I – O dever de convite ao aperfeiçoamento dos articulados apenas se impõe perante uma insuficiente ou imprecisa exposição ou concretização da matéria de facto, que não abranja o núcleo essencial dos factos integradores da causa de pedir, mas não abarca a fundamentação jurídica invocada pela parte, que não vincula o tribunal, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz.
II – Assim, o facto de os réus/reconvintes não terem indicado as razões de direito em que fundam o pedido reconvencional não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art.º 590.º, do CPCiv., que impusessem despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
Banco 1... S.A. intentou a presente acção declarativa contra AA e BB, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que, pela sua procedência, se reconheça a Autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado e descrito no artigo 1.º da petição inicial, consequentemente serem os Réus condenados a entregá-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens; bem como condenados a pagar à Autora, a título de indemnização pelos danos causados, a importância de €17.874,94, calculada até outubro de 2018 e, ainda, a contar desta data, o montante mensal de € 384,90, correspondente ao valor da última renda fixada, até à entrega efetiva do imóvel, com actualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal sobre o montante total da indemnização até ao integral e efetivo pagamento.
Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que adquiriu, mediante adjudicação em execução em 25/11/2014 o prédio misto, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob os artigos ...83 e ...86 e na matriz predial urbana sob o artigo ...54 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15, o qual se encontra registado definitivamente a seu favor, tendo entrado na posse material e efectiva do mesmo em 30.06.2015, quando foram substituídas as fechaduras do imóvel, porém, em 24.07.2015, no âmbito de visita que efectuou ao imóvel, constatou que os Réus haviam voltado a substituir as fechaduras do mesmo e que ali permaneciam, sem título para o efeito e à sua revelia, o que se mantém até à presente data.
A Autora acrescentou ainda que se o imóvel lhe tivesse sido entregue, como deveria ter sido, na data da aquisição, poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento, através de empresas do GRUPO Banco 1..., mais vocacionadas para essa actividade comercial, podendo obter, desde a data de adjudicação do mesmo, isto é, 25.11.2014 até à presente data, um rendimento global de pelo menos € 17.874,94, dos quais pretende ser indemnizada.
Os RR contestaram a acção, por impugnação, defendendo que nunca foram interpelados pela Autora para entrega do imóvel, tendo manifestado sempre vontade de o adquirir e decorrido várias negociações entre as partes tendentes à sua aquisição pelos RR, o que a Autora protelou, exigindo o pagamento do remanescente ainda em dívida, avançando ainda que o imóvel não poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento por não possuir certificado energético, licença de utilização, saneamento, água, fossa séptica, acesso à parte rústica e PDM, sendo os valores peticionados manifestamente excessivos e infundados, sendo que, tendo a Autora perdido o acesso à parte rústica por sentença já transitada em julgado, a mesma não tem à data servidão de passagem, olvidando os custos necessários para a obter se quiser beneficiar dos prédios rústicos.
Os RR alegaram também que é graças a si que o imóvel se encontra em condições de habitabilidade e salubridade, tendo sido o seu filho quem realizou as obras de conservação e melhoramento do imóvel na sequência do contrato promessa de compra e venda que com o mesmo celebraram, em 10 de Agosto de 2010.
Os RR deduziram, por fim, pedido reconvencional onde alegam que se não fosse a sua actuação o imóvel não existiria, dado que o preservaram e defenderam do flagelo dos incêndios ocorridos no concelho ... no ano de 2017, o que fizeram com a ajuda de pessoas amigas a quem recorreram, por forma a impedirem que o fogo deflagrasse e incendiasse o imóvel, combatendo, eles próprios esse incêndio. pelo que a Autora lhes deve o valor correspondente ao valor real do imóvel, no montante de 37.500,00€ (trinta e sete mil e quinhentos euros), devendo ser-lhes ainda arbitrada quantia nunca inferior a 10.000,00€ (dez mil euros) título de danos não patrimoniais por terem arriscado as suas vidas e bem assim a quantia de 3.000,00 (três mil euros) a título de danos morais, pois que, não mais se esqueceram daquele dia, da aflição e sufoco que viveram.
Os RR pedem, pois, a condenação da Autora/Reconvinda no pagamento da quantia global 50.500,00€ (cinquenta mil e quinhentos euros) ou, caso assim não se entenda, a ser devido algum valor pecuniário à Autora, que ocorra compensação entre esse valor e a quantia devida aos RR.
Em sede de Réplica, a Autora/Reconvinda impugnou os factos alegados pelos RR e arguiu a sua ilegitimidade passiva, argumentando que não pode ser responsabilizada pelos incêndios ocorridos em Outubro de 2017 e, como tal, nenhuma obrigação indemnizatória lhe pode ser assacada.
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Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se afirmou a validade e regularidade da instância, relegando-se para a sentença o conhecimento da arguida ilegitimidade, tendo-se fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
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CC veio deduzir, por apenso, incidente de oposição espontânea, prevista no artigo 333.º do CPC, contra as partes da acção (Autora e RR), alegando para tanto ter celebrado com os RR, AA e BB, em 10 de Agosto de 2010, um acordo escrito que denominaram de "Contrato-promessa de Compra e venda”, por força do qual aqueles lhe prometeram vender o prédio urbano, composto por casa de habitação, sito na Quinta ... em ..., nº ...91, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...54, o qual, por sua vez, declarou prometer comprar, pelo preço de € 25.000,00, integralmente pago, tendo realizado, a partir dessa data, obras, acabamentos e benfeitorias necessárias à sua habitabilidade, designadamente obras urgentes, em face do seu estado de deterioração, obras estas que, importaram na sua globalidade, em pelo menos, 25.500,00€ (vinte e cinco mil e quinhentos euros), valor de que pretende ser indemnizado, sob pena de se verificar o enriquecimento sem causa por parte do titular do imóvel, sustentando ainda que goza do direito de retenção sobre o mesmo nos termos do artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do CC.
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Admitida liminarmente, a oposição foi contestada apenas pela Autora Banco 1... SA, invocando a mesma a ineptidão da petição inicial da oposição, sustentando que o contrato promessa de compra e venda não lhe é oponível dado que foi celebrado depois do registo da penhora realizada na execução n.º 163/04...., que correu termos na Secção de Execução-J1 da Instância Central do Tribunal da Comarca de Viseu, inscrita pela Ap. 07 de 25.01.2005, adiantando ainda que a promessa é nula por incidir em parte de um imóvel que não foi legalmente desanexado, impugnando, por fim, que alguma vez o Opoente tenha estado na posse desse imóvel e que o contrato-promessa de compra e venda seja genuíno, dado que só aparece depois da tomada de posse e nenhuma prova é feita do pagamento do preço, assacando-lhe ainda o vício de nulidade por não ser possível determinar qual é o bem sobre o qual é pretendida a produção de efeitos.
Mais defende a Requerida que o referido imóvel lhe foi entregue em 30.06.2015 o que extinguiria o invocado direito de retenção, o qual também não se pode constituir relativamente a benfeitorias realizadas de má-fé, tendo em mente que o Opoente sabia da pendência da referida acção executiva, concretamente da penhora do imóvel e da sua venda executiva.
A Requerida pede, por fim, a condenação do Opoente como litigante de má-fé por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
O Opoente respondeu à matéria de excepção pedindo, muito resumidamente, a sua improcedência, conforme melhor se colhe do respectivo articulado que aqui se reproduz por brevidade de exposição.
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Realizada a audiência prévia no âmbito dos autos em apenso, na sua sede foi julgada improcedente a nulidade total do incidente de oposição por ineptidão da petição inicial, foi julgada extinta a instância, por impossibilidade da lide, relativamente ao pedido formulado contra os Requeridos AA e BB, por força da sua declaração de insolvência, foi determinada a tramitação conjunta do incidente com a causa em que se insere, tendo sido ainda afirmada a validade e regularidade da instância, com fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de 358 a 372 v.º, na qual se considerou a matéria de facto dada como provada e não provada e a respectiva fundamentação e, a final se decidiu o seguinte:
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente,
a) reconheço a Autora como dona e legítima proprietária do prédio misto sito em Quinta ..., composto de casa de habitação, dependência a norte, cultura, vinha e pinhal, a confrontar de norte com DD e EE, sul e nascente com FF e EE e poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... e ... sob os artigos ...94 e ...97 (com origem nos artigos ...83 e ...86) e na matriz predial urbana sob o artigo ...09 (com origem no artigo ...54), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15.
b) condeno os RR a entregá-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens.
c) declaro extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de condenação dos RR, insolventes, no pagamento à Autora, de uma indemnização pelos danos causados;
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Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional e os pedidos deduzidos pelo Opoente e, consequentemente, deles absolvo a Autora.
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Custas da acção a cargo de Autora e dos Réus na proporção de 15% para a primeira e 85% para os segundos, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiguem, por observância do disposto no artigo 536.º, n.º 1 e 2, alínea e) do CPC.
Custas da reconvenção a cargo dos RR, sem prejuízo do apoio judiciário com que litigam.
Custas da Oposição a cargo do Opoente.”.
Inconformados com a mesma, interpuseram recurso, os réus BB e AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 392), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
I. A forma de processo tem de ser determinada em função do pedido deduzido pela Autora em sede de petição inicial e a causa de pedir que invoca para sustentar esse pedido.
II. Nos presentes autos, e para o que aqui interessa, a Autora pediu para que se reconhece-se como dona e legítima proprietária do imóvel identificado e descrito no artigo 1.º da petição inicial, consequentemente serem os Réus condenados a entregá-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens.
III. Resultando da sentença, como questões a decidir o direito de propriedade da Autora sobre o prédio objecto dos autos e da sua restituição pelos RR; e o direito dos RR/Reconvintes em serem indemnizados pela Autora;
IV. Não obstante, mal andou o Tribunal “a quo”, ao pronunciar-se sobre factos que não se encontravam limitados pela causa de pedir e pelo pedido da Autora, ora recorrida.
V. Nomeadamente quando na Sentença elenca na sua Fundamentação da decisão de facto que “Por outro lado, importa deixar bem claro que nunca foi objecto da perícia delimitar o prédio reivindicado, tendo essa questão sido suscitada pelos RR e pelo Interveniente já no decurso da perícia, estamos convictos, para confundir e protelar a instrução desta acção, sendo certo que, em sede de contestação ou mesmo no requerimento inicial da oposição, nunca puseram em causa que o prédio reivindicado fosse constituído por uma parte urbana e uma parte rústica e/ou tivessem questionado a descrição que se deixou consignada em A dos factos provados. “
VI. Sendo assim certo que os RR nunca puseram em causa que o prédio reivindicado fosse constituído por uma parte urbana e uma parte rústica. Sendo também certo que não tivessem questionado a descrição, porque se reitera, estamos perante uma ação de reivindicação. Sendo que tais elementos, prender-se-iam com a delimitação/definição das
estremas entre prédios contíguos, propriedade de donos distintos.
VII. E assim, o Tribunal “a quo” tomou conhecimento de questões que não podia conhecer, pois que, nem suscitadas haviam sido, e assim, não impendia sobre os RR. qualquer dever de impugnação, ao contrário do que pretende fazer crer o Tribunal de 1ª Instância.
VIII. E assim, consideramos existir nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, nulidade que desde já se argui para os devidos efeitos legais.
IX. Pois que, em bom rigor, pretendeu o Tribunal “a quo”, ao abrigo da ação de reivindicação pronunciar-se sobre a demarcação, definindo as estremas entre dois prédios contíguos, propriedade de donos distintos, perante o estado de indefinição/incerteza das respetivas estremas quando tal não foi suscitado pela Autora no pedido nem na causa de pedir.
X. “A distinção entre ação de reivindicação e de demarcação passa por verificar se perante o(s) pedido(s) e causa(s) de pedir invocadas pelo Autor em sede de petição – a relação jurídica material por ele delineada – se invoca um conflito de títulos de aquisição dos prédios ou um conflito de prédios. Se na ação se discute o título de aquisição dos prédios, então a ação é de reivindicação (conflito de títulos). Se na ação
não se discute o título de aquisição dos prédios, mas a relevância deles em relação ao prédio, no sentido de se saber onde acaba um e começa o outro (conflito de prédios), a ação é de demarcação.”
XI. E do mesmo modo actuou o Tribunal “a quo”, ao pronunciar-se sobre a acção declarativa que correu termos contra a ora Autora e RR, cometendo, uma vez mais nulidade, por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, que desde já se argui para os devidos efeitos legais, quanto à posição tomada pelo Tribunal “a quo” acerca da posição sobre a ação declarativa que correu termos contra a Autora e RR, porquanto, não competia aos RR, por não se tratar de uma acção de demarcação, impugnar e provar que a Autora havia perdido o acesso à parte rústica por sentença transitada em julgado, e em que moldes, nem como já se disse competia ao Tribunal “a quo” delimitar tais terrenos, como infra melhor resulta das transcrições efectuadas em sede de alegações e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os
devidos efeitos legais.
XII. E o mesmo resulta de excesso de pronuncia quanto ao ponto provado em O, porquanto, não se tratando de acção de demarcação, não competia aos RR., ao contrário do sustentado pelo Tribunal “a quo”, provar o que fosse como supre já se deixou dito “ (…) que o imóvel não possua saneamento, água, fossa séptica e acesso à parte rústica, bem como PDM (cf. facto g) tendo em mente que afirmaram exactamente o inverso na memória descritiva que foi elaborada a seu pedido no processo de licenciamento de obras já referido (cf. pontos 5 e 8 dessa memória descritiva) e essa realidade também não se extrai dos relatórios periciais juntos aos autos, tendo em mente a configuração do prédio que resultou provada em A.”
XIII. E assim, mal andou o Tribunal “a quo”, ao pronunciar-se sobre factos que não se encontravam limitados pela causa de pedir e pelo pedido da Autora, ora recorrida.
XIV. E isto, porque estatui o artigo 659º, nº 3 do Código do Processo Civil que “Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer” – sendo que como já se deixou dito reiteradamente não lhe cumpria conhecer de tais provas por não se tratar de uma ação de demarcação.
XV. O Tribunal a quo dá como provados os seguintes factos P., Q., R., S. e T., para em seguida, aludir na fundamentação de direito que “(…) Os RR não indicaram, como lhes é legalmente imposto, as razões de direito que servem de fundamento à reconvenção (cf. artigo 583.º, n.º 1 do CPC). (…)”
XVI. Salvo melhor entendimento, sempre ao abrigo do disposto no artigo 590º nº 2 alínea b) e nº 3, sempre deveria ter existido convite ao aperfeiçoamento de referido articulado da reconvenção.
XVII. E assim, a omissão do convite ao aperfeiçoamento redunda em nulidade processual, nulidade esta que desde já se argui para os devidos efeitos legais. Omissão esta, que como resulta da Sentença de que se recorre, influiu no exame e decisão da causa, pois que, é inegável que a pretensão indemnizatória dos AA. encontra tutela jurisdicional.
XVIII. E assim, verificando-se a referida nulidade processual, nos termos do disposto 195º, do CPC, salvo o devido respeito, existe uma vez mais excesso de pronúncia, pois que, se tal convite houvesse existido teria o mesmo sido devidamente suprido.
XIX. Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre se verificaria a mesma nulidade, porquanto, já havia sido decidido por Despacho Saneador proferido em 15-04-2021, referência CITIUS nº 87878879 a identificação do objeto do litígio e os temas da prova, mais resultando evidente que tal despacho não foi objecto de reclamação!!
XX. E encontra essa tutela jurisdicional, no PRINCÍPIO DA BOA FÉ CONTRATUAL. Isto porque, resultou, e bem, da fundamentação que, “Demos como provado que os RR encetaram negociações com vista à aquisição do imóvel, nos termos que ficaram consignados em M e N , por relevarmos o depoimento sério e rigoroso da própria Dra. GG conjugando-o com o teor da carta subscrita pelos RR, junta como documento 4 da petição inicial, valorizando ainda o testemunho de HH, a qual confirmou terem existido vários contactos por parte dos RR e, posteriormente, do seu filho ora Interveniente, tendo em vista a aquisição do imóvel. (…)”
XXI. Desta forma, a A. foi criando fortes e sérias expectativas aos RR. que a casa lhes fosse adjudicada, tratando-se, assim, de responsabilidade da A. decorrente de desta violação da boa fé exigida nos preliminares de qualquer contrato que viesse a efetivar-se, e por esse motivo, incumbe à ora recorrida indemnizar os recorrentes, nos termos peticionados no pedido reconvencional. E isto porque, o tribunal “a quo” se havia “Convencemo-nos da realidade ínsita em P. a S. por valoração dos depoimentos imparciais e objectivos de II e JJ, os quais, por terem estado presentes aquando da deflagração do incêndio nas imediações da cidade ..., convenceram quanto à ocorrência desses factos. (…) O depoimento de KK, amiga dos RR e Interveniente, serviu igualmente para convencer quanto à perigosidade do incêndio de Outubro de 2017 na zona onde o imóvel se situa, afirmando que tudo estava a arder ali ao lado e que não havia bombeiros disponíveis para fazer esse combate (constituindo esse acontecimento de 15 de Outubro de 2017 na zona centro do país um facto público ao qual o julgador também não é alheio).”
XXII. Não obstante, dá como não provado os factos k), l), m) e n), o que, segundo as regras da experiência comum, permite concluir que foi a actuação dos ora recorrentes que permitiu preservar e defender o imóvel do flagelo dos incêndios ocorridos no concelho ... no ano de 2017, o que fizeram com a ajuda de pessoas amigas a quem recorreram, por forma a impedirem que o fogo deflagrasse e incendiasse o imóvel, combatendo, eles próprios esse incêndio, como resultou à saciedade da prova testemunhal dada como assente e supra transcrita.
XXIII. E assim, mal andou o Tribunal “a quo” ao ter absolvida a Autora lhes do valor correspondente ao valor real do imóvel, no montante de 37.500,00€ (trinta e sete mil e quinhentos euros), e do arbitramento da quantia de 10.000,00€ (dez mil euros) título de danos não patrimoniais por terem arriscado as suas vidas e bem assim a quantia de 3.000,00 (três mil euros) a título de danos morais, pois que, não mais se esqueceram daquele dia, da aflição e sufoco que viveram.
XXIV. Conclui-se desta forma ter sido foram violados os dispostos nos artigos 195º, 583º1, 590º 2 b) e 3, 615º nº 1 d), 659 nº 3 todos do CPC e 562 do CC.
Termos em que, e nos melhores de direito que V/ Exas. mui doutamente suprirão, Deve dar-se provimento ao recurso, retirando-se dele as questões suscitadas no presente recurso sobre a fundamentação da decisão de facto que resultaram num excesso de pronuncia,
Ser julgado procedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR, ora recorrentes.
Contra-alegando, a autora, Banco 1..., pugna pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida, com o fundamento em que:
- a sentença recorrida não padece da invocada nulidade, porque não procedeu a qualquer delimitação ou demarcação entre prédios, apenas se rebatendo, em sede de fundamentação da matéria de facto, o que os próprios réus haviam alegado quanto à anterior sentença;
- o convite de aperfeiçoamento a que se alude no artigo 590.º, n.º 2, al. b), do CPC, tem que ver com a insuficiência dos factos alegados e não com a perspectiva/fundamentação jurídica em que a parte sustenta a sua pretensão e;
- que o pedido reconvencional não tem qualquer fundamento por a origem do incêndio não ser da sua responsabilidade, inexistir qualquer dano para os réus pelo facto de a casa não ter ardido e ainda porque não se provou que os réus a defenderam do fogo, na convicção de que a casa lhes seria adjudicada.
Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:
A. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC;
B. Se deveria ter existido convite ao aperfeiçoamento do articulado em que se deduziu o pedido reconvencional, o que acarreta a nulidade de todo o ulterior processado e;
C. Se se verificam os pressupostos para a autora ser condenada no pagamento aos réus das quantias peticionadas a título de reconvenção.
É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:
A. O prédio misto sito em Quinta ..., composto de casa de habitação, 103 m2, dependência a norte, 61,5m2, cultura, vinha e pinhal 2.384 m2, a confrontar de norte com DD e EE, sul e nascente com FF e EE e poente com caminho, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... e ... sob os artigos ...94 e ...97 (com origem nos artigos ...83 e ...86) e na matriz predial urbana sob o artigo ...09 (com origem no artigo ...54), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...15, encontra-se registado definitivamente a favor da Autora pela Ap. ...01 de 2014/11/25 (1.º e 4.º da PI e certidão junta a fls. 9).
B. A Autora adquiriu o dito prédio mediante adjudicação na execução n.º 163/04...., em 25/11/2014, na qual eram executados AA, BB, LL e MM, livre de quaisquer ónus ou encargos, pela quantia de €56.000 (3.º e 4.º PI, 12.º Cont. Oposição e título de transmissão junto a fls.9 verso e 10).
C. Nesse processo 163/04...., que correu termos na Secção de Execução-J1 da Instância Central do Tribunal da Comarca de Viseu, esteve penhorado o seguinte imóvel: prédio MISTO, sito em Quinta ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...83 e ...86 na parte rústica e artigo 754 na parte urbana, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...37 (7.º Cont. Opo.)
D. A penhora esteve registada pela Ap. 07 de 25.01.2005 (8.º Cont. Opo.)
E. Aquando da instauração da execução e registo de penhora o referido prédio misto descrito sob a ficha ...37 tinha como titulares inscritos MM e LL (Ap. 13 de 15.09.2000) e inscrita uma hipoteca a favor da Banco 1..., SA (Ap. 14 de 15.09.2000) (9.º Cont. Opo).
F. Após a referida aquisição a Autora pretendeu entrar na posse material e efectiva do identificado prédio, o que sucedeu em 30.06.2015, conforme auto de entrega junto a fls. 10 verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo nessa data mandado substituir as fechaduras do imóvel (5.º e 6.º PI).
G. No dia 30/06/2015 quem se apresentou ao Agente de Execução foram os 1ºs Requeridos/RR (20.º Cont. Opo).
H. Tendo os 1ºs Requeridos/RR solicitado prazo de uma semana para retirarem os bens móveis de sua propriedade que na casa de habitação se encontravam (21.º Cont. Opos).
I. Os 1ºs Requeridos/RR declararam não ter necessidade de local para pernoitarem, estando presentes representantes da Segurança Social e da Câmara Municipal para efeitos de realojamento (22.º e 23.º Cont. opos.).
J. Em Julho de 2005 os Réus voltaram a substituir as fechaduras do imóvel, ocupando o mesmo sem o consentimento da Autora (2.º e 7.º PI).
K. O referido imóvel poderia ter sido colocado no mercado de arrendamento, através de empresas do GRUPO Banco 1..., vocacionadas para essa actividade comercial (12.º PI)
L. O valor locativo do imóvel aludido em A seria, em 2022, de cerca de €300,00 mensais (12.º e 14.º da PI).
M. A carta remetida pelos RR à Autora em 07 de Janeiro de 2015, constituindo o documento 4 junto com a PI., resultou da informação dada pela Sra. Dra. GG para encetarem negociações no decorrer de uma das deslocações dos RR. à sede da A. (6.º Cont).
N. Os RR encetaram negociações com vista à aquisição do imóvel, o que fizeram, quer pelo envio da referida carta, quer deslocando-se a Lisboa, à sede do Banco da Autora, quer por contactos telefónicos com a Dra. GG (12.º Cont).
O. O imóvel aludido em A) não possui certificado energético e está isento de licença de utilização (23.º Cont).
P. Os RR defenderam o imóvel do flagelo dos incêndios ocorridos no concelho ... no ano de 2017 (41.º Cont).
Q. Não fosse os RR se encontrarem nas imediações do imóvel, no dia 15 de Outubro de 2017, o mesmo poderia ter sido queimado pelo fogo, como tantos outros foram (42.º Cont).
R. O que fizeram com a ajuda de pessoas amigas a quem recorreram, por forma a impedirem que o fogo deflagrasse e incendiasse o imóvel (43.º Cont).
S. Atenta a dimensão dos fogos, os bombeiros encontravam-se todos ocupados com a difícil tarefa que lhes assistia (44.º Cont).
T. O valor real do imóvel aludido em A. equivale a cerca de €56.854,00 (47.º Cont).
U. Os RR foram citados na qualidade de Réus, assim como o foi a Banco 1..., os primeiros por serem ocupantes do imóvel e a Banco 1... por ser a sua proprietária, em acção contra todos movida por NN, a que foi atribuído o número de processo 197/17.... - Tribunal Judicial da Comarca de Viseu - Juízo de Competência Genérica ... (16.º Rép).
V. No âmbito da acção referida em U foi proferida sentença em 18.09.2018, transitada em julgado, a condenar os Réus a reconhecer que o A. é legítimo proprietário do prédio identificado em 1 dos factos provados; a declarar que a estrema norte de tal prédio com o dos RR. identificado no ponto 1 na alínea b), dos factos provados, se faz inicialmente vindo do nascente através dum muro de pedra que sustenta a terra do prédio do A., seguindo em linha recta pela face externa sul do barracão referido em 15 dos factos provados até topar no caminho de acesso ao prédio do Autor; condenou os Réus a restituir ao A. a faixa de terreno de que ilegitimamente se apoderaram identificada nos pontos 18º e seguintes dos factos provados, que se situa para sul para linha de estrema referida em B) e entre esta linha e a sebe referida no ponto 19º dos factos provados; condenou os RR. BB e AA, a repor o solo de tal faixa de terreno e o respectivo muro de suporte no estado anterior à ocupação e a retirar a cancela, no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença e condena os RR. BB e AA na sanção pecuniária de 10€ por cada dia em que perdure o incumprimento da decisão que venha a ser proferida e os condene na reposição; condenou os RR. BB e AA a absterem-se de depositar quaisquer resíduos no prédio do A. e dele retirarem os que lá entretanto colocaram (sentença junta como documento 2 da réplica)
W. Ficou provado em 1. a) e b) da referida sentença que No sítio da Quinta ..., na União das Freguesias ... e ..., existem os seguintes prédios: a) - Terreno de cultura, vinha, pinhal e mato, a confrontar do norte com a R. Banco 1..., do sul com o A., do nascente com o caminho, e do poente com OO, inscrito na matriz sob o artigo ...91 e anteriormente sob o artigo ...80 da freguesia ..., e descrito na Conservatória na ficha ...89 de ... (conforme documento de fls. 9 cujo teor se dá por reproduzido); b) – Casa de habitação e dependências e terreno de cultura, vinha e pinhal, a confrontar do norte com sucessores de DD e de EE, e nascente com FF, sul com o A. e poente com o caminho, inscrito na matriz sob os artigos ...94 e ...97 rústicos e ...09 urbano (anteriormente sob os rústicos ...83 e ...86 e urbano ...54 da freguesia ...) e descrito na Conservatória sob o nº ...37 – ... (conforme documentos de fls. 10 a 15, cujo teor se dá por reproduzido) (sentença junta como documento 2 da réplica).
X. Os contactos negociais mantidos pela Banco 1... com os Réus estiveram condicionados ao prévio pagamento do remanescente da quantia exequenda (20.º Rép.)
Y. O prédio descrito em A. tem vários anos de construção e sofreu algumas deteriorações pelo decurso do tempo e, nomeadamente, pelas invernias (6.º Opos.)
Z. Face à deterioração das canalizações e infiltrações de humidade nas paredes do imóvel, particularmente, na cozinha e casa de banho, houve necessidade de proceder às seguintes obras de reparação:
i. - reparação de canalização,
ii. - execução de reparações em tectos e paredes,
iii. - revestimento com azulejos e mosaicos
iv. - aplicação de 3 portas novas e revestimentos interiores/aplicação de massas,
v. - substituição de louça sanitária de casa de banho no andar de cima,
vi. - reparação pontual do telhado,
vii. - pintura interior (7.º Opos.)
AA. Obras que importaram €5.172,50 a que acresce o IVA à taxa legal em vigor (7.º Opos.)
BB. As obras aludidas em Z. não podem ser levantadas sem detrimento da coisa (13.º Opos.)
CC. O Opoente peticionou tal valor no âmbito do processo nº. 4412/15.... que correu termos na Instância Central Cível ... – J... na qual foi declarada a inutilidade superveniente da lide considerando que os primeiros RR haviam sido declarados insolventes (10.º Opos).
DD. Os RR AA e BB foram declarados insolventes em 20.07.2022, por sentença transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 2705/22...., do Juízo de Comércio ... - Juiz ..., tendo sido proferido em 22.05.2023, Despacho Inicial Incidente de Exoneração Passivo Restante e Nomeação de Fiduciário, com o período de cessão de 3 anos (anúncio referência 93077043, publicado no portal Citius).
*
Factos não provados com interesse para a decisão da causa:
a) A Autora constatou a mudança das fechaduras em 24.07.2015, no âmbito de visita que efetuou ao imóvel (7.º PI);
b) Em resposta a carta remetida pelos Réus, a Autora indicou-lhes expressamente que pretendia tomar posse do imóvel e que encetaria as diligências judiciais adequadas para o efeito (8.º PI).
c) Houve sempre vontade da Autora em vender aos RR o imóvel e a carta aludida em N resultou da imposição feita pela Autora aos RR tendo todo o texto escrito sido ditado pela Sra. Dra. GG (5.º e 6.º Cont).
d) A Dra. GG referiu aos RR que estes deviam declarar que estavam na posse do imóvel, por forma a facilitar as negociações, na medida em que a mesma referia já saber que tinha que mover acções para eventuais “despejos” (7.º Cont).
e) Se os RR não adquiriam a casa tal facto apenas se deveu à conduta da Autora que protelou no tempo as negociações com aqueles (13.º Cont).
f) A Autora não interpelou os RR para entregar o imóvel porque sabia que se encontrava em negociações com os mesmos (20.º Cont).
g) O imóvel não possui saneamento, água, fossa séptica e acesso à parte rústica, PDM (23.º Cont).
h) A Autora perdeu o acesso à parte rústica por sentença já transitada em julgado (26.º Cont).
i) Em 2014, aquando da aquisição pela Autora do referido imóvel, o mesmo encontrava-se num estado de degradação e de habitabilidade que não iria permitir a sua venda ou arrendamento (33.º Cont).
j) Se não fossem as obras levadas a cabo pelo Sr. CC, o imóvel não possuiria condições condignas que permitissem a sua habitabilidade, e consequente, venda ou arrendamento (36.º Cont).
k) Se não fossem os RR., nem tão pouco tal imóvel existiria (41.º Cont)
l) Os RR arriscaram as suas próprias vidas para protegerem o imóvel (42.º Cont).
m) A actuação dos RR descrita em P. foi na expectativa que a casa lhes seria adjudicada, caso contrário, não arriscariam a sua vida por um bem alheio (46.º Cont)
n) Após tal incidente, os RR ficaram receosos, e passaram muitas noites sem dormir (50.º Cont).
o) Em 23.12.2014, os Réus foram interpelados pelo Senhor Agente de execução no âmbito da execução (Processo nº 163/04.... -Tribunal Judicial ...), tendo em vista a desocupação do imóvel em causa (9.º Rép.)
p) Após a entrega do imóvel, a Autora não manteve mais contactos negociais com os Réus (21.º Rép.)
q) Em 10 de Agosto de 2010 os 1ºs RR declararam prometer vender ao Opoente e, este declarou prometer comprar, "livre de quaisquer ónus ou encargos ou responsabilidades o prédio urbano, composto por casa de habitação, sito na Quinta ... em ..., nº ...91, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...54”, de que os RR. eram legítimos proprietários, tendo acordado que o preço definitivo para a prometida compra e venda era de 25.000,00€, pago na data do contrato, pelo qual se deu respetiva quitação (1.º e 2.º Opos.)
r) Desde essa data, 10 de Agosto de 2010, o Opoente, conforme estipulado na cláusula 7.° do contrato promessa passou a fazer as obras, acabamentos e benfeitorias necessárias à sua habitabilidade (3.º Opos.)
s) O que fez em exclusivo, à vista de toda a gente, mesmo na data em que o Opoente tomou conhecimento que o referido imóvel se encontrava penhorado pela Ré Banco 1..., no processo nº 163/04...., e que havia o mesmo sido entregue a esta por adjudicação, pois que, era conhecedor das negociações continuas encetadas pelos 1ºs RR com vista a aquisição do imóvel junto da 2ªR., sendo que aqueles deram sempre a garantia de aquisição do imóvel.(4.º Opos.)
t) Durante todo aquele período de tempo, o Opoente procedeu, a suas expensas, a obras de reparação urgentes no imóvel, face ao estado de deterioração do mesmo (5.º Opos).
u) Obras estas que, importaram na sua globalidade, em pelo menos, 25.500,00€ (vinte e cinco mil e quinhentos euros) (9.º Opos.)
v) Terceiros só têm acesso ao prédio descrito em A com conhecimento e autorização do Opoente (24.º Opos).
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Não ficaram por provar outros factos com interesse para a decisão desta causa, não tendo o tribunal considerado o demais articulado pelas partes por corresponder a narrativa com um conteúdo jurídico ou conclusivo, duplicação de factos já considerados ou constituindo mera impugnação, ainda que motivada.
A. Se a sentença recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.
Defendem os recorrentes que a sentença recorrida padece de tal nulidade, com o fundamento em que o Tribunal “pretendeu pronunciar-se sobre a demarcação, definindo as estremas entre dois prédios contíguos”; se pronunciou sobre anterior acção que correu termos contra as ora partes e porque se deu como provado o que consta da alínea O), dos factos provados.
Dispõe o artigo 605.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que a sentença é nula, quando, o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Como referem os recorrentes estamos em presença de uma acção de reivindicação, a qual, como referido nos artigos 1305.º e 1311.º, do Código Civil, visa o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante, e consequente restituição do bem reivindicado.
Foi este o pedido que a autora deduziu (cf. f.s 5 e v.º) e foi nesta exacta medida que o mesmo lhe foi reconhecido (cf. fl.s 372 e v.º).
Ou seja, não vislumbramos onde é que os recorrentes alicerçam a ideia de que a sentença procedeu à “demarcação entre prédios”.
A matéria de facto que consta da referida alínea O), tinha que ver com o pedido de indemnização de ocupação ilícita do imóvel por parte dos réus, a fim de ser calculado o respectivo valor de mercado, nada tendo que ver com qualquer demarcação entre prédios e corresponde à alegação dos próprios réus (artigo 23.º da contestação).
A referência à anterior acção (essa sim, de demarcação) apenas é feita em sede de fundamentação da decisão de facto e resulta, igualmente da alegação (inócua, para o desfecho desta acção), de alegação dos réus – artigo 26.º da contestação.
No entanto e como acima referido, o que releva é que a decisão proferida se contém, rigorosamente, dentro do pedido formulado, inexistindo, em consequência a invocada nulidade.
Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso.
B. Se deveria ter existido convite ao aperfeiçoamento do articulado em que se deduziu o pedido reconvencional, o que acarreta a nulidade de todo o ulterior processado.
No que a esta questão respeita, defendem os recorrentes que assim se deve concluir, porquanto a fl.s 370 v.º (últimos dois parágrafos), se refere o seguinte:
“Os RR não indicaram, como lhes é legalmente imposto, as razões de direito que servem de fundamento à reconvenção (artigo 583.º, n.º 1 do CPC).
E não indicaram, ressalvando sempre melhor juízo, porque a sua pretensão indemnizatória não encontra tutela jurisdicional”.
Tendo tal pedido sido julgado improcedente, com a seguinte fundamentação:
“A obrigação de indemnização pode ter variadas fontes, nomeadamente a responsabilidade civil por factos ilícitos ou pelo risco (artigos 483.º e ss e 499.º e ss), quando haja erro indesculpável dos pressupostos da acção directa ou da legítima defesa (artigo 338.º), pode resultar de actos lícitos, como os praticados em estado de necessidade (artigo 339.º), pode ter por causa o não cumprimento culposo das obrigações ou o seu cumprimento defeituoso, a impossibilidade de prestação por causa imputável ao devedor (artigos 898.º, 899.º 908.º, 913.º e ss), a mora (artigo 804.º, n.º 1), a culpa na formação dos contratos (artigo 227.º), o abuso de direito (artigo 334.º), entre outros casos previstos na lei civil1, nomeadamente o enriquecimento sem causa (artigo 473.º).
1 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora 1987, pág. 576-577.
Da matéria alegada para consubstanciar a reconvenção ficou provado que os RR defenderam o imóvel do flagelo dos incêndios ocorridos no concelho ... no ano de 2017, o que fizeram com a ajuda de pessoas amigas a quem recorreram, por forma a impedirem que o fogo deflagrasse e incendiasse o imóvel, apurando-se ainda que, não fosse os RR se encontrarem nas imediações do imóvel, o mesmo poderia ter sido queimado pelo fogo, como tantos outros foram, uma vez que, atenta a dimensão desse incêndio, os bombeiros encontravam-se todos ocupados com a difícil tarefa que lhes assistia.
O descrito comportamento dos RR, espontâneo, de defesa do imóvel onde viviam e tinham guardados todos os seus pertencentes, não se poderá integrar em qualquer das fontes das obrigações vindas de referir, sendo certo que não existe um comportamento, ilícito ou lícito, imputável à Autora que tenha dado causa a danos indemnizáveis na esfera jurídica dos RR, nem existe qualquer deslocação patrimonial dos RR para a Autora (o necessário enriquecimento sem causa justificativa que obrigue a Autora a indemnizar os RR), tanto mais porque não se prova que a actuação dos RR estava assente na expectativa que a casa lhes seria adjudicada, caso contrário, não arriscariam a sua vida por um bem alheio (cf. alínea m dos factos não provados).
Em face do que se deixa exposto, por falta de fundamento legal que suporte a pretensão deduzida, a reconvenção dos RR improcederá na totalidade.
Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 552.º, n.º 1, al. d), ex vi artigo 583.º, 1, ambos do CPC, deve o autor expor as razões de direito que servem de fundamento à acção/reconvenção, que não vinculam o julgador, cf. artigo 5.º, n.º 3, do CPC.
Por seu lado, dispõe o artigo 590.º, n.º 2, al. b), do CPC, que findo os articulados, o juiz profere despacho pré-saneador destinado a providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes.
Aqui cabendo (cf. seu n.º 3) os casos de irregularidades dos articulados, designadamente falta de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa e (cf. seu n.º 4) o suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Como se refere no Código GPS, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2020, a pág. 701, tem-se em vista a sanação de “articulados irregulares” e os “documentalmente insuficientes”, cabendo nos primeiros os que carecem dos requisitos legais que impedem o recebimento da petição inicial pela secretaria; indicação do valor da causa e da forma do processo; a articulação da matéria de facto; especificação separada das excepções e da reconvenção e valor desta.
Não estamos em presença de nenhum destes casos, bem como não se coloca a questão da junção de qualquer documento, pelo que, sob este prisma, não se impunha a prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Resta, assim, a hipótese prevista no n.º 4, do referido artigo 590.º, que cf. autores e ob. cit., pág. 703, será a mais comum, já que “… a parte substancial da atividade do juiz nesta fase incidirá sobre o conteúdo material dos articulados …, no sentido de identificar os aspetos merecedores de correção”.
Ou seja, este dever do juiz apenas se impõe perante uma insuficiente e/ou imprecisa exposição ou concretização da matéria de facto, que não abranja o núcleo essencial dos factos integradores da causa de pedir, mas não abarca a fundamentação jurídica a que a parte entende apelar, que, de resto, como já referido, não vincula o juiz, sob pena, até, da violação do princípio da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz.
Concluindo, o facto de os réus não terem indicado as razões de direito em fundam o pedido reconvencional, não se enquadra em nenhuma das situações previstas no artigo 590.º, do CPC, que impusessem ao juiz a prolação de despacho de aperfeiçoamento, em consequência do que não se verifica a invocada nulidade.
Assim, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.
C. Se se verificam os pressupostos para a autora ser condenada no pagamento aos réus das quantias peticionadas a título de reconvenção.
Fundamentam os réus a procedência de tal pedido em duas ordens de razões:
- só graças à sua intervenção é que imóvel não ardeu na sequência do incêndio de 2017 e;
- tinham a expectativa de que a casa lhes seria adjudicada.
Esta factualidade não se demonstrou, cf. al. m), dos factos não provados, o que desde logo, afastaria a responsabilidade da autora no pagamento de tal pedido, para mais em confronto com o que consta das alíneas N) e X), dos factos provados.
Por outro lado, não se pode assacar á autora qualquer acto ilícito ou lícito que origine o invocado direito reconvencional, tal como se refere na sentença recorrida e que acima se transcreveu.
A autora não foi responsável pela deflagração do incêndio; não deu quaisquer ordens aos réus para que assim procedessem; inexiste dano, relativamente ao valor do imóvel, que não ardeu, pelo que, tal como decidido na sentença em análise, nos termos acima já transcritos, para que se remete, não tem qualquer fundamentação jurídica a pretensão dos réus deduzida a título reconvencional, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida.
Pelo que, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.
Nestes termos se decide:
Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a sentença recorrida.
Custas, a cargo dos apelantes.
Coimbra, 12 de Novembro de 2024.