FALTAS POR NOJO
FALTAS JUSTIFICADAS
CONTAGEM
Sumário

A norma do art. 251.º do Código do Trabalho deve ser interpretada no sentido de se referir a “dias consecutivos” de calendário, independentemente de serem dias de trabalho ou de descanso semanal ou feriados.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
STEC – Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo que a ré seja condenada:
1 – A cumprir as normas reguladoras do direito dos trabalhadores a faltar justificadamente em caso de falecimento de parentes ou afins, nomeadamente as constantes do artigo 251.º do Código do Trabalho, à luz da interpretação segundo a qual o número de dias consecutivos em que o trabalhador pode faltar justificadamente, nesses casos, exclui os dias de descanso intercorrentes, isto é, não são contados no cômputo desses períodos os dias em que o trabalhador não está obrigado a comparecer ao trabalho, como acontece nos seus dias de descanso semanal e dias nos feriados;
2 – A divulgar por todos os trabalhadores a informação de que é essa a interpretação válida e que ela, a ré, a cumpre.
A ré contestou, invocando que a interpretação da norma pertinente do Acordo de Empresa conduz a que o número de dias ali referido seja consecutivo e não em função dos dias de trabalho.
Foi proferido despacho saneador-sentença que absolveu a ré do pedido.
O autor interpôs recurso do despacho saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões:
«1ª - O objeto da presenta ação consiste na questão de saber se os períodos em que os trabalhadores podem faltar, justificadamente, ao trabalho com fundamento no falecimento de parentes ou afins, nos termos dos artigos 248º e 251º do Código do Trabalho, se contam como dias seguidos – incluindo os dias de descanso intercorrentes – ou se contam apenas os dias consecutivos em que os trabalhadores estavam obrigados a comparecer ao trabalho.
3º - O Recorrente alegou expressamente na p.i. que nenhuma das partes fundamenta a sua posição, quanto a esta matéria, nas disposições da convenção coletiva de trabalho aplicável, que, de resto, se limitam a reproduzir o que consta da lei.
4ª - Também no concreto pedido deduzido, a final, na sua petição, pelo ora Recorrente, este baseia expressamente o seu pedido no artigo 251º do Código do Trabalho.
5ª - Porém, por sentença de 18/04/2023, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial, por considerar que a forma de processo adequada seria a prevista nos artigos 183º e seguintes do CPT.
6ª - Inconformado com essa sentença, o Autor dela interpôs recurso de apelação para o TRL, que por decisão sumária de 29/09/2023, concedeu provimento ao recurso por ter concluído, em síntese, que “A circunstância de, entre o arrazoado, se invocar a vinculação das partes ao Acordo de Empresa celebrado entre o Autor e a Ré, publicado no BTE, 1ª serie, nº 15, de 22/04/2005, com as alterações publicadas no BTE nº 10, de 15/03/2020, não significa, em face do articulado apresentado, que se peticione a interpretação de alguma das suas cláusulas”.
7ª - Acontece que, na douta sentença de que ora se recorre, proferida em 14/02/2024, o Tribunal a quo continuou a configurar a presente ação como ação de interpretação de cláusula de convenção coletiva de trabalho e decidiu com base na interpretação do nº 3 da cláusula 80ª do Acordo de Empresa celebrado entre as partes, seguindo de perto e fundamentando a decisão com base num Acórdão do STJ cujo objeto consistia na interpretação de cláusulas de uma convenção coletiva de trabalho.
8ª - Ora, na presente ação, o que está em causa é a interpretação de normas legais, mais concretamente das normas dos arts. 248º e 251º do Código do Trabalho, quanto à questão de saber se a expressão “dias consecutivos” abrange apenas os dias de trabalho – em que o trabalhador está obrigado a comparecer ao serviço, nos termos do art. 248º - ou se abrange também os dias de descanso intercorrentes.
9ª - Aliás, face à imperatividade do regime de faltas estabelecida no artigo 250º do Código do Trabalho, designadamente quanto “à sua duração”, sempre seria irrelevante o sentido que as partes quiseram imprimir ao nº 3 da cláusula 80º do Acordo de Empresa aplicável.
10ª – Em todo o caso, e salvo o devido respeito, à luz das citadas normas legais o Tribunal a quo decidiu mal.
11ª - Nos termos do artigo 248º do Código do Trabalho, “Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
12ª - Segundo o elemento literal, parece fora de dúvida que serão consideradas faltas apenas as ausências do trabalho nos dias em que, no cumprimento do seu período normal de trabalho, o trabalhador deveria comparecer ao trabalho.
13ª - A norma que, nos presentes autos, carece de interpretação é a do artigo 251º do Código do Trabalho, no segmento em que afirma que o “O trabalhador pode faltar justificadamente até [X] dias consecutivos”.
14ª - O Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de e 13-07-2022, processo 11379/21.0T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, apreciou esta questão com base numa cláusula de convenção coletiva, tendo concluído e decidido que “os dias consecutivos têm de conter dias de trabalho para que se possa falar em falta e assim na contagem das faltas por motivo de falecimento, não podem ser contabilizados os dias de descanso e feriados intercorrentes por não existir ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”.
15ª - Já o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 19-04-2023, processo 11379/21.0T8PRT.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt, concluiu – também em ação em que estava em causa interpretação de cláusula de convenção coletiva cujo teor é, ipsis verbis igual ao do art. 251º do Código do Trabalho - que a expressão “dias consecutivos”, constante da referida cláusula, “deve ser interpretada como sendo dias seguidos, independentemente de serem dias úteis ou dias de trabalho ou dias de descanso”.
16ª - Importa referir, no entanto, que o STJ considerou que a interpretação da cláusula deve cingir-se unicamente ao elemento literal e, por conseguinte, dias “consecutivos” tem inequivocamente o mesmo significado que “dias seguidos” e não “dias úteis” ou “dias de trabalho”, tendo ainda, para corroborar esta defesa, sido percorrido, a título exemplificativo, o texto de outras cláusulas.
17ª - Ora, o que está em causa nestes autos é a interpretação das normas insertas no artigo 251.º do Código do Trabalho, ao contrário do que aconteceu nos acórdãos acima mencionados, em que se discutia a interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho, tendo-se conferido especial relevância ao elemento literal de interpretação.
18ª - Não será alheio a este facto que a douta sentença de que ora se recorre tenha – contrariando a pretensão do Autor e o anterior Acórdão do TRL e desconsiderando a imperatividade decorrente do art. 250º do Código do Trabalho – continuado a julgar com base nas cláusulas da convenção coletiva de trabalho aplicáveis às relações de trabalho em causa, tendo decidido com base no nº 3 da cláusula 80ª do Acordo de Empresa.
19ª - No caso presente, haverá que lançar mão do disposto no art. 9º do Código Civil, nos termos do qual “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (S/N).
20ª - Nos termos do art. 248º do Código do Trabalho, “considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário”.
21ª - Logo no art. 251º do mesmo Código, o legislador estabeleceu que “o trabalhador pode faltar justificadamente até [X] dias consecutivos”, e não manter-se ausente até [X] dias consecutivos. (S/N).
22ª - Na norma, semelhante, do artigo 351º, nº 2, alínea g), do Código do Trabalho, o legislador estabeleceu que constituem justa causa de despedimento cinco faltas seguidas ou 10 interpoladas. Parecendo óbvio que nessas cinco faltas seguidas não estão incluídos os dias de descanso intercorrentes. Aliás,
23ª - No art. 256º do mesmo Código, o legislador atribuiu especial censurabilidade às faltas injustificadas que ocorram imediatamente antes ou após os dias de descanso semanal ou feriados, estabelecendo, como consequência, que essas faltas constituem infração disciplinar grave, bem como a perda da retribuição correspondente a esses dias de descanso. Mas não caiu na contradição – face ao art. 248º - de incluir no cômputo das faltas injustificadas esses dias de descanso.
24ª - A interpretação que fez vencimento na douta sentença recorrida é uma forma de interpretação restritiva, para a qual não se vê fundamento, na medida em que recusa, em certos casos, a possibilidade de gozo de qualquer falta justificada por falecimento de parentes, como acontece no exemplo acima enunciado, de falecimento de um irmão no final da sexta-feira quando o período de descanso semanal do trabalhador coincida com o sábado e o domingo.
25ª - Salvo o devido respeito, as considerações e conclusões vertidas no citado douto Acórdão do STJ não são diretamente aplicáveis na interpretação das normas do Código do Trabalho.
26ª - A douta sentença recorrida deveria ter apreciado o pedido nos seus termos, isto é, à luz do regime que consta do Código do Trabalho - e não das cláusulas da convenção coletiva de trabalho aplicável – e deveria ter decidido que, à luz dessas normas legais, os números de faltas justificadas por falecimento de parentes ou afins, estabelecidos no art. 251º do Código do Trabalho não incluem os dias de descanso intercorrentes.
27ª - A douta sentença recorrida condenou o Autor nas custas do processo, sendo certo, porém, que o Autor é uma pessoa coletiva de direito privado, sob a forma de associação, sem fins lucrativos, e age, na presente ação, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, em defesa dos interesses coletivos que lhe estão especialmente confiados pela lei e pelos respetivos Estatutos, pelo que beneficiada isenção de custas estabelecida pela alínea f) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
Pelo que também nessa parte deve a douta sentença recorrida ser revogada, reconhecendo-se ao Autor a isenção de custas processuais de que beneficia.»
A ré apresentou resposta ao recurso do autor, pugnando pela sua improcedência.
Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, observou-se o disposto no art. 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da procedência daquele.
Cumprido o previsto no art. 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.
2. Questões a resolver
Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes:
- forma de cômputo dos dias que o trabalhador pode faltar por falecimento de familiares;
- isenção de custas do autor.
3. Fundamentação
3.1. Os factos considerados provados são os seguintes:
1 – Ré e autor subscreveram o Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 10 de 15.03.20201.
2 – Por carta de 18.02.2019, junta a fls. 30, o autor interpelou a ré, assinaladamente, nos seguintes termos: «1. A ACT – Autoridade para as Condições de Trabalho – veio esclarecer, no seu site da internet, que os dias consecutivos de faltas justificadas ao trabalho, nomeadamente por motivo de falecimento de parentes e afins, não incluem os dias de descanso intercorrentes, isto é, são contados como dias consecutivos de faltas justificadas ao trabalho apenas os dias em que o trabalhador estava obrigado a comparecer ao trabalho.
Em conformidade, aliás, com a definição constante do artigo 248º do Código do Trabalho, segundo o qual “Considera-se falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário”.
2. No mesmo sentido se têm pronunciado os tribunais.
3. Assim, tendo em vista prevenir conflitos desnecessários, vem este Sindicato solicitar a V. Exa. se digne informar qual é o entendimento e a prática pela CGD sobre esta matéria e, caso esse entendimento seja diverso do acima enunciado, se digne informar quais os respectivos fundamentos.”
3 – A ré respondeu por escrito de 05.04.2019, junto a fls. 30 verso, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual reitera a sua posição.
4 – A ré veio a publicar no seu sistema a informação interna, dirigida aos trabalhadores, em 14.10.2022, junta a fls. 31, e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
3.2. A 1.ª questão que se coloca a este Tribunal é a da forma de cômputo dos dias que os trabalhadores da ré podem faltar por falecimento de familiares.
O Apelante defende que, tal como peticionou, as normas aplicáveis, mormente a do art. 251.º do Código do Trabalho, devem ser interpretadas no sentido de que o número de “dias consecutivos” em que o trabalhador pode faltar justificadamente exclui os dias de descanso intercorrentes, isto é, aqueles em que o trabalhador não está obrigado a comparecer ao trabalho, como acontece nos seus dias de descanso semanal e nos dias feriados. Já a Apelada entende que a expressão da lei e do Acordo de Empresa se refere a “dias consecutivos” de calendário, englobando os que fossem de descanso do trabalhador.
Vejamos.
Estabelece o Código do Trabalho, na parte pertinente:
Artigo 248.º
Noção de falta
1 - Considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a actividade durante o período normal de trabalho diário.
(…)
Artigo 249.º
Tipos de falta
1 - A falta pode ser justificada ou injustificada.
2 - São consideradas faltas justificadas:
a) As dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento;
b) A motivada por falecimento de cônjuge, parente ou afim, nos termos do artigo 251.º;
c) A motivada pela prestação de prova em estabelecimento de ensino, nos termos do artigo 91.º;
d) A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal;
e) A motivada pela prestação de assistência inadiável e imprescindível a filho, a neto ou a membro do agregado familiar de trabalhador, nos termos dos artigos 49.º, 50.º ou 252.º, respectivamente;
f) A motivada pelo acompanhamento de grávida que se desloque a unidade hospitalar localizada fora da ilha de residência para realização de parto.
g) A motivada por deslocação a estabelecimento de ensino de responsável pela educação de menor por motivo da situação educativa deste, pelo tempo estritamente necessário, até quatro horas por trimestre, por cada um;
h) A motivada por luto gestacional, nos termos do artigo 38.º-A;
i) A de trabalhador eleito para estrutura de representação colectiva dos trabalhadores, nos termos do artigo 409.º;
j) A de candidato a cargo público, nos termos da correspondente lei eleitoral;
k) A autorizada ou aprovada pelo empregador;
l) A que por lei seja como tal considerada.
3 - É considerada injustificada qualquer falta não prevista no número anterior.
Artigo 250.º
Imperatividade do regime de faltas
As disposições relativas aos motivos justificativos de faltas e à sua duração não podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, salvo em relação a situação prevista na alínea i) do n.º 2 do artigo anterior e desde que em sentido mais favorável ao trabalhador, ou por contrato de trabalho.
Artigo 251.º
Faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim
1 - O trabalhador pode faltar justificadamente:
a) Até 20 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou equiparado, filho ou enteado;
b) Até cinco dias consecutivos, por falecimento de parente ou afim no 1.º grau na linha recta não incluídos na alínea anterior;
c) Até dois dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou afim na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral.
2 - Aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior em caso de falecimento de pessoa que viva em união de facto ou economia comum com o trabalhador, nos termos previstos em legislação específica.
3 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.
Do Acordo de Empresa identificado no ponto 1 da factualidade provada, mormente da sua Cláusula 80.ª, não resulta redacção divergente relevante para o thema decidendum, apenas se verificando desactualização quanto ao número de dias a que o trabalhador passou a ter direito por força das alterações introduzidas no art. 251.º do Código do Trabalho pela Lei n.º 1/2022, de 03/01, e pela Lei n.º 13/2023, de 03/04.
Conforme decorre do ponto 2 da matéria de facto provada, o entendimento do Apelante teve origem na Nota 72 publicada pela ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho no seu Portal/sítio da internet, por seu turno fundamentada em doutrina e jurisprudência que se crêem minoritárias e que assentam basicamente no argumento de que no art. 251.º do Código do Trabalho está ínsita a noção de falta constante do art. 248.º do mesmo diploma e, assim, só podem estar em causa “dias consecutivos” em que o trabalhador estivesse obrigado a comparecer ao trabalho, sendo o sentido útil da norma apenas o de esclarecer que aquele não está autorizado a interromper o período de tempo a que tem direito, interpolando dias de trabalho.
Ora, estabelece o art. 9.º do Código Civil:
(Interpretação da lei)
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Em 1.º lugar, cabe ter em conta que a redacção utilizada no art. 251.º do Código do Trabalho, na parte relevante, é a mesma das legislações sucessivamente revogadas desde, pelo menos, o Decreto-Lei n.º 47 032, de 27 de Maio de 1966, cujo art. 71.º dispunha:
(Faltas por motivo de luto)
1. O trabalhador pode faltar:
a) Até três dias consecutivos, por falecimento do cônjuge ou de parentes ou afins no 1.º grau da linha recta;
b) Um dia, por falecimento dos restantes parentes ou afins mencionados na alínea d) do artigo 68.º.
(…)
O art. 70.º de tal diploma, quanto às faltas por motivo de casamento, dispunha de modo semelhante, a saber:
1. O trabalhador pode faltar até seis dias consecutivos na altura do seu casamento sem que isso importe qualquer redução no período de férias.
(…)
Como se referiu, a redacção das normas pertinentes das legislações que foram depois sucessivamente publicadas manteve-se idêntica, para os efeitos que relevam, pelo que, não tendo havido também qualquer evolução legal, doutrinária ou jurisprudencial da noção de falta, temos como certo que não ocorre qualquer fundamento válido para alterar o sentido que literal e historicamente sempre se atribuiu à expressão “dias consecutivos”, como sinónimo de dias seguidos de calendário, tal e qual como se mantém no art. 249.º, n.º 2, al. a) do Código do Trabalho para o caso do casamento.
Note-se que o art. 251.º do Código do Trabalho não diz que “o trabalhador pode dar até 20 faltas consecutivas” ou “até 20 faltas seguidas” (terminologia utilizada no art. 351.º, n.º 2, al. g), por exemplo), mas sim que “o trabalhador pode faltar justificadamente até 20 dias consecutivos”, o que, parece-nos, não é muito diferente de dizer que “são consideradas faltas justificadas as dadas, durante 15 dias seguidos, por altura do casamento”: em qualquer dos casos, alude-se a um período de calendário dentro do qual o trabalhador pode faltar justificadamente, sendo certo que só constituem faltas as correspondentes aos dias em que o mesmo devesse comparecer ao trabalho, nos termos do art. 248.º.
Acresce que as achegas sistemáticas não ficam por aqui.
Estabelece o art. 38.º-A do Código do Trabalho:
Falta por luto gestacional
1 - Nos casos em que não haja lugar à licença prevista no artigo anterior, a trabalhadora pode faltar ao trabalho por motivo de luto gestacional até três dias consecutivos.
2 - O pai tem direito a faltar ao trabalho até três dias consecutivos, quando se verifique o gozo da licença prevista no artigo anterior ou a falta prevista no número anterior.
(…)
Por seu turno, dispõe o art. 50.º do mesmo diploma:
Falta para assistência a neto
1 - O trabalhador pode faltar até 30 dias consecutivos, a seguir ao nascimento de neto que consigo viva em comunhão de mesa e habitação e que seja filho de adolescente com idade inferior a 16 anos.
2 - Se houver dois titulares do direito, há apenas lugar a um período de faltas, a gozar por um deles, ou por ambos em tempo parcial ou em períodos sucessivos, conforme decisão conjunta.
(…)
Em todas estas situações, a expressão “dias consecutivos” reporta-se a um período de dias seguidos de calendário, dentro do qual cabe aferir se ocorrem faltas nos termos do art. 248.º.
Trata-se de situações em que, justificadamente, se atendeu ao período de tempo globalmente julgado razoável para o trabalhador dispor por inteiro das suas forças físicas, psíquicas e emocionais para lidar com as consequências de acontecimentos importantes ou graves da sua vida pessoal, situados a montante, sendo certo que tais consequências não são maiores ou menores nos dias em que o trabalhador devesse comparecer ao trabalho ou nos dias que fossem de descanso semanal ou feriado.
Acresce que, sendo esta a finalidade das normas citadas, mormente do art. 251.º em apreço, a interpretação tradicional segundo a qual a expressão “dias consecutivos” equivale a dias seguidos de calendário é a que se mostra conforme aos princípios constitucionais da igualdade e dignidade dos trabalhadores perante a lei.
Com efeito, considerando os motivos que presidiram à fixação legal de determinados períodos de tempo, não só não se vislumbra justificação para diferenciação entre trabalhadores em função da intercorrência de dias de descanso ou feriados durante os mesmos, como também não se vislumbra justificação para diferenciação em função do número de dias que, dentro deles, o trabalhador esteja obrigado a comparecer ao trabalho, a ponto de na mesma empresa, por exemplo, um trabalhador de escritório a tempo integral poder faltar por óbito do cônjuge durante cerca de quatro semanas e uma trabalhadora de limpeza que trabalhe às Segundas, Quartas e Sextas poder faltar durante cerca de sete semanas.
Cabe, por último, evocar a situação do art. 91.º do Código do Trabalho, na parte em que refere:
Faltas para prestação de provas de avaliação
1 - O trabalhador-estudante pode faltar justificadamente por motivo de prestação de prova de avaliação, nos seguintes termos:
a) No dia da prova e no imediatamente anterior;
b) No caso de provas em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, os dias imediatamente anteriores são tantos quantas as provas a prestar;
c) Os dias imediatamente anteriores referidos nas alíneas anteriores incluem dias de descanso semanal e feriados;
(…)
De acordo com esta norma, no caso de provas em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, o trabalhador-estudante pode faltar justificadamente em tantos dias imediatamente anteriores quantas as provas a prestar, aqui se incluindo os dias de descanso semanal e feriados.
Assim, por exemplo, um trabalhador-estudante que tenha duas provas numa Quarta-Feira pode faltar justificadamente na Segunda-Feira e na Terça-Feira; mas se tiver duas provas numa Segunda-Feira, já não tem direito a qualquer falta justificada (no pressuposto de que trabalha de Segunda a Sexta-Feira e os Sábados e Domingos sãos os seus dias de descanso semanal).
Esta norma explicita, como se vê, o que se afigura ser o sentido geral da expressão “dias consecutivos” no Código do Trabalho, mas como – convenhamos – nesta situação concreta a sua justeza e equilíbrio se podiam prestar a dúvidas, o legislador achou por bem dirimi-las de forma expressa, o mesmo não sucedendo nos restantes casos, por manifesta desnecessidade à luz duma sã interpretação assente nos elementos literal, histórico, teleológico, sistemático e actualista – e dizemos também actualista na medida em que o legislador tem introduzido alterações nas normas que se vêm referindo, designadamente aumentando significativamente alguns dos períodos de tempo previstos, o que leva a crer que parte do princípio que mantêm o sentido dado pelos demais elementos referidos, nos sobreditos termos.
Veja-se, ainda, em desabono da tese do Recorrente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2023, proferido no processo n.º 11379/21.0T8PRT.P1.S13, aliás citado diversas vezes nos autos.
Por todo o exposto, improcede o recurso quanto à questão em apreço.
3.3. Resta decidir a questão da isenção de custas do autor.
O Apelante alega que é uma pessoa colectiva de direito privado, sob a forma de associação, sem fins lucrativos, e age, na presente acção, exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, em defesa dos interesses colectivos que lhe estão especialmente confiados pela lei e pelos respectivos Estatutos, pelo que beneficia da isenção de custas estabelecida pela alínea f) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
Ora, por ser efectivamente assim, procede esta sua pretensão, sem necessidade de mais considerações.

4. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, declara-se que o autor está isento de custas, confirmando-se a sentença quanto ao mais.

Lisboa, 23 de Outubro de 2024
Alda Martins
Paula Doria C. Pott
Sérgio Almeida
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1. Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 10 de 15.03.2020.
2. Cfr. https://portal.act.gov.pt/AnexosPDF/Notas%20t%C3%A9cnicas/7%20Nota%20T%C3%A9cnica%20-%20resumo%20Faltas%20por%20motivo%20de%20falecimento%20de%20familiar.pdf.
3. Disponível em www.dgsi.pt.