PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
CONDENAÇÃO OFICIOSA EXTRA VEL PETITUM PREVISTA NO ARTIGO 74.º DO CPT
NATUREZA NÃO IRRENUNCIÁVEL DO DIREITO À RETRIBUIÇÃO APÓS A CESSAÇÃO DA RELAÇÃO LABORAL
Sumário

I – Um dos princípios estruturantes do do direito processual civil é o princípio do dispositivo, sendo que na observância deste princípio, o tribunal está, em regra (já que em determinadas situações, o tribunal pode condenar ultra ou extra petitum – artigo 74.º do CPT) impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido.
II – A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no artigo 609º, n.º 1, do CPC, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que pretendida pelo autor.
III – A condenação oficiosa extra vel ultra petitum prevista no artigo 74.º do CPT, apenas ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis, isto é, normas legais que estabelecem direitos de natureza irrenunciável.
IV – O direito à retribuição é irrenunciável, mas apenas na vigência do contrato de trabalho, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente ao seu empregador.
V – Em ação intentada após a cessação do contrato de trabalho, relativamente a crédito laboral atinente a diferenças salariais (entre a retribuição devida e a retribuição paga), o tribunal por força do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do CPC está sujeito ao limite do montante global peticionado a título de diferenças salariais.
VI – Recai sobre o recorrente o ónus de invocar, também no âmbito da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que em seu entender justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para alicerçar a forma como interpretou e/ou aplicou a lei, de forma a que o tribunal ad quem os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não acolhimento [incidindo o recurso sobre a matéria de direito, deve o recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (cfr. artigo 639.º, nº 2, do CPC).

Texto Integral

Recurso de apelação nº 661/22.0T8MTS.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho de Matosinhos, Juiz 3

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Rui Manuel Barata Penha
2º Adjunto: Nelson Nunes Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA (Autor) intentou a presente acção de processo comum contra A... Unipessoal, Lda., pedindo seja a ação julgada procedente e, em consequência:

“I - Declarar-se que o autor estava contratado a termo resolutivo certo desde 10 de Abril de 2021, que o contrato de trabalho cessou por denúncia verbal do autor em 15/06/2021, que é aplicável à relação laboral estabelecida entre o autor e a Ré o supra referido CLA e alterações (CCT e alterações) e condenar-se a Ré a pagar ao autor a quantia ilíquida de 6389,47€.

E ser ainda a Ré condenada a pagar ao autor:

a) Juros de mora:

- Sobre os proporcionais de férias e respetivo subsídio, bem como o subsídio de natal do ano da cessação desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho (16/06/2021).

- Sobre os créditos reclamados nos art.º 20º a 24º e 30º da P.I. desde a citação.

- Sobre as quantis reclamadas nos art.º 25 º a 27º da P.I., desde os respetivos vencimentos.”

Fundamentou o peticionado, em síntese, no seguinte: foi admitido ao serviço da Ré por contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 10-04-2021, e aditamento ao mesmo, para desempenhar as funções de servente na Bélgica, em regime de destacamento, no período de 10-04-2021 a 31-03-2022; no aditamento ao contrato de trabalho a Ré obrigou-se a cumprir a legislação laboral em vigor na Bélgica, onde se incluía a remuneração mínima em vigor nesse País; a Ré não lhe pagou a retribuição mínima prevista no contrato coletivo para o setor da construção civil na Bélgica, nem o trabalho suplementar prestado, nem o subsídio de transporte, nem o subsídio de alimentação, nem o montante previsto a título alimentação também previstos no referido contrato coletivo; procedeu à denúncia verbal do contrato de trabalho em 1-06-2021 e trabalhou até 15-06-2021; a Ré não lhe pagou ainda as férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais à duração do contrato.

Nessa decorrência, reclamou da Ré o pagamento das seguintes quantias:

- € 72,35 de deslocações (artigo 20.º da p.i.);

- € 171,75 de diferenças no subsídio de alimentação (artigo 21.º da p.i.);

- € 1.380,80 a título de alimentação (artigo 22.º da p.i.);

- € 1.590,12 a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis (artigo 23.º da p.i.);

- € 1.768,80 a título de trabalho suplementar prestado aos sábados (artigo 24.º da p.i.);

- € 499, 70 a título de diferenças salariais entre o montante recebido e retribuição mínima a que tinha direito pelo trabalho prestado nos meses de abril a junho de 2021 (artigos 25.º a 27.º da p.i.);

- € 454,99 a título de retribuição de férias proporcional à duração do contrato (artigo 28.º da p.i.);

- € 256,66 a título de subsídio de férias e de Natal proporcional à duração do contrato (artigo 29.º da p.i.);

- € 194,30 a título de despesas de alimentação indevidamente reclamadas pela Ré (artigo 30.º da p.i.),

No total de capital de € 6.389,47 peticionado pelo Autor.

Realizada audiência de partes, frustrou-se a conciliação, sendo a Ré notificada para contestar.

A Ré apresentou contestação, na qual aceitou a celebração do contrato de trabalho, negou que o Autor tenha trabalhado mais do que oito horas em cada dia de trabalho efetivo que prestou e negou a prestação de trabalho ao sábado, impugnando a factualidade invocada pelo Autor nessa matéria, e reportou-se aos montantes pagos pela Ré ao Autor para sustentar que tudo lhe foi pago, admitindo apenas que o facto de o Autor não ter gozado férias nem estas lhe terem sido pagas. Deduziu reconvenção para condenação do Autor no pagamento da quantia de € 812,72 por falta de cumprimento do aviso prévio para a denúncia do contrato de trabalho.

O Autor apresentou resposta à reconvenção, pugnando pela respetiva improcedência e pela condenação da Ré como litigante de má fé.

Foi proferido despacho saneador, sendo decidido:

- admitir a reconvenção deduzida pela Ré;

- fixar o valor global da ação em € 7.202,19;

- dispensar a identificação do objeto do litígio e os temas de prova.

Realizada a audiência final de discussão e julgamento, foi proferida sentença que conclui com a decisão seguinte (transcrição):
«Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos e improcedente a reconvenção, pelo que:
a) condeno a ré a pagar ao autor a quantia global de €1.267,95, respeitantes:

- a quantia de €72,35, a título de subsídio de deslocação, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde 22/2/2022 e até efetivo pagamento;

- a quantia de €499,70 a título de diferenças salariais, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde 15/6/2021 e até efetivo pagamento

- a quantia de €695,90 a título de proporcionais de retribuição de férias e subsídios de férias e de natal, acrescida de juros de mora à taxa de 4% contados desde 15/6/2021 e até efetivo pagamento.

b) absolvo o autor do pedido reconvencional deduzido pela ré.

Custas da lide principal a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento.

Custas da lide reconvencional a cargo da ré.

Notifique.

Registe.».

O Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem[1]:

« 1. Discorda o Recorrente o decidido, porquanto entende que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre um dos pedidos por si efetuados, o que sempre implicará a nulidade da sentença; por outro lado, errou na apreciação da prova, pelo que discorda o Recorrente da decisão proferida, nomeadamente, quanto aos itens b) e d), do elenco da matéria de facto dada como não provada; por fim, discorda ainda da aplicação do Direito quanto aos pontos relativos ao subsídio de alimentação, trabalho suplementar e diferenças salariais vertidos na “Fundamentação de Direito” da sentença.

2. Em sede de “Fundamentação de Direito” da sentença ora recorrida, o Tribunal a quo começa por decidir pela aplicação da convenção coletiva invocada pelo Recorrente ao contrato de trabalho celebrado entre as Partes e, de seguida, toma posição e decide sobre cada uma das verbas peticionadas por aquele em sede de petição inicial, inclusive pela ordem elencada nesta.

3. Contudo, não se pronuncia sobre o peticionado em 22.º da petição inicial e cujo montante concorreu para o valor global a final peticionado pelo Recorrente (ali A.) de Eur. 6.389,47, nem, consequentemente, sobre o pedido relativo à condenação em juros de mora “sobre os créditos reclamados nos art.º 20.º a 24.º e 30.º da P. I. desde a citação”.

4. O Tribunal a quo, na tomada de posição e decisão relativa ao alegado em 21.º da petição inicial (subsídio de alimentação), conclui pela não aplicação daquela parte/setor do CCT à relação laboral em causa por não ser possível concluir que a atividade da ali Ré inclua em específico a produção ou fornecimento de betão, contudo, tal argumento não se aplica ao montante peticionado em 22.º da petição inicial a título de alimentação uma vez que este tem por base a Convention Collective du Travail emanada da Comissão Paritária da Construção belga de 12/06/2014 com alterações posteriores (e aplicável aos presentes autos atento o decidido na sentença em crise) e tal verba peticionada não integra o separador da CCT relativo às empresas que produzem e/ou fornecem betão pré-misturado, mas sim a todas as empresas.

5. Por este motivo, não é possível considerar que o não conhecimento dos pedidos efetuados relativos a alimentação (quantia peticionada a este título propriamente dita e juros de mora relativos à mesma) ficou prejudicado pela solução dada a outras questões.

6. Assim, é de concluir que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre dois pedidos que lhe haviam sido direta e separadamente formulados,

7. Pelo que, nos termos do vertido no artigo 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil ex vi o artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho, é a sentença nula, por omissão de pronúncia, motivo pelo qual deve ser declarada nula, por omissão de pronúncia e, em consequência, ser prosseguido o processamento subsequente previsto no artigo 617.º do Código de Processo Civil.

8. O Mmo. Tribunal a quo julgou não provados os factos b) e d) dos factos não provados, contudo julgou provado o facto 10. dos factos provados atenta a apreciação “da prova produzida em audiência de julgamento”, concretamente, dos depoimentos das testemunhas BB e CC, bem como das declarações de parte do ali A..

9. Analisados os mencionados depoimentos, resulta inequívoco o seguinte: (i) o transporte inerente ao trajeto alojamento – trabalho e trabalho – alojamento do Recorrente e demais trabalhadores da ora Recorrida era efetuado através de uma carrinha, fornecida pela Recorrida e conduzida por um dos seus trabalhadores; (ii) para que todos cumprissem os horários de trabalho que a Recorrida lhes impunha para cada uma das empresas a que prestava serviços, os trabalhadores, de segunda a sábado, saiam do alojamento pelas 06h30; (iii) o Recorrente, assim como os demais trabalhadores da Recorrida que prestavam o seu trabalho na mesma empresa em que o Recorrente prestava, chegava às instalações daquela por volta das 7h; (iv) por esse motivo, o Recorrente, assim como os demais trabalhadores da Recorrida que prestavam o seu trabalho na mesma empresa em que o Recorrente prestava, começavam a trabalhar às 7h30; (v) o Recorrente, de segunda a sexta feira, terminava a sua jornada diária de trabalho pelas 18h e chegava ao alojamento por volta das 18h20; (vi) ao sábado, o Recorrente, assim como os demais trabalhadores, trabalhava menos uma hora diária que nos demais dias.

10. Isto posto, tendo em conta os depoimentos supra referidos sempre será de concluir que o facto não provado b) e o d) foram incorretamente julgados, pelo que, nos termos e para os efeitos do artigo 640.º, n.º 1, alínea c), é de concluir que devem ser julgados como factos provados os seguintes:

(a) O Autor trabalhava de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18 horas e aos sábados das 7:30 horas às 17 horas;

(b) O Autor começava a trabalhar às 7:30 horas.

11. Bem como, de acordo com o demonstrado nos termos supra expostos, devem ser aditados à matéria de facto dada como provada os seguintes factos:

15. O Autor trabalhava de segunda a sábado, inclusive.

16. A Ré fornecia ao Autor transporte para realização do trajeto alojamento – trabalho e vice-versa, sendo responsável pelas horas de partida e de chegada deste para/a cada um dos referidos locais.

17. O Autor ia para o trabalho no transporte fornecido pela Ré pelas 06h30 e regressava ao seu alojamento, no mesmo transporte, pelas 18h15 (de segunda a sexta feira).

12. Igual conclusão resulta da correta aplicação do Direito aos presentes autos, o que, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo não fez, concretamente, no que concerne no artigo 197.º, n.º 1 do Código do Trabalho, já que, de acordo com a jurisprudência portuguesa, todo o tempo em que o trabalhador permaneça na empresa, à disposição da mesma, deve ser entendido como tempo de trabalho, já que está condicionado na utilização do seu tempo, não o podendo despender como bem entender, designadamente, em atos da sua vida privada.

13. Tendo em conta o que resulta dos depoimentos das testemunhas e das declarações de Parte (e acima referido), o Recorrente, a partir do momento em que saía do seu alojamento já se encontrava sobre as ordens, direção e fiscalização da Recorrida, uma vez que era esta quem lhe fornecia o transporte, não mais podendo usar o seu tempo da forma que lhe for mais conveniente; bem como que, pelo menos a partir das 7h30, hora máxima a partir da qual estava presente nas instalações da empresa onde prestava as suas funções, estava no seu local de trabalho, disponível para o exercer, local onde ficava até às 18h (em dias úteis), momento em que o transporte providenciado pela Recorrida transportava o Recorrente de volta ao seu alojamento, sempre se dirá que o trabalhador de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18 horas e aos sábados das 7:30 horas às 17 horas encontrava-se em tempo de trabalho.

14. Assim, também por este motivo, sempre se dirá que o Tribunal a quo, ao julgar como não provados os factos b) e d), da matéria de facto não provada, violou o vertido no artigo 197.º, n.º 1 do Código do Trabalho e, para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alínea b), devem ser julgados como factos provados os seguintes:

(a) O Autor trabalhava de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18 horas e aos sábados das 7:30 horas às 17 horas;

(b) O Autor começava a trabalhar às 7:30 horas.

15. Como decorre do facto provado 2. da sentença em crise o Recorrente foi contratado pela Recorrida para prestar um período normal de trabalho semanal de 40 (quarenta) horas e diário de 8 (oito) horas, todavia, dos depoimentos supra transcritos, resulta inequívoco que o Recorrente trabalhava de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18 horas e ao sábado, iniciava a jornada à mesma hora, trabalhando a final menos uma hora do que nos dias úteis.

16. Tendo em conta a jurisprudência nacional e a definição de trabalho suplementar vertida no artigo 226.º, n.º 1 do Código do Trabalho, sempre se dirá que todo o trabalho prestado pelo Recorrente fora do período normal de trabalho contratado com a Recorrida, deverá ser considerado como trabalho suplementar, como alegado em 11.º, 23.º e 24.º da petição inicial.

17. Assim, tendo sido dado como provado que o período normal de trabalho diário contratado entre Recorrente e Recorrida foi de 8 horas e que, como ficou demonstrado, eram diariamente prestadas pelo Recorrente 10 horas de trabalho, de segunda a sexta feira e, ao sábado, 9 horas, é forçoso concluir que em todos os dias úteis da semana eram prestadas 2 horas de trabalho suplementar e, aos sábados, 1 hora.

18. Por este motivo, sempre se dirá que o Tribunal a quo ao decidir que “o autor não logrou provar a realização de trabalho além das 40 horas semanais, quer em dias úetis, quer aos sábados, pelo que é forçosa a improcedência do pedido nesta parte”, violou o vertido no artigo 226.º, n.º 1 do Código do Trabalho, pelo que deve tal conclusão ser alterada para “o autor logrou provar a realização de trabalho além das 40 horas semanais quer em dias úteis, que aos sábados”,

19. E, em consequência, ser o peticionado a este título julgado procedente e ser a Recorrida condenada ao pagamento à Recorrente da quantia peticionada a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis, no montante de Eur. 1.590,12 e a título de trabalho suplementar prestado aos sábados, o montante de Eur. 1.768,80.

20. Tendo em conta (i) o facto provado 3. dos factos provados da sentença em crise; (ii) que da “Fundamentação de Direito”, resulta que é de aplicar à relação laboral em causa nos autos a Convention Collective du Travail emanada da Comissão Paritária da Construção belga, de 12/06/2014 com alterações posteriores e (iii) o facto provado 8. dos factos provados, o Tribunal a quo julgou a título de diferenças salariais, teria o Recorrente direito aos montantes de Eur. 491,80, Eur. 561,94 e Eur. 469,44, pelo trabalho prestado nos meses de abril, maio e junho, respetivamente.

21. Contudo, uma vez que do alegado em 25.º, 26.º e 27.º da petição inicial o ali Autor apenas requereu o pagamento, a este título, do montante global de Eur. 499,70, o Tribunal a quo apenas considerou o pedido procedente na parte peticionada.

22. A verdade é que mostra-se evidente do alegado pelo Recorrente na sua petição inicial que era e sempre foi o seu objetivo, receber da Recorrida todos os montantes que lhe eram devidos pelo trabalho que prestou sob a direção e fiscalização desta e que nunca lhe foram pagos – jamais sendo vontade do Recorrente dispor/prescindir de qualquer direito que lhe era e é conferido por lei e/ou por instrumento de regulamentação coletiva, o que sempre resultaria da interpretação de um declaratório normal relativa àquela petição.

23. Por este motivo, é evidente que a contabilização da verba auferida a título de ajudas de custo para a realização do cálculo do montante recebido pelo Recorrente a título de retribuição, não foi mais do que um mero lapso e um erro de cálculo que se revela no próprio contexto da declaração, para efeitos do previsto nos artigos 236.º e 249.º do Código Civil.

24. Assim, sempre se dirá que estão reunidas todas as condições para a aplicação do artigo 74.º do Código do Processo de Trabalho, concretamente, que resulta de forma única e cristalina da aplicação do CCT (aplicável aos presentes autos) à matéria provada e aos factos de que o Tribunal a quo se pode servir (designadamente, o facto 8. dos factos provados) quais os montantes devidos ao Recorrente e em que a Recorrida efetivamente deveria ter sido condenada – aliás, só por isso é que o Tribunal a quo os calcula e identifica de forma clara e expressa.

25. Pelo que, o Tribunal a quo, ao ter decidido apenas pela procedência do peticionado a título de diferenças salariais e, em consequência, pela condenação da Recorrida no pagamento ao Recorrente de Eur. 499,70 a este título, violou o vertido nos artigos 236.º e 249.º do Código Civil e no artigo 74.º do Código do Processo de Trabalho,

6. Motivo pelo qual deve a decisão do Tribunal a quo quanto a este ponto (diferenças salariais) ser alterada e, em consequência, ser a Recorrida condenada ao pagamento ao Recorrente, a título de diferenças salariais, do montante de Eur. 1.523,18 (mil quinhentos e vinte e três euros e dezoito cêntimos) - e não apenas no montante de Eur. 499,70.

27. Quanto ao demais, deve a sentença em crise manter-se inalterada. ».

Termina dizendo:

1. Deve ser julgada procedente a nulidade da sentença em crise por omissão de pronúncia e, em consequência, serem prosseguidos os trâmites previstos no artigo 617.º do Código de Processo Civil.

Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se concebe, mas não se concede,

2. Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, ser proferido acórdão que, alterando a sentença, condene a Recorrida ao pagamento da quantia de Eur. 5.650,35 (cinco mil seiscentos e cinquenta euros e trinta e cinco cêntimos), como é de JUSTIÇA!

A Recorrida/Ré não respondeu à alegação.

Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso de apelação, a subir nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, foi aberta vista (artigo 87º, nº 3, do Código de Processo do Trabalho), tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto dado conta que o Recorrente arguiu a nulidade da sentença e o despacho de admissão de recurso não tomou posição sobre a nulidade, sendo que a omissão de tal apreciação pode determinar a baixa do processo para esse efeito, o que em seu entender devia ser feito.

Ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.º 5, do Código de Processo Civil[2], foi determinado pela relatora que os autos baixassem à 1ª instância para os efeitos previstos em tal normativo.

Nessa sequência, o Tribunal a quo apreciou a questão nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 617.º, n.ºs 1 e 5, do CPC, tendo proferido o seguinte despacho - refª citius 457212106 - (transcrição):

«Verifico agora que, na verdade e por lapso de que nos penitenciamos, na sentença proferida não ficou a constar de forma expressa a decisão sobre o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €1.380,00 a título de alimentação (vertida no artigo 22º da petição inicial).

No entanto, a decisão desta pretensão do autor enquadra-se no mesmos pressupostos e sentido da decisão proferida quanto ao pedido de reembolso das despesas de alimentação, a que se refere o artigo 30º da petição inicial.

Vejamos.

O CLA de 12/6/2014, no art. 4º, de seu Capítulo IV, dispõe a obrigação do fornecimento de alimentação e alojamento pelo empregador ao trabalhador que esteja deslocado de sua casa a uma distância que não lhe permita retornar diariamente.

Em alternativa, dispõe o art. 5º, a possibilidade do empregador para, por cada dia de trabalho, um subsídio de alojamento ou alimentação.

Ora, nos autos resulta provado que a ré pagava ao autor ajudas de custo, pelo que também aqui vale a mesma ponderação (efetuada a propósito do pedido de reembolso das despesas de alimentação): é certo que a ré, para além do subsídio de alimentação, pagava ainda ao autor ajudas de custo, e não provou o autor que essa despesa com alimentação não se encontrava prevista na quantia paga a título de ajudas de custo (quando é certo que a ré havia fornecido alojamento ao autor).

Por outro lado, sendo de considerar que este vale de alimentação era devido por cada dia de trabalho, é de ponderar os dias de trabalho que o autor alega ter trabalhado em cada mês (cfr. artigos 25º a 27º da petição inicial) e o valor já recebido a título de subsídio de alimentação (que o próprio faz descontar do valor deste vale de alimentação reclamado).

Deste modo, e, na ausência de outros elementos de facto, não pode este Tribunal considerar como incumprida a obrigação da ré no pagamento deste “vale de alimentação”.

Improcede, assim, esta pretensão do autor.

Notifique.

Oportunamente, remeta de novo os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.».

O Tribunal a quo decidiu usar da perrogativa prevista no artigo 617.º, n.º 2, do CPC, conhecendo da questão/pretensão em relação à qual foi suscitado pelo Autor no recurso interposto o vício de nulidade por omissão de pronúncia, julgando improcedente a pretensão formulada pelo Autor no artigo 22.º da petição inicial a título de alimentação.

As partes foram notificadas dessa decisão, nada tendo dito ou requerido, face ao disposto no artigo 617.º, n.º 3, do CPC.

Após, os autos subiram a este Tribunal da Relação.

O Exmº Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aí se lendo (transcrição):

“[…]

4. Levando em conta as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, as questões que o Recorrente levanta prendem-se com (i)esta última decisão proferida, (ii)a impugnação da matéria de facto – als. b) e d) dos factos dados como não provados, e o aditamento de três novos factos – (iii)o trabalho suplementar prestado e, (iv)o lapso ou erro de cálculo dos valores de diferenças salariais.

4.1. Como admitido pelo douto despacho de 27.02.2024, referência n.º 457212106, “na sentença proferida não ficou a constar de forma expressa a decisão sobre o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de €1.380,00 a título de alimentação (vertida no artigo 22º da petição inicial).”

No artigo 22º da petição inicial “O A. reclama da Ré o pagamento da quantia de 1380,80€ (1818,05€ = 27,97€ x65 dias de duração do contrato de trabalho) – 437,25 do SA de 8,25e x53 dias) a título de alimentação.”

A este propósito deu-se como provado que “12. O autor contribuía com €20,00, a par com os colegas com quem residia, por semana, para as despesas com o jantar de segunda a sábado.”

Donde pode concluir-se que as despesas de alimentação eram pagas pelos trabalhadores que se quotizavam para as suportar, em pelo menos, 20,00€ cada um, de segunda a sábado, e não pela entidade empregadora.

Ora a alimentação, nos termos do contrato deveria ser paga pelo empregador. Pelo que, salvo melhor opinião, não o sendo, deveria ser condenada no pagamento de tal quantia de 1.380,80€ pedida.

4.2. Salvo melhor opinião, entende-se que tem razão o recorrente quanto aos pontos da matéria de facto que considera mal julgados.

Estão identificados esses pontos como sejam os factos constantes das als. b) e d) dos factos não provados, indicados os elementos de prova que determinavam diversa decisão, e indicado o sentido em que deveriam sê-lo, ou seja como factos provados.

Na verdade os depoimentos das pessoas ouvidas a este propósito transcritos na alegação de recurso levam-nos a concluir que na verdade o Recorrente estava no local de trabalho antes das 07,30 horas, a esta hora iniciava o trabalho até às 12,30 horas, no período da manhã (5 horas) com meia hora para almoço, retomando o trabalho às 13,00 horas até às 18,00 horas, no período da tarde (mais 5 horas, num total de 10), de segunda a sexta-feira e aos sábados das 07:30 horas às 12,30 horas e depois de almoço das 13,00 horas às 17,00 horas.

Para além de que, atento o disposto no art.º 662º, n.º 1, do CPC pode também o Tribunal oficiosamente aditar ou excluir outros factos da matéria de facto provada ou não provada.

E, na verdade aqueles que o recorrente requer que sejam aditados resultam efectivamente demonstrados pelos depoimentos referidos, devendo, por isso, constar dos factos provados ((que (15)“O Autor trabalhava de segunda a sábado, inclusive”, que (16)“A Ré fornecia ao Autor transporte para realização do trajeto alojamento – trabalho e vice-versa, sendo responsável pelas horas de partida e de chegada deste para/a cada um dos referidos locais” e que (17)“O Autor ia para o trabalho no transporte fornecido pela Ré pelas 06h30 e regressava ao seu alojamento, no mesmo transporte, pelas 18h15 (de segunda a sexta feira)”.

4.3. Do exposto, executava o Recorrente 2 horas de trabalho suplementar por dia, de segunda a sexta-feira e uma ao sábado, efectivamente.

Com efeito prestava, por dia, 10 horas de trabalho de segunda a sexta-feira e 9 ao sábado, num total de 59 horas.

Como haviam contratado 40 horas semanais, prestava mais 19 horas de trabalho para além do horário ajustado e legal, que é considerado trabalho suplementar.

Em consequência, não lhe tendo sido pagas estas horas de trabalho suplementar, deverá agora a entidade empregadora ser condenada no pagamento, como peticionado.

4.4. Por fim quanto à quantia pedida a titulo de diferenças de retribuição, salvo melhor opinião, entende-se que também assiste razão ao recorrente.

a)-Na verdade, concorda-se que só por lapso, erro de cálculo, terá pedido menos do que o valor a que tem direito, depois aludir a factos que conduzem a um valor mais elevado.

b)-Também será possível invocar a disciplina do artigo 74º do CPT, sobretudo se se atender a que existe, hoje, alguma doutrina que refere que se uma prestação não é prescindível durante a execução do contrato de trabalho, também o não deverá ser depois de cessado. Para além de que o trabalhador, parte mais frágil da relação contratual, nunca adquirirá um estatuto de igualdade com o empregador, mesmo depois de cessado o contrato (v. João Leal Amado, Da Remissão Abdicativa em Direito do Trabalho: em torno do novo n.º 3 do art.º 337º do Código do Trabalho).

c)-Mas se estas razões não forem atendíveis, também se dirá, ainda, que o pedido global do Autor é de 6.389,47€.

Salvo melhor opinião é a este pedido que deverá atender-se e não, apenas, aos pedidos parcelares compreendidos neste valor (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe de Sousa, CPC anotado, vol. I, 3ª edição, p. 784).

Assim, até este valor sempre a sentença poderá condenar, sendo que, salvo melhor opinião, cabem neste valor os valores parcelares obtidos e referidos na douta sentença recorrida.


*

5. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.».

Não foi apresentada resposta ao parecer apresentado.

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


***

II – Objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinam-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

Assim, e tendo em conta as conclusões da alegação do Autor e visto que o mesmo, notificado do citado despacho refª citius 457212106, não veio alargar o âmbito do recurso que interpôs, são as seguintes as questões a suscitadas no recurso apresentado pelo Autor:

- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;

- Impugnação da matéria de facto;

- Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito quanto aos seguintes pontos vertidos na fundamentação de direito da sentença (cfr. conclusão 1 das alegações):

* trabalho suplementar;

* diferenças salariais;

* subsídio de alimentação;


***

III – Fundamentação

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

«Estão provados os seguintes factos:

1. A Ré é uma sociedade por quotas que desenvolve a sua atividade principal no âmbito de Construção de edifícios residenciais e não residenciais. Construção e manutenção de estradas, pontes, túneis e vias férreas. Atividades de construção plantação e manutenção de jardins e vias públicas. Trabalhos de engenharia e fiscalização– CAE Principal ... e CAE’s Secundários ..., ... e ....

2. O autor em 10/04/2021 foi admitido ao serviço da Ré, mediante contrato de trabalho resolutivo a termo incerto e aditamento, com local de celebração na cidade de Viseu, para sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções inerente à categoria profissional de «Servente» na Bélgica, na empresa de direito Belga, «B...», em regime de destacamento, no período de 10 de Abril de 2021 a 31 de Março de 2022, podendo este prazo ser prorrogado por prazo não superior a 40 (quarenta) dias, com o período normal de trabalho de 8 (oito) horas por dia e 40 (quarenta) horas por semana, mediante a retribuição base de “700,00€ (setecentos e cinquenta euros)”, acrescida de alimentação e alojamento por cada dia de permanência na Bélgica, em euros, por meio de transferência bancária para conta da Banco 1... com o IBAN  ....

3. De acordo com a cláusula 4ª do referido aditamento ao contrato de trabalho contrato de trabalho ficou estabelecido que a Ré, “durante o destacamento, garante e obriga-se perante o trabalhador e outras entidades oficiais, portuguesas e belgas, a cumprir a legislação laboral, bem como as condições de higiene e segurança do trabalho em vigor na Bélgica, assim como a remuneração mínima em vigor na Bélgica, sem prejuízo de regime mais favorável ao trabalhador em Portugal (…).

4. A alínea B) dos considerandos do aditamento ao contrato de trabalho refere o “contrato de prestação de serviços de construção civil, na Bélgica, celebrado entre a entidade patronal e a empresa de direito belga B..., a realizar no território belga

5. O autor trabalhou para a Ré desde 12/04/2021 a 15/06/2021.

6. O autor, em 31/05/2021, comunicou à ré, por mensagem de telemóvel que reiterava deixar “à disposição” da empresa a sua vaga, entendendo que ainda faltavam três dias de trabalho para cumprir a antecedência da comunicação, tendo trabalhado até 15/06/2021.

7. O autor não gozou férias, nem recebeu a retribuição de férias.

8. O autor recebeu da Ré:

- pelo trabalho prestado no mês de Abril de 2021 a quantia ilíquida de 1.659,64€, sendo 489,92€ de RB, 88,50 de subsídio de alimentação (por referência a 15 dias), 475,00€ de ajudas de custo, 524,56€ de vencimento adicional pelo destacamento e 40,83€ e 40,83€ de subsídios de férias e de natal;

- pelo trabalho prestado no mês de Maio de 2021 a quantia ilíquida de 2.430,26€, sendo 700,00€ de RB, 123,90 de subsídio de alimentação (por referência a 21 dias), 564,00€ de ajudas de custo, 952,70€ de vencimento adicional pelo destacamento e 58,33€ e 58,33€ de subsídios de férias e de natal;

- pelo trabalho prestado no mês de Junho de 2021 a quantia líquida de 1.045,12€ e a quantia ilíquida de 1.212,06€, sendo 349,87€ de RB, 53,10 de subsídio de alimentação (por referência a 9 dias), 287,20€ de ajudas de custo, 462,85€ de vencimento adicional pelo destacamento, 29,17€ e 29,17€ de subsídios de férias e de natal;

9. O autor quando se deslocava para trabalhar, antes de chegar à empresa, passavapor uma carpintaria onde trabalhavam dois colegas.

10. O autor saía de casa para trabalhar pelas 6:45 horas chegava ao seu local de trabalho antes das 7:30 horas.

11. A Ré forneceu alojamento ao autor.

12. O autor contribuía com €20,00, a par com os colegas com quem residia, por semana, para as despesas com o jantar de segunda a sábado.

13. Consta da cláusula 11ª do contrato de trabalho referido em 2. que “em tudo o que não está previsto neste contrato regularão as normas legais aplicáveis, nomeadamente o Contrato Coletivo de Trabalho para Construção Civil e Obras Públicas, publicado no BTE n.º 26, de 15/7/2017, bem como a regulamentação interna e demais condições em vigor para a generalidade dos funcionários ao serviço da 1ª outorgante”.

14. Durante o período de tempo que esteve na Bélgica, o autor procedia, em estaleiro, à separação de pedra usada, por tamanho e tipo de granito.


*

De resto não se provou:

a) que a empresa de direito belga «B...» se dedica à atividade de execução de obras de construção, alteração, conclusão, manutenção, reparação, ou demolição de edifícios, por conta própria ou para venda desses edifícios e comércio de materiais de construção, nomeadamente, de compra, venda, transporte, armazenamento, embalagem e todas as outras atividades relacionadas com o comércio de materiais de construção.

b) que o autor trabalhasse de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18 horas e aos sábados das 7:30 horas às 16 horas, sempre com meia hora de intervalo para o almoço;

c) que o autor, na Bélgica, residia em ... ..., ... ... (..., ...) ... e ... e prestava serviço para aludida empresa «B...» em (..., ...) ... e ....

d) que o autor começasse a trabalhar às 7:30 horas;

e) que a referida empresa de direito belga «B...» pagasse a todos os trabalhadores uma hora a mais do trabalho prestado aos Sábados;

f) que a 26/5/2021 o autor tenha comunicou verbalmente ao legal representante da Ré, Eng.º DD, a sua intenção de não mais trabalhar sob as suas ordens e direção.».


***

2) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Na apelação sustentou o Recorrente que a decisão recorrida não se pronunciou sobre o peticionado no artigo 22.º da petição inicial e cujo montante concorreu para o valor global peticionado de € 6.389,47, nem, consequentemente, sobre o pedido relativo à condenação em juros de mora desde a citação sobre esse crédito reclamado, pelo que a sentença padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula quando “[o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

No que se reporta à nulidade em referência, a decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar de questões que deveria conhecer (no caso da omissão de pronúncia) ou por se ter abordado e decidido questões de que não se podia conhecer (no caso de excesso de pronúncia).

O prescrito na citada alínea d) está em consonância com o n.º 2 do artigo 608.º, que dispõe: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

A nulidade em referência serve, pois, de cominação para o desrespeito do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, reconduzindo-se os vícios aí previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.

Ora, verifica-se que o Tribunal a quo admitiu a existência do invocado vício de omissão de pronúncia relativamente ao pedido de condenação da Ré no pagamento da quantia de € 1.380,80 a título de alimentação, crédito mencionado no artigo 22.º da petição inicial e que integrava o valor global peticionado, tendo nessa decorrência proferido decisão a corrigir o vício invocado, o qual, de facto, se verificava.

Com efeito, na decisão com a refª citius 457212106, o Tribunal a quo apreciou o pedido formulado a esse título, completando assim a sentença na fundamentação de direito no que respeita a essa matéria, julgando tal pedido improcedente.

O identificado despacho, tendo suprido a nulidade por omissão de pronúncia quanto ao referido pedido reportado ao crédito mencionado no artigo no artigo 22.º da petição inicial, considera-se como complemento e parte integrante da sentença recorrida, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão, nos termos do artigo 617.º, n.º 2, do CPC.

Mostra-se, pois, suprida a nulidade quanto à omissão de pronúncia da sentença recorrida no que respeita ao referido pedido a título de alimentação de € 1.380,80 e respetivos juros moratórios.

Perante tal suprimento, forçoso é concluir que a sentença recorrida, já complementada e integrada com a sobredita decisão, não deixou de apreciar qualquer questão que lhe cumprisse apreciar.

Pelo exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, conclui-se que se mostra suprida a nulidade por omissão de pronúncia invocada no recurso interposto.


***

3) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

O Recorrente manifesta a respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, resultando das conclusões da apelação que organiza a impugnação da matéria de facto, em concreto, nos seguintes termos:

- impugna as alíneas b) e d) dos factos provados, pretendendo que a matéria em causa seja dada como provada com a redação que indica e, bem assim, que sejam aditados à matéria de facto dada como provada factos cuja redação também indica.

Analisadas as conclusões e a motivação da alegação, consideram-se minimamente cumpridos os ónus legais de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC, sendo certo que está em causa matéria conexa e relativamente à qual são convocados os mesmos meios probatórios, pelo que nada obsta ao conhecimento da impugnação.
Importa referir que sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[4] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no Acórdão de 17-04-2023[5] desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

De facto, como também se evidencia neste último Acórdão[6], «a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção [21 – É que de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem que julgar pela convicção de quem espera a decisão].».

Ora, feita uma apreciação preliminar global dos argumentos aduzidos para sustentar a impugnação apresentada, verifica-se que o Recorrente procura pôr em crise a correção do juízo de livre convicção formado pela julgadora ao valorizar a prova, pelo que com o desiderato de evitar desnecessárias repetições, afigura-se-nos pertinente deixar, desde já, algumas noções gerais a esse propósito.

Assim, sublinhe-se que o juiz, como regra, aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607.º, n.º 5, do CPC). Pode também dizer-se que é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, impondo-se ao invés um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global. Este juízo deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferido segundo regras de experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.

Claro está que o resultado desse processo deve ter suporte na prova produzida e tal deve emanar, em termos suficientemente claros e objetivos, da fundamentação da decisão da matéria de facto.

Como é evidente, tal resultado não pressupõe uma certeza absoluta, sendo sim necessário que a prova permita criar a convicção da realidade de um facto [nas palavras de Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[7], “grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva”].

E, como se enfatiza no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 4-05-2022[8], «[e]ssa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá um dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.».

Do atrás exposto decorre com manifesta clareza que, para sustentar a impugnação sobre a decisão da matéria de facto, não bastará invocar um (ou mais) depoimento(s) em sentido contrário do decidido para pôr em crise a livre convicção formada e proceder a impugnação.

Do mesmo passo, se o recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova e, em contraste, atendeu indevidamente a outros que não mereciam credibilidade, errando assim na formação da sua livre convicção, não é suficiente partilhar e esgrimir aquela que é a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprindo evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar os princípios da racionalidade lógica, ou por ter desconsiderado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.

Por último, deixa-se também desde já consignado que nesta sede recursiva, se procedeu à reanálise de toda a prova produzida na matéria em causa, por forma a que estivesse garantida a devida contextualização dos elementos de prova convocados em sede de recurso e na fundamentação da decisão recorrida.

Isto posto, procederemos agora à indagação em concreto da impugnação.

Para melhor perceção, relembre-se a redação das alíneas dos factos não provados objeto da impugnação:

“b) que o autor trabalhasse de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18:00 e aos sábados das 7:30 horas às 16:00, sempre com meia hora de intervalo para o almoço”.

“d) que o autor começasse a trabalhar às 7:30 horas”.

O Recorrente pretende que tal matéria passe a constar do elenco dos factos provados com a seguinte redação:

“(i) O Autor trabalhava de segunda a sexta-feira das 7:30 horas às 18:00 e aos sábados das 7:30 horas às 17:00”.

“(ii) O Autor começava a trabalhar às 7:30 horas”.

Pretende ainda o Recorrente que sejam aditados à matéria de facto os seguintes factos:

“15. O Autor trabalhava de segunda a sábado, inclusive.

16. A Ré fornecia ao Autor transporte para a realização do trajeto alojamento-trabalho e vice-versa, sendo responsável pelas horas de partida e de chegada deste para/a cada um dos referidos locais.

17. O Autor ia para o trabalho no transporte fornecido pela Ré pelas 06h30 e regressava ao seu alojamento, no mesmo transporte, pelas 18h15 (de segunda a sexta feira)”.

“d) que o autor começasse a trabalhar às 7:30 horas”.

Para sustentar a sua posição, o Recorrente refere que resulta da matéria de facto provada, concretamente do ponto 10., que “O autor saía de casa para trabalhar pelas 6:45 horas chegava ao seu local de trabalho antes das 7:30 horas, sendo que, analisados os elementos probatórios convocados pelo Tribunal a quo para alicerçar a sua convicção quanto a tal matéria, não percebe como é que esse Tribunal julgou não provados os factos b) e d). Cita e transcreve excertos das suas declarações de parte e dos depoimentos das testemunhas BB e CC, para depois retirar as conclusões do que em seu entender resultou inequívoco de tais elementos probatórios nos moldes que verteu na conclusão 9 do respetivo recurso (já acima transcrita) e, bem assim, que foram incorretamente julgados os factos não provados em referência. Mais sustenta que de acordo com o demonstrado nos termos que concluiu devem ser aditados os factos acima transcritos.

Consta na sentença recorrida em sede de motivação o seguinte:

«Os factos supra descritos sob os pontos 1. a 5., 7., 8. e 13. resultam do acordo das partes nos articulados e do contrato de trabalho e respetivo aditamento, juntos aos autos pelo autor com a petição inicial (como docs. n.º 1 e 2 – fls. 7v a 10).

Os demais factos resultaram provados com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, na qual prestaram depoimento as testemunhas:

- EE, contabilista que nessa área presta serviços à ré, e atestou a intenção da ré em equiparar os trabalhadores destacados às condições belgas, e por isso pagam o adicional no vencimento, e que as ajudas de custo visam compensar os trabalhadores pelos custos acrescidos com a deslocação (à razão diária de €44,50 por a empresa disponibilizar alojamento), ao que acrescia o subsídio de alimentação;

- BB, que foi trabalhador da ré de abril de 2021 a abril de 2022, sensivelmente, com as funções de encarregado (lidava diretamente com o cliente e organizava o trabalho diário), tendo partilhado a casa com o autor, confirmou as tarefas que o autor desempenhava e a contribuição para a confeção comum do jantar; e afirmou que o horário de trabalho do autor era das 8h às 17h, se bem que chegava ao local de trabalho (em cujo refeitório os trabalhadores da ré iam tomar o pequeno almoço) pelas 7 horas e eram recolhidos pelas 17:30/18 horas, e nunca trabalhavam ao sábado;

- CC, que foi colega do autor na Bélgica, com quem partilhou a casa, tendo trabalhado cerca de 3 meses para a ré; afirmou que, tendo antes trabalhado noutros locais diferentes do autor (com quem só trabalhou diretamente cerca de 15 dias) saíam de casa pelas 7h e o próprio era dos primeiros a sair da carinha que os transportava para começar às 7h30 a trabalhar numa moradia (e os outros seguiam) e trabalhava 10 horas; trabalhava aos sábados; afirmou ainda que contribuíam com €20,00 semanais para a confeção comum dos jantar.

Nas declarações que prestaram, as partes mantiveram a versão dos factos que verteram nos articulados.

Relevantes foram também os documentos juntos aos autos a fls. 53 e 54 (recibos de vencimento do autor de abril e maio de 2021 – doc. n.º 9 e 10 da petição inicial); fs. 56 (extrato de remunerações do autor da Segurança Social – doc. n.º 12 da petição inicial); fls. 58v (recibo de vencimento do autor de junho de 2021 – doc. n.º 3 da petição inicial); fls. 90v (mensagem enviada pelo autor ao gerente da via aplicação “WhatsApp”, datada de 31/5/2021, junto pelo autor com o articulado de resposta, e cujo recebimento foi confirmado pelo gerente da ré nas declarações que prestou); fs. 91v (email datado de 1/6/2021 da empresa “C...” para a ré com as informações de voo do dia 16/6/2021 de Bruxelas para o Porto, junto pelo autor com o articulado de resposta).

Os demais factos resultaram não provados por deles não ter sido feita prova bastante.

Na verdade, em relação ao objeto social da empresa de direito belga “B...”, nada foi dito ou qualquer documento foi junto que o ateste.

O horário de trabalho que o autor alegou praticar não resultou provado face à ausência de prova bastante para tal. Quanto a tais factos apenas a testemunha CC referiu a prática de um horário de 10 horas diárias de trabalho, com início às 7:30 horas e que incluía os sábados, mas é também certo que apenas durante cerca de 15 dias é que trabalhou na mesma juntamente com o autor (tendo antes trabalhado noutras obras). No entanto, a testemunha BB (encarregado da ré na Bélgica) afirmou a prática de um horário compatível com as oito horas diárias e negou a prestação de trabalho aos sábados. Deste modo, perante a contradição destes depoimentos e da versão dos factos apresentada pelo autor, e inexistindo qualquer circunstância que permita dar mais credibilidade a uma testemunha em detrimento da outra, foi forçoso concluir pela não prova dos horários de trabalho alegados pelo autor.

Considerando que o autor alegou na petição inicial ter denunciado o contrato de trabalho de forma verbal no dia 1/6/2021, de não ter sido apresentada qualquer justificação para vir depois afirmar, no articulado de resposta, que (afinal) tal denúncia ocorreu a 26/5/2021 e sendo ainda certo que nenhuma prova bastante foi feita quanto a tal (não sendo também nesse sentido inteiramente conclusiva a mensagem de 31/5/2021), foi tal factos considerado não provado.

Por fim, é ainda de referir que nenhuma prova foi feita quanto à exata localização da residência e local de trabalho do autor na Bélgica.».

Apreciando, tendo procedido à análise crítica e conjugada da prova produzida, não vislumbramos razões para não considerarmos que a decisão recorrida motivou e analisou, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida na matéria em causa, não se identificando quaisquer incongruências ou desconformidades com os elementos probatórios disponíveis.

Tenham-se presentes as noções gerais supra tecidas no âmbito do princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil (artigo 607.º, n.º 5, do CPC) e, concretamente, que na apreciação da prova o julgador conjugará todos os elementos de prova produzidos sobre a matéria a provar, sendo que, no caso, o Tribunal a quo formou convicção no sentido da insuficiência e contradição dos meios de prova produzidos a obstar que se julgasse provada a matéria fáctica plasmada nas alíneas b) e d) objeto dos factos não provados.

Decorre da fundamentação o Tribunal a quo que o mesmo procedeu a um processo de valoração racional, formando um prudente juízo crítico global, perante as divergências com que se deparou.

Assim, e na matéria em questão, as posições das partes foram absolutamente divergentes, mantendo, como se apontou na decisão recorrida, a versão dos factos que verteram nos articulados. Não se olvide que, pese embora, o Recorrente apenas tenha convocado as respetivas declarações de parte, o certo é que também a Ré prestou declarações de parte através do seu legal representante DD.

Por outro lado, verificou-se também a apontada contradição entre os depoimentos prestados pelas duas testemunhas inquiridas quanto à matéria em questão em termos de horário praticado e horas de trabalho prestadas (inclusivamente sobre se a prestação de trabalho era de segunda a sexta ou de segunda a sábado), nos termos que se mostram explicitados na fundamentação da decisão recorrida.

É ainda certo que resultou do depoimento da testemunha CC que o mesmo trabalhou para a Ré na Bélgica entre abril a julho de 2021, sendo que apenas foi trabalhar para a Bélgica depois do Autor já lá estar a trabalhar (sem saber com rigor concretizar o dia em concreto do mês de abril em que terá começado a trabalhar na Bélgica, mas terá sido depois do dia 12 de abril tendo em conta que se apurou que o autor trabalhou desde 12 de abril de 2021 – ponto 5 dos factos provados), e, bem assim, que no período de abril a maio de 2021 não trabalhou no mesmo local que o Autor (referiu mesmo que nesse período ele e o Autor só se encontravam na casa que partilhavam com outros trabalhadores da Ré) – sic passagens de gravação por volta de 18:30, 19:56.

Já do depoimento da testemunha BB, resultou que exerceu funções de encarregado da Ré de abril de 2021 até abril de 2022 (referiu já não trabalhar para a Ré), sendo que quando começou a trabalhar na Bélgica o Autor também estava a começar lá a trabalhar, sendo que partilharam casa com outros trabalhadores. Do seu depoimento resultou que seria o Encarregado da Ré no que se reporta à empresa/cliente Belga no qual o Autor prestou funções (mencionado no ponto 2 dos factos provados), mas também no que se refere a outras empresas nas quais a Ré tinha outros trabalhadores seus a trabalhar.

O Recorrente apela apenas a algumas passagens dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, fazendo uma interpretação dos elementos probatórios diversa do Tribunal a quo e entende que deveria ser acolhida a sua apreciação, o que, sendo-lhe legítimo, não resultou em evidenciar a ocorrência de qualquer erro da julgadora na formação da sua convicção.

Ora, reapreciada a prova produzida, a convicção a que chegamos não é distinta daquele a que chegou o Tribunal a quo no que respeita à materialidade não provada sob as alíneas b) e d) dos factos não provados, sendo que os elementos de prova indicados não impõem decisão diversa da recorrida na matéria em apreciação.

Sublinhe-se que o facto de ter sido dado como provado o ponto 10. dos factos provados – que se reporta a parte da factualidade que havia sido invocada pelo Autor no artigo 16.º da petição inicial [onde foi invocado “O A. saía de casa para trabalhar sempre às 6H45 e chegava ao local de trabalho às 7h00 e começava a trabalhar às 7h30.”] -, em nada invalida ou contende com a circunstância de se ter considerado como não provada a matéria constante das alíneas b) e d) objeto de impugnação, como decorre inequivocamente da fundamentação dada pelo Tribunal a quo que em nada violou os princípios da racionalidade lógica.

Na verdade, quanto à matéria vertida no ponto 10. factos provados, analisados global e criticamente todos os elementos de prova produzidos, foi possível chegar à pressuposta certeza subjetiva quanto ao facto de que o Autor saía de casa para trabalhar pelas 6:45 horas e chegava ao seu local de trabalho antes das 7:30 horas, sendo que nessa matéria se verificou uma base consonante no que respeita aos elementos de prova produzidos. O mesmo já não aconteceu, porém, no que toca ao horário de trabalho praticado/horas de trabalho prestadas/se era prestado trabalho aos sábados, pelas já apontadas razões que foram racionalmente expostas na fundamentação da sentença recorrida e que merecem a nossa adesão depois de reanalisados os meios de prova produzidos na matéria em referência.

Ademais, o facto de alguém sair de casa para trabalhar a uma determinada hora e chegar ao local de trabalho antes de uma determinada hora não significa mais que isso, daí não podendo, sem mais, extrapolar-se para a conclusão no sentido pretendido pelo Recorrente que se chegava antes das 7h30 ao local de trabalho então pelo menos começava a trabalhar a partir das 7h30, ou sequer a conclusão de que estava disponível para iniciar a prestação do trabalho pelo menos a partir das 7h30 horas.

No que concerne ao facto pretendido aditar pelo Recorrente sob o ponto 15. – o Autor trabalhava de segunda a sábado, inclusive -, essa matéria resultou não provada, conforme alínea b) dos factos não provados, decisão que nesta sede recursiva se mantém conforme decorre do atrás exposto.

Já no que se refere aos demais pontos cujo aditamento à matéria de facto provada é visado pelo Recorrente – pontos 16. e 17. com a redação que indica -, apesar de, como se disse supra, terem sido minimamente cumpridos os ónus legais estabelecidos no artigo 640.º do CPC, o certo é que o Recorrente nem sequer cuidou de explicitar quanto a tais factos se teria ocorrido qualquer pronúncia sobre os mesmos, por reporte aos factos que na sentença recorrida foram considerados provados ou não provados. Tal menção deveria ter sido efetuada por forma explicita e clara, tanto mais quando, como já tivemos oportunidade de dizer em outras pronúncias, a reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação não pode confundir-se com um segundo julgamento, estando em causa, sim, uma reponderação.

Não se olvida que o recurso pode visar o aditamento de factos sobre os quais não tenha ocorrido pronúncia na sentença, mas isso, sublinhe-se, desde que ocorra fundamento legal para que tivesse ocorrido tal pronúncia.

Como se dá nota no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 14-10-2024[9], que neste particular se acompanha de perto, nessa situação se incluirão os factos «que carecem de alegação pela sua natureza para serem atendidos (artigo 412.º do CPC), factos que tenham sido alegados pelas partes nos seus articulados (ocorrendo, apesar disso, omissão de pronúncia sobre esses, nulidade nesse caso suprível nos termos previstos no artigo 662.º, do CPC), ou, ainda que assim não seja, então, dentro do regime expressamente previsto no artigo 72.º do CPT, a respeito dos poderes atribuídos ao juiz no processo laboral, assim, quanto a factos que tenham porventura resultado da discussão da causa, enquanto “factos novos”, que devam ainda assim ser atendidos, por estarem desde logo abrangidos pela salvaguarda inicial a que se alude no n.º 1 do artigo 72.º do CPT, ou seja que se trate de factos sujeitos ao regime previsto no n.º 2 do artigo 5.º do CPC, ou, tratando-se eventualmente de factos que se assumam como essenciais, que tenha sido cumprido em 1.ª instância o regime que resulta do aludido n.º 1 do referido artigo 72.º, ou seja, “(…) se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão”.

Na verdade, no referido âmbito, como resulta, entre outros, do acórdão desta Secção de 13 de julho de 2022, importa ter presente que “em processo laboral a matéria de facto relevante para a decisão de mérito deve também considerar os factos que, embora não articulados, o tribunal tenha apurado nos termos do referido artigo”, sendo que, no entanto, como no mesmo Aresto se refere, não se estando perante casos em que tenha sido aplicado em 1.ª instância o regime expressamente previsto nos n.ºs 1 e 2 do referido artigo 72.º do CPT a respeito de factos essenciais – sobre os quais, importa aliás lembrar que resulta do n.º 1 do artigo 5.º do CPC que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas” –, como afinal ocorreu na presente ação, no que particularmente se refere a factos que possam ter-se por inseridos no âmbito do n.º 2 do referido artigo 5.º do CPC, resulta deste que: “2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; (…)” – como se escreve no mesmo Acórdão, «sendo factos essenciais os que fundamentam o direito invocado pelo autor, o pedido reconvencional deduzido pelo réu ou as exceções por este apresentadas, entende-se por factos instrumentais aqueles “cuja função é apenas probatória e não substanciam ou preenchem as pretensões jurídico-materiais do autor ou réu – da prova dos factos instrumentais infere-se a existência dos factos principais, pois, eles (facos instrumentais) não constituem condicionantes diretas da decisão (da sua prova pode inferir-se a prova dos factos principais) e factos concretizadores aqueles que densificam e pormenorizam as ocorrências da vida real exposta pelas partes e complementares os que servem para aditar ou completar essas mesmas ocorrências».

Sem prejuízo do anteriormente referido, analisemos o que se verifica quanto aos pontos 16. e 17. que o Recorrente pretende aditar aos factos provados, indicando para tanto os mesmos elementos probatórios aduzidos para a impugnação das alíneas b) e c) dos factos não provados e que, por isso, tivemos já oportunidade de reapreciar.

Ponto 16. – A Ré fornecia ao Autor transporte para a realização do trajeto alojamento – trabalho e vice-versa, sendo responsável pelas horas de partida e de chegada deste para/a cada um dos referidos locais;

Ponto 17. O Autor ia para o trabalho no transporte fornecido pela Ré pelas 06h30 e regressava ao seu alojamento, no mesmo transporte, pelas 18h15 (de segunda a sexta feira).

Ora, em termos de deslocação para o trabalho, vejamos o que foi invocado pelo Autor:

- artigo 14.º da p.i. – “O A. na Bélgica residia em (…) e prestava serviço para a aludida empresa «B...» em (…);

- artigo 15.º da p.i – “O A. quando se deslocava para trabalhar, antes de chegar à empresa, passava por uma carpintaria sita em (…), onde trabalhavam dois colegas, percorrendo a distância aproximada de 10,5 km;

- artigo 16.º da p.i – “O A. saía de casa para trabalhar sempre às 6h45 e chegava ao local de trabalho às 7h00 e começava a trabalhar às 7h30”;

- artigo 18.º da p.i. – “A Ré forneceu alojamento ao A. (…);

- artigo 20.º da p.i. – “O A. reclama da Ré o pagamento da quantia de 72,35€ de deslocações (0,065€ por kmx21km de viagem de ida e voltax53 dias de trabalho), sendo que no precedente artigo 19.º da p.i. o Autor invocou que o CLA (CCT melhor identificado no artigo 8º dessa mesma peça) prevê a título de subsídio de transporte o pagamento de 0,065€ por Km.

Refira-se que, quanto a ponto 17. pretendido aditar, no que respeita a horas de ida para o trabalho em transporte fornecido pela Ré, a hora indicada pelo Recorrente entra desde logo em contradição com aquilo que o próprio alegou na petição inicial e ficou provado no ponto 10. como hora de saída de casa para trabalhar – 6:45 horas e que não foi objeto de impugnação.

Percorrida a petição inicial, não só o Autor não invocou que a Ré lhe fornecia transporte para realização do trajeto alojamento-trabalho e vice-versa, como até peticionou o pagamento do subsídio de transporte previsto na regulamentação Belga que se considerou aplicável em virtude do seu destacamento em função dos Kms percorridos desde o alojamento – que este, sim, invocou ter-lhe sido fornecido pela Ré – até ao local de trabalho.

É verdade que acabou por resultar com meridiana clareza da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento que a Ré afinal disponibilizaria transporte aos seus trabalhadores, onde se incluía o Autor, do alojamento que também lhes fornecia para o trabalho e vice-versa – uma carrinha conduzida por um dos trabalhadores que partilhavam o alojamento com o Autor -, mas relativamente a tal materialidade não foi seguido em primeira instância o procedimento previsto no artigo 72.º do CPT, sendo ainda certo que tal factualidade não foi levada à decisão da matéria de facto.

A sentença recorrida, aliás, condenou a Ré a pagar ao Autor o peticionado subsídio de transporte - o que não é objeto do presente recurso e, por isso, transitou em julgado – com a seguinte fundamentação:

«No âmbito dos créditos reclamados pelo autor, pede desde logo este a condenação da ré no pagamento da quantia de € 72,35 a título de deslocações, com fundamento no subsídio de deslocação à razão de € 0,065/km e por referência a 53 dias de trabalho.

Este valor de subsídio de deslocação encontra-se previsto no art. 5º, &4 (para uma deslocação entre 0 e 59 km) do CCT de 30/9/2019 relativo à intervenção nos custos de deslocação (Intervenção dans les frais de déplacement) e que adquiriu força obrigatória geral pelo Decreto Real de 6/9/2020, publicado no jornal oficial ... de 7/10/2020.

Apesar de não se provado qual a distância exata que o autor percorria para se deslocar ao local de trabalho, certo é que este valor é o mínimo previsto e que se afigura adequado considerado que o autor saía de casa pelas 6h45 e antes das 7h30 já lá se encontrava.

Assim, e considerando o período de duração do contrato de trabalho, e sendo certo que não logrou o autor provar que trabalhava aos sábados, é de considerar que tem o autor direito a receber da ré a quantia reclamada de € 72,35.».

Por outro lado, ao contrário do que sustenta o Recorrente não resultou dos elementos de prova convocados que a Ré fosse responsável pelas horas de partida e de chegada deste a cada um dos locais, no sentido de que, e desde logo, o Autor estivesse obrigado a usar esse transporte e a sujeitar-se e obedecer ao cumprimento dessas horas de partida e chegada por determinação da Ré. Tanto mais, quando é certo, que o Autor não se coibiu até de peticionar o subsídio de transporte previsto para a deslocação para o trabalho.

Assim, e independentemente do regime atrás mencionado no que respeita ao aditamento de factos, para efeitos da verificação sobre se teria ou não resultado da discussão da causa, o certo é que a prova indicada pelo Recorrente seria insuficiente para, como pretende, pudesse ser atendida a factualidade atinente à alegada responsabilidade da Ré pelas horas de partida e chegada, no sentido da obrigatoriedade de sujeição do Autor às mesmas, muito menos sequer de obrigatoriedade de o Autor usar aquele transporte fornecido pela Ré.

Por outro lado, ainda, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, mesmo que a factualidade em causa pudesse ser atendida, nunca da mesma se poderia retirar, sem mais, que o Autor desde que chegava ao seu local de trabalho estivesse adstrito à realização da sua prestação de trabalho, estivesse à disposição da empresa para iniciar a sua prestação do trabalho logo a partir da hora em que chegava ao local de trabalho, sequer que essa hora de chegada ao local de trabalho resultasse de imposição da Ré. Se atentarmos, aliás, na própria alegação efetuada pelo Autor em sede de petição inicial, verificamos que o mesmo até invocou que chegava ao local de trabalho às 7h00 e começava a trabalhar às 7h30 (artigo 16º da p.i.), ou seja, segundo a própria versão apresentada pelo Autor não resulta que o mesmo estivesse adstrito à realização da prestação do trabalho logo que chegava ao local de trabalho.

Ademais, o Autor fundou o pedido de pagamento de trabalho suplementar na sua efetiva produção, omitindo qualquer referência alegatória à disponibilidade para trabalhar a partir do momento em que chegava ao seu local de trabalho, agora invocada em sede recursória. Não foi alegado nem resultou da discussão que o trabalhador estivesse obrigado a chegar ao seu local de trabalho antes das 7:30 horas, ou mesmo às 7.30 horas, e que a partir dessa hora estivesse adstrito (disponível) à realização da prestação, muito menos que o Autor tivesse que permanecer na empresa disponível para trabalhar até à hora em que chegava o transporte fornecido pela Ré. O Recorrente retira todo um conjunto de conclusões e ilações, que não encontram respaldo na matéria que alegou e ficou apurada e, bem assim, na matéria resultante da discussão em 1.ª instância, pretendendo, perante a falência probatória do por si alegado como causa de pedir para sustentar o trabalho suplementar peticionado, vir agora em sede recursória modificar em termos sustanciais a sua alegação, sendo certo que, como vimos, os elementos probatórios que convocou nem sequer foram de molde a que pudesse ser formada uma convicção minimamente segura em sentido positivo de molde a que pudesse concluir-se como o faz o Recorrente de que se encontrava adstrito à realização da prestação laboral a partir das 7:30 horas e até às 18:00 horas de segunda a sexta-feira.

Não colhe, pois, a argumentação do Recorrente no sentido que o Tribunal a quo ao julgar como não provados os factos constantes das alíneas b) e d) violou o vertido no artigo 197.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Pelas razões atrás expostas, improcede o recurso apresentado pelo Recorrente em sede de impugnação da matéria de facto.


*

4. Saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do direito quanto aos seguintes pontos constantes da fundamentação de direito:

- trabalho suplementar;

- diferenças salariais;

- subsídio de alimentação

4.1. Quanto ao trabalho suplementar

Face ao que resulta das conclusões do recurso, misturando argumentação fáctica – por reporte a factualidade que nem sequer logrou provar, e tendo por base a impugnação da matéria de facto apresentada que improcedeu - com argumentação jurídica, o Recorrente invoca que foi contratado para prestar um período normal de trabalho semanal de 40 (quarenta) horas e diário de 8 (oito) horas, todavia considera que resultou demonstrado que trabalhava de segunda a sexta-feira das 7.30 horas às 18 horas e ao sábado, iniciava a jornada à mesma hora, trabalhando a final menos uma hora do que nos dias úteis, pelo que prestou diariamente 10 horas de trabalho de segunda a sexta-feira e ao sábado 9 horas, com a consequente prestação de trabalho suplementar em duas horas todos os dias da semana e aos sábados.

Conclui que, deverá o peticionado a esse título ser julgado procedente e a Recorrida condenada ao pagamento ao Recorrente da quantia peticionada a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis, no montante de € 1.590,12 e a título de trabalho prestado aos sábados o montante de € 1.768,80.

Consta da sentença recorrida o seguinte:

«Pede ainda o autor a condenação da ré no pagamento da quantia de €1.590,12 a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis, acrescido da quantia de €1.768,80 a título de trabalho suplementar prestado aos sábados.

No que respeita ao trabalho suplementar, de acordo com o disposto no art. 226º, n.º 1, do Código do Trabalho, considera-se trabalho desta natureza o prestado fora do horário de trabalho.

Por outro lado, dispõe o art. 268º, n.º 2, do Código do Trabalho que “é exigível o pagamento de trabalho suplementar cuja prestação tenha sido prévia e expressamente determinada, ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador.”

A determinação do trabalho suplementar decorre dos poderes de direção e de organização do trabalho que incumbem ao empregador, tendo o fundamento último na gestão da unidade produtiva em que se insere.

Conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho (in Direito do Trabalho - Parte II, Situações Laborais Individuais, 3.ª Edição, Almedina, 2010, p. 552.), pronunciando-se já sobre o regime decorrente do Código de Trabalho de 2009, «não parece ser de qualificar como trabalho suplementar o trabalho prestado pelo trabalhador fora do seu horário de trabalho, a título espontâneo e sem para tal lhe ter sido solicitado pelo empregador. Não obstante, o artigo 268, n.º 2, considera exigível o pagamento, como trabalho suplementar, do trabalho realizado “de modo a não ser previsível a oposição do empregador” (ou seja do trabalho “a mais” espontaneamente prestado). Embora se compreenda a reclamação do pagamento neste tipo de situação – ela funda-se em última análise, no instituto do enriquecimento sem causa, evitando que o empregador tire proveito de um trabalho que não pagou» e conclui aquela autora, referindo que «por princípio, só é reclamável o pagamento de trabalho suplementar determinado expressamente pelo empregador, devendo o trabalho suplementar espontâneo ser justificado pelo trabalhador (…) para que possa reclamar o respectivo pagamento».

A este propósito escreveu-se também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/12/2014 (processo n.º 1364/11.6TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt, e também citado pela ré) “Como se sabe, a exigência da prestação do trabalho suplementar, constituindo um acréscimo de disponibilidade do trabalhador perante o empregador, com o correspectivo prejuízo do seu direito ao descanso diário, pressupõe a prévia verificação de um apertado condicionalismo.

O trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar apenas quando ocorram necessidades anormais de gestão (quando a empresa tenha de fazer face a um acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de trabalhador), se verifique uma situação de força maior, ou ainda se/quando a sua prestação seja indispensável à prevenção ou reparação de prejuízo grave para a empresa ou para a sua viabilidade – art. 227.º, n.ºs 1 e 2, do CT/2009, regime homólogo do antes estabelecido no art. 199.º do CT/2003.

A sua determinação cabe, por óbvias razões, ao empregador, enquanto titular da empresa e detentor dos respectivos poderes organizativos e de direcção.

E, como é pacífico, impende sobre o trabalhador que reclame tal direito – ut regra geral do art. 342.º/1, do Cód. Civil – o ónus da prova da sua prestação nas condições em que o respectivo pagamento se torne exigível.

Ora, nos autos, o autor não logrou provar a realização de trabalho para além das 40 horas semanais, quer em dias úteis, quer aos sábados, pelo que é forçosa a improcedência do pedido nesta parte.».

A sentença recorrida contém cabal e clara fundamentação, com a qual, no essencial, concordamos, dispensando-nos de desnecessárias repetições.

Reforçamos apenas que a discordância do Recorrente não tem o mínimo de suporte factual, estando votada ao insucesso. A argumentação do Recorrente, no essencial, assenta em factualidade de que não fez prova, sendo que sobre ele (Autor) recaía o respetivo ónus, como se refere na sentença recorrida (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Para além disso, reiteramos as considerações tecidas supra no ponto 3. quanto à circunstância de o Recorrente retirar todo um conjunto de conclusões e ilações jurídicas, que não encontram suporte na matéria apurada, sendo certo que não resultou provada a realização de trabalho para além das 40 horas semanais, quer em dias úteis, quer aos sábados. Não pode também retirar-se dos factos provados que o Recorrente se encontrava adstrito à realização da prestação laboral a partir das 7:30 horas e até às 18:00 horas de segunda a sexta-feira.

Não colhe, pois, a argumentação do Recorrente no sentido que o Tribunal a quo violou o vertido no artigo 197.º, n.º 1, e 226.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

Em conclusão, improcede o recurso em sede de aplicação do direito nesta parte.

4.2. Quanto às diferenças salariais

Neste particular, o Recorrente refere que, tendo em conta o facto provado 3. e o que resulta da fundamentação de direito, é de aplicar à relação laboral em causa nos autos a Convention Collective du Travail emanada da Comissão Paritária da Construção Belga, de 12/06/2014 com alterações posteriores, sendo que perante o ponto 8. dos factos provados, o Tribunal a quo julgou a título de diferenças salariais teria o Recorrente direito aos montantes de € 491,80, € 561,94 e € 469,44, pelo trabalho prestado nos meses de abril, maio e junho, respetivamente. Contudo, uma vez que do alegado em 25.º, 26.º e 27.º da petição inicial o Autor apenas requereu o pagamento, a este título, do montante global de € 499,70, o Tribunal a quo apenas considerou o pedido procedente na parte peticionada. Argumenta que se mostra evidente do alegado pelo Recorrente na sua petição inicial que era e sempre foi o seu objetivo, receber da Recorrida todos os montantes que lhe eram devidos pelo trabalho que prestou sob a direção e fiscalização desta e que nunca lhe foram pagos – jamais sendo sua vontade dispor/precindir de qualquer direito que lhe era conferido e é conferido por lei e/ou instrumento de regulamentação coletiva, o que sempre redundaria da interpretação que um declaratário normal relativa àquela petição. Mais argumenta que, por este motivo, é evidente que a contabilização da verba auferida a título de ajudas de custo para a realização do cálculo recebido a título de retribuição, não foi mais que um mero lapso e um erro de cálculo que se revela no próprio contexto da declaração, para efeitos do previsto nos artigos 236.º e 249.º do Código Civil. Argumenta ainda que estão reunidas todas as condições para a aplicação do artigo 74.º do CPT, concretamente, que resulta de forma única e cristalina da aplicação do CCT (aplicável aos presentes autos) à matéria provada e aos factos de que o Tribunal a quo se pode servir (designadamente o facto 8. dos factos provados) quais os montantes devidos ao Recorrente e em que a Recorrida efetivamente deveria ter sido condenada.

Conclui que o Tribunal a quo ao ter decidido apenas pela procedência do peticionado a título de diferenças salariais no montante de € 499,70 violou os artigos 236.º e 249.º do Código Civil e 74.º do CPT, pelo que a respetiva decisão quanto a diferenças salariais deverá ser alterada e, em consequência, ser a Recorrida condenada ao pagamento ao Recorrente da quantia de € 1.523,18 e não apenas no montante de € 499,70.

Nesta matéria consta da sentença recorrida o seguinte:

«Formula também o autor o pedido de condenação da ré no pagamento de diferenças salariais, alegando que a sua retribuição horária deveria ascender ao valor de €14,74, o que não lhe foi integralmente pago pela ré.

As tabelas salariais previstas no CCT estão indexadas às categorias profissionais previstas nesse CCT emanada da Comissão Paritária da Construção belga, de 12/6/2014 (e relativa à categoria dos trabalhadores). Nessa, prevê o seu art. 4º que pertence à categoria I, os trabalhadores responsáveis pela execução de trabalhos simples, como limpeza de estaleiro, limpeza de edifícios, bem como execução de trabalhos sem especialização, como manuseamento de equipamentos e materiais. Ora, considerando a categoria de servente que lhe foi atribuída pela ré (e definida no CCT referido em 13. dos factos como “o trabalhador maior de 18 anos, sem qualquer qualificação ou especialização profissional, que trabalha nas obras, areeiros ou em qualquer local em que se justifique a sua presença ou para ajuda e auxílio no trabalho de qualquer oficial”) e as tarefas que o autor executava (cfr. ponto 14. dos factos), é sem dúvida de considerar que, para efeitos de aplicação do CCT belga, o autor se enquadrava nessa categoria I (conforme, de resto, alega).

A remuneração prevista para esta categoria I ascendia, em abril a maio de 2021, a €14,57, por força da alteração introduzida pelo CCT 9/7/2019 ao CCT de 12/6/2014, relativo às escalas salariais setoriais (após 2019 terá havia nova alteração em 1/12/2021, mas que produziu efeitos apenas a partir dessa data), a que foi atribuído caráter obrigatório geral pelo Decreto Real de 3/12/2019, com publicação no ... a 19/12/2019.

Conforme resulta dos factos, a título de retribuição pelo trabalho prestado na Bélgica, a ré pagava ao autor a retribuição base de €700,00, acrescido de um “vencimento adicional pelo destacamento” de €952,70, num total mensal de €1.652,70 a um valor horário de €9,53 e diário de €76,24.

Assim, pelos 13 dias de trabalho que o autor reclama pelo mês de abril, tinha direito a receber da ré a retribuição de €1.515,28 (€14,57x8x13), tendo só recebido o valor de €1.023,48 (retribuição base + vencimento adicional pelo destacamento), teria a ainda a receber o valor de €491,80.

Pelos 19 dias de trabalho em maio de 2021 que o autor reclama, teria direito a receber da ré a retribuição de €2.214,64, tendo recebido o valor de €1.652,70, teria ainda direito a receber a quantia de €561,94.

Pelos 11 dias de trabalho em junho de 2021 que o autor reclama, teria direito a receber da ré a retribuição de €1.282,16, tendo recebido o valor de €812,72, teria ainda direito a receber a quantia de € 469,44.

Reclamando o autor a este título de diferenças salariais a quantia global de €499,70, é de considerar, então, procedente nesta parte o peticionado (atendendo aos limites da condenação a que se refere o art. 609º do Código de Processo Civil, sendo certo que não se verificam os pressupostos da condenação “extra vel ultra petitum” previsto no art. 74º do Código de Processo do Trabalho, uma vez que o contrato de trabalho em causa nos autos havia cessado em momento anterior à instauração da presente ação).».

O Tribunal a quo apurou, em substância os montantes que o Autor teria direito a receber a título de diferenças salariais em cada um dos meses – abril, maio e junho de 2021, período relevante e ao qual respeitava o pedido formulado a esse título pelo Autor – para depois considerar que estava limitado pelo pedido global formulado a esse título pelo Autor nos termos e para os efeitos do artigo 609.º do CPC e não se verificarem os pressupostos da condenação “extra vel ultra petitum”.

Cabe-nos, pois, analisar se o Tribunal a quo podia ter condenado em valor superior ao peticionado pelo Autor a título de diferenças salariais referentes à duração do contrato (de 12 de abril de 2021 a 15 de junho de 2021).

Vejamos.

Prescreve o n.º 1 do artigo 609.º do CPC que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Resulta da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Um dos princípios estruturantes do do direito processual civil é o princípio do dispositivo a que alude o artigo 5.º do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.

Na observância deste princípio, o tribunal está, em regra (já que em determinadas situações, o tribunal pode condenar ultra ou extra petitum – artigo 74.º do CPT) impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido. Ou seja, o juiz não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no que respeita à quantidade, quer no que se refere ao seu próprio objeto.

A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no artigo 609º, n.º 1, do CPC, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor. É, pois, na observância do princípio do dispositivo que o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido.

A orientação que vem sendo assumida quando se aplica ao caso concreto o regime previsto no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, é no sentido de que para o efeito de se estabelecer o limite da condenação a que se refere tal normativo, o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe[10].

Transpondo para o caso concreto os limites da condenação reportam-se ao pedido global formulado pelo Autor a título de diferenças salariais (€ 499,70) e não às parcelas em que aquele se desdobra (referentes a cada um dos meses de abril, maio e junho de 2021 - € 279,42, € 23,78 e € 196,50, respetivamente). De facto, se por um lado as diferenças salariais foram discriminadas pelo Autor mês a mês, por outro lado o pedido formulado a este propósito apresenta-se como de diferenças salariais no valor total e tal decorre de um único facto, de uma única causa de pedir, que consiste no apuramento da retribuição devida ao Autor no decurso da relação laboral, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, à diferença reclamada a título de retribuição com referência a cada um dos meses.

Ora, o Autor peticionou a título de diferenças salariais no período de abril a junho de 2021 o valor de € 499,70, pelo que o Tribunal estava de facto limitado em termos de condenação a esse valor global, ainda que tivesse apurado distinto e superior valor a esse título proveniente do mesmo facto – retribuição inferior à devida.

Ao contrário do sustentado pelo Recorrente não tem aqui aplicação o regime resultante do prescrito no artigo 74.º do CPT - Condenação extra vel ultra petitum.

Este último normativo prescreve: “O juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Como sumariado no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-04-2024[11], “[a] aplicação do artigo 74.º do CPT é oficiosa e justifica-se quando estão em causa direitos indisponíveis do trabalhador, como a retribuição, na vigência do contrato de trabalho.”.

Com efeito, a jurisprudência e a doutrina têm-se debruçado sobre o teor do normativo em referência, sendo predominante o entendimento que a retribuição é irrenunciável e sujeita ao dever previsto artigo 74.º, mas apenas na vigência do contrato.

Disso são exemplo o Acórdão citado em último lugar com apelo a pertinentes citações doutrinais e jurisprudências e, bem assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-12-2017[12], em cujo sumário consta o seguinte:

«I. A condenação oficiosa “extra vel ultra petitum”, prevista no artigo 74º do Código de Processo do Trabalho, apenas ocorre se estiverem em causa preceitos inderrogáveis, isto é, normas legais que estabelecem direitos de natureza irrenunciável.

II. O direito à retribuição é irrenunciável, mas apenas na vigência do contrato de trabalho, dada a situação de subordinação jurídica em que se encontra o trabalhador relativamente ao seu empregador.

III. Se um trabalhador tiver um crédito laboral, resultante da diferença entre a retribuição que lhe deveria ser paga pelo empregador e aquela que efetivamente lhe foi paga, por ter exercido funções noutra categoria profissional com retribuição superior à sua, e não formular o inerente pedido na ação que propuser, após ter cessado o seu contrato de trabalho, contra o seu ex-empregador, não deve este ser condenado no pagamento desse crédito por não ser de conhecimento oficioso”.».

A doutrina e a jurisprudência têm, de facto, feito a distinção entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho e do direito ao salário na vigência do contrato, considerando que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante).

Sufraga-se este entendimento, pelo que o crédito atinente a diferenças salariais não é de considerar direito irrenunciável, não sendo aplicável o artigo 74.º do CPT.

Ademais, e ao contrário do defendido pelo Recorrente, sempre ressalvando o devido respeito por posição divergente, não é possível qualificar a contabilização pelo Autor da verba de ajudas de custo nos termos constantes dos artigos 25.º a 27.º da petição inicial como um mero lapso e muito menos um erro de cálculo revelado no próprio contexto da declaração para efeitos dos artigos 236.º e 249º do Código Civil. Não temos elementos objetivos que nos permitam concluir nesse sentido, sendo certo que, como é consabido, existem inúmeras situações em que os trabalhadores reclamam que o valor das ajudas de custo deve ser imputado no montante da retribuição base. Não estamos com isto a dizer que foi o caso do presente processo, mas constitui facto incontornável que nos identificados artigos da petição inicial o Autor entrou com o valor das ajudas de custo como fazendo parte da retribuição auferida em cada um dos meses, sem que existam elementos que nos permitam qualificar esse procedimento como sendo devido a lapso manifesto ou erro de cálculo revelados no contexto da declaração.

Em conclusão, o Tribunal a quo estava de facto sujeito aos limites do montante global peticionado a título de diferenças salariais, nos moldes já atrás explicitados, nenhuma censura podendo ser feita à sentença nesta matéria ao condenar a Ré no pagamento do valor global de € 499,70 peticionado pelo Autor a título de diferenças salariais. Improcede, pois, também o recurso nesta parte em sede de aplicação do direito.

4.3. Quanto ao subsídio de alimentação

A única referência que o Recorrente faz no recurso ao subsídio de alimentação é no ponto 1. das conclusões, onde se limita a referir que discorda da aplicação do direito quanto ao subsídio de alimentação.

As conclusões do recurso, como já se referiu, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito do nosso conhecimento, sendo certo que apenas é feita aquela mera referência de discordância da aplicação do direito no que respeita ao subsídio de alimentação.

Constitui, pois, facto incontornável que o Recorrente não apresenta, no âmbito da aplicação do direito, quaisquer efetivos argumentos jurídicos.

Em sede de fundamentação de direito, no que respeita ao subsídio de alimentação, consta da sentença recorrida o seguinte:

«No que respeita ao subsídio de alimentação, pretende o autor obter da ré o pagamento da quantia de € 171,75, afirmando ter direito a um subsídio de alimentação de € 5,50 acrescido de um complemento adicional de € 2,75dia.

Reclama o autor estes valores com base no CCT de 26/6/2009 (alterado pelo CCT de 8/10/2009. No entanto, o art. 1º deste CCT refere que o mesmo é aplicável aos trabalhadores empregados em empresas que produzem e/ou fornecem betão pré-misturado.

Ora, o objeto social da ré não nos permite concluir que a sua atividade inclua em específico a produção ou fornecimento de betão, pelo que não se pode concluir pela aplicação de tal CCT à relação laboral que existiu entre as partes, pelo que improcede nesta parte o peticionado.».

Conforme se dá nota no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 5-06-2023[13], é comummente afirmado que «impende sobre o recorrente, em sede de recurso, o ónus de invocar, também no domínio da aplicação da lei, os argumentos (jurídicos) que na sua ótica justificam o afastamento dos fundamentos constantes da decisão recorrida para sustentar o modo como interpretou e/ou aplicou a lei, de tal modo que o tribunal superior os possa apreciar, no sentido de lhes dar ou não sustentação – versando o recurso sobre matéria de direito, deve o Recorrente, para além de indicar nas conclusões as normas jurídicas violadas, referir também o sentido que, no seu entender, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas (artigo 639.º, n.º 2, do CPC).».

Ora, o Recorrente, como já se adiantou supra, não avançou nas suas conclusões (nem, aliás, nas alegações/motivação), com quaisquer argumentos jurídicos, tendentes a colocar em crise aqueles que se fizeram constar na fundamentação da sentença recorrida quanto ao subsídio de alimentação. A sentença não evidencia na matéria em apreciação qualquer erro na interpretação ou aplicação da lei, não se encontrando fundamentos para colocar em crise a aplicação do direito realizada na sentença quanto ao subsídio de alimentação e que conduziu à improcedência do peticionado a título de subsídio de alimentação. Está também votado ao insucesso o recurso nesta parte.


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Por último, importa apenas reiterar que, atendendo às conclusões do recurso, além dos atrás apreciados, nenhum outro segmento decisório da sentença recorrida - já devidamente complementada e integrada pelo despacho que supriu a nulidade por omissão de pronúncia – integra as conclusões do recurso apresentado e faz parte do âmbito do objeto do presente recurso, sendo certo que não se perfila nenhuma questão de conhecimento oficioso.

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O recurso é totalmente improcedente.

Quanto a custas, havendo improcedência do recurso, as custas do recurso ficam a cargo do Recorrente (artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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IV – DECISÃO:

Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo Recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


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(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 5 de novembro de 2024
Germana Ferreira Lopes
Rui Penha
Nelson Fernandes
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[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira), acessíveis in www.dgsi.pt, site onde se mostram disponíveis os demais Acórdãos infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso.
[5] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, relatado pelo Desembargador António Luís Carvalhão.
[6] Inserindo-se no texto a nota de rodapé 21 do Acórdão em causa.
[7] In Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Lda., pág. 436 e 437.
[8] Processo n.º 1166/20.9T8MTS.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas.
[9] Processo n.º 3133/23.1T8AVR.P1, relatado pelo aqui 2º Adjunto Desembargador Nelson Fernandes e também subscrito pela aqui Relatora (aí 1ª Adjunta). Consigna-se que não serão transcritas as notas de rodapé constantes do identificado Acórdão.
[10] Sobre esta matéria, veja-se na jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2010 (processo n.º 1052/05.2TTMTS.S1, Relator Conselheiro Vasques Dinis) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-01-2024 (processo nº 4502/20.4T8GMR.G1., Relatora Desembargadora Vera Sottomayor).
[11] Processo n.º 13358/20.6T8LSB.L1.S1, Relator Conselheiro Domingos Morais.
[12] Processo n.º 399/13.9TTLSB.L1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto.
[13] Processo n.º 125/22.1.T8AVR.P1, Relator Desembargador Nelson Fernandes, aqui 2.º Adjunto.