I. A lei permite a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova, exigindo-se, contudo, em relação a estes, que o recorrente justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitados de depor;
II. A divergência de depoimento entre o que foi declarado no processo e o que consta de documento assinado pela Assistente e junto ao processo de revisão, mais não é do que uma nova narrativa sobre o depoimento prestado e valorado no processo e, ao mesmo tempo, uma tentativa em transformar este recurso extraordinário num novo recurso ordinário, não permitido por lei.
1. No processo comum nº 246/20.5GBPRD, do Juízo Local Criminal de ..., Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 06 de Dezembro de 2022, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, transitada em julgado em 13 de Julho de 2023, foi o arguido AA condenado:
- Pela prática de um crime de violência doméstica [art. 152, n.ºs 1, als. a) e c), e 2, al. a), do Código Penal (CP)], na pena de 2 anos e 6 meses de prisão.
- Pela prática de um crime de violação (art. 164, n.º 1, al. a), do CP), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
- Em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão;
- Nas penas acessórias de proibição de contactos com a vítima, com afastamento da sua residência e local de trabalho, pelo período de 3 anos, e de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 anos (art. 152, n.ºs 4 e 5, do CP).
2. Vem agora o arguido, invocando o disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, interpor o presente recurso extraordinário de revisão, apresentando as seguintes conclusões:
«I. Ao instituto de revisão de sentença penal, com consagração constitucional, subjaz o propósito da reposição da verdade e da realização da justiça, verdadeiro fim do processo penal, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas, que justificam a postergação daquele valor jurídico;
II. Nos presentes autos, foi o o arguido AA foi condenado nas penas parcelares de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria de um crime de violência doméstica e um crime de violação previstos e punidos pelo artigo 152º nº1 aliena a) e c) e nº2 e artigo 164º nº1 alínea a) do Código Penal, respetivamente. E, em cúmulo jurídico das penas parcelares suprarreferidas, na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva.
III. A referida sentença, no que ao crime de violação diz respeito baseia-se essencialmente na prova testemunhal, ou seja, nesta parte não existe mais prova nos autos, além do que fora dito pelo Recorrente (que confessa factos atinentes com a violência doméstica, mas não a violação por dizer nunca ter ocorrido), e pela assistente, para se fazer prova, ou não, do crime de violação praticado pelo Recorrente.
IV. Ora, tal como se demonstra pelo documento agora anexo - que recentemente teve acesso por ter sido remetido aos autos- (DOC. 1), que o Recorrente sempre disse a verdade, e nunca ocorreu qualquer ato sexual não consentido, ou conforme diz no documento que a Assistente fez chegar aos autos, não foi violada, acrescentando ainda que não se recorda de algum dia ter apresentado queixa de violação e que se porventura tivesse apresentado queixa se posteriormente lhe tivesse sido perguntado, se desistia de tal queixa teria respondido que sim, que retirava a queixa por violação contra o arguido/ Recorrente.
V. A análise deste novo meio de prova, junto pela própria assistente aos autos, juntamente com todas as declarações prestadas pela mesma ou juntas aos autos por si, é de todo importante para a aferição da verdade dos factos, uma vez que suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
VI. Falamos de várias versões dos mesmos factos, seja na queixa, na retratação posterior, na alteração da retratação, ou nas declarações em audiência de julgamento. Estas últimas trataram-se de uma tentativa de justificar o que havia feito anteriormente sob pena de poder ser responsabilizada criminalmente. Sendo certo que esta versão foi aceite e convenceu o Tribunal a quo, na realidade este novo documento veio alterar novamente tudo o processado nos autos, ou seja, vem colocar em causa aquela que foi a única prova do crime de violação.
VII. No caso em apreço, os alegados novos elementos de prova, objetivamente apreciados e circunscritos à justiça material aplicada na decisão condenatória, vêm pôr em causa a factualidade dada como provada, existindo fundamento legal para a sua revisão, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal;
VIII. A manutenção duma sentença, apenas estribada na estrita obediência ao caso julgado, pode como “in casu” a revelar-se claramente injusta causaria forte abalo (tsunami) nas relações de confiança Justiça/ sociedade. Daí que, o recurso de revisão p. p pelo artº 449º CPP, tenha assento constitucional no artº 29º, nº 6 da C.R.P., “concedendo Direito de revisão aos cidadãos injustamente condenados”.
IX. Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Exªs – Colendos Conselheiros – deverão ser submetidos a apreciação os novos factos apresentados e nos termos do artigo 453º do CPP, requer-se que seja produzida novamente a prova testemunhal, ouvindo-se e confrontando-se a Assistente em novo julgamento, nos termos do artigo 460º do CPP, por forma em que não se retire a liberdade ao Recorrente com base nas declarações de quem não sofreu o crime pelo qual aquele foi condenado.
X. A assim não se entender, violar-se-iam os artigos 449º nº 1 al. d), 124º, 125º, 127ºtodos do C.P.P. e ainda os artigos nº 2º e 27º da C.R.P
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça!»
3. Após a inquirição da testemunha arrolada pelo recorrente e subscritora da Declaração junta com o recurso, o Ministério Público respondeu ao mesmo, concluindo “Salvo o devido respeito por opinião diversa, da inquirição da testemunha BB não resultou qualquer prova que origine uma alteração da sentença proferida nos presentes autos e transitada em julgado, tendo em conta que na sua inquirição a testemunha voltou a dizer que a relação sexual não foi consentida e que a mesma não queria ter relações sexuais com o condenado AA, devendo ser improcedente o recurso de revisão interposto.”
4. A informação judicial a que alude o artigo 454.º do Código de Processo Penal foi a seguinte:
«Encontram-se findas as diligências de prova a levar a cabo no presente recurso
Abra vista ao Ministério Público para resposta (artigo 454.º, 1.ª parte, do Código de Processo Penal).
Exmos. Venerandos Juízes Conselheiros:
Quanto ao mérito do pedido de recurso de revisão, consignamos que não resulta dos autos qualquer facto novo, capaz de conduzir a uma diferente solução daquela a que se chegou nos autos.
Todavia com a Vossa Apreciação sobre essa questão a Justiça será Feita.
Conceda acesso para acompanhamento dos autos principais.
Oportunamente, subam os autos ao STJ, nos termos do disposto no artigo 454.º do Código de Processo Penal.»
5. No Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido seguinte:
«Subscrevemos a posição da Sra. juíza e do MP na 1.ª instância.
Vejamos.
A decisão revidenda repousou, fundamentalmente, na seguinte realidade factual típica:
«(…)
1. O arguido e a ofendida contraíram matrimónio no ia ...-...-1987, na Igreja de ..., tendo da relação nascido três filhos: CC, nascida em ...-...-1988, DD, nascido ...-...-1993 e EE, nascido ...-...-2008.
2. Fixaram residência em habitação arrendada, localizada na Rua..., ..., ..., onde coabitavam apenas com o filho mais novo.
3. Motivado pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas, o comportamento do arguido agravou-se, criando um clima de terror no domicílio comum do casal.
4. Assim, estava a ofendida grávida da sua filha mais velha, com 07 meses de gestação, o arguido, sem nada que o fizesse prever, na sequência de uma discussão e após ter chegado a casa, de madrugada, notoriamente embriagado, dirigiu-se junto da ofendida que já estava deitada na cama e desferiu-lhe um pontapé na barriga, causando-lhe pânico, e receio de perder o seu bebé.
5. Apenas por vergonha, omitiu ter sido agredida.
6. Desde esta data, tornou-se usual o arguido partir para as agressões físicas à mais insignificante contrariedade, atingindo a ofendida, nessas ocasiões, com estalos na cara e puxões de cabelos, sendo que, pelo menos durante os primeiros três anos de vida da filha mais velha do casal, tais agressões ocorriam uma a duas vezes por semana e normalmente no interior do quarto do casal, no domicílio comum.
7. Para além do que se tem vindo a descrever, nessas ocasiões o arguido ainda proferia as seguintes expressões, dirigindo-se à ofendida: «ÉS UMA GRANDE FILHA DA PUTA, VAI PARA A PUTA QUE TE PARIU, SUA GRANDE PUTA…», «MORRE SUA FILHA DA PUTA…».
8. Após o nascimento do filho DD, o arguido decidiu emigrar, passando um largo período de tempo, fora do território nacional.
9. Acontece que, sempre que o arguido se deslocava a Portugal, geralmente aos fins de semana e férias, após a ingestão de bebidas alcoólicas, dirigindo-se à ofendida, proferia as seguintes expressões: «SUA GRANDE PUTA, PUTA QUE TE PARIU… MORRE SUA PUTA DO CARALHO…».
10. De tal forma a situação se tornou insustentável que a ofendida, há cerca de um ano, manifestou o seu desejo em divorciar-se, o que o arguido nunca aceitou.
11. Assim, no dia 15 de Maio de 2020, o arguido contactou telefonicamente a ofendida, do local onde se encontrava, na ..., tendo nesse contacto, a ofendida abordado, novamente, o assunto do divórcio.
12. Ao que o arguido, de imediato, em tom sério e exaltado, disse à ofendida que nunca iria aceitar o divórcio, proferindo ainda a seguinte expressão: VOU AÍ A PORTUGAL, EU MATO-TE».
13. De tal forma que o arguido retornou em 24 horas para Portugal e no dia 16.05.2020, dirigiu-se para a casa de morada de família.
14. Com receio que o arguido pudesse concretizar as ameaças, a ofendida pediu ajuda a uma amiga, id. como FF, tendo abandonado a residência.
15. O arguido, confrontado com a ausência da ofendida, desesperado, contactou os filhos, dizendo-lhes que a ofendida poderia regressar à casa de família que não intentaria contra a sua integridade física e que a iria respeitar.
16. Pelo que, a pedido dos seus filhos, a ofendida acabou por regressar ao domicílio comum, nesse mesmo sábado, no dia 16 de maio de 2020.
17. Acontece que, já no dia 18 de maio de 2020, depois do jantar, na sequência de uma discussão, motivada pela questão do divórcio, o arguido proferiu as seguintes expressões, dirigidas à ofendida: «PODES TER A CERTEZA, SE NÃO ÉS MINHA, NÃO VAIS SER DE MAIS NINGUÉM… PODES TER A CERTEZA DISSO. EU NÃO ACEITO DIVÓRCIO NENHUM, ISSO NUNCA VAI ACONTECER, PODES TER TU CERTEZA DISSO…».
18. Cerca das 03h00, estava a ofendida deitada na cama, o arguido surgiu no quarto, notoriamente embriagado, deitando-se ao lado da ofendida.
19. Nesse momento, o arguido começou a aproximar-se do corpo da ofendida, dizendo-lhe que queria «ter sexo».
20. Perante a recusa da ofendida, que se tentou afastar do arguido, este não aceitou e de imediato, agarrou a ofendida, fazendo uso da força física, colocou-se em cima das suas costas e forçou a penetração no ânus, o que concretizou, durante 10 (dez) minutos, chegando mesmo a ejacular, completamente indiferente aos apelos da ofendida que, chorosa e em sofrimento, lhe pedia para parar.
21. O que se descreveu em 20., causou na ofendida, para além de dores intensas, hemorragia que perdurou durante 2 (dois) dias.
22. No dia 22 de maio de 2020, cerca das 20H30, na sequência de a ofendida ter manifestado novamente vontade em divorciar-se, o arguido, em tom sério e exaltado, disse à ofendida que nunca aceitaria, dizendo várias vezes e de forma irada: «PODES TER A CERTEZA, SE NÃO ÉS MINHA, NÃO VAIS SER DE MAIS NINGUÉM… PODES TER A CERTEZA DISSO. EU NÃO ACEITO DIVÓRCIO NENHUM, ISSO NUNCA VAI ACONTECER, PODES TER TU CERTEZA DISSO…».
23. Ato contínuo, com receio que o arguido concretizasse tais ameaças e apercebendo-se que o arguido já se encontrava manifestamente embriagado, a ofendida recolheu-se no quarto, dizendo-lhe apenas «NÃO ESTOU PARA TE ATURAR MAIS».
24. Decorridos cerca de 5 (cinco) minutos, após estar no quarto, encontrando-se a ofendida deitada na cama de costas voltadas para a porta de entrada, o arguido aproximou-se e aproveitando-se de uma situação de surpresa (pelas costas), fazendo uso de uma tesoura, ao mesmo tempo que dizia: «ESTÁS BONITA PARA OS OUTROS, ASSIM NÃO VAIS FICAR BONITA PARA MAIS NINGUÉM…», agarrou-lhe pelos cabelos e desferiu-lhe uma tesourada, cortando um punhado de cabelos.
25. De imediato, a ofendida, tentou defender-se, agarrando as mãos do arguido, contudo sem êxito, já que o arguido, fazendo uso da força física, atingiu a ofendida, com a tesoura, na zona da testa, na nuca e dedo polegar da mão esquerda.
26. Tendo o arguido conseguido, através da violência que empregou, fazer vários cortes no cabelo da ofendida.
27. De seguida, o arguido empurrou a ofendida, e quando a mesma caiu ao chão, o arguido atingiu-a com dois pontapés.
28. Após o que se tem vindo a relatar, a ofendida tentou contactar a GNR com vista a pedir ajuda, no entanto o arguido, apercebendo-se disso, arrancou o telemóvel das mãos da ofendida e bateu com o mesmo várias vezes no chão, destruindo-o.
29. Perante tal, a ofendida fugiu de casa e foi pedir auxílio à sua vizinha GG, que a acolheu em casa e pediu auxílio à GNR e ao 112, local onde permaneceu por vários dias.
30. Por tais factos teve a ofendida necessidade de receber assistência hospitalar, onde, à inspeção médica apresentava: “…camisola de pijama ensanguentado com numerosos pedaços de cabelo espalhados. Com cabelo cortado em todo o escalpe de forma errática, é possível ainda remover vários agregados de cabelos com cerca de 3-4 cm, colados por sangue. Apresenta ferida de 1 cm corto-contusa. Esta apresenta-se na zona parietal esquerda. Na mão esquerda apresenta ferida corto contusa com cerca de 2 cm, na base do polegar perto da palma da mão, na face medial, ativamente sangrante. Pequeno corte no dedo indicador da mão esquerda que se estende por 3 cm e continua até à palma da mão, em redor da base do polegar. Pequena escoriação no polegar da mão direita. Muito em baixo e chorosa…”
31. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido resultou para a ofendida, além de dores, no crânio: um ferimento superficial em fase de cicatrização na região parietal esquerda de 1 cm e no membro superior esquerdo: penso envolvendo a mão ferida corto-contusa na base do dedo polegar que lhe determinaram 10 dias para a cura com afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.
32. Pelo que se tem vindo a descrever, a ofendida abandonou a casa de morada de família em dia não apurado do mês de agosto de 2020.
33. No período compreendido entre 09 de junho de 2020 e 22.08.2020, o arguido, através de telemóvel com os n.ºs .......98 e .......93, passou a ligar diariamente e várias vezes por dia à ofendida, esta com o n.º .......68, com o intuito de a perturbar.
34. Nessas chamadas, entre o demais, o arguido dizia à ofendida, em tom sério: quando chegar aí vou-te matar; vou amarrar-te a um pinheiro e chegar-te lume; vou dar-te um tiro de caçadeira; eu deito-te as mãos ao pescoço.
35. Apodando-a de sua puta, sua vaca, acusando-a de ter amantes.
36. Ademais, desde aquela data de 09.06.2020 que o arguido persistiu em vigiar a ofendida, seguindo-a para onde quer que esta se deslocasse, inclusive, dirigindo-se à sua residência, sita em ..., ..., aí permanecendo à espera da ofendida, no interior do seu veículo, marca BMW, cor preto, com vista a controlar os seus movimentos.
37. Concretamente, por altura da passagem de ano de 2020, em dia não apurado, o arguido dirigiu-se à residência da ofendida, sita em ..., pelas 01h30 e, aí chegado, ligou insistentemente à ofendida, ao mesmo tempo que proferia as seguintes expressões: abre a porta sua puta, sua vaca, se não abres, é porque tens aí o teu amante.
38. No dia 14 de janeiro de 2021, o arguido, depois de ter visto a ofendida a abastecer a sua viatura numa bomba de gasolina, sita em ..., ..., efetuou uma chamada telefónica para a ofendida, exigindo falar-lhe, mas ausentou-se do local, assim que se apercebeu que a ofendida ligou para a GNR.
39. Em data não concretamente apurada, o arguido disse-lhe que a ia seguir até ao seu local de trabalho e que, aí chegado, a iria envergonhar junto dos seus colegas de trabalho, o que o arguido fez, seguindo a ofendida até ao seu local de trabalho, sita na Rua ..., ....
40. No período compreendido entre janeiro de 2021 e novembro de 2021, o arguido passou a ligar diariamente, através de n.º confidencial e do n.º .......46 e outros não identificados, e várias vezes por dia à ofendida, com o intuito de a perturbar, conforme resulta de forma inequívoca de fls. 436 a 438, que aqui se dão por reproduzidos os exactos termos, para as quais, brevitatits causa, integralmente se remete.
41. Ademais, no período compreendido entre 17.01.2021 e 19.03.2021, o arguido remeteu diversas mensagens escritas à ofendida, através do n.º de telemóvel .......46, conforme resulta de forma inequívoca de fls. 435 – frente e verso, que aqui se dão por reproduzidos os exactos termos, para as quais, brevitatits causa, integralmente se remete, pressionando-a a reatarem a relação, das quais se transcrevem as seguintes:
- No dia 19.01.2021, pelas 20h22, com o seguinte teor: mesmu asi. gosto. muito. deti. segue. atua. vida. mas. eu. NÃO. tebou. seceder. beiju;
- No dia 19.01.2021, pelas 21h06: amute. muitu. descopa. mila;
- No dia 19.01.2021, pelas 21h08: não. mede-se. eu gostu. muito ) deti. não. tenhu. colpa. descolpa;
- No dia 18.03.2021, pelas 21h32: eu. amute. te. não. vucosegie;
- No dia 19.03.2021, pelas 21h25: vai. a merda. ames. esejulu. a. mil. EROS. mês. da. dose. mil. Eros. vou. meter. apulisea. dusiara. bou. pedir. estratu. 2006. neste. mumetu. está. comtigo. mao. meheportu. segue.atua. vida. eu. caudu. for. de férias. bou. deretu. a casa. dele. se tu. maomeligase. ele. mao. está. aí. agora. sede tudu. arosa. com tome. tudu. as. duas. rozas;
- No dia 19.03.2021, pelas 21h32: mao. tema te. amor e
- No dia 19.03.2021, pelas 21h44: sete. matares. tave. mematu. Mila. amute. muitu.
42. No período compreendido entre junho e julho de 2021, o arguido, diariamente, perseguiu a ofendida, quer no seu local de trabalho, quer na sua residência.
43. De tal forma a situação se tornou insustentável que a ofendida viu-se obrigada a mudar de residência.
44. Na origem dos comportamentos que se tem vindo a descrever, está o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, sendo que o arguido, quando pratica os factos que ora lhe são imputados, está quase sempre influenciado pelo álcool.
45. Ao atuar do modo acima descrito o arguido pretendeu maltratá-la psiquicamente, amedrontando-a, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e perturbando-a, bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar na mesma, como provocaram, tanto medo e inquietação, como marcas psicológicas, que afetaram a sua liberdade de atuação e o seu equilíbrio emocional.
46. Com as condutas adoptadas, quis o arguido causar inquietação à ofendida, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada, humilhada e psicologicamente desgastada, perturbando-a assim de forma reiterada no seu bem-estar e sossego, atingindo-a psíquica e emocionalmente, o que conseguiu, bem sabendo que a afectava na sua saúde física e psíquica, querendo ainda atingi-la na sua dignidade enquanto ser humano, o que conseguiu.
47. Perseguindo-a, persistentemente, da forma que se descreveu, o arguido quis, como conseguiu, invadir, repetidamente, a esfera de privacidade da ofendida, donde resultou um dano à sua integridade psicológica e emocional e restrição à sua liberdade de locomoção, ficando, por isso, psicologicamente afectada pelos actos de que foi vítima, o que, tudo junto, provocou estados de nervos constantes, angústia, privação de sono, excitação e irritabilidade permanentes e sentimentos de sujeição aos humores do arguido.
48. Com este tipo de comportamentos, o arguido mantinha a ofendida, sempre com medo daquilo que o mesmo pusesse fazer contra si.
49. Tudo com o objetivo de manter a ofendida sob domínio, na medida em que, num contexto de tensão e violência iminente, esta acabou por viver submergida pela ansiedade e pelo medo e ainda vexada pelos nomes com que o arguido a apodava.
50. Fê-lo indiferente à relação familiar que com a ofendida mantinha e aos deveres que dessa relação para si nasciam quanto à mesma, nomeadamente, de respeito e bem ciente dessa relação e deveres.
51. Sabia ainda que ao praticar os factos, primeiro no interior da residência do casal e posteriormente no domicílio da ofendida, a coberto do resguardo da casa, ampliava o sentimento de receio da ofendida, visto que violava o espaço reservado da sua vida privada e o seu carácter securitário e não se coibiu de o fazer.
52. O arguido, agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, aliás concretizado, de ferir fisicamente a ofendida, atingindo-o, da forma como o fez, tendo-o agredido com um objecto cortante, para melhor assegurar o êxito das suas intenções, bem sabendo que o meio utilizado era apto a ferir e molestar o corpo e a saúde daquela e a causar-lhe as dores verificadas.
53. Bem sabendo que o instrumento usado era um meio particularmente perigoso, merecendo especial censurabilidade.
54. Actuou inesperadamente, no enquadramento de uma situação de surpresa por si engendrada e criada, com reflexão sobre os meios empregues e desmesurada vantagem sobre a ofendida, diminuindo desta forma as possibilidades de defesa desta, merecendo especial censurabilidade.
55. O arguido agiu com o propósito concretizado de atingir no corpo e na liberdade e autodeterminação sexual da ofendida, mantendo-a num permanente estado de constrangimento, donde resultou um dano à sua integridade psicológica e emocional e restrição à sua liberdade sexual.
56. Actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
(…)»
No que ora importa considerar, o tribunal coletivo expressou as razões desta sua convicção nos seguintes termos:
«(…)
O arguido prestou declarações confessando parte dos factos, designadamente admitindo partes do episódio referido em 22) a 31).
Desde logo, o arguido escudou-se no facto de a assistente ter um amante, alegadamente por esta ter apagado o número de telemóvel do amante e se ter rido de si, estar a gozar consigo (contrariamente, a assistente disse nunca teve qualquer relação extra-conjugal, tratando-se tão só de uma pessoa amiga com quem conversava, sendo que o que motivou o corte de cabelo, foi ter pedido o divórcio ao arguido, já que ele nunca lho quis dar) para se achar no direito de poder cortar o cabelo todo à ofendida, sua mulher! O arguido assumiu que lhe cortou o cabelo, bem como que o fez porque “era a única vaidade que ela tinha, todas as semanas ia ao cabeleireiro… sabia que se lhe tocasse no cabelo a deixava envergonhada”.
Negou, no entanto, ter-lhe desferido quaisquer golpes que são responsabilidade da ofendida, já que antes de lhe cortar o cabelo, avisou-a: “está quieta que eu só te vou cortar o cabelo”, o que fez “para não a aleijar”. Como se esta sua versão pudesse sequer fazer sentido! O que mais espanta é que o arguido se ache nesse direito, o de dispor da integridade física da assistente a seu bel-prazer e para “castigá-la”, fazendo Justiça pelas próprias mãos, supondo que o facto de ter um amante o justificava. A assunção deste facto denota e revela a sua personalidade violenta e conflituosa, com traços de malvadez, qual seja o motivo pela qual decidiu cortar-lhe o cabelo, exactamente por ser a única coisa na qual tinha vaidade, como o próprio disse, pretendendo com isso, além de feri-la fisicamente, afectá-la psicologicamente, causando-lhe um forte trauma, como causou, e causaria em abstracto a qualquer mulher, que se vê destituída do seu cabelo todo.
O arguido negou ter causado quaisquer lesões à ofendida, esclarecendo que “ela é que se agarrou à tesoura e começou a picar-se para me incriminar”! Esta versão não faz qualquer sentido, já que ao pegar numa tesoura e dirigir-se à assistente, era mais do que óbvio que esta se tentaria defender, como de resto fez, apresentando-se as lesões nas mãos como lesões defensivas. Acresce que era também mais do que normal que, mexendo-se a vítima, lhe poderia causar outros golpes, dada a natureza afiada da tesoura. Tudo isto é mais do que claro!
Questionado se estava arrependido, disse que “não havia de ter feito, mas fiz, olhe, são coisas”.
O arguido nega os demais factos alegando que é a assistente que o contacta para lhe pedir dinheiro, tendo-o o feito na sequência da detenção do filho, quando se percebeu que jamais a assistente o contactou, sendo certo que as chamadas que esta lhe fez/faz, são a seu pedido, já que para o arguido não gastar dinheiro, liga-lhe quando este lhe dá um toque.
Também alegou ter-lhe pago a peruca e levado ao cabeleireiro na sequência dos factos que admitiu, o que também resultou infirmado pelas declarações da assistente, que explicou que foi a patroa que a levou ao cabeleireiro, bem como foi sozinha comprar a peruca ao ..., e não foi o arguido que lhe deu boleia para o comboio, como este pretendeu.
Por tudo quanto se disse, a versão do arguido em si mesma não faz qualquer sentido. De relevo, a parte em que admite os factos, daí se retirando, dada a gravidade extrema dos mesmos, que não se coibiria de praticar actos da mesma natureza, tal como praticou, como de resto resulta das declarações da assistente.
Assim, a assistente BB, à data dos factos esposa do arguido, confirmou integralmente os factos do modo que se deu por assente, de forma credível e espontânea, logrando convencer este tribunal da veracidade da sua versão, pois descreveu os episódios de que foi vítima, bem como explicaram o contexto do relacionamento que viveu com o arguido pormenorizadamente, esclarecendo datas e locais, contando detalhadamente os factos. Fê-lo de modo inteiramente espontâneo e transparente, já que contou diversos dos pormenores por si vivenciados, bem como os maus tratos de que também foi vítima, expressando o que sentiu e sente, o que, da forma emotiva como o fez, não podia jamais ter sido inventado.
Para além das agressões, insultos, ameaças e perseguição a que a sujeitou, a mesma contou e descreveu, de forma bastante impressiva, que o arguido a forçou a manter relações sexuais consigo, contra a sua vontade.
Em confronto com as declarações do arguido, nenhuma dúvida resta de que os factos se deram do modo por esta descrito, já que o arguido acabou por assumir uma parte extremamente violenta desses factos, e aqueles que negou foram transmitidos de forma confusa, pouco coerente e segura, não raras vezes mudando a versão inicial, acabando por admitir mais factos do que inicialmente fez. E esses factos que admitiu, no global, são já reveladores do tipo de condutas que foi capaz de ter para com a ofendida, designadamente infligindo-lhe maus tratos, sem que sequer interiorize o desvalor e a extrema gravidade das suas condutas, desvalorizando-as constantemente.
A ofendida apenas não confirmou os factos que se deram por não assentes (…).
Mais esclareceu que o referido em 37) ocorreu na passagem de ano e não no Natal de 2020, tendo-lhe o arguido ligado, e não batido insistentemente à sua porta, razão pela qual se procedeu à alteração não substancial dos factos.
Quanto ao referido em 39), não obstante o teor do aditamento de fls. 330 a 331 a ofendida não confirmou essa versão, esclarecendo que “no dia 14 de janeiro de 2021, o arguido, depois de ter visto a ofendida a abastecer a sua viatura numa bomba de gasolina, sita em ..., ..., efetuou uma chamada telefónica para a ofendida, exigindo falar-lhe, mas ausentou-se do local, assim que se apercebeu que a ofendida ligou para a GNR”, razão pela qual se procedeu à alteração não substancial dos factos, tendo noutra ocasião, que não o dia 14 de janeiro de 2021, dito que “a ia seguir até ao seu local de trabalho e que, aí chegado, a iria envergonhar junto dos seus colegas de trabalho, o que o arguido fez, seguindo a ofendida até ao seu local de trabalho, sita na Rua ..., ..., ...”, razão pela qual se deu aquela data por não assente.
No que toca às datas dos factos que se deram por assentes, não obstante as discrepâncias apresentadas pela assistente em declarações (afirmou que foi abusada sexualmente numa quarta-feira, tendo o corte de cabelo ocorrido numa sexta-feira), que são mais do que justificadas pelo evento traumático sofrido, bem como pelo período de tempo entretanto decorrido, e não lhe retiram a credibilidade, o tribunal baseou-se essencialmente, além das declarações da assistente, como se disse, mas também no teor do Auto de notícia, fls. 4 a 6 e dos Elementos clínicos de fls. 116 a 118 (fls. 116 – “… na terça feira a doente terá sido vítima de agressão sexual …”) elementos de onde resultam as referidas datas, e que por terem sido elaborados perto ou na própria data em que ocorreram, numa altura em que a memória dos mesmos estava mais presente.
Cumpre por último esclarecer que, nem o documento de fls. 207, nem o facto de a assistente em sede de declarações, em 04/06/2020, de fls. 218 a 220, ter vindo infirmar os factos denunciados, beliscam a convicção alcançada, já que a assistente retratou-se em declarações em 15/04/2021, explicando a razão pela qual o fez, porque tem medo do arguido, que a coagiu e ameaçou a tanto, bem como em sede de julgamento explicou que o terá feito, a pensar nos filhos, a fim de aliviar a responsabilidade ao arguido, o que é previsível e não raras vezes acontece em processos desta natureza, como é do conhecimento geral. A assistente acabou por manter a sua versão inicial e que motivou a denuncia, que de resto é confirmada pelos demais meios de prova produzidos, e em parte, pelo próprio arguido.
(…)
De resto, as declarações da assistente foram, em parte, também confirmadas pelas testemunhas GG, HH e II, relativamente aos factos que presenciaram.
GG, vizinha do ex-casal, que esteve com a assistente momentos depois ao referido em 22) a 31), tendo confirmado as lesões que apresentava, bem como que estava cheia de medo, e em pânico, tendo ouvido os seus gritos, enquanto fugia do arguido. Também viu o telemóvel da ofendida, que estava todo partido e que não funcionava.
HH, vizinha, costumava fazer caminhadas com a assistente, confirmando que esta lhe pediu ajuda, quando o arguido a perseguiu de carro, sendo que a assistente lhe confidenciou algumas destas perseguições. Assistiu a alguns telefonemas do arguido à ofendida durante as caminhadas que faziam, de noite.
A testemunha revelou que desde que ajudou a ofendida, tem sido também ela alvo das perseguições, ameaças e insultos do arguido, através das redes sociais e chamadas telefónicas, o que acontece até à presente data, chegando o arguido a abordar o marido e o filho de 17 anos da testemunha, ameaçando-os e injuriando-os, tudo por se tratar de testemunha do presente processo. Também faz a mesma coisa com outras pessoas do grupo da caminhada, designadamente com a dona do café da zona. Disse ter muito medo do arguido que na véspera da sessão de julgamento em que depôs, dia 19/09/2022, pelas 07:00 horas, se encontrava debaixo da varanda para a intimidar.
A reforçar a credibilidade da testemunha, o facto de ter fornecido como telemóvel do arguido, o referido pelo próprio em sede de declarações.
No dia referido em 22) a 31) viu a ofendida ensanguentada para a ambulância.
II, vizinha do mesmo prédio, confirmou ouvir uma discussão cerca das 01:30 /02:00 horas, em que o arguido insultou e ameaçou a assistente de morte, por causa de ter um amante.
Assim, dada importância dos factos presenciados pelas ditas testemunhas, sai reforçada a credibilidade da ofendida, já que este tipo de condutas, a que assistiram, é semelhante às contadas pela vítima.
Todas as testemunhas depuseram com isenção, credibilidade e objectividade, logrando, deste modo, convencer o Tribunal, tendo conhecimento directo dos factos em questão, como supra se explanou.
Acresce que o teor dos documentos juntos aos autos também vai de encontro às declarações prestadas pela ofendida, designadamente:
- Auto de notícia, fls. 4 a 6.
- Suporte fotográfico de fls. 98 a 106.
- Elementos clínicos de fls. 116 a 118 e de fls. 199 a 202.
- Exame médico-legal de fls. 195 a 198.
- Aditamento de fls. 273 a 275.
- Suporte fotográfico de fls. 287 a 288.
- Exame médico-legal de fls. 304 a 306.
- Aditamento de fls. 330 a 331.
- Exame médico-legal de fls. 352 a 354.
- Suporte fotográfico de fls. 386 e 387.
- Aditamento/requerimento de fls. 416.
- Auto de transcrição de mensagens, fls. 441 a 448.
O facto 1) resultou do teor das Certidões de fls. 19 a 30.
O facto 64) da análise do Auto de Interrogatório de arguido detido de fls. 164 a 181 e do Despacho de fls. 243 a 244 verso.
A prova dos factos 40) e 41) ancorou-se, ainda, na análise dos seguintes documentos:
- Suporte fotográfico de fls. 287 a 288.
- Auto de transcrição de mensagens, fls. 441 a 448.
- Suporte fotográfico de fls. 386 e 387.
Face a tudo quanto se expôs, da conjugação de todos os meios de prova referidos e de acordo com as regras da experiência, não restaram quaisquer dúvidas em dar os factos por assentes, do modo como descrito supra.
Quanto ao elemento subjectivo dos crimes em questão, o mesmo retira-se da conjugação dos factos provados com as regras da experiência comum, pois qualquer cidadão, que corresponde ao padrão do homem médio, agindo como agiu o arguido, revela intenção directa de praticar os factos, como efectivamente, o fez. Acresce que o arguido confessou também o elemento subjectivo do crime em questão, pelo menos quanto às condutas que assumiu ter praticado, facilmente se retirando, face à total ausência de arrependimento manifestada, que quis praticar os factos, do modo como fez.
No que às lesões sofridas pela assistente diz respeito, foi determinante para a formação da convicção deste Tribunal o teor das suas declarações, ancorado no relatório de exame médico-legal de fls. 195 a 198 e dos elementos clínicos de fls. 116 a 118 e de fls. 199 a 202.
(…)»
Nos termos do art. 29, n.º 6, da Constituição:
(…)
6. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.
Na mesma linha o art. 4, n.ºs 1 e 2, do protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, preceitua que:
1. Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.
2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento.
(…)
Concretizando estes princípios, o art. 449 do CPP estabelece que:
1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.
No caso sub examine o recorrente assenta o pedido de revisão na al. d) do n.º 1 do art. 449 do CPP (descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação).
A propósito deste fundamento de revisão importa ainda convocar o art. 453, n.º 2, do CPP:
(…)
2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.
Da conjugação dos arts. 449, n.º 1, al. d), e 453, n.º 2, do CPP resulta, assim, que «[f]actos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste (…). Portanto, não basta que os factos sejam desconhecidos do tribunal. Por essa razão, o arguido só pode indicar novas testemunhas se justificar que “ignorava a sua existência ao tempo da decisão” ou elas não puderam ser apresentadas (“estiverem impossibilitadas de depor”, artigo 453, n.º 2, cuja redacção reproduz o artigo 678, § 1.º, do CPP de 1929). É pela generalização deste princípio que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” (…). Se o arguido (ou o MP em seu benefício) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…). A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Volume II, 5.ª edição atualizada, UCP Editora, págs. 755-756, comentário 12).
Dito por outras palavras, para efeitos de revisão «os factos e ou as provas têm de ser novos (…) no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação em julgamento, da prova em causa» [acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 27 de abril de 2022, processo 1928/16.1PAALM-A.S1, 3.ª secção, relatado pela conselheira Helena Fazenda, www.dgsi.pt]. Nesta última hipótese o recorrente deve justificar que estava impedido ou impossibilitado de apresentar as provas na altura do julgamento (cf. os sumários dos acórdãos do STJ de 5 de junho de 2019, processo 3155/12.8TAFUN-A.S1, relatado pelo conselheiro Mário Belo Morgado, e de 11 de novembro de 2021, processo 769/17.3PBAMD-B.S1, relatado pelo conselheiro Eduardo Loureiro, ambos em https://stjpt.sharepoint.com/sites/stj/Seco%20Civel/ Forms/Vista%20Acessos.aspx?id=%2Fsites%2Fstj%2FSeco%20Civel%2FSeccoesCriminais&viewid=8916c765%2Da633%2D49f7%2D855c%2D0d5b2ca194f0).
Para além disso, desses novos factos ou meios de prova devem resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, conceito que reclama «um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável» (acórdão do STJ de 28 de outubro de 2020, processo 1007/10.5TDLSB-B.S1, relatado pelo conselheiro Manuel Augusto de Matos, www.dgsi.pt).
No caso em análise o recorrente apresenta uma declaração que a vítima fez chegar ao processo em 15 de março de 2024 (4. supra).
Sucede que tal «declaração» nem constitui novo meio de prova nem configura um novo facto.
Como observa o STJ numa situação com contornos semelhantes e com argumentos que têm pleno cabimento nestes autos, «a fonte da prova é uma e a mesma pessoa que nos autos prestou depoimento como vítima/testemunha (…). Não há assim novo meio de prova, quer porque a fonte de prova é a mesma testemunha que prestou depoimento nos autos, quer ainda porque o documento é na essência uma declaração». Para além disso, acrescenta o mesmo Tribunal, aceitando, como hipótese de raciocínio, que o documento comprova que a vítima mentiu anteriormente, também não estamos perante um novo facto. Na verdade, para efeito do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, o novo facto «é aquele que nunca foi ponderado anteriormente no julgamento e não o que, tendo aí sido escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, se pretende que venha a ser julgado em sentido diverso (ac. STJ de 14.02.2013, disponível em www.dgsi.pt). O recorrente no julgamento da 1.ª instância negou a autoria dos crimes. Esse facto foi aí ponderado e objeto de decisão, pois não há qualquer presunção de que o arguido cometeu o crime, pelo contrário vigora o princípio in dubio pro reo. Assim, a “novidade” seria agora a subliminar alegação da falsidade do meio de prova corporizado no depoimento da vítima prestado no processo e que foi relevante para afirmar provados os factos que suportam o cometimento dos crimes e a condenação proferida. (…) A falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão é um dos fundamentos de revisão (art. 449.º/1/a, CPP). Ocorre que o recorrente não apelou à falsidade do depoimento da vítima, apesar de subliminarmente pretender instilar a dúvida quanto à falsidade do depoimento da vítima dos crimes, em cujo depoimento também se ancorou a matéria de facto provada. Com esse fundamento, só haveria lugar a revisão da sentença se a falsidade resultasse de uma outra sentença transitada em julgado (art.º 449.º/1/a, CPP) e como tal sentença não existe, a pretensão do recorrente com esse fundamento, está votada ao fracasso. Mas, então, bem vistas as coisas, o pedido, embora coberto com o manto diáfano da invocação de novos factos e novos meios de prova, reconduz-se à alegação, subliminar é certo, de que a vítima mentiu em julgamento. Isto é, o que o recorrente está a fazer, na verdade, com uma patente troca de etiquetas, é invocar a falsidade do meio de prova produzido no julgamento, mas fá-lo por via ínvia, sem juntar certidão da sentença onde tal falsidade tenha sido declarada (…). Ora essa falsidade, subentendida na alegação do recorrente, a existir, tem de ser declarada pelo meio próprio, uma sentença transitada em julgado e não por um papel junto aos autos» (acórdão de 17 de fevereiro de 2022, processo 506/18.5JACBR-B.S1, relatado pelo conselheiro António Gama, www.dgsi.pt).
Ou seja, «quando uma testemunha, que havia sido ouvida em julgamento, apresenta diferente versão, isso não significa que se está perante um novo facto e, muito menos, perante um novo meio de prova.
(…) o que sucede é que estamos perante uma diferente versão narrativa dos mesmos factos que já haviam sido contados no julgamento, o que não se pode confundir com qualquer novidade de meios de prova ou com qualquer novidade de factos.
E, assim, do que se trata é que o recorrente pretende a revisão do acórdão condenatório baseado na falsidade de um depoimento prestado em audiência de julgamento, pelo que deveria ter antes junto (como determina o art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP), sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento, o que não fez, por inexistir» (acórdão do STJ de 14 de julho de 2022, processo 506/18.5JACBR-D.S1, relatado pela conselheira Maria do Carmo Silva Dias, www.dgsi.pt).
Mas, ainda que assim não fosse, a vítima confirma na declaração que a relação sexual descrita no facto provado n.º 20 da sentença revidenda, foi «uma situação forçada (…) que lhe causou sofrimento físico e que se tivesse sido da sua escolha, não teria acontecido», versão que manteve durante a audição na fase rescindente preliminar do recurso onde, embora de forma esquiva e menos assertiva da evidenciada no julgamento (no qual, conforme se assinalou, «confirmou integralmente os factos do modo que se deu por assente, de forma credível e espontânea, logrando convencer este tribunal da veracidade da sua versão, (…) expressando o que sentiu e sente, o que, da forma emotiva como o fez, não podia jamais ter sido inventado (…) contou e descreveu, de forma bastante impressiva, que o arguido a forçou a manter relações sexuais consigo, contra a sua vontade») e pelas razões que facilmente se intuem dos quatro últimos parágrafos da declaração, respondeu que «acho que não foi violação» mas também que «eu não queria» e que «eu sempre disse que não queria», o que, ao invés de suscitar graves dúvidas, até acaba por chancelar a (justiça da) condenação pelo crime de violação.
Refira-se, por último, que a desistência de queixa apresentada nesta fase seria sempre extemporânea e inoperante (art. 116, n.º 2, do CP).
Aqui chegados, só nos resta emitir parecer no sentido da negação da revisão em virtude da sua absoluta (e manifesta) falta de fundamento legal.»
6. Teve lugar a conferência.
II. Fundamentação
7. A Constituição da República Portuguesa, em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana e das garantias de defesa em processo criminal, consagra, no seu artigo 29º, nº 6, expressamente o recurso de revisão estatuindo que “os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença”.
Esta mesma garantia constitucional resulta igualmente de instrumentos de Direito Internacional vinculativos para o Estado Português, nomeadamente da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, a qual, no artigo 4º do Protocolo 7, considera que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento”.
Na densificação do preceito constitucional, o artigo 449º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Fundamentos e admissibilidade da revisão”, enumera taxativamente os fundamentos deste recurso extraordinário, nos seguintes termos:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.”
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”
O recurso extraordinário de revisão visa superar, como refere Alberto dos Reis, “(…) o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa”; “visa eliminar o escândalo dessa injustiça”.1’2Acrescenta o insigne Professor, que “estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade de segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora.
Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio.
Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença”.3
Neste mesmo sentido, Germano Marques da Silva, seguindo Cavaleiro Ferreira, considera que o “princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado”.4
Ainda neste mesmo sentido, Figueiredo Dias, apesar de considerar a segurança um dos fins do processo penal, considera que tal “não impede que institutos como o do «recurso de revisão» (…) contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser só, no fundo, a força da tirania”5
Ao nível jurisprudencial o recurso de revisão é, tal como resulta da sua designação extraordinária, um meio de reação processual contra manifestas injustiças e intoleráveis erros judiciários. A segurança do caso julgado apenas pode e deve ser afastada, em situações de evidente injustiça material.
A título exemplificativo e a este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17/12/2009, considera que os “fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença vêm taxativamente enunciados no art. 449.º do CPP, e visam o compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro”.6
Feito este enquadramento sobre os entendimentos jurisprudencial e doutrinal do recurso extraordinário de revisão, voltemos ao caso concreto.
O recorrente invoca como fundamento da revisão, em síntese conclusiva, a alteração do depoimento da Assistente, anteriormente prestado no processo, o qual consta de um documento de 13 de Março de 2024, que foi junto aos autos e no qual a mesma declara não ter sido vítima de violação e que perdoa ao recorrente seu ex-marido.
Verifica-se assim que o recorrente baseia o seu pedido de revisão na alínea d) do n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, isto é, descoberta de “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
Vejamos.
Sobre este fundamento do recurso de revisão, o artigo 453º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Produção de prova”, estatui, no seu nº 1, “Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas”, acrescentando o nº 2 “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.”
Como se pode constatar da análise conjugada dos preceitos, a lei permite a revisão com base em novos meios de prova de factos já debatidos no julgamento que conduziu à sentença cuja revisão se pede7 e não só com base em novos factos e respectivos meios de prova, exigindo-se, contudo, em relação a estes, que o recorrente justifique que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitados de depor.
Como se refere no sumário do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Fevereiro de 2019, “I- Resulta desde logo da literalidade da al. d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, vale dizer, outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar. II - Não pode ser havida como um novo facto nem como um novo meio de prova, a sobreveniente declaração subscrita pela testemunha mãe da criança ofendida, comutando o relato do ocorrido [em audiência, esta havia declarado que as lesões apresentadas pela menor teriam sido causadas, inadvertidamente, pelo arguido (versão coincidente com aquela que o próprio arguido ali exprimiu)], atestando agora que as mesmas teriam resultado de uma acção própria, também inadvertida, tal seja um tropeção da mãe com a menor ao colo. III - O meio de prova (testemunhal) a relevar é o mesmo, independentemente de ter sido oralmente produzido na audiência de julgamento e de agora ser trazido aos autos por via de uma declaração escrita pela testemunha, e foi objecto de análise e aturado escrutínio na audiência levada em 1.ª instância, improcedendo assim o recurso de revisão apresentado.”
Para além desta exigência, dos novos factos ou meios de prova, devem resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, conceito que reclama «um grau ou qualificação tal que ponha em causa, de forma séria, a condenação, no sentido de que hão de ter uma consistência tal que aponte seriamente no sentido da absolvição como a decisão mais provável”.8
No caso em análise, o recorrente apresenta uma declaração que a vítima fez chegar ao processo em 15 de março de 2024, no qual a mesma declara o seguinte: (transcrição)
«(…)
Tendo conhecimento de que está prestes a ser executada a pena de prisão efetiva a que foi condenado seu ex-marido e arguido neste processo, AA, para cumprir a pena de prisão efetiva de 3 anos a que foi condenado pela prática:
- Do crime de violência doméstica nos temos do art.º 152/1 e 2 do código penal
- Do crime de violação nos termos do art.º 164/1 do código penal
Considerando que nas contra-alegações de recurso da assistente, as quais não foram valoradas no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que não deu provimento ao recurso do arguido defendeu que:
“Termos em que sou de parecer que o recurso do arguido merece provimento quanto a suspensão da execução da pena única de 3 (três) anos de prisão em que foi condenado, por igual período, mesmo que subordinada a regime de prova e deveres e regras de conduta diferentes e aditados às decorrentes das penas acessórias de proibição de contactos com a vítima de uso e porte de armas em que também foi condenado, improcedendo em tudo o mais”
Considerando que pensa convictamente que se encontra preenchido o critério do art.º 50/1 do CP que diz "a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição"
Considerando que está a proceder à presente declaração de livre e espontânea vontade e de uma forma completamente esclarecida, uma vez que assessorada na elaboração desta declaração por Advogado de sua confiança que nada tem a ver com o processado no Tribunal seja pelo lado da assistente seja pelo lado do arguido
Com a única ressalva que o referido advogado apenas conhece do Processo, a Douta Sentença, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação e a Douta Decisão do Tribunal Constitucional, não conhecendo outras peças ou elementos processuais, tendo apenas como condutor a perceção que a assistente tem do processo e a convicção e memória pessoal desta,
Vem pois declarar o seguinte para o que porventura possa ser considerado útil nomeadamente a possibilidade de ser transformada a pena efetiva de prisão efetiva numa pena de prisão suspensa,
1. A assistente perceciona as relações sexuais ocorridas no dia consignado na sentença como 18/19 maio às 03 da manhã (ponto 20 dos factos provados) como uma situação forçada, do qual não tirou qualquer tipo de prazer, que lhe causou sofrimento físico e que se tivesse sido da sua escolha, não teria acontecido.
2. Mas se alguém lhe tivesse perguntado se tinha sido "violada" (e não se recorda de tal pergunta lhe ter sido feita desta forma), teria respondido que não, que não tinha sido violada.
3. Nessa medida, não se recorda de alguma vez ter apresentado queixa de o arguido ter cometido contra si o crime de violação.
4. Se porventura (coisa de que se não recorda ter acontecido) tivesse alguma vez apresentado queixa de ter sido violada ou de alguma forma foi interpretado de sua queixa que se estava a queixar de o arguido ter cometido contra si o crime de violação, e atendendo que se trata legalmente de crime semi-público, posteriormente lhe tivesse sido perguntado, se desistia de tal queixa (efetiva ou presumida) teria respondido que sim, que retirava a queixa por violação contra o arguido
5. Razão pela qual, e sendo sua convicção que não há queixa por si apresentada pelo crime de violação, ou que havendo tal queixa ou de alguma forma interpretada como tal, não teve oportunidade de dela desistir como era seu Direito, Faculdade e Liberdade constitucionalmente consagrada, pelo que se mostra errada e injusta a condenação do arguido pelo crime de violação.
6. Uma vez que livremente a assistente diz que não tem consciência de ter apresentado queixa do crime de violação e se o tivesse feito teria desistido da mesma como agora declara expressamente.
7. Isto independentemente de a condenação proferida pelo Tribunal ser correta ou errada face aos factos apurados em audiência de julgamento.
8. Mesmo que objetivamente tais factos possam ser considerados violação, tal qualificação é reservada à vítima que tendo crime semi-público tem direito a que o arguido não seja condenado por tal, como aliás já declarou no processo ao defender a suspensão da pena em sede de alegações no recurso.
8. Sem prejuízo do que ficou dito, atendendo à natureza semi-pública nos termos do art.º 168/1 do código penal, devia ter sido acolhida a sua posição assumida nas alegações de recurso que aqui se recorda:
“Termos em que sou de parecer que o recurso do arguido merece provimento quanto a suspensão da execução da pena única de 3 (três) anos de prisão em que foi condenado, por igual período, mesmo que subordinada a regime de prova e deveres e regras de conduta diferentes e aditados às decorrentes das penas acessórias de proibição de contactos com a vítima de uso e porte de armas em que também foi condenado, improcedendo em tudo o mais”
SEM PREJUÍZO DO QUE FICOU DITO
Por outro lado e na medida e que tal seja relevante, declara de livre vontade, de forma consciente, e, não há mal em reconhecê-lo, por Amor aos seus filhos, que perdoa ao arguido.
Na verdade, depois do divórcio, cada um seguiu a sua vida e o arguido nunca mais a perseguiu ou incomodou, nomeadamente desde que foi proferida a Sentença da primeira instância, não tendo face a si qualquer ato de vingança ou retaliação.
A Prisão efetiva sempre teria um efeito penalizador para os filhos do casal e consequentemente também para si, o que de modo algum pode ser entendido como bom.
Sendo que a prisão efetiva é desnecessária, atento o comportamento atual do arguido face a si (nunca mais a incomodando na sua vida e não tendo contactos) e a pena suspensa terá um efeito dissuasor». (fim de transcrição)
Já após a declaração escrita da Assistente BB supratranscrita, a mesma foi ouvida nestes autos de revisão, nos termos e ao abrigo do artigo 453º do Código de Processo Penal e voltou a declarar que relação sexual não foi consentida e que a mesma não queria ter relações sexuais com o aqui recorrente. Este depoimento é consentâneo com o ponto 1 de declaração por si subscrita, no qual se escreveu “A assistente perceciona as relações sexuais ocorridas no dia consignado na sentença como 18/19 maio às 03 da manhã (ponto 20 dos factos provados) como uma situação forçada, do qual não tirou qualquer tipo de prazer, que lhe causou sofrimento físico e que se tivesse sido da sua escolha, não teria acontecido”.
Perante esta prova é manifesto que a declaração junta aos autos não é um novo meio de prova, nem um novo facto, mas, antes o mesmo facto e a mesma prova, já ponderada na decisão proferida.
Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto na sua promoção, “Assim, a “novidade” seria agora a subliminar alegação da falsidade do meio de prova corporizado no depoimento da vítima prestado no processo e que foi relevante para afirmar provados os factos que suportam o cometimento dos crimes e a condenação proferida. (…) A falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão é um dos fundamentos de revisão (art. 449.º/1/a, CPP). Ocorre que o recorrente não apelou à falsidade do depoimento da vítima, apesar de subliminarmente pretender instilar a dúvida quanto à falsidade do depoimento da vítima dos crimes, em cujo depoimento também se ancorou a matéria de facto provada. Com esse fundamento, só haveria lugar a revisão da sentença se a falsidade resultasse de uma outra sentença transitada em julgado (art.º 449.º/1/a, CPP) e como tal sentença não existe, a pretensão do recorrente com esse fundamento, está votada ao fracasso. Mas, então, bem vistas as coisas, o pedido, embora coberto com o manto diáfano da invocação de novos factos e novos meios de prova, reconduz-se à alegação, subliminar é certo, de que a vítima mentiu em julgamento. Isto é, o que o recorrente está a fazer, na verdade, com uma patente troca de etiquetas, é invocar a falsidade do meio de prova produzido no julgamento, mas fá-lo por via ínvia, sem juntar certidão da sentença onde tal falsidade tenha sido declarada (…). Ora essa falsidade, subentendida na alegação do recorrente, a existir, tem de ser declarada pelo meio próprio, uma sentença transitada em julgado e não por um papel junto aos autos» (acórdão de 17 de fevereiro de 2022, processo 506/18.5JACBR-B.S1, relatado pelo conselheiro António Gama, www.dgsi.pt).
Ou seja, «quando uma testemunha, que havia sido ouvida em julgamento, apresenta diferente versão, isso não significa que se está perante um novo facto e, muito menos, perante um novo meio de prova.
(…) o que sucede é que estamos perante uma diferente versão narrativa dos mesmos factos que já haviam sido contados no julgamento, o que não se pode confundir com qualquer novidade de meios de prova ou com qualquer novidade de factos.
E, assim, do que se trata é que o recorrente pretende a revisão do acórdão condenatório baseado na falsidade de um depoimento prestado em audiência de julgamento, pelo que deveria ter antes junto (como determina o art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP), sentença transitada em julgado a declarar a falsidade desse depoimento, o que não fez, por inexistir» (acórdão do STJ de 14 de julho de 2022, processo 506/18.5JACBR-D.S1, relatado pela conselheira Maria do Carmo Silva Dias, www.dgsi.pt).”
Assim, a questão da divergência de depoimento entre o que foi declarado no processo e o que agora consta do documento assinado pela Assistente, nos exactos moldes em que foi colocada pelo recorrente, mais não é do que uma nova narrativa sobre o depoimento prestado e valorado no processo e, ao mesmo tempo, uma tentativa em transformar este recurso extraordinário num novo recurso ordinário.
Como se refere e reafirma jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7 de Abril de 2021, “o recurso extraordinário de revisão não pode servir de mecanismo destinado a corrigir deficiências ou erros que, a terem existido, são exclusivamente imputáveis à estratégia de defesa que o condenado entendeu adoptar”.9
Em resumo, nem o teor da carta nem as declarações da Assistente trazem para os autos qualquer elemento que possa suscitar dúvidas quanto aos factos que foram provados nos autos e conduziram à condenação do arguido ou lançar suspeitas sobre a justiça da mesma condenação.
Não pode, pois, proceder o pedido de revisão.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
a) Negar a revisão – artigo 456.º do Código de Processo Penal;
b) Condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, e Tabela III do RCP;
Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Outubro de 2024.
Antero Luís (Relator)
Horácio Correia Pinto (1º Adjunto)
M. Carmo Silva Dias (2ª Adjunta)
Nuno Gonçalves (Presidente)
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1. Código de Processo Civil anotado, Vol. V, reimpressão, 1981, página 158.
2. Neste mesmo sentido, Pereira Madeira “eventuais injustiças a que a imutabilidade absoluta do caso julgado poderia conduzir”, pois “não se pode impedir a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal quer e precisa em todos os casos alcançar”, in Código de Processo Penal Anotado, António Henriques Gaspar e Outros, 2014, pág. 1609.
3. Código de Processo Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, Coimbra, 1953, pp. 336-337.
4. Direito Processual Penal, Vol.3 Universidade Católica, Lisboa 2015, pág.368.
5. Direito Processual Penal Primeiro Volume, Coimbra Editora, 1981, pág. 44.
6. Proc. 330/04.2JAPTM-B.S1, disponível em www.dgsi.pt
7. Neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Março de 2009, Proc. nº 09P316, disponível em www.dgsi.pt
8. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2020, Proc. nº1007/10.5TDLSB-B.S1, disponível em www.dgsi.pt
9. Proc. Nº 921/12.8TAPTM-J.S1, disponível em www.dgsi.pt