LEGADO TESTAMENTÁRIO
COISA CERTA E DETERMINADA
PATRIMÓNIO COMUM DOS CÔNJUGES
ACEITAÇÃO DO LEGADO
AQUISIÇÃO DO DIREITO SOBRE A COISA LEGADA
EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO
Sumário

I – Em caso de legado testamentário de coisa certa e determinada que integrava o património comum dos cônjuges, válido por ter sido autorizado pelo cônjuge não legatário nos termos do art.º 1685º. n.º 3, al. b) do Código Civil, integrando tal bem a massa hereditária daquele testador, o legatário adquire a propriedade da coisa legada pela mera aceitação do legado, com referência à data da abertura da herança, a tal não obstando a eventual inoficiosidade do legado.
II – O legatário que aceitou o legado de coisa certa e determinada pode exigir o cumprimento do legado ao herdeiro que a detém (artigo 2265º, n.º 1 do Código Civil) e/ou reivindicar de terceiro a coisa legada (artigo 2279º do Código Civil).
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório
AA, devidamente identificada nos autos, instaurou ação declarativa, na forma comum, contra BB e mulher CC, também já identificados nos autos, pedindo:
a) se declare que a Autora é a única dona e legítima proprietária, com exclusão de outrem, dos imóveis identificados no art. 9º da pet. inicial;
b) se condene os Réus a reconhecer o direito de propriedade exclusivo da Autora sobre tais prédios, e sejam os mesmos condenados à sua entrega/restituição imediata à Autora;
c) se condene os Réus a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam, diminuam ou perturbem o domínio e a posse da A. sobre os ditos prédios;
d) se proceda ao cancelamento de todas as inscrições prediais de aquisição a favor dos RR. nos prédios identificados no referido art. 9º da pet. inicial.

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 Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que: por testamentos de 07/03/2008, os seus avós, DD e EE, deixaram-lhe como legado os prédios urbanos atualmente descritos na ... CRP ... sob o nº ...51/... e o nº ...13/..., pelo que os mesmos lhe pertencem, e que os Réus, que são respetivamente seu pai e a mulher deste, os ocupam indevidamente, sem qualquer título que os legitime para tal.
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Na contestação que apresentam, os réus invocaram a nulidade decorrente de erro na forma de processo, defendendo que o processo adequado é o de inventário, assim como excecionam a ilegitimidade passiva da segunda ré, sustentando não ter esta qualquer interesse em contradizer o pedido, por estar casada com o primeiro réus no regime da comunhão de adquiridos e os prédios em causa serem bens próprios deste.
No mais, referem que num dos prédios em causa está instalado um hotel que é explorado pela sociedade “A..., Lda.”, onde tem a sua sede; que tal sociedade foi constituída em 2006 pelo primeiro réu, que, no ano de 2007, renunciou à gerência e cedeu a sua quota única a DD, que foi designada gerente; que esta, em 2013, designou o primeiro réu como gerente; que após o falecimento da dita DD, os seus únicos herdeiros, EE e o ora primeiro réu, outorgaram escritura de partilha da quota da sociedade, adjudicando-a ao primeiro; e que tendo os referidos DD e EE explorado tal unidade hoteleira durante vários anos, o facto de não contemplarem a transmissão da quota nos testamentos que outorgaram, só podia significar que a vontade dos testadores era que o primeiro assumisse integralmente a responsabilidade pela vida corrente da sociedade comercial, e que não pretendiam transmitir o imóvel à autora. Acresce que os ditos DD e EE, ainda em vida, em 07/03/2008, doaram à autora um outro prédio urbano; e que sendo o primeiro réu o único filho e herdeiros legitimário dos testadores, ainda que tal doação não ofendesse a sua legítima certamente que existiria tal ofensa com a procedência da pretensão da autora nesta ação, havendo a mesma que improceder, sob pena de inoficiosidade por exceder a quota disponível dos doadores.
Concluem pela improcedência da ação e pela respetiva absolvição.
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A autora respondeu às exceções invocadas, concluindo pela sua improcedência.
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No despacho saneador foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias deduzidas pelos réus, tendo sido fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, decidindo:
 a) Declarar que a Autora é a única dona e legítima proprietária, com exclusão de outrem, dos seguintes imóveis: - casa para habitação composta de rés-do-chão, primeiro e segundo andares e logradouro, inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ...37 (proveniente do artigo urbano ...93 da extinta freguesia ...), descrita na 2ª CRP/... sob o número ...51/... (docs 3 e 4 p.i.); - casa de cave ampla para garagem e arrumos, rés-do-chão para comércio, primeiro e segundo andares para habitação e logradouro, inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ...12 (proveniente do artigo urbano ...46 e ...53 rústico, ambos da extinta freguesia ...), descrita na 2ª CRP/... sob o número ...13/... (docs. 5 e 6 p.i.);
b) Condenar os Réus à entrega/restituição imediata dos mencionados prédios à Autora;
c) Condenar os Réus na abstenção de quaisquer atos que impeçam, diminuam ou perturbem o domínio e a posse da A. sobre os ditos prédios.
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Não se conformando, os réus interpuseram recurso da sentença com as seguintes conclusões:
(…).
 
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A autora contra-alegou, pronunciando-se pela inadmissibilidade da junção de documentos com as alegações de recurso dos réus, e concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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II. Delimitação do objeto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
A) Questão Prévia:
Da admissibilidade de junção de documentos com as alegações de recurso apresentadas pela Ré.
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B) Mérito do Recurso:
i) A nulidade da sentença
ii) A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
iii) Se é de manter a decisão recorrida que reconheceu o direito de propriedade da apelada sobre os imóveis supra identificados e condenou os recorrentes a entregar-lhe os mesmos.
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A) Questão Prévia:
(…).
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B) Mérito do recurso
b.1 Fundamentação de facto
Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:
1. No dia 7 de março de 2008 foi outorgado Testamento por DD, no qual declarou “Que lega a sua neta AA, menor, filha de BB, com ele residente os seguintes bens, sitos na referida freguesia ... no caso de ficar viúva: - prédio urbano sito em ..., casa de habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...93; - prédio urbano, moradia unifamiliar, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...46, sito em ...; e - prédio rústico terra de cultura sito em Canhestro ... na respetiva matriz sob o artigo ...53 (doc. 1 p.i);
2. No referido testamento, o marido da testadora, EE declarou que “presta à sua mulher o necessário consentimento para este ato” (doc. 1 p.i.);
3. No dia 7 de março de 2008 foi outorgado Testamento por EE, no qual declarou “Que lega a sua neta AA, menor, filha de BB, com ele residente os seguintes bens no caso de ficar viúvo: - prédio urbano sito em ..., casa de habitação, inscrito na matriz da freguesia ..., deste concelho sob o artigo ...93; - prédio urbano, moradia unifamiliar, inscrito na matriz da dita freguesia ... sob o artigo ...46, sito em ...; e - prédio rústico terra de cultura sito em ... da mesma freguesia ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...53 (doc. p.i);
4. No referido testamento, a esposa do testador, DD declarou que “presta ao seu marido o necessário consentimento para este ato” (doc. 2 p.i);
5. A testadora DD faleceu a 19 de fevereiro de 2014 (averbamento do doc. 1 p.i);
6. O testador EE faleceu a 9 de julho de 2019 (averbamento doc. 2 p.i);
7. Os prédios legados nos testamentos à neta AA (Autora), em consequência da união das freguesias e da anexação dos ditos prédios, têm atualmente as seguintes descrições e composições: - casa para habitação composta de rés-do-chão, primeiro e segundo andares e logradouro, inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ...37 (proveniente do artigo urbano ...93 da extinta freguesia ...), descrita na 2ª CRP/... sob o número ...51/... (docs 3 e 4 p.i.); - casa de cave ampla para garagem e arrumos, rés-do-chão para comércio, primeiro e segundo andares para habitação e logradouro, inscrita na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ...12 (proveniente do artigo urbano ...46 e ...53 rústico, ambos da extinta freguesia ...), descrita na 2ª CRP/... sob o número ...13/... (docs. 5 e 6 p.i.);
8. Os testadores DD e marido EE são pais do 1º R. marido BB, seu único filho, e avós da A. AA, filha única do referido BB (docs. 7 e 8 p.i. - assentos de nascimento; docs. 9 e 10 p.i. - escrituras de Habilitação de Herdeiros);
9. A Autora só teve conhecimento dos testamentos e do respetivo teor em finais do ano de 2020;
10. E logo, em consequência dos legados testamentários em que foi beneficiária, a A. procedeu à participação dos mesmos junto da competente Repartição de Finanças para efeitos de participação e liquidação do respetivo imposto sucessório.
 11. Munida de toda a documentação necessária para proceder ao respetivo registo predial, verificou que a aquisição dos prédios legados se encontrava registada a favor do 1º Réu, BB, seu pai, pela Ap. ...44 de 2018/03/05, a qual havia sido promovida no âmbito e na sequência do processo de insolvência n.º 2761/17....-J... do Juízo de Comércio ..., no qual o dito Réu foi declarado insolvente (docs. 11 e 12 da p.i.);
12. Em face de tais informações, e exposta a situação ao Sr. Administrador de Insolvência e por este no âmbito do processo de insolvência (docs. 13 e 14 p.i.), foi aí proferido Despacho, em 09/09/2021, transitado em julgado, no qual foi ordenada a separação da massa insolvente dos prédios urbanos descritos na ... CRP ... com os nºs ...51 e ...13, ambos da freguesia ... (doc. 15 p.i.);
13. Na sequência de tal Despacho, o Sr. Administrador de Insolvência requereu o cancelamento das inscrições da declaração de insolvência sobre os dois mencionados prédios, mantendo a aquisição dos mesmos a favor do 1º R.;
14. Os Réus ocupam e exploram os prédios ...51 e ...13 sem que estejam munidos de qualquer título, acordo ou contrato para tal, fazendo-o sem o consentimento e contra a vontade da Autora;
15. A aquisição dos prédios ...51 e ...13 mostra-se atualmente descrita a favor da Autora, através da Ap. nº 1022 de 2023/10/31 (docs. 1 e 2 juntos com o req. de 07/12/2023); (da contestação)
16. O prédio descrito na 2.ª CRP/... sob o número ...13 corresponde ao A..., e foi explorado, durante vários anos, pela DD e EE;
17. Tal Hotel é explorado pela sociedade comercial “A..., Unipessoal Lda.”, pessoa coletiva nº ...93, cujo objeto social consiste na exploração da atividade hoteleira, hotéis e residenciais e exploração de café, restaurante e bar, e tem a sua sede social no prédio ...13 (doc 2 cont.);
18. A referida sociedade foi constituída em 2006, com o capital social de 5.000,00€, correspondente a uma quota única, pertença do 1º Réu, BB, que foi igualmente nomeado gerente (docs. 2 e 3 cont.);
 19. Em 07/12/2007, na sequência da renúncia à gerência do sócio BB, foi nomeada como gerente da sociedade DD, a quem, em 10/12/2007 o referido BB, transmitiu a totalidade da sua quota única;
20. Em 10/10/2013 foi novamente designado, como gerente, o 1º Réu, BB;
21. Por escritura de partilha outorgada no dia 04/07/2014, EE e BB procederam à partilha, enquanto bem da herança de DD, da quota com o valor nominal de 5.000,00€ na sociedade comercial “A..., Unipessoal, Lda.”, à qual atribuíram igual valor ao nominal, sendo esse o valor a partilhar, pertencendo ao marido meação de dois mil e quinhentos euros e o quinhão de mil duzentos e cinquenta euros correspondente a metade da herança, o que totaliza três mil setecentos e cinquenta euros, e ao filho o mesmo quinhão de mil duzentos e cinquenta euros” (doc. 4 cont.);
22. Declararam ainda os outorgantes, na mencionada escritura: “Que em pagamento da sua meação e quinhão é adjudicado ao EE a quota acima identificada, pelo que leva a mais mil duzentos e cinquenta euros que de tornas já pagou ao segundo, o qual declara ter recebido” (mesmo doc.);
23. A transmissão da referida quota a favor do EE foi registada em 04/07/2014 (doc. 2 cont.);
24. Em 15/12/2021 foi registada a transmissão da quota única do EE a favor do BB (doc. 2 cont.);
25. A gerência da sociedade é atualmente exercida por BB e CC (doc. 2 cont.);
26. O casal DD e EE dedicaram-se, durante vários anos, à exploração da unidade hoteleira;
27. Por escritura de doação celebrada no dia 07/03/2008 DD e EE doaram à sua neta AA, com eles residente, e com reserva de usufruto, simultâneo e sucessivo, o prédio urbano, sito na Rua ..., ..., ..., lote ...8, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias ..., ..., ... e ... sob o artigo ...09 (teve origem no artigo ...50 da freguesia ..., já extinta), descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...69, com o valor patrimonial de 317.153,38 € (docs. 5 e 6 cont.);
28. O prédio rústico, designado ..., composto por vinha com 1 (uma) árvore de fruto, com a área total de 0,035 hectares, com um valor patrimonial de €4,40, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...38, e aí inscrito, na proporção de 1/3 e 2/3, em nome de FF e DD (como cabeça de casal) (doc. 7 cont.);
 29. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,349 hectares, com um valor patrimonial de €24,01, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...30, e aí inscrito em nome de DD (como cabeça de casal) (doc. 8 cont.);
 30. O prédio rústico, designado ..., composto por semeadura com 30 (trinta) oliveiras e 3 (três) árvores de fruto, com a área total de 0,356 hectares, com um valor patrimonial de €45,13, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...65, e aí inscrito, na proporção de 1/2 para cada um, em nome de GG e de DD (como cabeça de casal) (doc. 9 cont.);
 31. O prédio rústico, designado ..., composto por semeadura com 5 (cinco) oliveiras e 4 (quatro) árvores de fruto, com a área total de 0,182 hectares, com um valor patrimonial de €18,85, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...74, e aí inscrito, nas proporções de 1/6, 4/6 e 1/6, em nome de HH, II e DD (como cabeça de casal) (doc. 10. cont.);
32. O prédio rústico, designado ..., composto por vinha e semeadura, com a área total de 0,063 hectares, com um valor patrimonial de €8,05 está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...00, e aí inscrito, na proporção de ½ para cada um, em nome de JJ (cabeça de casal) e de DD (doc. 11 cont.);
33. O prédio rústico, designado ..., composto por semeadura e vinha com 1 (uma) oliveira e 2 (duas) árvores de fruto, com a área total de 0,148 hectares, com um valor patrimonial de €13,45, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...14, (treze euros e cinco cêntimos), e aí inscrito em nome de DD (como cabeça de casal) (doc. 12 cont.);
34. O prédio rústico, designado ..., composto por mato, com a área total de 0,160 hectares, com um valor patrimonial de €3,65, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...09, e aí inscrito em nome de DD (como cabeça de casal) (doc. 13 cont.);
 35. O prédio rústico, designado ..., composto por olival com 7 (sete) oliveiras, com a área total de 0,021 hectares, com um valor patrimonial de €4,90, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...82 e aí inscrito em nome de DD (como cabeça de casal) (doc. 14 cont.);
36. O prédio rústico designado, ..., composto por mato com 4 (quatro) oliveiras, com a área total de 0,2365 hectares, com um valor patrimonial de €2,77, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...94 e aí inscrito em nome de DD (doc. 15 cont.);
37. O prédio rústico, designado ..., composto por semeadura, pinhal e mato, com a área total de 0,499 hectares, com um valor patrimonial de €22,50, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...02, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 16 cont.);
 38. O prédio rústico, designado ..., composto por mato com 4 (quatro) oliveiras, com a área total de 0,2365 hectares, com um valor patrimonial de €2,77, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...08, e aí inscrito em nome de DD (doc. 17 cont.);
39. O prédio rústico, designado ..., composto por mato, com a área total de 0,063 hectares, com um valor patrimonial de €1,01, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...13, e aí inscrito em nome de DD (doc. 18 cont.);
40. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,912 hectares, com um valor patrimonial de €4,90, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...23, e aí inscrito em nome de DD (Cabeça de casal) (doc. 19 cont.);
41. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,020 hectares, com um valor patrimonial de €1,39, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...25, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 20 cont.);
42. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,024 hectares, com um valor patrimonial de €1,76, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...28, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 21 cont.);
 43. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,045 hectares, com um valor patrimonial de €2,14, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...84, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 22 cont.);
44. O prédio rústico, designado ..., composto por olival com 7 (sete) oliveiras, pinhal e mato, com a área total de 0,0566 hectares, com um valor patrimonial de €8,93, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...65, e aí inscrito em nome de DD (doc. 23 cont.);
45. O prédio rústico, designado ..., composto por pinhal e mato, com a área total de 0,0722 hectares, com um valor patrimonial de €3,65, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...76, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 24 cont.);
 46. O prédio rústico, designado ..., composto por vinha, pinhal e mato, com a área total de 0,163 hectares, com um valor patrimonial de €19,86, está inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo ...84, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 25 cont.);
47. O prédio rústico, designado ..., composto por terra de semeadura com pinhal e mato, com a área total de 0,176 hectares, com um valor patrimonial de €24,64, está inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias ..., concelho ..., sob o artigo ...85, e aí inscrito em nome de DD (cabeça de casal) (doc. 26 cont.).
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A sentença recorrida considerou como não provados os seguintes factos:
- os bens da herança cumulativa de DD e EE compreendem, além dos descritos nos factos 28 e 3 (e 7), os bens imóveis enumerados nos factos 28 a 47;
- o valor patrimonial global dos imóveis da herança (incluindo o imóvel doado – facto 27) perfaz €845.771,12; -
- que era vontade dos testadores que o Réu assumisse a responsabilidade pela vida corrente da sociedade comercial que explora o Hotel Residencial implantado num dos prédios legados.
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B2 Fundamentação de Direito
i) Da nulidade da sentença
Ao longo das suas alegações de recurso, referem os recorrentes que a decisão recorrida é nula por:
- ininteligibilidade que resulta do facto de ter considerado não provado que os bens referidos nos pontos 28º a 47º dos factos assentes integram a “herança cumulativa” aberta por óbito dos avós da autora e pais do réu e ao mesmo tempo ter considerado provados os factos constantes daqueles mesmos pontos, situação que gera a nulidade da sentença prevista na al. c) do art.º 615º do Código de Processo Civil (conclusão 1º);
- não ter feito uma análise crítica dos meios de prova carreados para os autos, gerando a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 4);
- não ter procedido a uma análise cabal das questões suscitadas, nomeadamente no que se refere aos factos não provados, o que gera a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 651º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 8);
- ter dado como provados factos sem a substância probatória que os sustente, o que originou a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 35);
- ter respondido afirmativamente à questão de a autora ser a única proprietária dos imóveis em questão nos autos sem atender a que o testamento da sua avó, que a instituiu legatária de tais bens, estava sujeito a uma condição resolutiva que se verificou, razão pela qual, «quando o último testador faleceu – o Avô da A. - os bens de que este dispunha para testar já não eram os mesmos» (sic), gerando assim a nulidade processual prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 44);
- ter dado como assente a que a autora era a única proprietária dos prédios urbanos em causa nos autos sem que, na respetiva motivação, diga em que documentos ou prova documental se baseou para o afirmar, gerando a nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 50);
- conter contradições entre a matéria de facto provada e não provada, nomeadamente quanto à determinação da concreta vontade dos testadores, geradora da nulidade prevista na al. c) do art. 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 52);
- ter-se pronunciado sobre questões que não foram alegadas nem eram pertinentes para a boa decisão da causa, não tendo a Mmª Juiz a quo sustentado a sentença recorrida nos depoimentos das testemunhas, o que conduziu à nulidade prevista na al. d), in fine do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil (conclusão n.º 54).
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O Tribunal “a quo” no despacho que recebeu o recurso tomou posição sobre a nulidade invocada por violação do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil, referindo não se verificar a mesma.
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Apreciando.
O nº1, do art.º 615º, do Código de Processo Civil, que consagra as “Causas de nulidade da sentença”, estabelece que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1 do art.º 615º, sendo tipificados como vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito[1]
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito.
Há nulidade da sentença quando a sua parte dispositiva está em contradição com as premissas efetivamente adotadas pelo juiz e não com as premissas que ele poderia ter adotado, no entender de uma das partes, mas não adotou.
Os referidos vícios respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum)”[2].
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[3]
As causas de nulidade da decisão, taxativamente enumeradas nesse artigo 615º, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017[4], “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei. Como tal, a nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada”.
Enquanto nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto. Esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, mas o mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in judicando atacáveis em via de recurso[5]
Feito este enquadramento, analisemos, de entre o expressamente invocados pelos recorrentes, os referidos vícios que respeitam à estrutura ou aos limites da sentença:
- Quanto ao vício consagrado na al. b): falta de fundamentação de facto ou/e direito.
A causa de nulidade da sentença prevista na al. b) do nº1 do art.º 615º do Código de Processo Civil – falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – foi considerada verificar-se, unanimemente e por um longo período de tempo, quer na doutrina quer na jurisprudência, “quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito”, não a constituindo “a mera deficiência de fundamentação[6]
Contudo, a jurisprudência mais recente tem entendido que a falta de fundamentação a que se refere a al. b) do n.º 1 do art.º 615.º ocorre, seja quando não há nenhuma fundamentação (de direito ou de facto), seja quando falta, em termos funcionais e efetivos, algum segmento da fundamentação exigida pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º.
Como se entendeu no Ac. da Relação de Guimarães, de 18/01/2018 [7]: “ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial”.
Nesta medida, entendemos também que a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório.
No caso dos autos, invocam os apelantes que a decisão recorrida é nula por falta de subsistência probatória para sustentar a prova de determinados factos.
Basta a leitura da decisão recorrida para verificar que tal não ocorre, uma vez que da mesma resultam manifestas quer as razões de facto, quer as razões de direito que em que a mesma se fundamentou.
Com efeito, a mera leitura da sentença permite concluir pela ponderação crítica do julgador de todos os meios de prova, não só em confronto uns com os outros, mas também através de um juízo de coerência com a normalidade do acontecer e com a experiência da vida em sociedade.
No essencial, a sentença apelada fundamenta suficientemente as razões pelas quais determinados factos foram julgados provados e outros não provados, explicitando os meios de prova e o caminho lógico que percorreu.
E é ainda particularmente claro o processo de subsunção jurídica operado pelo julgador, que partindo dos factos julgados provados, convoca o direito aplicável ao caso concreto, subsumindo os mesmos à previsão das normas e aplicando a estatuição – conclusão lógica do processo.
A sentença apelada encontra-se devidamente fundamentada, pelo que não existe esta invocada nulidade, ou seja, o vício apontado não se enquadra na nulidade tipificada na al. b) do n.º 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil, prendendo-se antes com um eventual erro na apreciação da prova que poderá fundamentar a impugnação da matéria de facto considerada provada ou não provada pela sentença recorrida
Improcede assim, nesta parte, a arguição da nulidade da sentença.
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- Quanto ao vício consagrado na al. c): os fundamentos estarem em oposição com a decisão ou ocorrer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível,
Entendem os apelantes que a sentença é nula por ininteligibilidade e haver contradição entre os factos dados como provados e os factos dados como não provados, para concluir que a solução jurídica dada ao litígio deveria ter sido outra.
A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do art.º 607º do Código de Processo Civil, que dispõe: (…)
2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”
Dispõe o art.º 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição[8].
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[9] Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151, ensinava a este propósito:
«A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.»
Assim, a decisão judicial será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.
Quando na c), do nº 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil, se dispõe que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, a 1ª parte refere-se à oposição entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e depois a decisão que toma em sentido contrário ou divergente, e não a vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre factos, que são duas situações distintas; a 2ª parte, por outro lado, reporta-se a ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade, do segmento decisório final.
Assim, a contradição entre factos provados, entre factos provados e não provados – que, diga-se, não vislumbramos minimamente no caso concreto - ou quando a matéria contemplada na decisão de facto é insuficiente para a tomada de posição sobre o pedido formulado, não determinam qualquer nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão ou por omissão de pronúncia nos termos do art.º 615.º do Código de Processo Civil. Nestas circunstâncias podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do Código de Processo Civil relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas.
Nesta medida improcede também esta a invocada nulidade.
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- Quanto ao vício consagrado na al. d) : omissão ou excesso de pronúncia,
Defendem ainda os apelantes que a decisão recorrida não sustentou fundamentação a sentença recorrida com base nos depoimentos das testemunhas – parecendo com isso dizer que, na fundamentação da decisão, interpretou incorretamente o que resultou do depoimento das testemunhas – o que, no seu entender, levou a um erro na fundamentação da sentença gerador da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615º do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Com efeito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.
Como já ensinava Alberto dos Reis, ob. cit., p. 143, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado[10].
 No que tange ao excesso de pronúncia (segunda parte da alínea d) do artigo 615º), o mesmo ocorre quando o juiz se ocupa de questões que as partes não tenham suscitado, sendo estas questões os pontos de facto ou de direito relativos à causa de pedir e ao pedido, que centram o objeto do litígio.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.2024[11], disponível em www.dgsi.pt, à luz do princípio do dispositivo, há excesso de pronúncia sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.
Contudo, quando o tribunal, para decidir as questões postas pelas partes, usar de razões ou fundamentos não invocados pelas mesmas, não está a conhecer de questão de que não deve conhecer ou a usar de excesso de pronúncia suscetível de integrar nulidade[12]
Operando à leitura da decisão não vislumbramos tal nulidade, que aliás nos parece incorretamente enquadrada pelos apelantes.
Na verdade, a decisão recorrida apreciou todas as questões que lhe foram solicitadas, tendo chegado à conclusão que a apelada adquiriu os imóveis em causa por legado instituído por testamento de seu avô, o ultimo dos dois testadores a falecer, não considerando facto impeditivo do reconhecimento do peticionado direito de propriedade uma eventual inoficiosidade desses legados, questão que aliás entendeu não poder ser discutida nos autos.
Quer dizer, a decisão recorrida não deixou de se pronunciar sobre as questões que deveria apreciar. Poder-se-á concordar ou não com a decisão tomada, o que não se pode, quanto a nós, é referir que a mesma não tomou posição sobre as questões ou matérias que estavam em discussão nos autos.
Improcede, pois, a invocada nulidade.
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ii. Da impugnação da matéria de facto e reapreciação da prova.
Em sede de recurso, os apelantes declaram expressamente pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, parecendo-nos que é à luz desta pretensão que formulam as conclusões elencadas sob os pontos 8º, 20º, 21º, 29º, 30º, 31º, 32º e 35º.
Vejamos.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do Código de Processo Civil, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o art.º 640º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil:
1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. 
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015[13]: “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015[14], que:
“(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC.
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes[15], podendo ler-se a este propósito que: “O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos da matéria de facto que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.[16]
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos[17]
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018[18]:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração.
II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso.
III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa[19].
*
Revertendo agora para o caso dos autos, cremos poder concluir, após expurgar das alegações de recurso todas as considerações mais ou menos vagas e genéricas pelas quais os recorrentes manifestam a sua discordância em relação à matéria de facto provada e não provada, que os apelantes pretendem impugnar:
a) todos os factos considerados não provados, no sentido de que os dois primeiros devem ser considerados provados e o terceiro eliminado e, em substituição, que seja acrescentado aos factos provados um facto com a seguinte redação. “foi o primeiro réu que constituiu e assumiu a responsabilidade da sociedade comercial que explora o Hotel Residencial implantado num dos prédios legados”
 b) os factos n.ºs 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 40, 42, 43, 45 e 47, visando a alteração da sua redação, para que dela passe a constar que os imóveis nele referidos pertencem à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD;
 c) os factos provados sob os n.ºs 9 e 10, que, no seu entender, devem ser considerados não provados;
d) o facto provado sob o n.º 14, de cuja redação, no entender dos apelantes, deve ser retirado o excerto que diz que os réus “não estão munidos de qualquer título, acordo ou contrato para explorar o imóvel”.  
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Vejamos.
a) quanto aos factos não provados
No que concerne à visada eliminação do primeiro dos factos não provados e o consequente aditamento de um novo facto provado com o mesmo teor, cremos que a pretensão dos recorrentes assenta no errado pressuposto da (auto)suficiência das certidões matriciais para a demonstração da titularidade dos imóveis a que as mesmas se referem.
Ao contrário do que sucede com a descrição predial e a presunção de titularidade que emerge do art.º 7º do Código e Registo Predial, “As inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade” [art.º 12.º n.º 5 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)].
Isto é, não formam presunção da titularidade do direito de propriedade sobre o bem inscrito. Poderão sim basear presunção sobre a existência do prédio inscrito, o que naturalmente que não se confunde com a da titularidade do mesmo.
Quer isto dizer, como de resto decorre da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida – onde se afirma (…) as inscrições de teor matricial não provam a aquisição dos prédios pelo titular neles inscrito - que, por si só, certidões matriciais juntas pelos réus como documentos 10 a 26 da sua contestação, não permitem demonstrar que imóveis a que as mesmas se referem integram a herança de DD.
Assim, à falta de outros meios de prova, documental ou mesmo testemunhal (que após análise do processo e audição da prova gravada não descortinamos), impõe-se concluir, tal como a decisão recorrida, pela falta de prova de que aqueles imóveis integram o ativo das heranças cumuladas de DD e de EE (sendo assim irrelevante que a Mmª Juiz a quo tenha, segundo os apelantes, desconsiderado que o titular inscrito na matriz era a própria herança de DD, representada pelo respetivo cabeça de casal e não a mesma DD enquanto cabeça de casal de uma outra qualquer herança).
Por essa razão, é também de afastar liminarmente a invocada contradição entre aquele (primeiro) facto considerado como não provado e os factos tidos como assentes sob os n.ºs 28 a 42, com fundamento nas referidas certidões matriciais as quais, como se disse, apenas fazem presumir a existência do prédio inscrito, mas não da titularidade do mesmo.
A improcedência da impugnação do primeiro facto considerado não provado impõe, logicamente, a improcedência da impugnação do segundo, referente ao valor patrimonial total dos imóveis da(s) herança(s), incluindo os que foram objeto dos legados testamentários e o que foi doado à autora pelos seus avós. Com efeito, se os réus baseavam a alegação (e a prova) desse facto unicamente nos valores patrimoniais tributários resultantes das certidões matriciais referentes a todos os imóveis que defendiam integrar as heranças em causa, a falta de demonstração de que todos esses imóveis (mencionados nos pontos 28 a 43) integram efetivamente tais heranças não pode deixar de ter como consequência a não prova de que o valor patrimonial global dos imóveis da herança é de €845.771,12.
Finalmente, ainda quanto aos factos não provados, parecem defender os apelantes, na conclusão 8º das sua suas alegações, que o terceiro facto não provado não se pode manter como tal, devendo ser eliminado, acrescentando-se, de seguida, aos factos provados o seguinte: Foi o réu quem constituiu e assumiu a responsabilidade da sociedade comercial que explora o Hotel Residencial implantado num dos prédios.
Cremos, contudo, que, nesta parte, a impugnação dos recorrentes não cumpre os sobreditos ónus de motivação previstos no art.º 640º.
Na verdade, os recorrentes limitam-se a fazer uma referência genérica a “todos os documentos apresentados pelas partes e aos depoimentos das testemunhas” para concluírem que o tribunal recorrido deveria ter considerado provado o mencionado facto em vez de julgar como não provado que “era vontade dos testadores que o réu assumisse a responsabilidade pela vida corrente da sociedade comercial que explora o Hotel Residencial num dos prédios legados”. Ou seja, não especificam os concretos meios probatórios, nem indicam as exatas passagens da gravação dos depoimentos que pretendem ver analisados, em ordem à visada alteração da matéria de facto, pelo que, também nesta parte, o recurso da matéria de facto deve improceder.
Sempre se dirá, contudo, que a pretendida alteração da matéria de facto provada seria inútil uma vez que, sendo a concretização da factualidade alegada nos artigos 24º e segs. da contestação, tal matéria está refletida na factualidade provada, mais concretamente nos pontos 16) a 25).
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b) a alteração da redação dos factos mencionados nos pontos 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 37, 40, 42, 43, 45 e 47 da matéria de facto provada.
Quanto a este ponto, parece-nos evidente, face às razões supra expendidas, que a impugnação deve improceder (até como consequência lógica da improcedência da impugnação do primeiro facto considerado não provado). Com efeito, baseando-se a discordância dos apelantes apenas no teor das certidões matriciais juntas com a contestação, as quais, como se disse, não fazem presumir a propriedade de quem nelas vem indicado como titular do imóvel, não poderia o tribunal recorrido ter consignado na redação daqueles pontos da matéria de facto (provada) que os imóveis a que se referem integram a herança ilíquida e indivisa de DD.
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c) pontos 9 e 10 da matéria de facto provada
Nesta parte, sustentam os apelantes que a Mmª Juiz a quo não poderia ter concluído pela verificação de tais factos somente a partir dos depoimentos das testemunhas KK e LL, que são contraditórios entre si. Assim, e porque a autora não juntou aos autos qualquer documento que atestasse a data em que participou à Autoridade Tributária os supra mencionados testamentos (ou sequer a realização de tal participação), entendem os recorrentes que o tribunal de primeira instância errou ao considerar provado que “A Autora só teve conhecimento dos testamentos e do respetivo teor em finais do ano de 2020 (facto n.º 9) e que “logo, em consequência dos legados testamentários em que foi beneficiária, a A. procedeu à participação dos mesmos junto da competente Repartição de Finanças para efeitos de participação e liquidação do respetivo imposto sucessório (facto n.º 10)
Temos de concordar que a fundamentação destes concretos pontos da matéria de facto é escassa. A decisão recorrida, a respeito do conhecimento pela autora dos mencionados testamentos, limita-se a aludir ao depoimento da testemunha KK, companheiro desta, que “acompanhou a autora desde o conhecimento dos testamentos em causa, por intermédio do contabilista”. E é também verdade que a testemunha LL, o contabilista através de quem, na versão do mencionado MM, a autora terá tido conhecimento da existência dos testamentos, no decurso seu depoimento – que ouvimos na íntegra – quando perguntado sobre o seu conhecimento acerca dos mencionados testamentos, referiu apenas que a D. DD que lhe terá afirmado que “um dia tudo iria ficar para a neta”
Ainda assim, ouvido o depoimento de KK, constata-se que esta testemunha afirmou que a autora teve conhecimento dos ditos testamentos cerca de seis meses após o início da relação entre ambos, que diz ter principiado há aproximadamente quatro anos, com referência à data da sua inquirição em julgamento (que ocorreu em janeiro de 2024). Não se antevendo razões para descredibilizar o depoimento da mencionada testemunha que, como diz a sentença recorrida, “acompanhou pessoalmente a autora desde o momento em que esta teve conhecimento dos testamentos”, não vemos motivos para alterar o juízo probatório da primeira instância que permitiu considerar provado o facto n.º 9.
Já quanto ao facto n.º 10 parece-nos que a fundamentação da sentença é omissa. Por outro lado, não constam elementos documentais que atestem ter a autora procedido à participação dos testamentos à Autoridade Tributária para efeito de liquidação do correspondente imposto de selo, nem a tal se referiu qualquer das testemunhas, pelo que não poderá aquele facto manter-se no elenco dos factos provados.
Nesta medida, procedendo a impugnação dos recorrentes, deverá eliminar-se do elenco dos factos provados o correspondente ao n.º 10, que assim passará a figurar entre os factos mão provados

Diga-se, contudo, que tal alteração, como melhor se verá adiante, nenhuma relevância terá para a sorte da ação uma vez que a prova do referido facto (ou a falta dela) é completamente indiferente a qualquer das soluções plausíveis da questão de direito que cumpre decidir (conclusão que, de resto, já se retiraria da decisão recorrida).


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c)  facto provado sob o n.º 14)

Os apelantes querem ainda impugnar o facto provado sob o n.º 14 – o qual tem a seguinte redação: os réus ocupam e exploram os prédios ...51 e ...13, sem que estejam munidos de qualquer título, acordo ou contrato para tal fazendo-o sem consentimento e contra a vontade da autora - (apenas) na parte referente à inexistência de qualquer título, acordo ou contrato que legitime aquela ocupação.
Baseiam tal impugnação tão só na alegação genérica de que a prova desse facto contraria os depoimentos testemunhais supra transcritos (sem indicar quais) e está em contradição com o facto provado sob o n. 16, nos termos do qual: o prédio descrito na 2ª CRP/... sob o n.º ...13, corresponde ao A... e foi explorado, durante vários anos, pela DD e por EE.
Desde logo, afigura-se-nos que a impugnação deste facto não cumpre os ónus enunciados no art.º 640º do Código de Processo Civil e acima transcritos, porque não evidencia os concretos meios de prova (testemunhal) e documental que, em seu entender impõem que se considere demonstrada a existência de qualquer título, acordo ou contrato para a ocupação desse imóvel pelos réus.
Tampouco vislumbramos a invocada contradição entre o facto n.º 14 e o supra mencionado facto n.º 16, ou qualquer outro facto considerado provado, mormente a circunstancia de um dos imóveis estar ocupado por um Hotel que, desde o ano de 2006, vem sendo explorado por uma sociedade comercial (da qual, em tempos foi única sócio  e gerente a mencionada DD, então proprietária do imóvel) que, atualmente, tem o réu como único sócio e gerente (factos provados n.ºs 17 a 26). Na verdade, não vemos que desta factualidade se possa extrair o acordo ou contrato que legitima a ocupação do imóvel pelos réus (ou pela dita sociedade) cuja não prova os apelantes impugnam.
Como quer que seja, a verdade é que, face à estrutura da própria ação, em tudo similar a uma ação de reivindicação, seria aos réus que incumbiria demonstrar positivamente a existência de um qualquer acordo ou contrato, oponível à aqui autora, que lhes permitisse, por si ou através da sociedade que explora o dito estabelecimento de hotelaria, manter a ocupação do imóvel, o que não foi por eles alegado na sua contestação.
Assim, ainda que esta impugnação fosse procedente – e não é – o resultado da mesma seria irrelevante ou inócuo para a decisão da causa

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Pelo exposto, nos termos assinalados, procede apenas parcialmente a impugnação da matéria de facto[20].
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iii Da reapreciação da matéria de direito
(Se é de manter a decisão recorrida que reconheceu o direito de propriedade da apelada sobre os imóveis supra identificados e condenou os recorrentes a entregar-lhe os mesmos).
Entendeu-se na sentença sob recurso reconhecer à autora/recorrida o direito de propriedade sobre os prédios em causa nos autos, por os mesmos lhe haverem sido legados por testamento, outorgado no dia 7 de março de 2008, direito de propriedade esse que aliás se presume, por via do registo da aquisição desses imóveis na competente conservatória do registo predial.
Se bem compreendemos as alegações de recurso dos recorrentes, a sua divergência em relação à solução jurídica propugnada pela primeira instância assenta, numa primeira linha, no entendimento segundo o qual o testamento da avó da recorrida não produziu quaisquer efeitos, uma vez que a testadora sujeitou os legados à condição – que não se verificou – de falecer no estado civil de viúva.
Daí que, após a morte da avó da autora, os imóveis que por ela haviam sido legados, e que integravam o património comum dos testadores, permaneceram na herança da mesma, da qual o cônjuge sobrevivo e o réu marido, eram os únicos herdeiros.
Por essa razão, defendem os recorrentes que tais imóveis passaram a pertencer ao réu marido, na proporção de ¼, e ao mencionado cônjuge sobrevivo, na proporção de ¾, em razão da quota parte que a cada um deles cabia na herança de DD e, por isso, após a morte deste último, o réu marido, como seu único e universal herdeiro, adquiriu a propriedade plena daqueles bens.
Vejamos.
Nos termos do art.º 2179º, n.º 1 do Código Civil, o testamento é o ato unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles, sendo que, conforme resulta do disposto no art.º 2030º do mesmo diploma, o testador pode nomear para lhe sucederem na titularidade do seu património herdeiros – que são os que sucedem na totalidade ou numa quota do património do falecido – e legatários - que são os que sucedem em bens ou valores determinados, como será o caso da aqui autora.
Por outro lado, em conformidade com o disposto no art.º 2229º do Código Civil, pode o testador sujeitar tanto a instituição de herdeiro como a nomeação de legatário a condição suspensiva ou resolutiva, com as limitações que constam dos artigos 2230º e segs. do mesmo diploma.
Para este efeito, a condição vem definida no art.º 270º do Código Civil, como a subordinação a um acontecimento futuro e incerto, pelas partes, da produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução; no primeiro caso, diz-se suspensiva, e no segundo resolutiva, sendo esta a sua principal classificação.
Assim, se os efeitos que um negócio jurídico tende a produzir são colocados na dependência de um acontecimento futuro e incerto, de maneira que só verificado tal acontecimento é que o negócio produzirá aqueles seus efeitos, a condição diz-se suspensiva.  Se o que se estabelece é que só nessa eventualidade o negócio deixará de produzir aqueles seus efeitos, ficando destruídos retroativamente os que tiverem sido entretanto produzidos, então estaremos perante uma condição resolutiva.
Trata-se, pois, de uma cláusula acessória do negócio jurídico, se bem que também se costume designar por condição o próprio evento condicionante (Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1960, Vol. II, pg. 356).
Reportando-nos aos presentes autos, provado ficou que, no dia 7 de março de 2008, foram outorgados dois testamentos, um por DD e um outro pelo seu cônjuge, EE.
 Em cada um deles, o respetivo testador declarou legar à aqui autora, sua neta, no caso de ficar viúvo(a), os seguintes imóveis sitos na freguesia ...: - prédio urbano sito em ..., casa de habitação, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...93; - prédio urbano, moradia unifamiliar, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...46, sito em ...; e - prédio rústico terra de cultura sito em Canhestro ... na respetiva matriz sob o artigo ...53.
A mencionada DD subscreveu no testamento de seu marido, EE, a declaração segundo a qual “presta ao seu marido o necessário consentimento para este ato”, enquanto este EE subscreveu no testamento da sua mulher, DD, a declaração segundo a qual “presta à sua mulher o necessário consentimento para este ato”.
Nos termos do n.º 1 do art.º 1685, do Código Civil, cada um dos cônjuges tem a faculdade de dispor, para depois da morte, dos bens próprios e da sua meação nos bens comuns, sem prejuízo das restrições impostas por lei em favor dos herdeiros legitimários.
A ideia geral é a seguinte, os cônjuges têm a liberdade de dispor mortis causa dos seus bens próprios e da sua parte na meação dos bens comuns, ou seja, metade do património comum. Porém, como a concretização dessa metade só se fará após o termo das relações patrimoniais – isto é, com a partilha dos bens comuns -,  o legislador em vez de fulminar com a invalidade a disposição mortis causa de bens concretos e determinados, engendrou, como se verá adiante, outra solução em homenagem, uno actu, à tutela dos interesses do beneficiário e da autonomia da vontade do disponente, postergando relativamente os interesses do cônjuge do disponente[21].
Já no n.º2 da mesma norma, consagra-se que a disposição que tenha por objecto coisa certa e determinada do património comum apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro, pois o património dos cônjuges como património coletivo[22] está sujeito a alterações constantes, não sendo viável saber, antecipadamente, quais os bens que em concreto podem pertencer a cada um dos titulares no momento da partilha, salvaguardando-se, no essencial, o benefício do contemplado, com a conversão da disposição em substância no legado pecuniário correspondente, divergindo-se, deste modo, da solução consagrada no direito atual - art.º 2252º, do Código Civil - quando o testador deixa um legado de coisa que só lhe pertence em parte, pois nesse caso o legado só valerá, em princípio, quanto à parte que pertence ao disponente.
Permite-se, contudo, nos termos do n.º 3, que o contemplado exija a coisa em espécie, no caso de, e no que agora nos interessa, b) Se a disposição tiver sido previamente autorizada pelo outro cônjuge por forma autêntica ou no próprio testamento;
É que se as limitações às disposições dos bens certos e determinados visavam, sobretudo, proteger o património comum e as expectativas que os cônjuges, enquanto seus titulares sobre o mesmo detinham, deixa de haver lugar para tal proteção se os seus titulares estão de acordo acerca da liberalidade estabelecida.
Mas este consentimento não pode ser prestado em qualquer altura, (antes ou depois da feitura do testamento; antes ou depois da morte do testador); tem que ser prestado antes da feitura do testamento ou no próprio testamento, em coerência com a ideia de que a validade do legado não pode ficar dependente do prudente arbítrio (posterior) do outro cônjuge[23]
À luz das disposições legais supra citadas, não se suscitam assim dúvidas sobre a validade daqueles legados em espécie, de bens imóveis que (como reconhecem ambas as partes) integravam o património comum do extinto casal formado por DD e EE, posto que expressamente autorizados por ambos os titulares daquele património comum.
E dúvidas também não há de que ambos os testadores condicionaram a eficácia desses legados à verificação de um único facto futuro e incerto ao tempo do testamento – a saber, o falecimento de cada um deles no estado civil de viúvo - o que constitui uma condição suspensiva.
Isto posto, têm razão os recorrentes quando afirmam que não se verificou a condição para a eficácia do legado daqueles imóveis estabelecida no testamento da avó da autora – a sua morte no estado civil de viúva – pelo que não se pode concluir que a autora adquiriu tais imóveis por legado daquela sua avó.
Contudo, também não foi essa a conclusão que extraiu a sentença recorrida.
O que ali se sustenta – e bem – é que “ao outorgar tais testamentos, quiseram os testadores, como disposição de última vontade, deixar em legado, à aqui autora, à morte do testador que vier a falecer em último lugar, os prédios neles identificados”.
E, por isso, como se diz na sentença sob recurso, “(s)endo os bens legados, bens comuns do casal, e porque cada um dos cônjuges prestou o respectivo consentimento, esses bens serão propriedade da neta à morte do testador que vier a falecer em último lugar”.
Sendo verdade que, após a morte da mencionada DD, os imóveis em causa (que efetivamente não se transmitiram à aqui autora por não se ter verificado a mencionada condição suspensiva) integraram a herança desta, daqui não pode concluir, como fazem os recorrentes, que tais imóveis passaram a pertencer ao réu marido e a seu pai, EE, enquanto únicos e universais herdeiros de DD e na proporção de ¼ e ¾, respetivamente.
Esta posição, desconsidera que, até à partilha, os herdeiros não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade.
São meros titulares de um direito sobre a herança que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que estejam determinados os concretos bens que completem tal quota ou fração.
Do que se trata é, no dizer de Capelo de Sousa[24], de «uma universalidade composta por património autónomo, em que os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património».
Pelo que, não resultando dos autos que haja sido realizada a partilha integral da herança daquela DD (mas tão somente uma partilha parcial da mesma, referente a uma quota social, conforme factos provados sob os n.º 21 e 22), não chegou a ser concretizada, em bens certos e determinados (ou através do pagamento de tornas), a meação do referido EE no património comum do extinto casal
Daí que, à morte do mencionado EE, ocorrida em 9 de Julho de 2019, os imóveis em causa passassem a integrar a massa hereditária das heranças cumuladas por óbito de DD e EE.
Ora, como se viu, o dito EE instituiu a aqui autora como legatária dos supra identificados imóveis, e considerando que tal instituição é não só válida como eficaz, posto que é inquestionável a verificação da condição suspensiva por aquele estabelecida no testamento[25], é de concluir, como faz a sentença recorrida, que a autora adquiriu a propriedade dos referidos imóveis por sucessão por morte de seu avó.
Com efeito, distingue a doutrina os chamados legados dispositivos, que são aqueles que implicam uma diminuição do ativo da herança, dos designados legados obrigacionais, que implicam um aumento do passivo da herança.
Como ensina Galvão Telles[26], no caso dos legados dispositivos “o direito passa recta via do falecido para o legatário”, enquanto nos “legados obrigacionais a aquisição da propriedade a favor do legatário dá-se por efeito de acto do sucessor onerado que, em cumprimento da obrigação imposta, lha transmite ou contrata com terceiro transmitir-lha”.
Assim sendo, sucedendo o legatário em bens ou valores determinados, a transmissão para o mesmo dos direitos legados dá-se por simples aceitação do legatário e sem necessidade de recurso a qualquer procedimento, designadamente o da partilha, por acordo ou por inventário, sendo lícito ao legatário socorrer-se de uma ação declarativa comum para obter o reconhecimento judicial de tal posição jurídica[27].
No caso em apreço, tendo a autora feito registar a aquisição do direito de propriedade sobre os prédios legados, podemos considerar que, pelo menos a partir desse momento, aceitou também os legados.
Com a aceitação dos legados adquiriu, com retroação à data da abertura da sucessão aberta por óbito de seu avô, um direito real de propriedade sobre aqueles imóveis.
Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8 de setembro de 2020[28] “(d)e todo o modo, afigura-se-nos claro o reconhecimento legal do direito que o legatário tem já sobre o seu legado por via da simples aceitação, independentemente da efectivação da partilha e sem prejuízo da eventual redução do legado por inoficiosidade (arts. 1118º e 1110º do NCPC), querendo com isto dizer que a eventual inoficiosidade do legado não obsta à transmissão para o legatário dos direitos sobre os bens legados sem necessidade de partilha - consulte-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/11/2017, proferido no processo 1372/17.3T8OAZ.P1.
Como tal, a suposta inoficiosidade dos mencionados legados, invocada pelos réus/recorrentes, constituiu, como bem se diz na sentença recorrida, uma questão inócua no âmbito destes autos, por não configurar “facto impeditivo” do direito de direito de propriedade cujo reconhecimento da autora/legatária peticiona nestes autos.
Diga-se até que a autora beneficia da presunção (de propriedade) dos imóveis que lhe foram legados pelo seu avô, por via do registo da aquisição a seu favor na competente conservatória do registo predial (art.º 7º do Código de Registo Predial).
Aliás, os réus nada fizeram para ilidir essa presunção, pelo que se mostra indiscutível o reconhecimento do direito de propriedade adquirido pela autora com a aceitação dos legados (sem prejuízo de eventual redução por inoficiosidade, se for caso disso, questão de que, como bem diz a sentença recorrida, não cumpre aqui conhecer).
Mas a pretensão da autora não se restringia ao reconhecimento do seu direito de propriedade sobre imóveis os legados. Alegando (e provando) que os imóveis permanecem ocupados pelos réus, sem a sua autorização e contra a sua vontade, visava também a sua condenação destes na entrega dos mesmos.
De acordo com Oliveira Ascensão[29], se o legatário, que aceitou o legado de coisa certa e determinada, não detém a coisa (legada) cuja propriedade adquiriu, duas hipóteses se colocam. “Ou essa coisa está em poder:
- dum herdeiro, doutro legatário ou doutra pessoa a quem incumba o cumprimento do legado;
- de terceiro.
Se está em poder de terceiro, o legatário pode reivindicar a coisa legada (art. 2279.º).
No segundo caso, o legatário deve pedir o cumprimento do legado.”.
Nas palavras de Lopes Cardoso[30], os legatários têm o direito “de vindicarem o legado com que foram contemplados (Cód. Civil, art. 2270.º)”. Se o legado se encontrar na posse de terceiro, a lei permite que o legatário o reivindique diretamente daquele (art.º 2279.º do Código Civil).
Por outro lado, depreende-se implicitamente do texto do art.º 2279.º que, mesmo tratando-se do legado de coisa certa e determinada, quando esta se não encontre na posse de terceiro nem do próprio legatário, é através da ação de cumprimento do legado, instaurado contra quem deva cumpri-lo (art.º 2265.º, n.ºs 1 e 2), que a entrega do legado há de ser obtida.[31]
Em qualquer das hipóteses, porém, demonstrando-se o direito de propriedade da autora sobre os imóveis que lhe foram legados, e provando-se que os mesmos permanecem ocupados pelos réus, sem a sua autorização e contra a sua vontade, a (peticionada) entrega/restituição será uma consequência direta do reconhecimento daquele seu direito de propriedade, que apenas não ocorreria se os réus, por sua vez, tivessem demonstrado serem titulares de um qualquer direito de natureza obrigacional oponível à autora, ou um direito de natureza real, que pudesse servir de obstáculo ao exercício por esta do seu direito de propriedade, direitos esses que consubstanciariam uma exceção perentória (art.º 576º do Código de Processo Civil).
Não resultando dos factos provados que os réus, por si ou na qualidade de representantes da sociedade que explora o hotel instalado num dos imóveis, são titulares de qualquer direito, oponível à autora, que autorize a sua permanência nos ditos imóveis – factos que, em boa verdade, também não alegaram - temos de concluir, como fez a sentença recorrida, que sobre ambos os réus recai a obrigação de entrega/restituição à autora dos imóveis legados identificados na petição inicial, seja com fundamento no citado art.º 2265º, n.º 1 do Código Civil (relativamente ao réu marido, único herdeiro da herança do autor do testamento que instituiu os legados), seja como consequência do direito da autora reivindicar de terceiro (a aqui ré mulher) os imóveis que lhe foram legados, em conformidade com o aludido art.º 2.270º do mesmo Código Civil.
*
Improcede, assim, a presente apelação.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil):
(…).
*
III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença sob recurso.
Custas pelos apelantes.
*
Coimbra, 12 de novembro de 2024

Com assinatura digital:
Hugo Meireles
Luís Miguel Caldas
Anabela Marques Ferreira



[1] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 1/4/2014, Processo 360/09: Sumários, Abril /2014, p1 e Ac. da RE de 3/11/2016, Processo 1070/13:dgsi.Net.)
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735. 
[3] cfr. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734).
[4] Processo n.1204/12.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt
[5]  Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in www.dgsi.pt.
[6] Cfr., neste sentido, entre muitos outros: Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª ed., pag. 703; Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa, 1972, pag. 226).
[7] Proc. n.º 75/16.0T8VRL.G1, in www.dgsi.pt

[8] Cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160.
[9]  Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298.

[10] Cf. entre vários outros o Ac. da Relação de Coimbra de 26.09.2023, proc. 1630/22.5T8CTB.C1, in www.dgsi.pt
[11] Proc. n.º 13/24.7YiPRT.SI, in www.dgsi.pt
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, (João Bernardo, 469/11), apud Acórdão da Relação de Guimarães, de 18 de Junho de 2022 (processo nº 1299/17.9T8CHV-A.G1, in https://jurisprudencia.pt/acordao/194775/pdf/)

[13] Processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[14] Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt,
[15] Op. cit, pag. 156.

[16] cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.195.
[17] Abrantes Geraldes, ob. cit., p.19).
[18] Processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt

[19] Neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 83/08.0TBLNH.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

[20] Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, tendo apenas por consequência a eliminação do ponto 10 dos factos provados, - e que, ademais, como se disse, é inócua para o desfecho da ação segundo qualquer das soluções plausíveis da questão direito -dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se o ponto fáctico objeto de alteração nos termos supra explicitados.
[21] J.P. Remédio Marques, Código Civil Anotado, Almedina, Livro IV Direito da Familia, 2ª Ed.pag. 289
[22] Cfr. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, IV, volume, pag. 312, que de perto se vai seguir.

[23] J.P. Remédio Marques, op cit. Pag. 291.

[24] Lições de Direito das Sucessões, II, págs. 113 e 114
[25] Nem, como bem afirma a sentença recorrida na motivação da decisão de facto, “resulta demonstrada qualquer relação de causa/consequência entre a não transmissão da quota social à A. e a falta de vontade em legar os imóveis à Autora pelos testadores (apenas e tão só se podendo concluir que por morte do EE a quota que lhe pertencia nessa sociedade se transmitiu ao 1º Réu, como seu único herdeiro)”.
[26] Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, Coimbra Editora 1980, pp. 159 a 165.

[27] Neste sentido, cf. o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2019, processo n.º  6441/16.4T8LSB-2 o Ac. RG, de 22/11/2018, proferido no processo 73/16.4BEMDL.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[28] Processo 2972/19.1TBLRA.C1, in www.dgsi.pt.
[29] “Direito Civil Sucessões”, Coimbra Editora, pág. 446
[30] Partilhas Judiciais”, Vol. I, 4.ª edição, Almedina, pág. 86,
[31] Oliveira Ascensão, op. cit., n.º 226, pág. 446 e 447.