LEGITIMIDADE ACTIVA
RECLAMAÇÃO DE BENFEITORIAS FEITAS COM DINHEIRO COMUM
ACÇÃO CONTRA HERDEIROS
EX-CÔNJUGE
Sumário


Numa ação em que o ex-cônjuge marido demanda o ex-cônjuge mulher e demais herdeiros de prédio de herança, no qual alega que foram realizadas benfeitorias com dinheiro integrativo dos bens comuns do casal, e em que pede o reconhecimento de benfeitorias e a condenação dos devedores a pagar pelo menos a metade do valor com que avaliou as mesmas, assiste-lhe legitimidade para instaurar a ação, independentemente do juízo de mérito oportuno sobre a mesma, tendo em conta que:
a) Entendendo-se que a ação deveria ser instaurada por ambos os ex-cônjuges nos termos do art.33º do CPC, a falta de legitimidade singular: como regra, pode ou deve ser suprida, mediante a intervenção principal espontânea provocada do ex-cônjuge, nos termos dos arts.311º ss ou 316º ss do CPC, em suprimento da preterição de litisconsórcio necessário ativo, nos termos dos arts.6º/2 e 590º/2-a) do CPC; em concreto, esta sanação não pode ser feita porque o ex-cônjuge mulher, para além de ter posição antagónica à do ex-cônjuge marido, foi demandada como ré, por ser herdeira da herança a que pertence o prédio beneficiado com as benfeitorias, ação sujeita a litisconsórcio necessário passivo, nos termos dos arts.33º/1 do CPC e 2091º do CC.
b) O ex-cônjuge marido: tem um direito constitucional à ação e ao processo para tutelar os seus interesses (art.20º da CRP); tem interesse em demandar nesta ação, pelo menos, pela utilidade que lhe pode advir o reconhecimento da realização de benfeitorias com dinheiro comum do dissolvido casal, em prédio integrativo da herança indivisa de que os réus são herdeiros (art.30º do CPC).
c) A intervenção do ex-cônjuge mulher como co- ré, ainda que o pedido de condenação tivesse sido feito em relação à integralidade do valor das benfeitorias a restituir ao património comum do casal indiviso, asseguraria a definição definitiva da questão e o caso julgado entre os ex-cônjuges e os devedores, subjacente a uma das finalidades do regime do litisconsórcio necessário.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por AA, no estado de divorciado, contra BB, CC, DD, EE, FF, herdeiros incertos, todos na qualidade de Herdeiros (e respetivo cônjuge) da Herança Aberta e Indivisa por óbito de GG, com o N.I.F. ...25 (falecido a ../../1996):

1. O autor, na sua petição inicial:
1.1. Pediu:
«1) Devem os Réus, na qualidade de Herdeiros de GG, ser condenados a reconhecer o crédito detido pelo ora Autor sobre a Herança Indivisa e não Partilhada por Óbito de GG, por benfeitorias pelo mesmo realizadas e custeadas, em montante que se vier a determinar de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, cifrando-se o empobrecimento do Autor em quantia nunca inferior a 49.900,00€ (quarenta e nove mil e novecentos euros); e
2) Devem os Réus, na qualidade de Herdeiros de GG, ser condenados a satisfazer o crédito do aqui Autor pelo património que integra o Acervo Hereditário por Óbito de GG, restituindo ao ora Autor indemnização correspondente, em montante a determinar e a calcular de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, e apenas se assim não se entender:
1) Devem os Réus, na qualidade de Herdeiros de GG, ser condenados a reconhecer o crédito detido pelo ora Autor sobre a Herança Indivisa e não Partilhada por Óbito de GG, por benfeitorias pelo mesmo realizadas e custeadas, em montante que se vier a determinar de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, cifrando-se o empobrecimento do Autor em quantia nunca inferior a 49.900,00€ (quarenta e nove mil e novecentos euros); e
2) Devem os Réus, na qualidade de Herdeiros de GG, ser condenados a satisfazer o crédito do aqui Autor pelo património que integra o Acervo Hereditário por Óbito de GG, restituindo-se ao ora Autor tudo quanto possa ser restituído em espécie sem detrimento da coisa benfeitorizada e indemnizando-se o mesmo em valor correspondente quando a restituição em espécie não for possível, em montante a determinar e a calcular de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, tudo acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.».
1.2. Alegou, como fundamentos do seu pedido, em síntese: que foi casado com a 5ª ré, sob o regime da comunhão geral de bens, sendo que entre a celebração do casamento de ../../2001 e a sua dissolução por divórcio a ../../2019 fez várias obras necessárias, úteis e de beneficiação no prédio da herança indivisa de GG, seu ex-sogro, com o conhecimento e consentimento dos seus herdeiros; que estas obras que enuncia foram feitas com as suas poupanças e rendimentos provenientes do seu trabalho e, como tal, com rendimentos comuns do então casal; que, em face disto, viu o seu património empobrecido em quantia nunca inferior a € 99.800, 00 (art.58º) mas, «Sem prejuízo de, e em virtude de ter custeado as mesmas na pendência do seu casamento com a aqui 5.ª Ré com rendimentos comuns do casal, se deve considerar empobrecido em quantia nunca inferior a metade da indicada, é dizer, 49.900,00€ (quarenta e nove mil e novecentos euros).» (art.59º).
2. Os réus, citados, apresentaram contestação, na qual:
2.1. Defenderam-se por exceção, na qual arguiram: as exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial e de ilegitimidade ativa ad causam (defendendo que o direito de crédito reclamado pelo autor nos autos constitui um direito único de que o autor e a ré FF são titulares e que este direito de crédito está integrado no património comum do autor e da ré FF e só por ambos pode ser exercido); a exceção perentória de prescrição.
2.2. Defenderam-se por impugnação.
3. Convidado o autor a cumprir o contraditório quanto às exceções deduzidas, este apresentou contraditório, no qual defendeu, nomeadamente, a sua legitimidade ativa, uma vez que, sendo FF ré nesta ação, está assegurada a sua participação na ação, enquanto cointeressada na relação material controvertida, tendo a mesma tomado posição na demanda.
4. A 04.12.2023 foi proferido despacho a convidar o autor a esclarecer se foi efetuada partilha dos bens comuns do extinto casal composto pelo autor e pela ré FF, nos termos dos artigos 6º/1 e 7º/1 e 2 do CPC.
5. O autor esclareceu que não foi efetuada a partilha dos bens comuns do extinto casal.
6. A 22.02.2024 foi proferido despacho saneador, no qual:
6.1. Fixou-se o valor da ação em € 49 900, 00.
6.2. Julgou-se improcedente a arguição de exceção dilatória de ineptidão da petição inicial.
6.3. Julgou-se procedente a exceção de ilegitimidade ativa, absolvendo os réus da instância, nos termos da seguinte fundamentação e decisão:
«Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o disposto no artigo 33.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, se a lei ou o negócio jurídico exigir a intervenção dos vários interessados na relação jurídica controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
Por sua vez, o artigo 34.º, n.º 1 do CPC dispõe que devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família.
Aqui chegados, compulsados os autos e analisados os documentos juntos, constatamos que a aquisição do prédio onde o autor alega ter efetuado as benfeitorias cujo pagamento reclama encontra-se registado a favor de terceiro, no caso em nome de GG, falecido em ../../1996, e de BB, conforme resulta das certidões da conservatória de registo predial e do assento de óbito juntas com a petição inicial.
Mais constatamos que o autor contraiu casamento com a aqui ré FF em ../../2001, celebraram convenção antenupcial por via da qual adotaram o regime de comunhão geral de bens e esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em ../../2019, transitada em julgado (conforme resulta da certidão do assento de casamento junta com a petição inicial).
De igual modo, resulta dos autos, concretamente das declarações prestadas pelo autor sob a ref. citius 15489809, que o autor e a ré FF não procederam à partilha de bens do casamento.
Daí que perante tal factualismo e face ao objeto do litigio, reclamando o autor o pagamento de um crédito emergente de benfeitorias que alega ter efetuado na constância do casamento com rendimentos comuns do casal, em prédio de terceiro, a questão que se coloca é, precisamente, a de saber se o autor pode peticionar o reconhecimento e a condenação no pagamento desse crédito desacompanhado da sua ex-cônjuge.
E este propósito, in casu, resultou demonstrado que o autor e a ré FF foram casados no regime da comunhão geral de bens e o direito de crédito que o mesmo reclama nestes autos contra os herdeiros de GG integra o património comum do casal, conforme decorre do disposto no artigo 1732.º do Código Civil.
Daí que, durante a vigência do casamento entre o autor e a ré, as benfeitorias em causa nos autos integravam o património comum pertencente a ambos, que assim eram titulares de um direito insuscetível de divisão ideal de quota. Na verdade, no âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também designada por comunhão de mão comum, os cônjuges não são titulares de um direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens integrados na comunhão, mas são apenas titulares do direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, que constitui o direito à meação do património conjugal que se efetiva mediante partilha, nos termos previstos no artigo 1689.º, n.º 1 do Código Civil. Nessa medida, antes da partilha, o direito dos membros da sociedade conjugal não incide diretamente sobre cada um dos bens ou direitos que integram o património conjugal, mas incide sobre todo ele, concebido como um todo unitário, razão pela qual a qualquer dos cônjuges não pertencem direitos específicos sobre cada um dos bens que integram o património conjugal, não lhes sendo licito dispor desses bens nem onerá-los, porquanto os dois cônjuges são titulares de um direito único.
Pelas razões expostas, julgamos que o crédito reclamado nos autos integrando um património comum ainda não partilhado e titulado pelos ex-cônjuges, no caso, o autor e a ré FF, “em relação ao qual ambos são sujeitos, em termos de contitularidade de um único direito, ela não pode exercer, só por si, o direito de crédito que pretendeu fazer valer” por via desta ação (neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005, proc. 05B2720, disponível in www.dgsi.pt).
Daqui resulta que, durante a vigência do casamento entre o autor e a sua ex-cônjuge, as benfeitorias em causa nos autos integravam o património comum de ambos, titulares do mesmo direito sobre ele e insuscetível de divisão ideal de quota (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2022, proc. n.º 1735/21.0T7BCL-A.G1, disponível in www.dgsi.pt).
Assim, em face do que acabamos de expor, julgamos que a situação sub judice não se integra diretamente no disposto no artigo 34.º, n.º 1 do CPC, uma vez que o autor e a sua ex-cônjuge, aquando da instauração da ação, já não eram casados um outro. No entanto, julgamos que “tendo em conta a estrutura do caso espécie, ou seja, o exercício de um direito de credito indemnizatório integrado num património autónomo indiviso que se constituiu na constância do casamento entre o recorrido e a ex-cônjuge, justifica-se, dada o quadro de similitude envolvente, que se lhe aplique o disposto no referido nº 1 do artº 34º, do Código de Processo Civil.
Assim, por virtude da natureza do património comum da titularidade do recorrido e da ex cônjuge a que acima se fez referência, em relação ao qual ambos são sujeitos, em termos de contitularidade de único direito, ele não pode exercer, só por si, o direito de crédito que pretendeu fazer valer por via da ação. Com efeito, o referido direito de indemnização, integrado no património comum da titularidade de ambos, só por ambos pode ser exercido, por se tratar de um direito uno cujo regime de meação se não coaduna com o regime de quotas que é próprio da compropriedade” (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.11.2022, proc. n.º 1735/21.0T7BCL-A.G1; no mesmo sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005, proc. 05B2720, disponível in www.dgsi.pt).
Na comunhão conjugal nenhum dos cônjuges pode requerer a divisão e a comunhão mantem-se enquanto persistir a sociedade conjugal, à qual se encontram adstritos os bens comuns do casal (cf. artigo 1689.º, n.º 1 do Código Civil). Por essa razão, após a extinção do casamento, os bens comuns mantêm-se nessa qualidade até ocorrer a respetiva partilha, só assim se respeitando a regra da imutabilidade do regime de bens.
Do exposto e em face das considerações expostas constatamos que o autor é parte ilegítima por ter intentado esta ação desacompanhado da sua ex-cônjuge e sem o seu consentimento, em violação do disposto nos artigos 33.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1 do CPC (neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2005, proc. 05B2720, disponível in www.dgsi.pt). O autor necessitava de intentar a presente ação acompanhado da sua ex-cônjuge do lado ativo por se verificar uma situação de litisconsórcio necessário ativo. Por essa razão e intervindo a mesma nesta ação no lado passivo, no caso a ré FF, verifica-se a impossibilidade legal de deduzir o incidente de intervenção principal ativo da mesma de molde a sanar a exceção de ilegitimidade plural ativa por preterição de litisconsórcio necessário legal.
Assim, pelas razões expostas e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, julgamos que não assiste razão ao alegado pelo autor nos argumentos esgrimidos a este propósito no articulado de resposta.
A ilegitimidade processual corresponde a uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e tem como consequência a absolvição do réu da instância (cf. artigos 576.º, ns.º 1 e 2 e 577.º, alínea e) do CPC).
Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julga-se procedente a exceção de ilegitimidade processual ativa por preterição de litisconsórcio necessário legal ativo e, em consequência, absolvem-se os réus da instância.
Custas pelo autor, em conformidade com o disposto no artigo 527.º, ns.º 1 e 2 do CPC.
Registe e notifique.».
7. O autor interpôs recurso de apelação da decisão de I-6.3., na qual apresentou as seguintes conclusões:
«1.º - Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador-sentença que pôs termo ao processo ao julgar procedente a pelos Réus, ora Recorridos, invocada exceção de ilegitimidade processual ativa, por preterição de litisconsórcio necessário legal ativo, atento o disposto nos artigos 1689.º, n.º 1 do Código Civil e 33.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC).
2.º - Considerar-se aplicável ao caso sub judice a hipótese de litisconsórcio necessário conjugal vertida no artigo 34.º do CPC resulta de uma incorreta interpretação e aplicação do normativo referido.
3.º - O regime previsto no normativo em discussão, que tem como epígrafe, relembre-se, “Ações que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges”, é aplicável, precisamente, aos cônjuges e é-lhes aplicável se e na medida em que vigorar a sociedade conjugal.
4.º - Cura-se, no âmbito do artigo 34.º do CPC, da proteção da sociedade conjugal pelo que verificando-se a extinção da mesma, como o sucedeu in casu atenta a dissolução do casamento celebrado entre o Recorrente e a Recorrida FF, carece de sentido equacionar-se a aplicabilidade de um normativo cuja ratio é, precisamente, a preservação e proteção daquela; a proteção do casamento; a proteção do interesse da família.
5.º - Foi, aliás, a Relação de Guimarães, no seu recentíssimo Acórdão datado de 19/01/2023, processo n.º 191/21.7T8CMN.G1, Relator: Pedro Maurício, que pugnou precisamente pelo exposto, explicitando que “... não faz sentido a aplicação analógica das normas que regulam os efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges constantes nos artigos 1671º e seguintes do Código Civil, uma vez que tais normas foram criadas para proteção da sociedade conjugal, que já não existe naquele período... (...) a Ré invoca uma norma jurídica (art. 34º do C.P.Civil de 2013) que é aplicável às acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges, quando alegou expressamente, em vários artigos da contestação, que antes da propositura da presente acção se divorciou do seu ex-marido, administrador da Autora (...), donde resulta que tal normativo é inaplicável ao caso em apreço porque foi previamente extinta a relação conjugal”, entendimento, de resto, perfilhado pela Relação do Porto, cfr se extrai do seu Acórdão datado de 18/11/2021, processo n.º 1403/20.0T8PVZ.P1, Relator: Paulo Dias da Silva.
6.º - Aplicar-se o disposto no artigo 34.º, n.º 1 do Código de Processo Civil às hipóteses em que já houve dissolução do vínculo conjugal não tem, de resto, qualquer correspondência na lei, não devendo considerar-se uma interpretação normativa “... que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º n.º 2 Código Civil).
7.º - Da simples leitura do normativo em questão, mormente do disposto no n.º 2 do mesmo, resulta que se cura, nesta sede, da tutela do “interesse da família”, família que, atenta a dissolução do matrimónio, deixa de existir, cessando-se as relações pessoais e patrimoniais entre os (agora ex) cônjuges, nos termos do disposto no artigo 1688.º do Código Civil.
8.º - Acresce que a decisão assim tomada pelo Tribunal Recorrido procede a uma infundada e absolutamente ilegítima hierarquização da importância de diferentes normativos, dando prevalência a um putativo normativo que exige a intervenção de vários intervenientes na demanda do lado ativo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 33.º, n.º 1 e 34.º do CPC em detrimento de outro normativo legal que exige a intervenção de vários intervenientes na demanda, desta feita do lado passivo, também nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 33.º n.º 1 do CPC.
9.º - A lei impõe que a Herança Aberta e Indivisa seja representada em juízo por todos os seu herdeiros, ao abrigo do disposto no artigo 2091.º do Código Civil e, portanto, também pela ex-cônjuge do Recorrente, porquanto os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
10.º - Inexiste fundamento válido e razoável para se priorizar a legitimidade ativa em detrimento da legitimidade passiva in casu, sendo ilegítimo pugnar-se que a Recorrida FF deveria “estar de um lado”, e, apesar de a lei assim o exigir, já não “do outro”, não se vislumbrando qual o fundamento válido e razoável para conferir mais e maior importância ao disposto no artigo 1689.º, n.º 1 do Código Civil face ao disposto no artigo 2091.º do mesmo diploma legal.
11.º - A triunfar o entendimento do douto Tribunal Recorrido, a ausência da ex-cônjuge do aqui Recorrente do lado ativo sempre gera preterição de litisconsórcio necessário ativo e, por outra banda, a presença da ex-cônjuge do aqui Recorrente do lado ativo, sempre geraria preterição de litisconsórcio necessário passivo, atento o disposto no artigo 2091.º do Código Civil.
12.º - Estar-se-ia (ou estar-se-á?), assim, em face em face de um “beco sem saída”, correspondente a uma impossibilidade de concretização processual; uma situação de impossibilidade de adjetivação de um direito.
13.º - Considerando a circunstância de o caso-espécie em discussão não estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 34.º do CPC atenta a dissolução do casamento, a única solução que permite o cabal respeito e a estrita observância dos objetivos desta feita perseguidos pelo artigo 33.º, n.º 1 do CPC e, ainda, a harmonização do indicado imperativo legal com a necessária salvaguarda da possibilidade de adjetivação dos direitos do Recorrente, é aquela que foi adotada pelo mesmo.
14.º - A ex-cônjuge do Recorrente figura como Ré na demanda, pelo que seria ilógico, desrazoável e contrário ao espírito do legislador fazer depender da coautoria da mesma ou do seu consentimento a instauração e prossecução de uma ação instaurada pelo Recorrente em que a mesma é demandada e tem legitimidade passiva (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24/11/2022, processo n.º 139/22.1T8PVZ.P1, Relator: Filipe Caroço).
15.º - Estando a ex-cônjuge do Autor do lado passivo está, tout court, assegurada a participação desta no processo, enquanto co-interessada na relação material controvertida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 33.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, mostrando-se a ratio legis do indicado normativo perfeitamente alcançada.
16.º - A circunstância de a mesma ter assumido uma clara posição nos autos, oferecendo contestação, a qual revela, de uma simples leitura, que se está em face de um direito de crédito controvertido, demonstra, de resto, que se revela manifestamente inútil e contraproducente o suprimento judicial do seu consentimento (vide, a respeito, Acórdão da Relação do Porto, no seu aresto datado de 18/11/2021, processo n.º 1403/20.0T8PVZ.P1, Relator: Paulo Dias da Silva).
17.º - Aliás, a circunstância de a mesma ter intervindo ativamente nos autos demonstra per se, que a participação desta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 33.º do CPC, está cabalmente assegurada, resultando que a decisão – de mérito – será capaz de produzir o seu efeito útil normal, atenta a circunstância de se regular definitivamente o litígio.
18.º - Ex abundanti, o presente litígio não se logra resolver com recurso a qualquer outra forma de processo.
19.º - Partindo do pressuposto que o aqui Recorrente houvera avançado com processo de inventário pós divórcio relacionando, para os devidos efeitos, o crédito em discussão nos presentes autos, sempre o Recorrente e a sua ex-cônjuge seriam remetidos para os meios comuns, caso em que se voltaria a iniciar o ciclo vicioso descrito.
20.º - O crédito cujo reconhecimento e pagamento o Recorrente reclama pertence a terceiros, alheios ao processo de inventário pós-divórcio, tratando-se de crédito controvertido atenta a contestação apresentada pela Recorrida FF, ex-cônjuge do Recorrente, sempre se impondo a discussão e resolução do litígio através dos meios comuns.
21.º - Acresce que carecia – e carece – o aqui Recorrente de legitimidade para requerer a partilha do património do seu falecido ex-sogro em competente processo de inventário pós-morte, aí reclamando o seu crédito, porquanto não é o mesmo considerado interessado direto na partilha (vide, a respeito, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 09/06/2022, processo n.º 150/21.0T8VNC.G1, Relatora: Maria dos Anjos Nogueira),
22.º - A par da circunstância de as benfeitorias cuja indemnização se reclama no processo terem sido realizadas em imóvel pertença à herança aberta por morte do seu ex-sogro em momento posterior ao seu falecimento, pelo que o seu direito de crédito nem poderia ser relacionado como passivo da herança (vide, a respeito, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 24/05/2005, processo n.º 10145/2004-7, Relator: Pimental Marcos).
23.º - Exigir-se a presença do ex-cônjuge do lado ativo ou o consentimento deste para instauração de uma ação judicial, nos termos do disposto nos artigos 1689.º, n.º 1 do Código Civil, 33.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1, ambos do CPC quando e na medida em que o mesmo deve, por imperativo legal, figurar do lado passivo da demanda, nos termos do disposto no artigo 2091.º do Código Civil e artigo 33.º do CPC, é, de resto, manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 4 da Lei Fundamental, o que deve ser declarado, com as legais consequências.
24.º - A decisão Recorrida deve ser substituída por outra que considere o Recorrente parte legítima na demanda, julgando-se improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade necessária ativa.
Nestes termos, nos demais de direito e no mais alto e ponderado critério, não deixarão V.ªs Exc.ªs de substituir a Decisão Recorrida por outra que considere o Recorrente parte Legítima na Ação, assim fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!»
8. Os réus responderam ao recurso de apelação, nos seguintes termos:
«1. O presente recurso deverá ser julgado improcedente e a sentença recorrida confirmada, uma vez que se verifica a ilegitimidade do Autor por ter intentado esta ação desacompanhado da sua ex-cônjuge. Com efeito,
2. As benfeitorias foram alegadamente efetuadas, com rendimentos comuns do casal, em prédio pertencente a terceiro, na constância do casamento, entre o Autor e a co-Ré FF, celebrado em ../../2001, sob o regime da comunhão geral de bens.
3. O casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença proferida em 4 de novembro de 2019, transitada em julgado, não tendo sido realizada a partilha de bens comuns do extinto casal até à presente data.
4. O alegado crédito emergente da realização das benfeitorias integra o património comum ainda não partilhado e titulado por ambos os ex-cônjuges.
5. É que na comunhão conjugal nenhum dos cônjuges pode requerer a divisão e a comunhão mantém-se enquanto persistir a sociedade conjugal, à qual se encontram adstritos os bens comuns do casal (cf. artigo 1689.º, n.º 1 do Código Civil). Após a extinção do casamento, os bens comuns mantêm-se nessa qualidade até ocorrer a respetiva partilha.
6. Por tudo isto, o Autor não podia intentar a presente ação sem estar acompanhado da sua ex-cônjuge do lado ativo por se verificar uma situação de litisconsórcio necessário ativo.
7. O facto da ex-esposa ser Ré não sana a ilegitimidade do Autor para estar só na presente ação.
8. Verifica-se, pois, a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, tal como foi doutamente decidida pelo Tribunal recorrido, cuja sentença deverá ser confirmada.
Termos em que deverá o recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências, designadamente confirmada a sentença proferida pela Primeira Instância, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.».
9. O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo.
10. Subido o recurso a esta Relação, foi o mesmo recebido nos mesmos termos da 1ª instância, colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Define-se, como questão a decidir, se a decisão recorrida (de absolvição de instância por ilegitimidade ativa do autor por preterição de litisconsórcio necessário com o seu ex-cônjuge, nos termos dos arts.1689º do CC e 33º/1 e 34º do CPC) incorreu em erro de direito por inaplicabilidade das normas invocadas e por violação do art.20º da CRP, numa situação em que o ex-cônjuge julgado em falta deve ser demandado como réu.

III. Fundamentação:

A recorrente defendeu que a decisão recorrida (de absolvição de instância por ilegitimidade ativa do autor por preterição de litisconsórcio necessário com o seu ex-cônjuge, nos termos dos arts.1689º do CC e 33º/1 e 34º do CPC) incorreu em erro de direito. por não ser aplicável aos ex-cônjuges o art.34º do CPC, destinado a tutelar o interesse da família; por existir uma impossibilidade de observar o litisconsórcio ativo e o litisconsórcio passivo exigido no art.2091º do CC (e observado pelo autor com a demanda da ré/herdeira da herança onde estão integradas as benfeitorias) e não haver razão para escolher o litisconsórcio ativo em detrimento do passivo; por a intervenção do ex-cônjuge mulher na ação como ré assegura a sua participação e o caso julgado e a posição por si assumida no processo tornar o direito controvertido e inútil o suprimento do consentimento; por não ter outra forma de fazer valer o seu direito (pois: mesmo que o relacionasse como direito de crédito no inventário por divórcio a sua contestação pelos devedores/herdeiros exigiria sempre a  instauração de ação comum; não é interessado direto para pedir inventário por óbito do seu sogro;  as benfeitorias foram feitas após a morte do seu sogro, pelo que o seu direito de crédito também não poderia ser relacionado como passivo da herança); por a exigência do seu ex-cônjuge para instaurar a presente ação judicial, ou o seu consentimento, ser inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, nos termos do art.20º da CRP.
Importa apreciar a questão, de acordo com o direito aplicável.

1. Enquadramento jurídico:

1.1. Legitimidade processual em geral:

A legitimidade processual para a instauração de uma ação, nos termos do art.30º do CPC, é definida conceitualmente com os seguintes critérios: «1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.».
Esta legitimidade processual pode ser singular ou plural. Na legitimidade plural podemos estar perante:
a) Um litisconsórcio voluntário nos termos do art.32º do CPC «1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade. 2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.». Podem ser instauradas em litisconsórcio voluntário, sem que a intervenção singular seja motivo de ilegitimidade, nos termos do nº2 do art.32º do CPC, nomeadamente as ações nas quais é conferida a legitimidade singular- a cobrança de obrigação indivisível (art.538º/1 do CC), a defesa da composse (art.2086º do CC), a reivindicação pelo comproprietário da coisa total, aplicável a outros casos de contitularidade (art.1405º e 1404º do CC) e a petição de herança (art.2078º do CC)[i].
b) Um litisconsórcio necessário, nos termos do art.33º do CPC, que prescreve que «1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. 2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.».
A este litisconsórcio necessário, por força da lei, do negócio ou da natureza da relação jurídica, subjazem diferentes critérios, de acordo com Abrantes Paulo Pimenta e Pires de Sousa: ao litisconsórcio de origem legal (explícita ou implícita) e convencional preside «o critério da indisponibilidade individual ou da disponibilidade plural do objeto do processo»; ao litisconsórcio natural preside «o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos»[ii], sendo que estes mesmos autores sublinham que esta compatibilidade  não impede a diversidade de decisões («não constitui simples corolário do imperativo de obstar à coexistência de decisões diversas sobre a mesma relação jurídica controvertida. O sistema admite esta possibilidade, desde que cada decisão seja suscetível de produzir o seu efeito útil normal, ou seja, desde que a sentença que venha a ser proferida possa regular definitivamente a situação concreta dos interessados intervenientes na lide, com independência relativamente aos não intervenientes.»[iii]) e Rui Pinto sublinha que «o critério do litisconsórcio natural não é a obtenção de uniformidade de decisões»[iv].
O litisconsórcio necessário natural, com o requisito da exigência da totalidade dos interessados para produzir o efeito útil normal, distingue-se do litisconsórcio voluntário do art.32º do CPC. Neste sentido, Rui Pinto refere:
«o efeito útil normal de uma decisão consiste na ordenação definitiva da situação concreta entre as partes da causa em resultado de os efeitos substantivos resultantes da decisão não poderem ser revogados em ação proposta pelos restantes sujeitos do litígio. Deste modo, cada sentença subjetivamente diferenciada produzida a propósito do litígio pode ser integralmente eficaz e executada, seja quanto aos efeitos registais, quanto aos efeitos possessórios ou relativamente à execução do direito.
Mas isto é possível quando a situação jurídica é subjetivamente divisível na afetação do respetivo bem jurídico à luz das normas substantivas de cuja aplicação resulta a procedência do pedido.
II. Em concreto, se com a ausência de alguns interessados a decisão for idónea a regular definitivamente a situação concreta das partes do processo, apesar de não vincular os terceiros ausentes, há litisconsórcio voluntário.
Tal permite que possam sobrevir decisões novas em ações propostas pelos ausentes, pois apenas estarão (eventualmente) em oposição teórica (i.e, sem tocarem nos efeitos registais, possessórios ou no exercício do direito) com a primeira decisão. Mas a regulação foi definitiva porque não pode ser afetada por ações que os terceiros venham vir a intentar. (…)
III. Se com a ausência de interessados a decisão não apresentar idoneidade a regular definitivamente a situação concreta das partes, então o litisconsórcio é imposto como pressuposto processual ao autor. A situação jurídica é subjetivamente indivisível na afetação do respetivo bem jurídico à luz das normas substantivas de cuja aplicação resulta a procedência do pedido. Nessa eventualidade, tampouco o tribunal pode reduzir subjetivamente a concessão da tutela ao abrigo do art.32.º, n.º1, in fine.
Em consequência, a falta de algum dos interessados, ou não produz decisão útil ou a decisão produzida não apresenta uma utilidade normal (…)», caso em que «a regulação subjetivamente parcial não consegue ser definitiva porque- justamente por as situações de cada sujeito não serem separáveis - lhe pode ser oposta outra decisão envolvendo os sujeitos não vinculados ao caso julgado (…).
Em suma: a presença do efeito útil normal permite a existência simultânea e paralela de uma pluralidade de sentenças de mérito quanto à mesma situação jurídica por não haver risco de colisão prática; a ausência de efeito útil normal acarreta o risco de colisão prática entre uma pluralidade de sentenças de mérito quanto à mesma situação jurídica.»[v].
Estamos perante este litisconsórcio necessário, nomeadamente:
__ Nas ações na pendência do casamento que devem ser propostas por ambos os cônjuges ou contra ambos os cônjuges, nos termos do art.34º do CPC: «1 - Devem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família. 2 - Na falta de acordo, o tribunal decide sobre o suprimento do consentimento, tendo em consideração o interesse da família, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 29.º. 3 - Devem ser propostas contra ambos os cônjuges as ações emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as ações emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão suscetível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as ações compreendidas no n.º 1.». Estas ações: no lado ativo referem-se àquelas previstas no art.1682º/1 e 3 do CC em relação aos móveis e às previstas nos arts.1682º-A e 1682º-B do CC em relação aos imóveis, estabelecimento comercial e direito ao arrendamento de casa de morada de família; no lado passivo referem-se às do art.1691º/1-a) e 1695º/1 do CC e do art.1105º/1 e 1682º-B/a) do CC)[vi].
__ Nas ações previstas no art.2091º do CC a instaurar por ou contra todos os herdeiros («1. Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros. 2. O disposto no número anterior não prejudica os direitos que tenham sido atribuídos pelo testador ao testamenteiro nos termos dos artigos 2327.º e 2328.º, sendo o testamenteiro cabeça-de-casal.»), excetuadas aquelas a que a lei confere legitimidade a qualquer herdeiro nos termos do art.2078º do CC («1. Sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro. 2. O disposto no número anterior não prejudica o direito que assiste ao cabeça-de-casal de pedir a entrega dos bens que deva administrar, nos termos do capítulo seguinte.») ou ao cabeça de casal (quanto aos bens sujeitos à sua administração nos termos do art.2087º do CC; à entrega de bens que deva administrar ou à manutenção de posse de bens sob a sua gestão, nos termos do art.2088º do CC; à cobrança de dívidas ativas da herança nos termos do art.2089º do CC; à venda de frutos e bens deterioráveis e satisfação de encargos nos termos do art.2090º do CC).
A sanação da exceção dilatória de ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário pode ser sanada, mediante a intervenção espontânea do litisconsorte como parte principal, ao lado do autor ou do réu (arts.311º ss do CPC) ou mediante intervenção principal provocada por autor ou réu para intervir como seu associado (arts.316º ss do CPC). Esta sanação, se não tiver sido de iniciativa das partes, deve ser objeto de convite do juiz no despacho pré-saneador (arts.6º/2, 590º/2-a) do CPC)[vii].
1.2. Legitimidade processual no caso especial dos ex-cônjuges em relação a bens do património comum de casal não partilhado:
Durante o casamento, os cônjuges: se estiverem casados sob um dos regimes de comunhão (supletivo de comunhão de adquiridos ou regime convencionado de comunhão geral de bens) são titulares em comum dos bens que não estejam ressalvados como bens próprios (na comunhão de adquiridos) ou da comunicabilidade (na comunhão geral) (arts.1717º, 1721º ss do CC e arts.1732º ss do CC); estão sujeitos ao regime de administração dos bens previsto nos arts.1678º ss do CC e de (i)legitimidades conjugais e responsabilidades em relação aos bens e direitos (arts.1682º ss do CC) e à contração de dívidas (arts.1691º ss do CC).
Cessada as relações patrimoniais entre os cônjuges com a dissolução do casamento (arts.1688º e 1789º do CC): procede-se à partilha dos bens do casal, pela qual cada cônjuge receberá na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (art. 1689º/1 do CC); extingue-se o regime das legitimidades conjugais.
A comunhão da sociedade conjugal tem sido considerada um regime da comunhão de mão comum ou propriedade coletiva, distinto da compropriedade. Pires de Lima e Antunes Varela explicam, em relação a estes regimes [viii]:
«Trata-se de um património afectado a certo fim, que pode ser integrado por relações jurídicas de diversa natureza (designadamente relações reais e creditórias) e que pertence em contitularidade a dois ou mais indivíduos ligados por determinado vínculo (familiar, societário ou de outra ordem).
A doutrina (…) costuma recorrer a este conceito para enquadrar o regime que a lei subordina o património comum dos cônjuges, o das sociedades não personalizadas e o da herança indivisa.
O que caracteriza a comunhão de mão comum e a distingue da compropriedade é, além do mais, o facto  de «o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário» (Pires de Lima, Enciclopédia Verbo, comunhão). Significa isto que aos membros da comunhão, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património global, não lhes sendo lícito, por conseguinte, dispor desses bens, ou onerá-los no todo ou em parte (…), salvo quando possam fazê-lo por força da lei ou de estipulação negocial, em veste de administradores (cfr., por ex., o art. 1682.º, n.ºs 1 e 2). (…).
Na partilha de bens subsequente à dissolução da comunhão ou destinada a pôr-lhe fim, os contitulares (ou os respectivos herdeiros) têm apenas direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos em particular.».
No entanto, entre esta cessação das relações conjugais e a partilha dos bens comuns do casal, tem-se vindo a discutir a legitimidade processual em ações que têm como objeto bens ou direitos integrativos da comunhão conjugal, após esta ter cessado e antes de realizada a partilha dos bens.
E neste sentido, encontramos distintas decisões na Jurisprudência.
Por um lado, encontra-se uma jurisprudência que tem considerado que as ações respeitantes a bens comuns do património comum do dissolvido casal, ainda não partilhado, apenas podem ser instauradas por ambos os cônjuges, em litisconsórcio necessário ativo, face à característica de mão comum do referido património. Enunciam-se, exemplificativamente os referidos acórdãos:
__ O Ac. STJ de 11.10.2005, proferido no processo 05B2720, relatado por Salvador da Costa, que apreciou pedido da ré ex-cônjuge/reconvinte contra a autora, no qual invocara, entre os demais pedidos, a sua quota-parte de benfeitorias (pediu: a condenação da autora a pagar-lhe 6.100.000$00, correspondente à sua quota parte das benfeitorias realizadas no prédio; a declaração do seu direito de retenção daquele andar até ao respetivo pagamento; o cancelamento do registo de aquisição do prédio pela autora), considerou que havia um litisconsórcio necessário legal (e não convencional ou natural), correspondente, no atual CPC de 2013, ao nº1 do art.33º do CPC, em referência ao art.34º do CPC.
Sumariou que «3. Dissolvido o casamento celebrado segundo algum regime de comunhão de bens por divórcio, passa o respectivo património de mão comum, até à respectiva partilha, à situação de indivisão que se não confunde com a figura da compropriedade. 4. Face à natureza do referido património comum, em relação ao qual ambos os ex-cônjuges são sujeitos, em termos de contitularidade de um único direito, não pode um deles, só por si, por falta legitimidade ad causam, exigir em juízo indemnização por benfeitorias feitas por ambos, na vigência do casamento, em prédio de outrem.».
Na fundamentação explicou: «Não estamos no caso vertente perante alguma situação de litisconsórcio necessário convencional a que se reporta o nº 1 do artigo 28º do Código de Processo Civil, nem face a uma situação de litisconsórcio natural, porque a decisão de mérito que viesse a ser proferida no quadro da reconvenção, não vinculando embora C, era susceptível de regular definitivamente a situação concreta da recorrente, de I e dos recorridos.| Ademais, o caso vertente não se integra directamente, no disposto no artigo 18º, nº 1, do Código de Processo Civil, a que acima se fez referência, porque a recorrente e C, quando a acção foi intentada, já não eram casados um outro há mais de dois anos e meio. Todavia, tendo em conta a estrutura do caso espécie, ou seja, o exercício de um direito de credito indemnizatório integrado num património autónomo indiviso que se constituiu na constância do casamento entre a recorrente e C, justifica-se, dada o quadro de similitude envolvente, que se lhe aplique o disposto no artigo 18º, nº 1, do Código de Processo Civil.| Assim, por virtude da natureza do património comum da titularidade da recorrente e de C a que acima se fez referência, em relação ao qual ambos são sujeitos, em termos de contitularidade de único direito, ela não pode exercer, só por si, o direito de crédito que pretendeu fazer valer por vida da reconvenção. | Com efeito, o referido direito de indemnização, integrado no património comum da titularidade de C e da recorrente, só por ambos pode ser exercido, por se tratar de um direito uno cujo regime de meação se não coaduna com o regime de quotas que é próprio da compropriedade. |Por isso, a conclusão é no sentido de que a recorrente é parte ilegítima para a reconvenção que implementou, por o fazer desacompanhada e sem o consentimento do seu ex-cônjuge C, em violação das regras de legitimidade plural constantes dos artigos 18º, nº 1, e 28º, nº 1, do Código de Processo Civil. | Em consequência, estamos perante alguma situação de preterição de litisconsórcio necessário, que implica a excepção dilatória da ilegitimidade ad causam da recorrente para a reconvenção e a absolvição da instância da instância dos recorridos (artigos 288º, nº 1, alínea d), 493º, nº 2 e 494º, alínea e), do Código de Processo Civil).».
__ No Ac. RG de 30.11.2022, proferido no processo nº1735/21.0T8BCL-A.G1, relatado por Margarida Pinto Gomes, também numa ação relativamente a benfeitorias em que foi pedida uma quota-parte das mesmas, considerou: existir um litisconsórcio necessário ativo dos ex-cônjuges, cuja falta era passível de sanação; poder ser ampliado o pedido inicial de quota-parte para o valor total integrativo do património comum.
Sumariou: «I. Instaurada ação com vista à obtenção do pagamento de benfeitorias em prédio de terceiro, durante o casamento do autor, casamento que veio a ser dissolvido por divórcio, há ilegitimidade ativa, quando o mesmo se encontra desacompanhado da sua ex cônjuge. II. A intervenção principal provocada do ex cônjuge é o incidente adequado para sanar a ilegitimidade ativa. III. Invocada em sede de petição inicial a totalidade do valor das benfeitorias realizadas pelo então casal, mas peticionada apenas 50% daquele, é de considerar como num mero desenvolvimento do pedido inicial, a ampliação do pedido em que o autor vem pedir a totalidade daquele valor, uma vez que o autor se limita a extrair mais dos factos essenciais já por si alegados naquela petição inicial.».
Por outro lado, encontra-se jurisprudência que, no contexto de pedidos de reivindicação, admitiu a legitimidade singular de um dos ex-cônjuges para reivindicar a totalidade do bem comum de terceiro, nos termos do art.1405º/2 do CC («2 - Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.»), ex vi do art.1404º do CC:
__ No Ac. RP de 18.11.2021, proferido no processo nº1403/20.0T8PVZ.P1, relatado por Paulo Dias Silva, foi admitida a legitimidade de ex-cônjuge marido (por no caso o litisconsórcio ser apenas voluntário nos termos do art.32º do CPC), que demandou terceiro ocupante a reivindicar bens comuns do casal (pedindo «a) seja declarado que o A. é dono e legítimo proprietário em comunhão com a sua ex-mulher D… dos bens identificados em 1. da petição; b) seja condenado o Réu a reconhecê-lo e a restituir ao A. a fracção autónoma designada pela letra “P” e o terraço sobre a fracção; c) seja condenado o Réu a pagar ao A. a quantia de € 60.000,00, bem como a quantia de € 1.000,00 por mês desde a data da propositura da acção até efectiva entrega dos imóveis.»), tendo-se associado a este réu o ex-cônjuge mulher do autor.
Sumariou: «I - Entre os casos de comunhão assumem especial relevo a contitularidade de direitos reais, a chamada comunhão de mão comum (Gemeinschaft zur gesaten Hand) ou propriedade coletiva (vide a nota 7 do artigo 1403º) e ainda a comunhão que se estabelece entre cônjuges, após dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha, nos regimes de comunhão. II - Apesar de não se figurar como um caso de compropriedade a lei permite expressamente no artigo 1404º do Código Civil a aplicação subsidiária das normas que regem este instituto à comunhão de quaisquer outros direitos, com as devidas adaptações. III - Tendo cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges (artigo 1688.º do Código Civil), face ao trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, até à partilha, mantém-se a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva, com aplicação à mesma das regras da compropriedade (artigo 1404.º do Código de Processo Civil). IV - No caso vertente, verifica-se, ainda, que a ex-mulher do Recorrente não só não intervém na acção como A., como não prestou consentimento antes da propositura da acção, e, não obstante não se ter chamado a mesma à acção como associada do Autor, o certo é que a mesma espontaneamente requereu a sua intervenção como associada do Réu contestante, em clara e concludente falta de consentimento à presente acção de reivindicação que assim dispensa, porque inútil, o seu chamamento para efeitos do exigível consentimento.».
__ No Ac. RG de 19.01.2023, proferido no processo nº191/21.7T8CMN.G1, relatado por Pedro Maurício (e em que foi adjunto o aqui 1º Adjunto), considerou-se a legitimidade singular de ex-cônjuge quanto a um pedido reconvencional de reconhecimento de propriedade de um bem comum na sua totalidade, nos termos do art.1405º/2 do CC, aplicável à comunhão por força do art.1404º do CC.
Sumariou: «I - Uma questão específica, e que tem suscitado dúvidas quanto à respectiva legitimidade processual, respeita aos casos da comunhão que se estabelece entre cônjuges após dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha (“período de transição”). II - Os bens comuns constituem uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela (propriedade coletiva): os vários titulares do património coletivo são sujeitos de um único direito, e de um direito uno, o qual não comporta divisão, mesmo ideal. III – No referido “período de transição” está em causa uma forma de comunhão de direitos: embora a dissolução do casamento faça cessar as relações patrimoniais entre os cônjuges, como decorre do disposto no art. 1688º do C.Civil, é inequívoco que, até efectivação da partilha, continua a existir uma forma de comunhão de direitos. IV - Se é certo que tal comunhão não se pode qualificar como um caso de compropriedade, foi o próprio legislador que, através do disposto no art. 1404º do C.Civil, determina que as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos (sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles). Deste modo, não faz sentido a aplicação analógica das normas que regulam os efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens dos cônjuges constantes nos artigos 1671º e seguintes do Código Civil, uma vez que tais normas foram criadas para protecção da sociedade conjugal, que já não existe naquele período.».
Esta posição, encontra eco no tratamento doutrinário do art.1404º do CC («As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles.»), que tem considerado nesta previsão da comunhão, à qual é possível aplicar normas compatíveis da compropriedade, os casos do património comum do dissolvido casal que ainda não se encontra partilhado. Registam-se neste sentido, nomeadamente, as seguintes referências:
* Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao art.1404º do CC e aos casos de comunhão no mesmo previstos, referem: «Entre os casos de comunhão assumem especial relevo a contitularidade de direitos reais, a chamada mão comum (…) e ainda a comunhão que se estabelece entre os cônjuges, após a dissolução da sociedade conjugal e enquanto se não faz a partilha, nos regimes de comunhão (acórdão do S. T. J. de 16 de Julho de 1971, na Rev. de Leg. e de Jur., ano 105.º, pág.160).»[ix].
* Henrique Mesquita explica: «Como é sabido, a dissolução de um casamento em que existam bens comuns não faz cessar automaticamente a comunhão. Esta só termina com a partilha. Mas opera-se uma importante alteração no regime dos bens comuns: os direitos ou poderes dos ex-cônjuges sobre estes bens - que continuam a constituir uma propriedade colectiva (ou, como também se lhe chama, uma comunhão de mão comum) - devem aferir-se, não pelas normas que, no direito da família, regulam as relações patrimoniais entre marido e mulher, mas sim pelas normas do direito das coisas que disciplinam a comunhão de bens ou direitos. Nos termos do artigo 1404° do Código Civil, «as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos(...)»»[x].
* Elsa Vaz Sequeira, em anotação ao art.1404º do CC, refere «O regime aqui estabelecido é muitas vezes convocado para regular as relações patrimoniais quer dos cônjuges separados de facto, mas ainda não divorciados, quer dos ex-cônjuges antes da partilha, (…)»[xi].
Por outro lado, ainda, encontra-se jurisprudência que, em ação em que ex-cônjuge demanda outro ex-cônjuge em relação a bem que foi comum do casal, admitiu a legitimidade singular do autor, nomeadamente face à impossibilidade jurídica do seu ex-cônjuge réu poder estar também no lado ativo.
De facto, no Ac. RP de 24.11.2022, proferido no processo nº139/22.1T8PVZ.P1, relatado por Filipe Caroço, numa ação com pedido de anulação de negócio, em que ex-cônjuge demanda ex-cônjuge e outros réus (em relação a negócio de doação realizado por ambos os cônjuges na pendência do casamento), admitiu a legitimidade singular da autora/ex-cônjuge mulher, acórdão no qual:
Sumariou «I - No âmbito da propriedade dos bens comuns do casal, também chamada comunhão de mão comum ou propriedade coletiva, não assiste aos contitulares o direito a uma quota ideal sobre cada um dos bens integrados na comunhão, mas sim o direito a uma fração ideal sobre o conjunto do património comum, como é o direito à meação do património do casal, apenas concretizável pela partilha. II - Ainda que, em termos gerais, o facto de a ação ser proposta após o trânsito em julgado da sentença de divórcio e antes da partilha de bens possa justificar a obrigatoriedade da intervenção de ambos os ex-cônjuges pelo lado ativo (ou de um com o consentimento do outro), esse litisconsórcio necessário depende sempre do facto de, da ação, poder resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos. III - Não é juridicamente sustentável e constitui mesmo um contrassenso jurídico fazer depender da coautoria do ex-cônjuge ou do seu consentimento a instauração e a prossecução de uma ação instaurada pelo outro ex-cônjuge em que aquele é demando e tem legitimidade passiva, pelo que a falta de consentimento também não tem que ser judicialmente suprida».
Fundamentou a sua posição, na parte relevante para o sumariado após:  «Ainda que, em termos gerais, o facto de a ação ter sido proposta após o trânsito em julgado da sentença de divórcio e antes da partilha de bens pudesse justificar a obrigatoriedade da intervenção de ambos os ex-cônjuges pelo lado ativo (ou de um com o consentimento do outro), esse litisconsórcio necessário depende sempre do facto de, da ação, poder resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos.| Não é juridicamente aceitável e constitui um contrassenso jurídico fazer depender da coautoria do ex-cônjuge ou do seu consentimento na instauração e a prossecução de uma ação em que o mesmo é demandado, ali figurando como réu. E se esta dependência não existe, também nada justifica o suprimento do consentimento. A mesma pessoa não pode ser sujeita de interesses antagónicos ocupando simultaneamente o lado ativo e o lado passivo da mesma ação judicial.| Tendo a pretensão do A., como causa de pedir a nulidade da doação, por simulação negocial, e ainda fundamentos de anulação, como o erro, a usura e o dolo negocial, enquanto vícios do negócio jurídico em que interveio a 1ª R., sua ex-cônjuge, no seu interesse exclusivo ou dela com os seus pais (2º e 3ª RR.), enganando e prejudicando o A., situando aquela ex-mulher do lado passivo do litígio, com vista à sua condenação, a questão não pode deixar de enquadrar na regra geral da legitimidade, prevista no art.º 30º do Código de Processo Civil. O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. Nada resultando da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor, sendo que, desses termos resulta, à evidência, o interesse da 1ª R. (a par do interesse dos 2º e 3ª RR.) em contradizer a alegação e a pretensão do A. (nºs 1, 2 e 3, do citado art.º 30º).| A conclusão é óbvia: Não há fundamento para litisconsórcio necessário ativo entre os dois ex-cônjuges.| Atentos os fundamentos da ação e o pedido, o A. tem legitimidade ativa para, só por si, instaurar e fazer prosseguir a ação, devendo ser revogada a decisão recorrida que extinguiu a instância.».

2. Apreciação da situação em análise:

A decisão recorrida absolveu os réus da instância, por ilegitimidade ativa do autor (arts.576º/1 e 2 e 577º/e) do CPC) por preterição do litisconsórcio necessário, nos termos dos arts.33º/1 e 34º do CPC, por entender que, pretendendo o autor, fazer valer um direito constituído na pendência de casamento celebrado em regime de comunhão geral de bens e, nessa medida, integrativo do património comum do casal, ainda não partilhado e contitulado por ambos os cônjuges, apenas o poderia fazer conjuntamente com o seu ex-cônjuge.
Importa reapreciar esta decisão recorrida, circunscrita ao objeto do recurso, face aos atos processuais provados e ao regime de direito aplicável.
Numa primeira abordagem, verifica-se que não é aplicável a ações instauradas após o divórcio das partes a previsão de litisconsórcio necessário do art.34º do CPC, em referência ao art.33º/1 do CPC, por esta respeitar às ações a instaurar na pendência do casamento e que estejam abrangidas pela necessidade de consentimentos próprias do regime das legitimidades conjugais dos arts.1682º ss do CC, referidas supra em III-1-b) – 2ª parte.
Numa segunda abordagem, verifica-se que, ainda que se entenda que a tutela do direito de crédito que integre o património comum do casal dissolvido e não partilhado deve ser exercido por ambos os ex-cônjuges, nos termos do art.33º do CPC (por ambos serem contitulares do mesmo por força do regime de bens e nos termos do art.33º/1 do CPC e/ou por não se poder aplicar ao mesmo o regime do litisconsórcio voluntário do art.32º/2 do CPC passível de aplicar à reivindicação de coisa comum, nos termos do art.1405º/2 do CC, ex vi do art.1404º do CC), deverá ser avaliada a possibilidade de concretização do direito de ação do autor e, em particular, a possibilidade de suprir a exceção de ilegitimidade face à configuração concreta desta ação e às regras do litisconsórcio necessário passivo que se lhe impõem também.
Por um lado, a preterição do litisconsórcio necessário previsto no art.33º do CPC corresponde a uma exceção dilatória sanável, nomeadamente por intervenção espontânea ou principal provocada por iniciativa da parte ou em resposta a convite de sanação do Tribunal, nos termos dos arts.6º/2, 590º/2-a) e 311º ss, 316º ss do CPC, referidos em III-1.1.- parte final.
Assim, a referida preterição de litisconsórcio necessário ativo apenas poderá conduzir à absolvição da instância quando a parte que demandou singularmente outra(s) e que não teve a iniciativa de fazer intervir o terceiro em falta como seu associado, não corresponder ao convite de sanação da falta que o Tribunal lhe fizer.
Todavia, na presente ação, instaurada por o ex-cônjuge marido (em que este pediu o reconhecimento do seu alegado direito de crédito por benfeitorias realizadas na pendência de casamento com o seu ex-cônjuge mulher, em prédio que pertencia à herança aberta por óbito do seu então sogro, e a condenação dos réus no pagamento de, pelo menos, o valor de metade do valor alegado para as mesmas, por terem sido realizadas com valor integrativo do património comum do casal), o autor demandou o seu ex-cônjuge mulher como 1ª ré, entre os demais herdeiros da herança na qual se integra o prédio beneficiário das benfeitorias.
Esta demanda do ex-cônjuge como ré impossibilita o seu chamamento para intervir como associada do autor, em observância da regra da sanação da preterição do litisconsórcio necessário ativo, por não poder dispor de qualidades opostas na mesma ação.
Esta demanda do ex-cônjuge como ré, por sua vez, é conforme à regra do litisconsórcio necessário passivo do art.33º/1 do CPC, decorrente do disposto no art.2091º do CC, exposto no penúltimo parágrafo de III-1.1. supra. E, numa potencial ação instaurada pelo ex-cônjuge marido contra os herdeiros do prédio à exceção do ex-cônjuge mulher, de forma a poder ser viabilizado o pedido de principal provocada ativa da mesma, é possível que os demais réus invoquem a sua ilegitimidade passiva por o ex-cônjuge mulher ser herdeira e não integrar os demandados.
Assim, importa encontrar uma solução jurídica que permita tutelar o interesse do ex-cônjuge marido de reconhecimento do direito de crédito de benfeitorias realizadas com dinheiro integrativo do património comum do casal de que é contitular e que se encontra por partilhar.
Por outro lado, qualquer cidadão tem um direito de tutela jurisdicional efetiva, nos termos do art.20º da CRP («1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.»), tutela que integra o direito constitucional à ação e ao processo para defender os seus direitos[xii], concretizado pelo legislador ordinário, nomeadamente, nas ações declarativas ou executivas previstas no Código de Processo Civil (art.10º).
Ora, a instauração de um processo de inventário para partilha de bens de dissolvido casal, com relacionamento de um direito de crédito de benfeitorias que o cabeça de casal entenda existir, não dispensa a discussão nos meios processuais comuns, em caso de litígio entre credor(es) e devedores sobre a existência ou o valor de um direito de crédito por benfeitorias, como o que se depreende existir nestes autos. De facto, «6 - Se o crédito relacionado pelo cabeça de casal e negado pelo pretenso devedor for mantido na relação, reputa-se litigioso. 7 - Se o crédito previsto no número anterior for eliminado, entende-se que fica ressalvado aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios adequados.» (arts.1105º/6 e 7 e 1133º do CPC).
Por sua vez, na presente ação declarativa sob a forma de processo comum, como a presente:
a) O autor/ex-cônjuge que solicita o reconhecimento do seu invocado direito de crédito por benfeitorias realizadas na pendência de casamento com a 1ª ré/seu ex-cônjuge mulher, com dinheiro comum do casal, em prédio que pertencia à herança aberta por óbito do seu então sogro, tem interesse direto em demandar, pelo menos pela utilidade que lhe pode advir o reconhecimento da realização de benfeitorias com dinheiro comum do dissolvido casal, em prédio integrativo da herança indivisa de que os réus são herdeiros, de acordo com a relação material controvertida por si configurada na petição inicial e independentemente da apreciação de mérito dos pedidos.
b) A intervenção do ex-cônjuge mulher como co- ré, ainda que o pedido de condenação tivesse sido feito em relação à integralidade do valor das benfeitorias a restituir ao património comum do casal indiviso, asseguraria a decisão definitiva da questão, com caso julgado entre os ex-cônjuges e os devedores, subjacente a uma das finalidades do regime do litisconsórcio necessário.
Desta forma, reconhece-se ao autor/ex-cônjuge legitimidade para instaurar a presente ação em que é co- ré o seu ex-cônjuge mulher, independentemente da apreciação ou sanação de outras questões prévias e/ou da apreciação que puder ser feita do mérito dos pedidos. 

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível, julgando procedente o recurso de apelação, revogam a decisão recorrida e julgam o autor parte legítima na presente ação.

*
Custas pelos recorridos/vencidos (art.527º do CPC).
*
Guimarães, 31.10.2024
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelo coletivo de juízes

Alexandra Viana Lopes
José Carlos Pereira Duarte
José Alberto Martins Moreira Dias


           
[i] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, 2021, Almedina, anotação 2 ao art.32º do CPC, pág. 66.
[ii] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 1 ao art.33º, pág.67.
[iii] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 3 ao art.33º, pág.67.
[iv] Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2018, anotação 6-I ao art.33º, pág.146.
[v] Rui Pinto, in obra citada, anotações 6-I, II e III ao art.33º do CPC, págs.146 e 147.
[vi] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotações 2 e 3 ao art.34º, pág.70.
[vii] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, anotação 8 ao art.33º do CPC, pág.69.
[viii] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª Edição revista e atualizada com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Lda., 1987, anotação 7 ao art.1403º do CC, págs.347 e 348.
[ix] Pires de Lima e Antunes Varela, in obra citada, anotação 2 ao art.1404º, pag.350.
[x] Henrique Mesquita, in RLJ, ano 129º, pág.334, citado no Ac. RG de 19.01.2023, no processo nº191/21.7T8CMN.G1.
[xi] Elsa Vaz Sequeira, in Comentário ao Código Civil, Universidade Católica Editora, Outubro de 2021, anotação 10 ao art.1404º, pág.387.
[xii] Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2ª Edição Revista e Atualizada, fevereiro de 2017, Universidade Católica Editora, anotação XVI ao art.20º, pág.321.