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ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL
LICENÇA
Sumário
A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.46974 de 28 de Março de 1966, os estabelecimentos industriais então em laboração, à sombra de alvarás de licença, passaram a ter de obter licença de laboração, dada a abolição daqueles alvarás.
Texto Integral
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª) DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I
1. No recurso de impugnação da decisão da Inspecção Geral do Ambiente n.º .../02.0TBMCN do 2.º juízo do Tribunal Judicial do Marco de Canavezes, após julgamento, por sentença de 18 de Março de 2003, foi decidido julgar improcedente o recurso de impugnação e confirmar a decisão da autoridade administrativa de condenação da arguida Companhia de Papel do Marco, S.A., pela prática da contra-ordenação p. e p. no artigo 86.º, n.º 1, alínea v), e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22/02, na coima de € 5 000, e pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 8.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15/03, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17/08, na coima de € 500 e, em cúmulo jurídico, na coima única de € 5 000.
2. A arguida, inconformada em relação à sua condenação na coima de € 500, que lhe foi aplicada pela contra-ordenação p. e p. nos artigos 8.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15/03, interpôs recurso da sentença, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões:
«A. A interpretação da Mma. Juiz a quo de que já se encontrava expressamente prevista no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 46 923 a abolição dos alvarás de licença dos estabelecimentos industriais, como aquele de que a arguida é titular e, ainda, que de acordo com o previsto no artigo 16.º do referido diploma, o regime nele consagrado se aplicava também aos estabelecimentos industriais existentes à data da sua publicação, não tem correspondência na lei e a admitir-se violaria o princípio da não retroactividade da lei nova, bem como os princípios constitucionais da segurança e estabilidade das relações jurídicas, o da tutela dos direitos adquiridos e, bem assim, não é compatível com o elemento sistemático da interpretação.
«B. O artigo 20.º procede à abolição do alvará como modelo de licenciamento dos estabelecimentos industriais mas não extingue os que nessa data já existiam.
«C. O elemento sistemático determinaria - na interpretação da Mma. Juiz - que primeiro se abolissem os alvarás e só depois se estipulasse um regime transitório para as empresas que eram titulares dos mesmos e que, com a abolição retroactiva, deixavam de ser portadoras de licença e não o inverso, como se verifica nos artigos 16.º e 20.º do citado diploma.
«D. Admitindo-se a tese da Mma. Juiz a quo e aplicando-se o regime do artigo 16.º, resulta que, mesmo sem licença a arguida poderia ser notificada para realizar as adaptações necessárias à nova legislação.
«E. Adaptar, no sentido que tal palavra tem no diploma em apreço, significa tão só ajustar, adequar uma realidade existente a outra, que é nova, mas partindo da primeira!
«F. O artigo 16.º não teria qualquer razão de ser e campo de aplicação, se não dependesse da manutenção do alvará existente.
«G. Existe, aliás, uma desconformidade gritante entre a coima aplicada pela autoridade administrativa, e mantida pela Mma. Juiz a quo, e a infracção, imputada a título de negligência grosseira, de que a arguida vem acusada, e que se traduz, no dizer daquela, na ausência de meio legal para laborar por mais de três décadas.
«H. Retirar sem mais, o alvará às empresas que até aí laboravam sob a alçada dos mesmos, colide com os princípios antes referidos da segurança e estabilidade da ordem jurídica, bem como com a tutela dos direitos adquiridos.
«I. Nos termos do artigo 16.º, as eventuais alterações que as empresas tivessem que fazer para se adaptar à nova legislação tinham que ser notificadas às respectivas empresas, o que pressupõe um acto positivo da entidade fiscalizadora, que no caso concreto não existiu.
«J. Se tal notificação fosse omitida porque a empresa estava a laborar de acordo com as regras estabelecidas no novo diploma, continuava a mesma, não obstante sem a necessária licença, já que o alvará de que era detentora tinha sido abolido.
«K. E se, por outro lado, se verificasse que a empresa não laborava de acordo com a nova legislação e, não obstante isso, a notificação para se adaptar à nova legislação fosse omitida, essa omissão, ainda que não imputável à empresa, não lhe permitia a obtenção da licença necessária à sua laboração, entendimento que retiraria qualquer efeito útil ao artigo 16.º
«L. A única interpretação admissível é a de que o citado artigo 20.º aboliu os alvarás, com o sentido, apenas, de que tal processo de obtenção de licença de laboração deixou de ser o praticado, mas mantendo válidos os alvarás que vigoravam até essa data, sujeitos, porventura, à disciplina transitória do dito artigo 16.º
«M. Não ficaram provados quaisquer factos relativos a uma eventual notificação da arguida para efeitos do artigo 16.º, nem tal foi, sequer, alguma vez alegado.
«N. O alvará da arguida sempre foi meio suficiente para que a mesma labore em plena legalidade, sendo relevante que nunca, até à presente, lhe tenha sido imputada a falta dessa licença e muito menos, como é bom de ver, aplicada qualquer sanção a esse título.
«O. A abolição da aposição de selos nos alvarás para liquidação das taxas e emolumentos devidos teve como objectivo expresso a mera simplificação do procedimento de cobrança.
«P. E, assim, se passou para um sistema de cobrança única, em função dos actos que fossem requeridos.
«Q. Não é, pois, verdade que a arguida, à data dos factos, não fosse titular de licença de laboração e, assim sendo, não praticou qualquer contra-ordenação a este título.»
3. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, apresentou resposta o Ministério Público, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
4. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, expressou a sua concordância com o parecer do Ministério Público na 1.ª instância, pronunciando-se pelo não provimento do recurso.
5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [Em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP], não foi apresentada resposta.
6. Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito da questão posta no recurso.
II
Cumpre decidir.
1. No caso, este tribunal conhece apenas de direito (artigo 75.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, que aprovou o Regime Geral das Contra-ordenações [Alterado pelos Decretos-Leis n.os 356/89, de 17 de Outubro, e 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro]), sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades ainda que não invocados ou arguidos pelos sujeitos processuais (artigo 410.º, n.os 2 e 3, do CPP).
De acordo com as conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, que definem e delimitam o objecto do recurso (artigos 412.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, do CPP), a recorrente impugna a decisão recorrida apenas no aspecto da sua condenação pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 8.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, na redacção que a esse diploma foi dada pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17 de Agosto, centrando a sua discordância, essencialmente, na interpretação dos artigos 16.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 46923, de 28 de Março de 1966.
2. Limitado o recurso à parte da decisão que se refere à indicada contra-ordenação, os factos que foram dados por provados e que relevam para a decisão do recurso são os seguintes:
«A arguida “Companhia de P..., S.A., com sede na Rua..., ..., 4.º Dto., em Lisboa, com o NIPC ......, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º ......, é possuidora de uma unidade industrial de fabricação de papel e cartão sita em..., na área desta comarca de Marco de Canavezes, que margina o Rio....
«A arguida “Companhia de P... S.A.” labora, naquele local, nas instalações que antes pertenciam à “Fábrica...”, entretanto falida, a qual era titular do Alvará n.º..., concedido em 4-02-1936 pelo Ministério do Comércio e Indústria, Direcção Geral das Indústrias, a autorizar a laboração daquela indústria, e que, em 13-01-1960, foi transmitido à ora arguida, mediante averbamento no referido alvará, no qual se encontra atestada através de selo, referente ao período de 1966-1967, a última aprovação das condições de laboração da arguida.
«No dia 17 de Maio de 2001, a arguida, não obstante encontrar-se classificada na Tabela de Actividades Industriais sob o CAE 21 120, classe B, laborava, encontrando-se em pleno funcionamento, sem que fosse titular de licença de laboração, sendo apenas titular do referido alvará.»
3. A questão posta no recurso consiste em saber se o facto de a recorrente dispor do alvará referido obsta à sua condenação pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos artigos 8.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, na redacção que a esse diploma foi dada pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17 de Agosto.
Entendeu-se na sentença que tal alvará se encontra “caduco” há mais de três décadas.
Pretende a recorrente que o alvará é título suficiente para laborar em plena legalidade.
Vejamos.
3.1. O Decreto-Lei n.º 46923, de 28 de Março de 1966, teve por objectivo promover a sistematização e a simplificação da legislação relativa ao licenciamento de estabelecimentos industriais, até então regulada por numerosos diplomas [Cfr. preâmbulo do diploma].
Por força do artigo 1.º desse diploma a instalação e a laboração dos estabelecimentos industriais ficaram sujeitas ao disposto no Decreto-Lei n.º 46923, o que significa que ele passou a aplicar-se não apenas aos estabelecimentos industriais que viessem a ser instalados a partir da sua entrada em vigor mas também aos estabelecimentos industriais que se encontrassem em laboração no momento da sua entrada em vigor.
Entendimento que, se já resultava do artigo 1.º, é imposto pela norma transitória do artigo 16.º, que estatuiu: «O disposto neste diploma aplica-se também aos estabelecimentos industriais existentes à data da sua publicação.»
Por outro lado, o artigo 20.º do mesmo diploma aboliu os alvarás de licença dos estabelecimentos industriais.
Das normas referidas resulta que os estabelecimentos industriais que se encontrassem em laboração à data da publicação teriam de obter as licenças de laboração, nos termos e segundo os procedimentos indicados pelo Decreto-Lei n.º 46923 e diploma regulamentar (regulamento de instalação e laboração dos estabelecimentos industriais, aprovado pelo Decreto n.º 46924, de 28 de Março de 1966), deixando os alvarás abolidos de constituir título válido de laboração, a partir da entrada em vigor desses diplomas.
E é, justamente, por as empresas, já em laboração, deverem requerer tal licença ou autorização de laboração que a lei veio conceder prazo razoável às empresas para procederem às adaptações indispensáveis à sua concessão. Com o objectivo de evitar que as empresas em laboração tivessem de cessar a sua actividade por não reunirem as condições necessárias à obtenção de autorização de funcionamento, o artigo 16.º referido, segunda parte, veio permitir que as empresas em laboração realizassem as adaptações indispensáveis, com vista a alcançar as necessárias condições de salubridade, higiene, segurança e comodidade (sem ter de cessar a laboração).
Enquanto a laboração dos estabelecimentos industriais não podia iniciar-se sem aprovação das condições de salubridade, higiene, segurança, comodidade e técnico-funcionais, próprias de cada modalidade industrial (artigo 11.º, n.º 1, do regulamento de instalação e laboração dos estabelecimentos industriais), aos estabelecimentos já em laboração foi concedida a possibilidade de continuarem em laboração, mesmo sem aprovação dessas condições, concedendo-se-lhes prazo para realizarem as adaptações necessárias.
O segmento do artigo 16.º que estamos a analisar («Quando tais estabelecimentos não reúnam as necessárias condições de salubridade, higiene, segurança e comodidade, as respectivas empresas deverão ser notificadas para, dentro de prazo razoável, realizarem as adaptações indispensáveis»), pressupõe que os estabelecimentos industriais em laboração requeressem o licenciamento ao abrigo da nova legislação, podendo, embora, continuar em laboração até à sua concessão. Para além de poderem continuar em laboração, nesse período, a falta das condições necessárias não significaria a imediata denegação da licença de laboração. Por força do artigo 16.º, as autoridades competentes deveriam, ainda, notificar as empresas para, num prazo razoável, realizarem as adaptações necessárias.
Com este regime transitório, foram assegurados os interesses das empresas em funcionamento à data da entrada em vigor do diploma, as quais não foram confrontadas com qualquer imposição de cessação imediata de laboração, em consequência da extinção dos títulos ao abrigo dos quais laboravam - os alvarás. Antes lhes foi permitido continuar a laborar, mesmo sem a licença necessária e até a mesma ser concedida, dispondo, ainda, de prazo razoável para procederem às adaptações impostas pela legislação nova e, assim, obterem a concessão da licença.
Se a recorrente não requereu a licença de laboração, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 46923 e do seu regulamento, como resulta dos autos, a omissão desse acto significa que continuou a laborar sem título válido.
E não se diga que teria de ser notificada para proceder às adaptações indispensáveis à concessão da licença. Essa notificação só teria de ocorrer no caso de, depois de requerer a licença em conformidade com a nova legislação, as autoridades competentes concluíssem que a concessão estava dependente da realização de adaptações.
Estamos, por conseguinte, em total concordância com a interpretação a que se procedeu na decisão recorrida.
O alvará de que a recorrente dispõe não constitui título válido de licenciamento desde a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 46923, de 28 de Março de 1966.
Conformando, por isso, a sua conduta a contra-ordenação actualmente p. e p. pelo artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 109/91, de 15 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 282/93, de 17 de Agosto - laboração sem licenciamento, a que se refere o artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma -, pela qual a recorrente foi condenada, em medida que não merece qualquer censura.
III
Termos em que, na confirmação da decisão recorrida, na parte impugnada, negamos provimento ao recurso.
Por ter decaído, vai a recorrente condenada em custas, com 3 UC de taxa de justiça (artigos 92.º, 93.º, n. os 3 e 4, e 94.º do Decreto-Lei n.º 433/82), com honorários ao Ex.º Defensor, nomeado em audiência, neste Tribunal, de acordo com o ponto 6 da tabela anexa à Portaria 150/2002, de 14 de Fevereiro, sem prejuízo do disposto no artigo 4º, nº 1, da mesma Portaria.
Porto, 14 de Janeiro de 2004
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares de Freitas
José Casimiro O da Fonseca Guimarães