CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
INÍCIO DO CUMPRIMENTO
Sumário

O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor só se inicia com o terminus da pena principal de prisão a que o arguido esteve sujeito, ainda que cumprida em regime de permanência na habitação, ou seja, com a restituição do arguido à liberdade.

Texto Integral



ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo sumário nº 434/22.0GBABF, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 3, submetido a julgamento por acusação do M.P. foi o arguido J, condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos Artsº 292 nº1 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão a cumprir em regime da permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 16 (dezasseis) meses.

Por despacho de 23/01/24, foi declarada extinta tal pena pelo seu cumprimento.

Em 19/05/24, foi proferido o seguinte despacho (transcrição):
Considerando que o arguido,
Entregou a sua carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 16 meses em 16/06/2023, quando estava (então sem autorizações de ausência da residência) em cumprimento de prisão em regime de permanência na habitação (fls. 145 e 152), período temporal (de privação total da liberdade) que não conta para o prazo da pena acessória (art. 69º nº 6 do CP),
Mas passou a ter autorização para se ausentar da residência (quando o título estava apreendido à ordem dos autos), 6 dias por semana, entre 31/10/2023 e o termo da pena a 11/01/2024 (fls. 162 e 166),
Conclui-se que o mesmo cumpriu, durante o período em que esteve em cumprimento da prisão em RPH, 63 dias da pena acessória a que foi condenado.
Assim sendo, considerando o remanescente de 13 meses e 27 dias que faltava cumprir na data em que o arguido recuperou a liberdade, o termo da pena acessória ocorrerá em 10/03/2025.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o MP, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):
1. O Ministério Público discorda do despacho judicial proferido nos autos (Ref.ª 98713727), no qual o Exmo. Juiz a quo interpretou de forma restritiva o artigo 69.º, n.º 6 do Código Penal, determinando que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, em parte, fosse cumprida simultaneamente com a pena principal de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica quanto ao dias de saídas autorizadas ao arguido para trabalhar;
2. Este despacho contraria o princípio da legalidade e o disposto no artigo 69.º, n.º 6 do Código Penal, bem como o efeito contínuo da pena acessória previsto nos artigos 500.º, n.º 4 do Código de Processo Penal e 138.º, n.º 4 do Código da Estrada. Estes dispositivos estabelecem que o início da execução da pena acessória deve ser suspenso durante o cumprimento de uma pena privativa de liberdade, devendo começar quando o arguido for restituído à liberdade.
3. A execução das penas acessórias de inibição de conduzir deve ser cumprida após o término da pena principal de prisão, respeitando o seu caráter contínuo e o efetivo cumprimento da pena acessória;
4. Além disso, considerando a letra e o espírito da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, e as circunstâncias que a fundamentam — especialmente a introdução da redação atual do artigo 43.º do Código Penal (regime de permanência na habitação como forma de execução da pena de prisão), a eliminação da pena de prisão por dias livres e a manutenção da redação do artigo 69.º, n.º 6 —, conclui-se que o legislador pretendeu manter inalterada a contagem da pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 6, suspendendo a contagem durante o cumprimento da pena privativa de liberdade;
5. “A suspensão da contagem das penas acessórias durante a execução de penas privativas de liberdade visa evitar uma duplicação de sanções que não corresponde à efetiva retribuição dos comportamentos ilícitos."
6. O regime de permanência na habitação, conforme disposto no artigo 43.º do Código Penal, não constitui uma pena autónoma, mas sim uma forma de execução da pena de prisão, mantendo sua natureza privativa de liberdade mesmo durante as ausências autorizadas da residência. Por essa razão, esses períodos não são descontados no cumprimento da pena principal, impedindo assim o cumprimento simultâneo das penas, conforme elucidado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de janeiro de 2018 (Processo n.º 243/16.8JAPRT.L1-3), que enfatiza que "o regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, deve ser considerado como cumprimento efetivo da pena de prisão, não permitindo a simultaneidade com penas acessórias que exigem um período contínuo de cumprimento."
7. A interpretação restritiva do artigo 69.º, n.º 6, sustentada no despacho recorrido, resulta em um desconto injustificado para o condenado, ao subtrair do período da pena acessória todo o tempo correspondente à privação de liberdade, durante o qual o condenado estaria impedido de conduzir. Assim, não se alcançam as finalidades subjacentes à sua aplicação, pois não representa um verdadeiro sacrifício para o condenado, conforme sublinhado pela jurisprudência e doutrina que defendem a necessidade de um cumprimento efetivo e contínuo das penas acessórias para que cumpram sua função dissuasora e retributiva.
8. A ausência de fundamento legal suscita questões quanto à certeza e segurança jurídicas, podendo também criar situações de desigualdade no cumprimento da referida pena, dependendo da interpretação do julgador, em violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.
9. Deve pois, tal despacho ser revogado, porquanto violou o Tribunal a quo, os critérios contidos nos arts. 69.º, n.º 6 (anterior redacção) do Código Penal, 479.º e 500.º do Código de Processo Penal e determinar-se que a contagem do prazo da pena acessória só teve início após o terminus do cumprimento da pena de prisão pelo arguido.

C – Resposta ao Recurso

O arguido respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, não tendo apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pelo provimento do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 ( neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria ) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim sendo, importa tão só apreciar se existe razão ao recorrente quando entende que a contagem do prazo para cumprimento da pena acessória em que o arguido foi condenado apenas deverá ter início após o terminus do cumprimento da respectiva pena de prisão.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, eminentemente jurídica, afigura-se que a razão assiste, por inteiro, ao recorrente.
Nos presentes autos o arguido foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelos Artsº 291 nº1 e 69 nº1 al. a), ambos do C. Penal, na pena de 9 meses de prisão, a ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 16 meses.
Antes de mais, há que não olvidar que, em linguagem técnico-jurídica, a sanção acessória de inibição de conduzir anda associada às contraordenações estradais e tem natureza administrativa, ao passo que a proibição de conduzir prevista no Artº 69 do C. Penal constitui uma verdadeira pena acessória.
Na verdade, pese embora o conteúdo material seja idêntico – ambas se traduzem na proibição de conduzir veículos automóveis – a sanção acessória de inibição de conduzir prevista no Artº 138 do C. Estrada, aplicável às contraordenações graves e muito graves (Arts 145 e 146 do mesmo Código, respectivamente) tem natureza administrativa (tal como os ilícitos de mera ordenação social a que se aplicam), ao passo que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no Artº 69 do C. Penal constitui uma pena criminal (sendo esta a da natureza da infracção que lhe dá origem).
Na situação dos autos, estamos pois na presença de uma verdadeira pena acessória, tal como está prevista no Artº 69 do C. Penal.
São duas reacções sancionatórias distintas – a do Artº 69 nº1 do C. Penal e a Artº 139 do C. Estrada – sendo que a primeira, por resultar da prática de um crime e estar associada a uma pena criminal não pode ser suspensa na sua execução nem ser substituída por outra, desde logo por a sua teologia se desviar da apontada pela pena principal – que visa os propósitos do Artº 40 nº1 do C. Penal – tentando prevenir a perigosidade do respectivo condutor.
Aqui, a pena acessória resulta da prática de um crime - previsto no Artº 292 nº1 do C. Penal – e não, da prática de uma contraordenação, onde, por força do estatuído no Artº 142 nº1 do C. Estrada, a sanção de inibição de conduzir poderia ser suspensa na sua execução, eventualmente condicionada ao cumprimento de determinadas obrigações.
Contudo, sendo consequência da prática de um crime, de entre as penas - principais ou acessórias - previstas no C. Penal, a única que admite ser suspensa na sua execução é a de prisão não superior a 5 anos.
Em suma: não é susceptível de ser suspensa na sua execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, aplicada pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, mesmo que mediante caução de boa conduta, nem a sua execução pode ser diferida ou fraccionada no tempo para, por exemplo, ser cumprida no período de férias do condenado ou aos fins-de-semana, nem sequer se admite a suspensão de tal pena acessória por qualquer outra pena, designadamente, a de trabalho a favor da comunidade.
Nesta medida, mal se compreenderia que o regime da pena acessória fosse mais brando nas consequências e menos rígido nas permissões, que aquele que decorre da sanção acessória administrativa.
Acresce que o Artº 500 do CPP estipula, no seu nº4, que “A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”, o que inculca a ideia que a pena acessória de inibição de conduzir é de cumprimento contínuo e universal, não estando legalmente contempladas quaisquer excepções no que concerne à possibilidade de conduzir algum tipo de veículos durante o seu período.
Também a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 9 ao artigo 69º), refere que “a proibição tem um efeito universal, valendo a proibição para todos os veículos motorizados, mesmo os que não necessitam de licença para conduzir”.
Mais salienta este autor (mesma obra, nota nº 8 ao artigo 69º) que “a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução”.
Como diz Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 165: “A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor assenta no pressuposto formal duma condenação do agente numa pena principal por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º do Código Penal, ou por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante, sendo que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal”.
E, acrescenta, ob. citada, pág. 250, esta pena acessória tem por pressuposto material “a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável…Por isso à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.
A condução de veículos em estado de embriaguez constitui, por si só, grave violação das regras do trânsito rodoviário e é grandemente responsável pela elevada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas, colocando em perigo a vida, a integridade física e os bens patrimoniais próprios e alheios.
A proibição de conduzir veículos com motor tem, assim, por objectivo, conseguir, através da privação da faculdade de conduzir o veículo, prevenir a perigosidade do agente revelada pela prática do crime, p.p., pelo Artº 292 nº1 do C. Penal.
Se a pena acessória visa para além da necessária prevenção geral, prevenir a perigosidade do agente, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena.
A pena acessória de proibição de conduzir não pode ser cumprida por forma descontínua, fora do horário laboral, sendo que a natureza do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, com a inerente perigosidade decorrente da conduta nele pressuposta, surge como adequada e proporcional à sanção de proibição de conduzir, mesmo que dela possa decorrer, eventualmente, a perda de emprego por parte do arguido.
Com efeito, o facto de necessitar do título de condução para o exercício da sua actividade profissional, é, recorde-se, algo comum a muitos cidadãos e os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego, são próprios das penas, que só o são, se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena acessória pretende prevenir.
Nem se diga, em desabono deste entendimento – que é o único que encontra apoio na lei – que o mesmo coloca em xeque o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado no Artº 58 da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, a norma constante do Artº 69 do Código Penal, na interpretação segundo a qual a execução da pena acessória aí prevista tem de ser contínua, não viola qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa.
Como o próprio Tribunal Constitucional já referiu, no seu Acórdão 440/2002, acessível no respectivo site “O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos … Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.”
Conclui-se assim, que o cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados não contende com o direito ao trabalho, mau grado, o evidente sacrifício que pode envolver para a vida profissional e familiar do condenado, como consequência necessária da própria pena.
Ora, na contagem da pena acessória efectuada pelo despacho recorrido, decidiu o tribunal a quo que o cumprimento de uma pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, mas com autorizações de saída, in casu, para que o arguido pudesse trabalhar, não constitui uma verdadeira privação da liberdade para esse efeito, por não ser total, e como tal, esses períodos podem ser contabilizado para efeitos de cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em que o arguido foi condenado.
Todavia, como bem refere o recorrente, tal entendimento, para além de constituir uma violação do disposto na anterior redacção (aplicável aos autos), do Artº 69 nº6 do C. Penal onde se dizia que “Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança”, traduz-se, na prática, num cumprimento simultâneo da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor com a pena principal de nove meses de prisão, em regime de permanência na habitação, o que é repudiado, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que igualmente rejeitam a regra da descontinuidade no cumprimento da pena acessória, porquanto, em consequência do despacho recorrido, o arguido, nos dias em que não tem autorização para se ausentar da habitação, vê interrompido o cumprimento da pena acessória, pois estes não são contabilizados continuamente (Cfr. Artsº 500 nº4 do CPP e 138 nº4 do Código da Estrada).
Aliás, como bem nota o recorrente:
“Ademais, então, estando apenas o arguido a ausentar-se da residência por um determinado período de horas fixado previamente, a contabilização deveria ser também nesses termos, isto é, na contagem pena de prisão, a privação da liberdade é contabilizada por períodos de 24 horas, cfr. art. 479.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal.
Ora, seguindo o raciocínio do Mmo. Juiz a quo, se o arguido só parcialmente está com autorizações de saída, ou seja, no caso, por período que não exceda um determinado n.º horas diárias, também o desconto de ser efectuado por referência ao n.º de horas de autorização e só quando completasse períodos de 24 horas, corresponderia a 1 dia de desconto no cumprimento da pena acessória, de acordo com os critérios do art. 479.º do Código de Processo Penal, particularmente, o seu n.º 2, “Quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções”.
Estes dispositivos estabelecem que o início da execução da pena acessória deve ser suspenso durante o cumprimento de uma pena privativa de liberdade, devendo começar quando o arguido for restituído à liberdade, só assim se respeita o seu carácter contínuo e o efectivo cumprimento desta pena.”
Neste sentido, o aresto desta Relação, de 07/04/15, onde se diz que “A sujeição da pena acessória de inibição de condução a restrições viola a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas pelo que o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade (art. 1.º do CP) nessa matéria”
Também o STJ, por acórdão de 13/02/23, ensina que “À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal aplicam-se, por analogia, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, as regras de contagem da pena de prisão constantes do artigo 479.º do Código de Processo Penal…”
Concorda-se, por isso, inteiramente com o recorrente, quando afirma que “…considerando a letra e o espírito da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, e as circunstâncias que a fundamentam — especialmente a introdução da redação atual do artigo 43.º do Código Penal (regime de permanência na habitação como forma de execução da pena de prisão), a eliminação da pena de prisão por dias livres e a manutenção da redação do artigo 69.º, n.º 6 —, conclui-se que o legislador pretendeu manter inalterada a contagem da pena acessória prevista no artigo 69.º, n.º 6, suspendendo a contagem durante o cumprimento da pena privativa de liberdade, o que manteve também com a recente alteração a este artigo introduzida pela Lei n.º 54/2023, de 04.09.”
Interpretação também defendida por Costa Andrade, no seu "Curso de Direito Penal", onde sustenta que "a suspensão da contagem das penas acessórias durante a execução de penas privativas de liberdade visa evitar uma duplicação de sanções que não corresponde à efetiva retribuição dos comportamentos ilícitos."
Na verdade, se o regime de permanência na habitação, tal como definido no Artº 43 do C. Penal, é uma forma de execução da pena de prisão e não, uma pena autónoma, daí não pode deixar de resultar que mesmos os dias de ausências autorizadas de residência, embora não carcerários, terão que manter a natureza privativa de liberdade e, desse modo, não podem ser descontados no cumprimento da pena acessória, para que não ocorra o indesejável cumprimento simultâneo das penas, inconciliável com a exigência legal de um período contínuo do cumprimento da pena acessória (Neste sentido, entre outros, também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25/01/18, Proc. n.º 243/16.8JAPRT.L1-3).
Deste modo, há que conceder que da interpretação sustentada no despacho recorrido resulta um desconto injustificado para o condenado, ao subtrair ao período da pena acessória todo o tempo correspondente à privação de liberdade em que lhe foram autorizadas saídas da residência, desse modo se esvaziando o que acima se fez referência sobre a necessidade de a pena acessória constituir um verdadeiro sacrifício para o condenado, para que, pelo seu cumprimento efetivo e contínuo, possa cumprir a sua função, por um lado, dissuasora e retributiva, e por outro, preventivo e punitivo.
A execução da pena acessória deve, pois, ser contínua, mesmo quando a pena de prisão é cumprida em regime de permanência na habitação, e não deve ser cumprida em simultâneo, mesmo que só em parte, com o cumprimento da pena de prisão efectiva a executar em regime de permanência na habitação com saídas autorizadas do domicílio para trabalhar.
Para além das decisões já citadas que apoiam, sem reservas este entendimento, importa apenas fazer referência ao acórdão do STJ, de 10/09/09 (Processo n.º 09P2582), onde postula que "a execução das penas acessórias de inibição de conduzir deve ser cumprida após o término da pena principal de prisão, respeitando o seu caráter contínuo e o efetivo cumprimento da sanção." Posição também sustentada por Paulo Pinto de Albuquerque que no Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2008, afirma que "o prazo da proibição suspende-se enquanto o agente estiver privado de liberdade em virtude de medida cautelar, pena ou medida de segurança (artigo 69º, nº 6, do Código Penal).", e por Figueiredo Dias, que em "As Consequências Jurídicas do Crime", defende que "a manutenção da separação entre penas principais e acessórias garante que cada uma cumpre sua função específica de retribuição e prevenção, sem redundâncias ou sobreposições injustificadas."
Pelo que e sem necessidade de posteriores considerandos, que a simplicidade da causa não justifica, o recurso terá de proceder determinando-se que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos só se iniciou com o terminus da pena principal de prisão a que o arguido esteve sujeito, ainda que cumprida em regime de permanência na habitação, ou seja, com a sua restituição à liberdade.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor em que o arguido foi condenado, só se iniciou com o fim da pena principal de prisão a que o mesmo esteve sujeito, ainda que cumprida em regime de permanência na habitação.
Sem tributação.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 19 de novembro de 2024
Renato Barroso
Fernando Pina
Maria José Cortes