ACIDENTE DE VIAÇÃO
CRUZAMENTO
PRIORIDADE DE PASSAGEM
NEXO DE CAUSALIDADE
CULPA
INDEMNIZAÇÃO
SUB-ROGAÇÃO
Sumário

I – A existência, num cruzamento, de um sinal de cedência de passagem «B-5» (cedência de passagem nos estreitamentos da faixa de rodagem) à entrada de uma das vias que se intersetam, significa que o condutor que, no cruzamento, pretende virar à direita para entrar nessa via deve tomar as indispensáveis precauções, se necessário for imobilizando o seu veículo, de forma a não obstruir a passagem dos veículos que por ali circulam, em sentido contrário, em direção ao cruzamento.
II – Um embate entre a parte lateral esquerda de um veículo que provinha dessa via prioritária e a parte frontal esquerda do veículo que nela entrou em desrespeito do referido sinal de cedência de passagem deve ser unicamente imputável ao condutor deste último.
III – Ainda que se demonstre que, antes da colisão, aqueloutro veículo circulava ocupando parcialmente o espaço da hemifaixa destinada à circulação dos veículos em sentido contrário, se não se prova o nexo de causalidade entre esta última suposta infração estradal e a colisão ocorrida, nenhuma responsabilidade pode ser assacada a este condutor.
IV – Pago o preço de reparação do veículo acidentado pela seguradora da autora/lesada, ao abrigo da cobertura facultativa por danos próprios, esta fica sub-rogada no direito da lesada contra a seguradora do lesante, na medida do que houver pago, conforme dispõe o art.º 136º da Lei do Contrato de Seguro.
V – Não pode, por isso, a autora/lesada exigir da ré (seguradora do responsável do pelo acidente) aquele valor, sob pena de se verificar a duplicação de indemnizações que o referido artigo 136º também visa evitar.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório

AA, devidamente identificada nos autos, intentou ação declarativa com processo comum contra A..., S.A., Sucursal em Portugal, também já identificada nos autos, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de  €6.775,38 e indemnização a liquidar posteriormente, tudo acrescido de juros de mora, desde a data da citação e até efetiva e integral liquidação.

Alegou para tanto, e em síntese, que, em virtude da ocorrência de um acidente de viação entre o veículo automóvel segurado pela ré e a sua viatura – e cuja causa imputa ao condutor daquele primeiro – sofreu um conjunto de danos, que pretende ver ressarcidos, correspondentes ao valor em que orçou a reparação do seu veículo, ao prejuízo advindo da privação do uso do mesmo e à desvalorização comercial que, não obstante a reparação, o afeta, reclamando ainda o valor que lhe toca na sanção devida pela ré pelo atraso na resposta à participação do sinistro.

Deduziu incidentes de liquidação no valor de €1.184,17 e de €425,00, quanto ao valor definitivo de reparação do seu veículo, que alega apenas ter sido integralmente aquilatado após a instauração da petição inicial, e relativamente aos dias de privação do uso, respetivamente.


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 Regularmente citada, a ré deduziu contestação, aduzindo que não é responsável pelo ressarcimento dos danos invocados pela autora, impugnando tudo o que em contrário consta da referida petição. Alega ainda que a própria seguradora da Autora concluiu que o acidente em causa na presente lide ocorreu por culpa exclusiva desta, após ter envidado diligências no sentido de apurar as circunstâncias em que o sinistro terá ocorrido.

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Realizada a audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação, decidiu:

a) Absolver a RÉ A..., S.A., sucursal em Portugal, do pedido de pagamento à AUTORA AA do valor de € 4.609,55, relativo a despesas de conserto da viatura de marca Nissan, modelo Juke, com a matrícula ..-..-AJ.

b) Absolver a RÉ A..., S.A., sucursal em Portugal, do pedido de pagamento à AUTORA AA do valor de €350,00, relativo a franquia por esta última paga à sua Seguradora.

c) Absolver a RÉ A..., S.A., sucursal em Portugal, do pedido de pagamento à AUTORA AA do valor de €2.000,00, relativo a desvalorização comercial do veículo de marca Nissan, modelo Juke, com a matrícula ..-..-AJ.

d) Condenar a RÉ A..., S.A., sucursal em Portugal, ao pagamento à AUTORA AA do valor de €337,50, (na proporção de 50% da quantia global de € 675,00), relativo ao período de privação do uso da viatura de marca Nissan, modelo Juke, com a matrícula ..-..-AJ, acrescido dos correspondentes juros de mora que peticionou, ao abrigo dos artigos 559.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, al. b) e n.º 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04, à taxa legal de 4%, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se a Ré do demais peticionado nesse conspecto.

Custas: a cargo da Autora e da Ré, nos termos supra expostos.


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Inconformada com essa sentença, apresentou autora recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

(…).


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Notificado das alegações de recurso interpostas pela autora, apresentou a ré resposta, pela qual defende a manutenção da sentença.


II. Delimitação do objeto do recurso.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:

a) Se deve ser alterada a matéria de facto quanto ao decidido no ponto n.º 22 dos factos provados;

b) Se a responsabilidade pelo acidente deve ser assacada na sua integralidade ao condutor do veículo seguro da ré;

c) Se a autora tem direito a ser indemnizada pela ré do valor em que orçou a reparação do veículo, paga pela sua seguradora ao abrigo da cobertura facultativa de danos próprios;

d) Se a autora tem direito a ser indemnizada pela desvalorização que diz afetar o seu veículo, apesar de o mesmo ter sido reparado;

e) Se a autora tem direito à sanção prevista no art.º 40º, n.º 2 da Lei n.º 291/2007;

f) O valor da indemnização do dano da privação de uso que lhe foi reconhecido pela sentença recorrida;

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III. Fundamentação de facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 15 de Outubro de 2022, cerca das 23:00 horas, a Autora seguia na Rua ..., na ..., no sentido sul-norte, conduzindo o veículo de marca ..., com a matrícula ..-..-AJ.

2. No dia 15 de Outubro de 2022, cerca das 23:00 horas, BB seguia na Rua ..., na ..., conduzindo o veículo de marca Mercedes, com a matrícula ....-HC, tendo intenção de virar à direita para a Rua ..., na mesma cidade.

3. Através da apólice de seguro com o n.º ...10 foi transferida a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo automóvel identificado em 1. para a sociedade B... – Companhia de Seguros, S.A.

4. Através da apólice de seguro com o n.º ...50 foi transferida a responsabilidade civil por danos emergentes de acidente de viação resultantes da circulação do veículo automóvel identificado em 2. para a Ré.

 5. No entroncamento em que se cruzam as vias onde seguiam os veículos, na entrada para a Rua ..., no sentido Norte-Sul, do lado direito, existe um sinal vertical circular com duas setas a apontar em sentidos distintos, a da esquerda de cor preta a apontar para baixo e a da direita de cor vermelha a apontar para cima.

6. Idêntico sinal existe na Rua ..., no sentido Sul – Norte, do lado direito, mas com a seta da esquerda de cor preta a apontar para cima e a da direita de cor vermelha a apontar para baixo.

7. No dia e hora indicados em 1. e 2. era noite, estava tempo chuvoso, não chovia e o piso encontrava-se húmido.

8. Chegada ao entroncamento, a Autora pretendia seguir para a Rua ..., em frente à Rua ..., de onde provinha.

9. O condutor do veículo identificado em 2. pretendia virar à direita, para a Rua ....

10. No lugar do entroncamento onde se intercepcionam as Ruas ..., ... e ..., os veículos identificados em 1. e 2. embateram.

11. O embate referido em 10. ocorreu entre a parte esquerda do veículo identificado em 1. e a parte esquerda frontal do veículo identificado em 2.

12. Em decorrência do embate, o veículo identificado em 1. ficou com estragos no revestimento superior do pára-choques, no suporte lateral, no farol LED esquerdo, no farol de nevoeiro esquerdo, no suporte do farol de nevoeiro, no pisca e farol da frente, no ...-lamas esquerdo, no friso de protecção, no friso de protecção da roda, na protecção de plástico, na protecção anti-gravilha, na antepára, na grelha de radiador, na porta da frente esquerda, no friso inferior da porta da frente, na pega exterior da porta da frente esquerda, no retrovisor exterior com regulação eléctrica, na porta da retaguarda esquerda, no friso de protecção da cava da roda, no friso inferior, no friso da abertura exterior, no farolim traseiro exterior esquerdo, no exterior led esquerdo, no friso de protecção da roda traseira, na jante de alumínio frente esquerda, no revestimento interior da porta esquerda, no painel da porta esquerda, no alinhamento de direcção, no pneu da frente esquerda e na jante da frente esquerda.

13. No dia 17 de Outubro de 2022 a Autora e o condutor do veículo identificado em 2. assinaram documento denominado «declaração amigável de acidente automóvel», denominado esquema do acidente no momento do embate, elaborado por CC, em relação ao qual aqueles primeiros declararam concordar.

14. No dia 17 de Outubro de 2022, em hora não concretamente apurada, mas sempre após o facto identificado em 13. o condutor do veículo identificado em 2. assinou documento denominado Declaração Amigável de Acidente Automóvel e documento denominado Participação de Sinistro onde, entre o mais, consta a seguinte discrição: «a viatura A invadiu a minha faixa de rodagem e embateu na viatura B. Por desconhecimento e confiar nas pessoas, assinei uma declaração que não estava bem preenchida, pois na minha via não se encontrava nenhum sinal e eu circulava na minha faixa de rodagem.

15. Através de e-mail datado de 16 de Outubro de 2022, a Autora remeteu comunicação para o endereço ..........@..... com o seguinte teor: «Na qualidade de mandatário da V. tomadora do seguro automóvel com apólice n.º ...10, AA, venho participar um acidente sofrido ontem, sábado, dia 15-10-2022 pelas 23h00, na R. ..., na ..., conforme melhor exemplificado na declaração amigável que se envia em anexo, bem assim como toda a documentação pessoal e fotografias que retratam o mesmo. A segurada não assume qualquer culpa, porquanto circulava na sua faixa de rodagem e foi repentinamente abalroada e embatida pelo veículo mercedes, matrícula ....-HC, que não parou para dar prioridade à minha cliente que se apresentava pela direita, não havendo qualquer sinal de STOP. Nesse sentido, o veículo segurado foi enviado para a oficina da marca, a C..., na ..., para a respetiva peritagem. Mais solicita a minha cliente que V. Exas. lhe atribuam um veículo de substituição para poder trabalhar.»

16. Através de e-mail datado de 21 de Outubro de 2022, a sociedade B... comunicou à Autora o seguinte: «Informamos que conforme solicitado por V. Exa., procedemos à vistoria condicional do veículo em referência, tendo a sua reparação sido orçamentada em 3775,38€ e 3 dias de reparação. Informamos V. Exa. que o nosso processo se encontra ainda em fase de instrução pelo que não nos é possível, por enquanto, pronunciarmo-nos quanto a responsabilidades. Isto significa que a vistoria, efectuada a título condicional, não envolve qualquer compromisso ou assunção de responsabilidade por parte desta Seguradora, nomeadamente, quanto ao pagamento da reparação. Os danos emergentes deste sinistro serão regularizados logo que, e na exacta medida, em que forem apuradas as responsabilidades. A vistoria condicional teve como objectivo não protelar o início da reparação, nem impedir qualquer outra decisão que entenda tomar.»

17. Através de e-mail datado de 22 de Outubro de 2022, que a Autora remeteu à sociedade B..., comunicou o seguinte: «tendo em conta a comunicação infra, que enviaram à minha cliente, tomo a liberdade de enviar três fotos retiradas do google maps onde se pode constatar nitidamente a existência de um sinal de trânsito que dá prioridade ao veículo da minha cliente, vossa segurada, em detrimento da falta de prioridade para quem entra na via, como sucedeu com o veículo que provocou o sinistro. Além disso, pode reparar-se que a rua em causa é muito estreita e não está dividida por marcação horizontal, não existindo hemifaixa definida para cada veículo, daí o referido sinal bem visível que dá prioridade à minha cliente. Nestes termos, tão límpidos para qualquer pessoa normal, não se entende o protelar da assunção de responsabilidades.»

18. Através de e-mail datado de 25 de Outubro de 2022, a sociedade B... comunicou à Autora o seguinte: «informamos que o sinistro em apreço está a ser regularizado ao abrigo da Convenção CIDS (Condição Especial Indemnização Directa ao Segurado) tendo em conta os respectivos prazos e regras de enquadramento. De momento o processo encontra-se na fase de troca de elementos entre as companhias a fim de cada uma fundamentar a sua posição. Assim, não nos é possível, para já, avançar com a regularização dos danos, uma vez que as companhias ainda não chegaram a acordo quando à definição de responsabilidade».

19. Através de e-mail datado de 11 de Novembro de 2022, a sociedade B... declarou à Autora o seguinte: «informamos que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo ..-..-AJ, em 100%, por o seu condutor transpor o eixo médio da via, respeitando o n.º 1 do Art.º 13 e o n.º 2 do Art.º 18, ambos do Código da Estrada».

20. A Autora adquiriu o veículo automóvel identificado em 1. em 27-07-2022, pelo preço de € 21.800,00, no estado de usado e com matrícula datada de 28-09-2020.

21. Na Rua ... a rodovia tem a largura de 5,60m, sem hemifaixas separadas por traços marcados no pavimento, com dois sentidos de trânsito.

22. No dia e hora referenciados em 1., e em momento imediatamente anterior ao embate, o veículo da Autora circulava ocupando parcialmente o espaço da hemifaixa destinada à circulação dos veículos em sentido contrário.

23. O condutor do veículo identificado em 2. não viu o sinal vertical identificado em 5. e avançou a parte da frente do seu automóvel, entrando na intercepção identificada em 5..

24. A Autora ordenou a reparação dos danos verificados na oficina da marca do veículo identificado em 1. (C... – ...), ao abrigo do seu próprio contrato de seguro, a fim de obter a reparação do seu automóvel da forma mais rápida.

25. Em consequência do embate, o veículo identificado em 1. não mais circulou até à sua entrega, por parte da oficina C..., entre 15-10-2022 e 29-11-2022.

26. A B... Companhia de Seguros S.A. pagou à oficina de reparação C..., S.A. a quantia global de € 4.609,56, pela reparação do veículo identificado em 1., na sequência do embate.

27. A Autora utiliza o veículo identificado em 1. para as deslocações do seu quotidiano e para ir para o seu local de trabalho, na D... da ..., que dista 3 minutos de carro da sua residência e a cerca de 30 minutos a pé.

28. Em data não concretamente apurada, mas compreendida no período entre sexta e segunda-feira alugou um veículo pelo qual pagou a quantia global de pelo menos € 100,00.

29. Desde o arranjo do veículo na oficina da C... o veículo não apresentou qualquer outro problema.

30. Para accionar o seu seguro e mandar proceder à reparação do automóvel a Autora pagou uma franquia inicial de € 350,00.

31. Em data não concretamente apurada, mas a partir de Julho ou Agosto de 2023, o prémio anual do seguro contratado pela Autora com a B... aumentou para € 666,38, na sequência de agravamento pelo accionamento da cobertura facultativa de danos próprios.

32. Desde 01-08-2022 e até 01-08-2023 o prémio anual do seguro contratado com a B... e pago pela Autora ascendia a € 471,67.

33. Caso não tivesse existido agravamento o prémio anual de seguro com a B... ascenderia a € 579,26, o que seria desde 1 de Agosto de 2023.


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A sentença recorrida considerou como não provados os seguintes factos:

I. No dia e hora identificados em 1. o piso da faixa de rodagem das ruas ali também identificadas estava seco.

II. A Autora e o condutor do veículo identificado em 2. não circulavam a mais de 20 km/h.

 III. No dia, hora e local identificados em 1. foi elaborada declaração amigável de acidente automóvel.

IV. Por força do acidente e dos danos sofridos, e apesar da reparação, o veículo identificado em 1. tem o seu valor comercial desvalorizado, em cerca de € 2.000,00.


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IV. Fundamentação de Direito
a) Da impugnação da matéria de facto

Nas suas conclusões de recurso, a apelante afirma que não pode ser dado como provado o facto n.º 22.

Contudo, lidas as alegações de recurso, afigura-se-nos que a recorrente não pretende verdadeiramente impugnar tal facto, mas tão só invocar um suposto erro do tribunal a quo na subsunção jurídica que operou, ao considerar existir responsabilidade da própria apelante na produção do acidente, por via da prática de uma infração estradal.

Tanto assim que, ao sustentar, nos pontos 15 e 16 daquelas alegações, que, “na via por onde o seu veículo circulava, a largura da via não permitia que circulassem duas viaturas automóveis concomitantemente, dada a curvatura das vias no afunilamento  das ruas à chegada ao cruzamento, onde o condutor segurado da recorrida se preparava para entrar” (…) e que “é imprescndível, a qualquer condutor que circula na Rua ..., centrar obrigatoriamente o veículo ao meio da via para prosseguir no sentido da Rua ..., face a curvatura da via em afunilamento”, parece até reforçar o juízo probatório do tribunal a quo que suporta aquele facto n.º 22, nos termos do qual  “no momento imediatamente anterior ao embate o veículo da autora circulava ocupando parcialmente o espaço da hemifaixa destinado à circulação dos veículos em sentido contrário”.

Acresce que, no corpo alegatório, a recorrente alude a documentos (fotografias e registos vídeo) e a depoimentos testemunhais gravados (indicando as passagens da gravação) para, de forma genérica, fazer uma apreciação crítica da decisão de direito proferida, tendo por base a sua interpretação da prova produzida e daquela que foi junta ao processo. Mas não especifica qualquer meio de prova que evidencie eventual erro de julgamento do supra mencionado ponto da matéria de facto provada.

Tendo em conta o supra exposto, mantém-se o facto supra provado sob o n.º 22.


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b) Vejamos, agora, a reapreciação da decisão de mérito da ação quanto ao aspeto da culpa e consequente responsabilidade pelo acidente.

Ora, atendendo a que a matéria de facto não sofreu qualquer alteração, prejudicada fica a reapreciação da decisão em conformidade com a pretendida alteração, restando, pois, reapreciar a decisão, independentemente de não haver qualquer alteração da matéria de facto.

Na decisão sub judice, entendeu o Tribunal a quo haver uma repartição da culpa causal do acidente entre a autora e o condutor do veículo segurado pela ré (cfr. arts. 506º, n.º 2 e 570º do Código Civil), que considerou ser de igual monta para cada um deles, uma vez que, “com o seu comportamento, ambos os condutores violaram normas estradais, não tendo agido com o respeito e a prudência pelas regras a condução e, por isso, contribuíram de igual forma para o embate que se verificou e os danos dele decorrentes”.

Para tanto, em vista da factualidade apurada, teve em consideração que o acidente de viação ocorreu no dia 15 de outubro de 2022, cerca das 23.00 horas, no entroncamento da Rua ... com a Rua ..., na cidade ..., consistindo no embate entre veículo com matrícula ..-..-AJ, conduzido pela autora, na Rua ..., no sentido sul-norte, e o veículo com a matrícula ....-HC, que seguia na Rua ..., tendo intenção de virar à direita para a Rua ..., do qual que resultaram danos nas viaturas.

E, porque à data do acidente, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ....-HC estava transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice com o n.º ...50 então em vigor, é esta que deve responder pelo pagamento de eventual direito indemnizatório da autora [cfr. arts. 11º, n.º 1, a) e 14º, n.ºs 1 e 2, a contrario, ambos do DL 291/2007 de 21-08].

Provou-se que o acidente ocorreu na zona do referido entroncamento e que a autora, ao chegar àquele entroncamento, pretendia seguir em frente, em direção à Rua .... Apurou-se também que, em momento imediatamente anterior ao embate, o veículo da autora circulava ocupando parcialmente o espaço da hemifaixa destinada à circulação dos veículos em sentido contrário.

Perante esta dinâmica do acidente, entendeu o Tribunal a quo que a autora não agiu com cuidado que se lhe impunha, violando o disposto nos arts. 13º e 18º do Código da Estrada (e, subentende-se da fundamentação, que essa atuação terá sido causal do acidente).

Provou-se outrossim que o condutor do veículo de matrícula ....-HC conduzia o mesmo pela Rua ..., tendo intenção de virar à direita para a Rua ..., não viu o sinal vertical que a decisão recorrida descreve como “sinal vertical com duas setas, a apontar em ambos os sentidos, a da esquerda de cor preta a apontar para baixo e a da direita de cor vermelha, a apontar para cima”, entrando na zona interseção das vias por onde seguiam ambos os veículos.

Por isso, entendeu a Mmª Juiz a quo que o sinistro se deveu também “à circunstância daquele condutor “não ter visto, nem respeitado, o sinal vertical de cedência de prioridade (B5) e ter avançado com a parte da frente do seu automóvel, entrando na intercepção das vias, sem o cuidado devido, atendendo a todo o contexto de tempo e espaço em que tudo aconteceu, mormente ser já noite, a via em que pretendia entrar não ser muito larga (e portanto não poder entrar sem aferir com acuidade da existência de outros veículos em sentido contrario) e não ter muita visibilidade para a viragem à direita – já que a curva em causa consubstancia praticamente um ângulo de 90º – o que demandava uma cautela acrescida e, no limite, uma imobilização prévia do veículo, o que notoriamente não ocorreu”.

Discordando deste entendimento do Tribunal a quo, na medida em que lhe imputa parte da culpa causal do acidente, a apelante defende não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade na produção do acidente, uma vez que, “para uma condução segura, devia ocupar parcialmente o espaço  destinado à circulação hipotética dos veículos em sentido contrário, já que a Rua ... afunila, em curva, no cruzamento com a Rua ..., à sua direita, onde não passam veículos, e a Rua ..., à sua esquerda – por onde entrou sem cuidado ou obediência aos sinais de trânsito o condutor segurado na recorrida” (conclusão JJ) e ainda  porque “na zona de entrada do referido cruzamento não cabem dois automóveis, dados os sensivelmente dois metros para cada faixa, sendo essa e não outra a justificação para quem entra no sentido norte-sul daquela Rua ...” (conclusão LL).

Ora, atendendo à factualidade apurada, afigura-se-nos que assiste razão à recorrente, não tendo a decisão recorrida dado a devida relevância aos sinais de trânsito que se encontravam na zona do entroncamento entre as vias por onde circulavam cada um dos veículos.

Assim é que, de acordo com os factos considerados provados sob os pontos 5) e 6), nesse entroncamento, na entrada para a Rua ..., no sentido norte-sul, do lado direito, estava colocado um sinal vertical B-5 (cedência de passagem nos estreitamentos da faixa de rodagem: indicação da obrigação de ceder a passagem aos veículos que transitem em sentido contrário) previsto no art.º 21º do Regulamento de Sinalização de Trânsito aprovado pelo do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 1 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22 de outubro, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 203, de 22 de outubro de 2019), enquanto na Rua ..., do lado direito da via, no sentido sul-norte, que seguia a autora, estava colocado o sinal vertical B-6 B6 (prioridade nos estreitamentos da faixa de rodagem: indicação de que o condutor tem prioridade de passagem sobre os veículos que transitam em sentido contrário), do art.º 21º do mesmo Regulamento.

A existência destes sinais de trânsito e o seu concreto posicionamento, tem de explicar-se pela verificação de um estreitamento da via por onde circulava a autora, na zona em que a mesma interseta a Rua .... E esta circunstância indicia a impossibilidade de cruzamento dos dois veículos na zona de interseção daquelas duas vias e até a inevitabilidade da ocupação pelo veículo da autora da metade esquerda da via por onde seguia, desde modo afastando aquela atuação da autora como infração do disposto nos artigos 13º e 18ºdo Código da Estrada do Código da Estrada[1].

Mas, ainda que se considere a hipótese de a atuação da autora integrar as sobreditas infrações estradais, o certo é que, em nossa opinião, as mesmas não podem ser considerada “causais” do acidente.

A jurisprudência tem entendido que a inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção do evento danoso, pois traduz a inexistência do necessário cuidado exterior do condutor que os infringe.

No entanto, também tem sido constante a orientação jurisprudencial no sentido de que a infração de normas estradais, fazendo embora presumir a culpa do infrator - se não forem por ele demonstradas circunstâncias excecionais excludentes do juízo de imputação subjetiva, não dispensa a prova em concreto do nexo de causalidade entre a infração verificada e a produção do dano[2]

Não podemos extrair dos factos provados – antes pelo contrário – que não fora a ocupação pelo veículo da autora da metade esquerda da faixa de rodagem, teria sido possível ao condutor do veículo seguro na ré completar a manobra que pretendia levar a cabo (de mudança à direita, para entrar na Rua ...) sem colidir com o veículo da autora, que seguia, em sentido oposto, na mencionada Rua ..., pelo que não nos parece possível, no caso dos autos, afirmar a verificação de tal nexo de causalidade.

Concluímos assim não ter ficado provada nem a culpa, nem o nexo causal entre a conduta da autora e o embate, uma vez que dos factos provados não logramos extrair que foi a conduta do Autor que determinou a ocorrência do embate ou concorreu para a eclosão do mesmo.

Isto posto, considerando a matéria de facto provada acima elencada, afigura-se seguro concluir que o acidente em causa nos autos é unicamente imputável a conduta negligente do condutor do veículo de matrícula ....-HC, ficando a dever-se, de forma adequada, ao facto ter entrado na via prioritária sem ceder a passagem ao veículo que ali circulava, desrespeitando o sinal de trânsito «B-5» (cedência de passagem nos estreitamentos da faixa de rodagem: indicação da obrigação de ceder a passagem aos veículos que transitem em sentido contrário) que determina a obrigação de ceder passagem aos veículos, como o da autora, que circulavam em sentido contrário àquele que pretendia tomar.

Perante o referido sinal, o condutor do veículo ....-HC tinha a obrigação de, antes de entrar na intersecção junto do qual o sinal se encontrava colocado, ceder a passagem a todos os veículos que transitassem na via para a qual ia entrar e, se necessário fosse, imobilizar o seu veículo por forma a não obstruir tal passagem.

Na verdade, quem pretende entrar num local de confluência de vias, designadamente, num cruzamento ou entroncamento, oriundo de uma delas, à entrada do qual existe um sinal cedência de passagem, deve usar de todas as cautelas e cuidados necessários, tomando em atenção o trânsito em circulação, para não vir a interferir com a velocidade e a direção do outro ou outros que circulam pela via prioritária.

Em conclusão, entendemos que a responsabilidade pela ocorrência do sinistro deve apenas ser assacada ao condutor do veículo seguro na ré, pelo que procede, nesta parte, a apelação.


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c) Se a autora tem direito a ser indemnizada pela ré do valor em que orçou a reparação do veículo, pago pela sua seguradora ao abrigo da cobertura facultativa de danos próprios.

Pretendia a recorrente ser indemnizada pelo valor em que orçou a reparação do seu veículo, que veio a liquidar em €4.959,55.

Entendeu a decisão recorrida que, uma vez provado que a Companha de Seguros B... pagou à oficina «C...», pela reparação do veículo da autora, ao abrigo da apólice de seguros por danos próprios que a autora, a quantia de €4.609,56 (facto n.º 26), tal pedido deveria improceder pelo facto de a autora, não tendo suportado as despesas com tal reparação, não reunir em si os pressupostos do direito que invoca, carecendo assim de legitimidade substantiva para formular tal pretensão.

Insurge-se a recorrente contra este entendimento, defendendo que a ré, enquanto seguradora do veículo cujo condutor é responsável pelo acidente, deve indemnizar todos os prejuízos sofridos, com fundamento na responsabilidade civil aquiliana, independentemente da sua seguradora ter pago o referido custo de reparação do veículo, ao abrigo da cobertura facultativa “danos próprios”.

Será assim?

Dando por assente, como reconhece autora, que o pagamento do mencionado valor de €4.609,56 à empresa reparadora do veículo acidentado foi realizado ao abrigo da cobertura facultativa “danos próprios” que havia celebrado com a dita companhia de seguros, há que ter presente o que se dispõe no art.º 136.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS)[3]. De acordo com esta norma, “(o) segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro”.

Inserida no título dedicado ao seguro de danos (título II), esta norma tem sido maioritariamente entendida como uma manifestação do princípio indemnizatório (secção III). Isto é, do princípio segundo o qual, no seguro de danos, não pode haver duplicação de indemnização pelo mesmo evento danoso.

Como afirma Romano Martinez[4], “(o) princípio indemnizatório consagrado nesta Secção (arts. 128º a 136º) tem uma justificação tradicional assente na finalidade ressarcitória da responsabilidade civil, tendo em vista inviabilizar o enriquecimento do lesado e prevenindo a provocação voluntária a de danos (…)”.

No Código Civil, a sub-rogação é, sistematicamente, uma forma de transmissão de crédito que tem por base o cumprimento feito por terceiro – cf. art. 589º do Código Civil.

Prevêem-se duas espécies de sub-rogação, uma voluntária, resultante de um contrato celebrado entre o credor e terceiro ou devedor e terceiro (cfr. artigos 589º, 590º e 591º do Código Civil); e outra legal, proveniente do pagamento feito por terceiro interessado na satisfação do crédito. Em qualquer dos casos, e nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 593º do Código Civil, os poderes do novo credor aferem-se pela satisfação dada aos direitos do credor.

A sub-rogação legal prevista no artigo 441º do Código Comercial (hoje artigos 136º e 181º da Lei do Contrato de Seguro), não o é no sentido em que ela é tomada no Código Civil, pois que o segurador não paga para satisfazer uma dívida do terceiro responsável para com o segurado; trata-se de uma transferência legal dos direitos do segurado fora do âmbito daquela sub-rogação[5].

Pode sempre dizer-se, todavia, que esta transferência é ainda sub-rogação legal, embora com características especiais, pois que não é forçoso que todas as sub-rogações legais obedeçam às conceções em que a lei se inspira naqueles artigos e aqui é que parece estar, na realidade, a justificação da sub-rogação: o segurador ao fazer o seguro, pretende obrigar-se a suportar o encargo definitivo do prejuízo do segurado apenas na medida em que não tenha direito de acionar contra terceiro causador do dano, o que se consegue atribuindo-lhe o direito de sub-rogação[6].

O princípio da sub-rogação é um dos princípios que integra o direito dos seguros (ao lado dos princípios do interesse, do indemnizatório e da boa-fé).

A sub-rogação analisa-se em dois aspetos, a saber: evitar que o segurado beneficie com uma perda – obtendo uma dupla indemnização – e garantir à seguradora o direito de ocupar o lugar do segurado e, em seu nome, desencadear as ações necessárias ao seu reembolso.

Se é certo que o lesado tem direito a ser indemnizado pelo lesante e, quando exista seguro desse dano, pela seguradora, não seria justo que houvesse lugar a uma duplicação da indemnização.

Na sub-rogação do segurador, é este sub-rogado na posição do segurado a quem solveu o crédito.  O crédito, portanto, transmite-se do segurado para o segurador, sendo que tal transmissão dá-se automaticamente com o pagamento ao segurado, com eficácia inter partes e perante terceiros, tendo, todavia, para ser eficaz perante o devedor, de ser-lhe comunicada ou por si conhecida (artigos 583º e 584º ex vi artigo 594º do Código Civil)[7].

Assim, na medida em que o preço da reparação do veículo da autora foi suportado pela companhia de seguros B..., ao abrigo da cobertura de danos próprios com aquela contratada, temos de concluir que o crédito da autora se transmitiu a esta última, que ficou sub-rogado na posição da sua segurada.

 Por conseguinte, como afirma a sentença recorrida, a autora não pode exigir da Ré, seguradora do veículo conduzido pelo responsável pelo acidente, o montante necessário para a reparação do seu veículo, na medida em que tal valor foi solvido pela Companhia de Seguros B..., pelo que, nesta parte, improcede a apelação.


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d) Se a autora tem direito a ser indemnizada pela ré pela desvalorização que afeta o seu veículo, apesar de o mesmo ter sido reparado

Defende a recorrente que a invocada desvalorização do veículo deveria ter sido considerado como um dano efetivo a ser indemnizado, uma vez que a “a reparação do veículo da Recorrente não garante, inevitavelmente, que este não tenha sofrido uma desvalorização no montante peticionado, mas também se ignora o seu oposto, mesmo que o veículo tenha sido, como foi, reparado de forma eficiente na oficina da marca, a verdade é que o valor de mercado diminui sempre devido, no mínimo, ao histórico de acidentes do veículo” [conclusão O) das suas alegações de recurso].

Sucede que a desvalorização do veículo conexa com o embate sofrido não se provou. E, contrariamente ao defendido pela recorrente, o facto de o veículo sofrer o acidente não conduz necessariamente à sua desvalorização, desde logo quando não sejam atingidas partes estruturais, como seja o chassis, ou haja lugar à reposição de peças novas[8].

Assim, nesta parte, a apelação é improcedente.


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d) Se a autora tem direito a reclamar da ré a sanção prevista no art.º 40º, n.º 2 da Lei n.º 291/2007;
A recorrente peticionava a condenação da recorrida no valor de €300,00, a título de sanção pecuniária prevista no nº 2 do art.º 40º do DL 291/2007, de 21-08, correspondente a um alegado atraso de 3 dias úteis na comunicação da decisão da não assunção da responsabilidade.
A decisão recorrida considerou não ser devida tal indemnização, sustentando que, “no âmbito do acionamento da cobertura por danos próprios por parte da Autora e, bem assim, considerando a Convenção IDS vigente entre as seguradoras, as comunicações realizadas - e juntas com a petição inicial – foram efectuadas de e entre a B... e não com a Ré. Assim, a comunicação/informação intempestiva e com fundamento insuficiente sempre se reportaria à B... e a ela seria imputável – enquanto emitente das mensagens e interlocutora da Autora – e não à Ré, até porque dos autos nada deflui no sentido de que esta última comunicasse directamente com a condutora do veículo identificado em 1”.
Salvo o devido respeito, não podemos aderir a esta argumentação da sentença recorrida.
É certo que, no caso, resulta demonstrado que a autora optou por reclamar os prejuízos decorrentes do acidente de viação diretamente à sua própria companhia de seguros, a qual, por sua vez, optou por regularizar o sinistro ao abrigo da Convenção IDS (Indemnização Direta ao Segurado).
Como se sabe, a chamada “Convenção IDS” (Indemnização Direta ao Segurado) é um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscrevem, decorrendo do teor de tal Convenção que a mesma visa simplificar os interesses das seguradoras (embora, reflexamente, também os dos sinistrados), surgindo a seguradora do lesado (ali designada como Credora) como uma mera facilitadora ou intermediária no processo indemnizatório de que são partes únicas e verdadeiras o lesado e a seguradora do veículo mediante o qual se provocaram os danos (ali designada como Devedora).
E assim sendo, afigura-se evidente que as consequências jurídicas do sinistro se repercutem sempre e apenas na pessoa da seguradora do lesante, ou seja, a Devedora.
Neste sentido se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07-07-2011[9], em cujo sumário se diz:
“I - A chamada “Convenção IDS” (Indemnização Directa ao Segurado) é um instrumento negocial que apenas envolve as seguradoras que a subscrevem, funcionando como uma res inter alios acta relativamente aos sinistrados.
II - Deste modo, é sempre à seguradora do veículo cujo condutor provocou o acidente que compete reparar o dano, não à seguradora do veículo do lesado.
III - É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado.
IV - Consequentemente, as implicações danosas acrescidas (“agravamento do dano”) emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado, sem prejuízo dos prazos de prescrição.”
Nos presentes autos, mostra-se provada a responsabilidade civil da ré, enquanto seguradora do veículo considerado responsável pelo acidente, pelo que, no caso, o facto de não ter sido a ré a interlocutora da autora não seria suficiente para afastar a sua responsabilização nos termos requeridos.
No entanto, cremos que, em face da factualidade provada, não se mostram verificados os requisitos necessários para a pretendida condenação da Ré nos termos do disposto no n.º 2 do art. 40º do DL 291/2007.

Vejamos, então.

Dispõe o art.º 36º, nº 1, do DL 291/2007 (com a epígrafe Diligência e prontidão da empresa de seguros):
«1- Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:
a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;
(…)
e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do 12/01/2021 termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico;
Nos termos do nº 1 do art.º 38º do mesmo diploma legal, a posição prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 36º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
E, de acordo com o preceituado no nº 1 do art. 40º do mesmo diploma legal, a comunicação da não assunção da responsabilidade, “consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos: a) A responsabilidade tenha sido rejeitada; b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada; c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis”.
Por seu turno, dispõe o n.º 2 do dito art.º 40 que “em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.ºs 1 dos artigos 38º e 39º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1º. dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em iguais artes de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso”.

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Decorre da conjugação destas normas que o citado nº 2 do artº 40º rege para quando a seguradora se atrasa na emissão de pronúncia quanto ao acidente e, quando o faz, é para descartar a sua responsabilidade.
A quantia ali prevista assume a natureza de uma sanção compulsória tendente a incentivar/obrigar a seguradora a sair de tal inação e emitir pronuncia, e, ainda, sancionatória para o facto de, pronunciando-se, o fazer para não assumir a responsabilidade e, ademais, fora de prazo[10].
Para o nº 2 do artº 40 e como dimana da remissão deste segmento para o nº1 do mesmo preceito, e, deste, para a alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º, o lapso temporal a considerar para aplicação da sanção compulsória/sancionatória é apenas o que medeia entre o termo do prazo legal para a pronúncia da seguradora e a data da sua tomada de posição negatória de responsabilidade.
Ora, na decisão recorrida, com relevo para a apreciação desta questão, provou-se que:

15. Através de e-mail datado de 16 de Outubro de 2022, a Autora remeteu comunicação para o endereço ..........@..... com o seguinte teor: «Na qualidade de mandatário da V. tomadora do seguro automóvel com apólice de seguro com o n.º ...10, AA, venho participar um acidente sofrido ontem, sábado, dia 15-10-2022 pelas 23h00, na R. ..., na ..., conforme melhor exemplificado na declaração amigável que se envia em anexo, bem assim como toda a documentação pessoal e fotografias que retratam o mesmo. A segurada não assume qualquer culpa, porquanto circulava na sua faixa de rodagem e foi repentinamente abalroada e embatida pelo veículo mercedes, matrícula ....-HC, que não parou para dar prioridade à minha cliente que se apresentava pela direita, não havendo qualquer sinal de STOP. Nesse sentido, o veículo segurado foi enviado para a oficina da marca, a C..., na ..., para a respetiva peritagem. Mais solicita a minha cliente que V. Exas. lhe atribuam um veículo de substituição para poder trabalhar.»

16. Através de e-mail datado de 21 de Outubro de 2022, a sociedade B... comunicou à Autora o seguinte: «Informamos que conforme solicitado por V. Exa., procedemos à vistoria condicional do veículo em referência, tendo a sua reparação sido orçamentada em 3775,38€ e 3 dias de reparação. Informamos V. Exa. que o nosso processo se encontra ainda em fase de instrução pelo que não nos é possível, por enquanto, pronunciarmo-nos quanto a responsabilidades. Isto significa que a vistoria, efectuada a título condicional, não envolve qualquer compromisso ou assunção de responsabilidade por parte desta Seguradora, nomeadamente, quanto ao pagamento da reparação. Os danos emergentes deste sinistro serão regularizados logo que, e na exacta medida, em que forem apuradas as responsabilidades. A vistoria condicional teve como objectivo não protelar o início da reparação, nem impedir qualquer outra decisão que entenda tomar.»

17. Através de e-mail datado de 22 de Outubro de 2022, que a Autora remeteu à sociedade B..., comunicou o seguinte: «tendo em conta a comunicação infra, que enviaram à minha cliente, tomo a liberdade de enviar três fotos retiradas do google maps onde se pode constatar nitidamente a existência de um sinal de trânsito que dá prioridade ao veículo da minha cliente, vossa segurada, em detrimento da falta de prioridade para quem entra na via, como sucedeu com o veículo que provocou o sinistro. Além disso, pode reparar-se que a rua em causa é muito estreita e não está dividida por marcação horizontal, não existindo hemifaixa definida para cada veículo, daí o referido sinal bem visível que dá prioridade à minha cliente. Nestes termos, tão límpidos para qualquer pessoa normal, não se entende o protelar da assunção de responsabilidades.»

18. Através de e-mail datado de 25 de Outubro de 2022, a sociedade B... comunicou à Autora o seguinte: «informamos que o sinistro em apreço está a ser regularizado ao abrigo da Convenção CIDS (Condição Especial Indemnização Directa ao Segurado) tendo em conta os respectivos prazos e regras de enquadramento. De momento o processo encontra-se na fase de troca de elementos entre as companhias a fim de cada uma fundamentar a sua posição. Assim, não nos é possível, para já, avançar com a regularização dos danos, uma vez que as companhias ainda não chegaram a acordo quando à definição de responsabilidade».

19. Através de e-mail datado de 11 de Novembro de 2022, a sociedade B... declarou à Autora o seguinte: «informamos que a responsabilidade pela produção do acidente em referência deve-se ao veículo ..-..-AJ, em 100%, por o seu condutor transpor o eixo médio da via, respeitando o n.º 1 do Art.º 13 e o n.º 2 do Art.º 18, ambos do Código da Estrada».

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Isto posto, afigura-se-nos inequívoco que, tendo a autora participado o sinistro à sua seguradora no dia 16 de Outubro de 2022 – que optou por regularizar o sinistro ao abrigo da Convenção CIDS (Condição Especial Indemnização Direta ao Segurado) – teria a autora de ser contactada no prazo de 2 dias úteis seguintes, marcando a peritagem do veículo desta, e, nos 30 dias úteis seguintes, deveria ser-lhe comunicada a assunção ou não da sua responsabilidade relativamente ao acidente e aos danos por ela sofridos, por força do disposto no referido art.º 36º, nº 1, als. a) e e) do DL. 291/2007, de 21.08.
O prazo (30+2 dias úteis) para lhe fazer tal comunicação terminaria, pois, em 28 de novembro de 2022,
Uma vez que a seguradora da autora lhe comunicou em 11 de novembro (ou seja antes do termo desse prazo) que considerava que a responsabilidade pelo sinistro lhe deveria ser integralmente assacada – o que equivale à comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos por banda da congénere, aqui ré[11] – não assiste fundamento legal para reclamar da ré o mencionado valor, pelo que também nesta parte o recurso improcede.
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e) Do valor da indemnização do dano resultante da paralisação do veículo.
Não está em causa a existência do prejuízo, nem a delimitação temporal (45 dias) da privação de uso do veículo da autora considerados na sentença recorrida, mas tão somente o valor da indemnização que, de acordo com juízos de equidade, tendo por base o tipo de veículo em causa e a utilização que a autora dele fazia, foi ali fixado, no montante diário de €15,00 (quinze euros).
Pretende apelante que tal indemnização seja fixada com base no valor diário de €25,00, defendendo que o valor fixado pela Mmª juiz a quo é desadequado, já que “considerou somente o preço/dia de um caro de aluguer “low cost”.
Entendeu a decisão recorrida que a indemnização deveria ser fixada, na sua globalidade, por recurso ao critério da equidade, desconsiderando assim o que ficou provado sob o n.º 28 (Em data não concretamente apurada, mas compreendida entre sexta e segunda feira alugou um veículo pelo qual pagou a quantia global de pelo menos €100,00).
Decorre deste último facto que a autora logrou demonstrar um prejuízo efetivo – correspondente à diferença patrimonial entre a situação atual e a que teria se não tivesse ocorrido o evento – quantificável em €100,00 e que diz respeito à paralisação do seu veículo por quatro dias (equivalente aos €25,00/dia que a apelante defende deve ser o valor adequado para calcular a indemnização do prejuízo em análise).
No que concerne aos restantes quarenta e um dias de paralisação, temos como correto o entendimento expresso na decisão recorrida, que aqui se dá por reproduzida, a fim de evitar repetições.
Com efeito, constitui esta privação do uso um dano indemnizável por si mesmo, pelo que e quando não estejam demonstrados/provados outros prejuízos concretos e efetivos, será o dano fixado com recurso a juízos de equidade pela privação do uso.
É também nosso entendimento que o dano da privação de uso, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não deve aferir-se pelo valor locativo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado (na medida em que o custo do aluguer de um veículo além de cobrir as margens de lucro da atividade económica da empresa locadora, tem também necessariamente de cobrir os custos inerentes ao exercício de tal atividade)[12], pelo que se considera ajustado o valor diário de €15.00 fixado na decisão sob recurso.

Assim, a indemnização do dano da privação de uso de veículo sofrido pela autora deverá ser fixado no montante global de €715,00 [ou seja, €100,00 + (41 x €15,00)].


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Em conclusão, a indemnização a que a que terá direito a autora, da responsabilidade da ré ascende ao valor global de €715,00 (setecentos e quinze euros), a que acrescerão os peticionados juros de mora, à tala legal de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, ao abrigo dos artigos 559.º, n.º 1, 805.º, n.º 2, al. b) e n.º 3 e 806.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 08/04.

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Sumário (art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil)

(…).


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V. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar parcialmente procedente a apelação da autora, em consequência do que revogam parcialmente a sentença apelada, condenando a ré no pagamento à autora do montante de €715,00 (setecentos e quinze euros), a que acrescerão juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

No mais, confirmam a decisão apelada.

Custas da ação e da apelação, por autora e ré, na proporção dos respetivos decaimentos.


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Coimbra, 12 de novembro de 2024

Com assinatura digital:
Hugo Meireles
Luís Miguel Caldas
Anabela Marques Ferreira

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)





[1] Art. 13º do Código da Estrada: 1 - A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.
2 - Quando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direção.
3 - Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direção.
4 - Quem infringir o disposto nos n.os 1 e 3 é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, salvo o disposto no número seguinte. 5 - Quem circular em sentido oposto ao estabelecido é sancionado com coima de (euro) 250 a (euro) 1250;
O art. 18º do Código da Estrada preceitua: 1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis; 2 - O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto; 3 - O condutor de um veículo motorizado deve manter entre o seu veículo e um velocípede que transite na mesma faixa de rodagem uma distância lateral de pelo menos 1,5 m, para evitar acidentes; 4 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.
[2] Nestes sentido, entre outros os Ac. do STJ de 12-09.2019 e de 18-01-2022, processos n.ºs 274/12.4TBVCT.G1.S1 e 2318718.7T8AVR.P1.S1, respetivamente, ambos in www.dgsi.pt.

[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
[4] Lei do Contrato de Seguro (Anotada), Almedina, 2016, 3ª Edição, pag. 414.
[5] VAZ SERRA, R.LJ., 94º, p. 226.
[6] VAZ SERRA, ob. cit., p. 227.
[7] A SUB-ROGAÇÃO DO SEGURADOR NOS SEGUROS DE DANOS NOS DIREITOS PORTUGUÊS E BRASILEIRO: EFICÁCIA, ÂMBITO DE APLICAÇÃO, EXCEPÇÕES OPONÍVEIS E ÓNUS DE A NÃO PREJUDICAR Francisco Rodrigues Rocha - https://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2018/4/2018_04_0809_0846.pdf
[8] Cf. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15-11-2012, processo n.º 290/09.3TBVVD.G1
[9] Processo 2843/09.0TBVCT.G1, in www.dgsi.pt
[10] Cf. Ac. do TR Coimbra de 4-02-2020, processo n.º 558/18.8T8FIG.C1, in www.dgsi.pt.

[11] Como se diz no Ac. do TR Porto de 12.09.2022 (Processo nº 884/20.6T8LOU.P1, in http://www.dgsi.pt/): “Considera-se ter a seguradora cumprido a sua obrigação de comunicação ao lesado da posição que tomou sobre a responsabilidade, se a mesma o fez através da seguradora deste, no âmbito da Convenção IDS.

[12] Neste sentido, cf. entre outros, o Acórdão da RC de 5-03-2024, processo n.º 3106/20.6T8VIS. C2, in www.dgsi.pt