artigo 1º, nº 1, do CIRE, “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores””. “Incumbia, pois, à requerente, previamente à instauração da presente acção, ter promovido pelas necessárias diligências inerentes à implementação do PERSI – cfr. artigos 12º, 13º e 14º, nº 1, do DL”. “Aliás, dir-se-á, a requerente já assim deveria ter procedido em momento anterior àquele no qual veio a intentar a execução que moveu contra os requeridos”.
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d) Ora, “in casu” verifica-se que, em bom rigor, não ocorreu qualquer acção da credora “C…, S.A.” que possa configurar a necessidade de recurso a PERSI prévio ao processo.
Com efeito, é certo que a referida credora tinha um crédito sobre a recorrente, com origem num contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel apreendido (e, entretanto, adjudicado à “C…, S.A.”.
Porém, há que não esquecer, e em primeiro lugar, que não foi a credora quem recorreu ao presente processo de insolvência (“processo de execução universal”, como acima ficou definido), sendo a própria devedora a apresentar-se à insolvência.
Em segundo lugar, refira-se que no articulado inicial, entrado em juízo há cerca de sete anos e meio, mais precisamente em 11/4/2017, a própria insolvente quedou-se pelo silêncio em relação à inexistência do PERSI.
Em terceiro lugar, em bom rigor, não se pode dizer que a credora veio reclamar o seu crédito, pois foi a própria apelante que, sem qualquer restrição, apontou aquela na petição inicial como sendo um dos seus principais credores, indicando o montante em dívida e a garantia que acompanhava o crédito. Surgir a “C…, S.A.” como credora verificada e graduada no respectivo apenso de Reclamação de Créditos (Apenso “A”), mais não é do que uma consequência da indicação daquela como credora feita no Processo Principal pela apelante.
Ou seja, o caso “sub judice”, apresenta as particularidades acima expostas, que nos levam a concluir não ser aplicável o disposto no art.º 18º nº 1, als. b), c) e d) do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10 (“No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: (…) b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual”).
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e) Diremos mesmo, e na esteira da decisão proferida no Acórdão do S.T.J. de 9/2/2017 (Procº nº 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, Relatora Fernanda Isabel Pereira, consultado na “internet” em www.dgsi.pt), que a pretensão da recorrente assume contornos de abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” (cf. art.º 334º do Código Civil).
Vejamos algumas circunstâncias que não podem deixar de nos causar bastante perplexidade:
-A apelante apresentou-se à insolvência em 11/4/2017, indicou a “C…, S.A.” como uma das principais credoras, mas não fez qualquer referência à inexistência do PERSI.
-Foi proferida Sentença no Apenso “A”, a julgar verificado e graduado o crédito da “C…, S.A.”, mas a recorrente não se opôs ao requerimento inicial apresentado pela Administradora da Insolvência, nem recorreu da Sentença.
-A recorrente, em 14/12/2021, no Processo Principal, apresentou um requerimento onde informou que já havia procedido, em 31/1/2018, à entrega das chaves à “C…, S.A.”, facto que esta confirmou em requerimento entrado nos autos também em 14/12/2021, esclarecendo que o imóvel não se encontrava desocupado pelo que tinha solicitado, desde Março de 2019, que a Administradora da Insolvência prestasse a sua colaboração no sentido de fazer cessar tal ocupação. Nunca a insolvente invocou a inexistência do PERSI para não proceder à entrega do imóvel.
-Para obstar à entrega do imóvel, veio a apelante, por requerimento de 29/5/2023, solicitar a suspensão da entrega do mesmo, com fundamento na legislação que introduziu no ordenamento jurídico medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-Cov-2 e pela doença Covid-19 (art.º 6º-E, nº 7, al. c) da Lei nº 1-A, /2020, de 19/3), dizendo estarem suspensos os actos da execução da entrega do locado arrendado, no âmbito das acções de despejo, bem sabendo que não se encontrava numa casa arrendada. Mais uma vez, defendeu-se sem aludir à inexistência prévia do PERSI.
-Apenas em 26/1/2024, quase sete anos após se apresentar à insolvência, é que a recorrente veio “arguir a nulidade da penhora e da venda” (sic), defendendo que “deve ser declarada a extinção da execução, absolvendo-se a executada da instância e do pedido, com natural revogação da penhora bem como da adjudicação/venda” (sic), tudo isto com base na inexistência do PERSI. Ora, estranha-se vir a apelante pedir a nulidade da penhora (acto que inexiste em Processo de Insolvência), a extinção da execução (qual execução?) a absolvição da executada (ela é insolvente ou devedora, mas não executada) da instância e do pedido (simultaneamente?).
Para concluirmos, diremos que muito se estranha nunca ter a recorrente aludido à ausência de PERSI prévio à insolvência e só depois decorridos muitos trâmites (e de ter obstado continuamente à entrega do imóvel com diversos argumentos) é que veio alegar aquele circunstancialismo que, como vimos, não é passível de ser invocado “in casu”.
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f) Resumindo: Não estava a credora “C…, S.A.” obrigada a recorrer ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
Assim sendo, mostra-se prejudicado o conhecimento da segunda questão em recurso (quais as consequências da omissão de recurso ao PERSI), pois só haveria lugar a tal em caso de resposta afirmativa à primeira questão.
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g) Assim, e em conclusão, diremos que nos merece total acolhimento a decisão proferida em primeira instância, impondo-se a improcedência das questões suscitadas e, consequentemente, do recurso.
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III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso confirmando na íntegra a decisão recorrida.
Custas: Pela recorrente (art.º 527º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator
Lisboa, 12 de Novembro de 2024 Pedro Brighton Nuno Teixeira Paula Cardoso