TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL
ARGUIÇÃO ABUSIVA DE NULIDADE
Sumário


I – A taxa sancionatória excepcional prevista no Artº 531º do C.P.Civil, aplicável ao processo penal ex-vi Artº 521º, nº 1, desse diploma legal, visa a penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados ou improcedentes, devendo ser proporcional ao despropósito da pretensão formulada, e ao grau de violação do dever de diligência.
II - Pode e deve ser sancionada a tal título o arguido que invoca a nulidade prevista no Artº 119º, nº 1, al. c), do C.P.Penal, bem sabendo que a mesma não ocorrera, assumindo o seu requerimento, pois, natureza claramente infundada.
III - No caso vertente não está em causa o exercício de um direito, mas tão somente o seu exercício manifestamente abusivo, dilatório, imprudente, e até contra legem.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. No âmbito do Inquérito nº 2/23...., que corre termos pela Procuradoria do Juízo Local Criminal de Bragança - Sec. Inquéritos, da Procuradoria da República da Comarca de Bragança, em que figuram como arguido AA e como assistente BB, estando indiciada a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo Artº 152º, nº 1, al. b), e nº 2, do Código Penal, em 22/02/2024 promoveu o Ministério Público que fossem tomadas declarações para memória futura às vítimas BB e CC, o que fez nos seguintes termos (transcrição [1] [2]):
“(…)

Apresente os autos à Meritíssima JIC para apreciação do que segue infra:

Declarações para Memória Futura
Nos presentes autos investigam-se factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática pelo arguido AA, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n. 1º, al. b) e nº. 2 do Código Penal, perpetrado contra BB.
Resulta dos autos, nomeadamente, do auto de inquirição da vítima BB, constante a fls. 227, que no dia 18 de setembro de 2023, quando a ofendida se encontrava com o filho do casal – CC, nascido a ../../2012, no seu veículo automóvel, parqueado junto a um estabelecimento comercial, o arguido aproximou-se do veículo da ofendida e pediu para que a mesma desce-se o vidro, ao que a mesma acedeu, momento em que, quando o vidro do veiculo se encontrava aberto, o arguido, na presença do filho menor de idade de ambos, ameaçou a ofendida de morte, tendo o filho de ambos, para além deste episódio e como resulta dos autos, assistido a outros episódios de violência psicológica entre o arguido e a ofendida.
Prevê o artigo 33.º. n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro que “o juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”.
Por sua vez determina o artigo 26.º da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho (na sua actual redacção) que: “1 - Quando num determinado acto processual deva participar testemunha especialmente vulnerável, a autoridade judiciária competente providenciará para que, independentemente da aplicação de outras medidas previstas neste diploma, tal acto decorra nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas. 2 - A especial vulnerabilidade da testemunha pode resultar, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter de depor ou prestar declarações contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa condição de subordinação ou dependência.”
E, importa ainda ter em consideração o que se mostra previsto no artigo 28.º, n.º 1 da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, que determina que “durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime”, prevendo-se no n.º 2 que tal possa suceder nos termos do disposto no artigo 271.º do Código de Processo Penal.
Por seu lado, dispõem as disposições conjugadas previstas nos artigos 2.º, alínea a), da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que é vítima a pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, diretamente causada por ação ou omissão, no âmbito do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal, incluindo as crianças ou os jovens até aos 18 anos que sofreram maus tratos relacionados com exposição a contextos de violência doméstica.
Por outro lado, sempre que haja notícia da existência de crianças presentes num contexto de violência doméstica e independentemente de serem aquelas ou não destinatárias de actos de violência, o Ministério Público requer a inquirição para memória futura das crianças (cfr. Directiva n.º 5/2019 da Procuradoria-Geral da República).

Ora,
Tendo em conta a natureza do crime que está em causa nos presentes autos e que, resulta dos mesmos, como supra se referiu, que o filho menor do casal, CC, com 11 anos de idade, terá presenciado factos criminalmente relevantes – que neste contexto assume a qualidade de vitima, deve o Tribunal proceder à sua inquirição para memória futura, para dessa forma evitar a sua audição em sede de audiência de julgamento e a sua dupla vitimização.
Acresce que, diz-nos a experiência comum que neste tipo de criminalidade, fruto do ascendente que, em muitos casos, o agressor tem sobre a vítima, ocorre uma contaminação do depoimento ou, em certos casos, uma omissão do mesmo, sendo a tomada de declarações para memória futura a forma de evitar que tal suceda e, ainda, de garantir a genuinidade do seu depoimento em tempo útil.
Por outro lado, ponderando o interesse da vítima, a qual se encontra fragilizada, o instituto da tomada de declarações para memória futura mostra-se como sendo o mecanismo necessário para evitar a repetição da sua audição e, dessa forma, evitar a repetição da vitimização.
Assim, nos termos do disposto nos artigos 271.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal e 2.º, alínea b) e 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, artigo 28.º da Lei n.º 93/99, de 14 de Julho e do ponto A do capítulo IV da Directiva n.º 5/2019 da PGR, e 268.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, requer-se a V. Exa que seja ordenada a tomada de declarações para memória futura às vítimas BB e de CC, sendo a vitima BB apenas relativamente aos factos relatados a fls. 227, uma vez que já prestou, anteriormente, declarações para memória futura.
Promovo que seja indicado técnico especialmente habilitado para acompanhar as vítimas na diligência, nos termos dos artigos 33.º, n.º 3 da Lei n.º 112/2009, de 16/09 e 24.º, n.º 5 da Lei n.º 130/2015, de 04/09.
Mais promovo que a realização da diligência se realize sem a presença do arguido, por esta poder inibir as vítimas de dizerem a verdade, nos termos do consagrado no artigo 352.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 33.º, n.º 5 da Lei n.º 112/2009, de 16/09.
(…)”.

*
2. Tal pretensão do Ministério Público foi deferida pelo despacho de 26/02/2024 da Mmª Juíza do Juízo Local Criminal de Bragança, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, nos seguintes termos (transcrição):

Da recolha de declarações para memória futura:
Aderindo-se aos fundamentos invocados pelo Ministério Público na promoção que antecede, e que aqui damos por reproduzidos por brevidade de exposição, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 271.º do CPP e artigos 17.º, 22.º e 24.º, n.º 1, da Lei 130/2015, de 4.09 - Estatuto da Vítima, designo o próximo dia 6.3.2024, às 11h , neste Juízo, para recolha das declarações para memória futura das vítimas BB e de CC, as quais terão lugar sem a presença do arguido, nos termos permitidos pelo artigo 352.º, n.º 1, alínea a), ex vi do artigo 271.º, n.º 6, ambos do CPP, por se crer que a sua presença, considerando os factos em questão, inibiria as declarações daquelas.
*
Solicite à ASMAB a indicação de técnico habilitado para acompanhar as vítimas na diligência ora determinada em ordem a assistir designadamente a criança durante a mesma, nos termos do nº 4 do acima referido artigo 271.º do Código do Processo Penal.
*
Notifique as vítimas, na pessoa BB, através de OPC.
*
Notifique, ainda, nos termos do disposto no artigo 271.º, n.º 3, do CPP e 24.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro (Estatuto da vítima), o Ministério Público, o Il. Defensor do arguido e este último, com a advertência de que apenas será admitida a presença do Ministério Público e do Ilustre defensor.
*
Para inteirar o arguido do conteúdo das declarações prestadas pela vítima, de acordo com o previsto no artigo 332.º, n.º 7, do CPP, ex vi do artigo 271.º, n.º, do mesmo diploma, designa-se o próximo dia 11.3.2023, às 13:30h, neste Juízo.
*
Diligencie pela obtenção de meios para a recolha de imagem na diligência.”.
*
3. Na data aprazada realizou-se a diligência em causa, resultando do respectivo auto, cuja cópia consta de fls. 28/29,  além do mais, que:

a) Se encontravam presentes:
- O ofendido CC;
- A assistente BB;
- O mandatário da assistente, Dr. DD;
- As mandatárias do arguido, Dra. EE e Dra. FF;
- As técnicas de apoio à vítima: Dra. GG e Dra. HH;
b) Foram ouvidas as vítimas CC e BB, cujas declarações a Mmª Juíza ordenou fossem gravadas com recurso a áudio e vídeo; e
c) A criança CC, por ordem da Mmª Juíza (ao abrigo do disposto no artigo 23º da Lei nº 130/2015, de 4 de Setembro), foi ouvida com recurso à videoconferência disponível naquele Tribunal, por momentos antes ter manifestado encontrar-se constrangido na sala de audiência.
*
4. Outrossim, no dia 11/03/2024 [dia aprazado na parte final do despacho supra aludido em 2.], pelas 14H15, estando presentes o arguido, as suas mandatárias, e bem assim o mandatário da assistente, o tribunal inteirou o arguido das declarações prestadas pelas vítimas CC e BB naquele dia 06/03/2024, conforme auto cuja cópia consta de fls. 30.
*
5. No dia 18/03/2014, dirigiu o arguido aos autos o requerimento  cuja cópia consta de fls. 32/33, com o seguinte teor (transcrição):
“(...)
AA, arguido devidamente identificado no processo à margem referenciado, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. No dia 06 de Março de 2023 realizou-se, no âmbito do presente processo, a tomada de declarações para memória futura do menor CC e da denunciante BB.
2. Acontece que, pese embora a presença neste Tribunal de todas as pessoas notificadas para o efeito, a tomada de declarações para memória futura do menor CC realizou-se por videoconferência,
3. Mais precisamente, encontrando-se o menor AA num gabinete deste Tribunal, contíguo à sala de audiência onde se encontravam os restantes intervenientes e onde decorria a diligência.
4. Ora, uma vez que, em momento algum foi explicado seja as Mandatárias quer ao Arguido, o motivo pelo qual a tomada de declarações para memória futura do menor CC iria realizar-se por videoconferência,
5. Entendemos assim, que o meio utilizado como indicado “meio Prova” - Declarações para memória futura, pelas razões apontadas, encerra nulidade, o que expressamente Requer o seu conhecimento.
6. A tomada de declarações para memória futura é admitida em situações em que tomar declarações à pessoa se torna, previsivelmente, muito difícil ou impossível ou em que, em função da natureza dos crimes, a dos crimes, é necessária uma especial proteção à vítima atendendo à sua particular vulnerabilidade.
7. O recurso a esta produção antecipada de prova visa garantir a aquisição e validação da prova, sob pena da sua irremediável perda.
8. O instituto tem subjacente o interesse público na descoberta da verdade material.
9. As declarações para memória futura são uma exceção ao princípio da imediação sendo através deste que o juiz usufrui de todas as vantagens ligadas à relação de proximidade comunicante entre os intervenientes processuais.
10. O Artº 355º nº 1 do CPP estabelece a rega de que, para efeito de convicção do tribunal, são proibidas provas que não sejam produzidas ou examinadas em audiência.
11. O ato de tomada de declarações para memória futura é uma verdadeira “antecipação parcial da audiência de julgamento; presidida pelo juiz; com conhecimento do dia, hora e local da prestação de depoimento ao Ministério Público, arguido, defensor e representantes do assistente e partes civis; com a comparência obrigatória do Ministério Público e do defensor, ainda que não haja arguido constituído; e com obediência ao princípio do contraditório, onde aqueles podem aqueles diretamente perguntas.
12. Dispõe, por sua vez, o nº 3 do artº 271º do CPP  que a comunicação do dia, hora e local de prestação de depoimento é efetuado ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis, sendo certo que, para a realização de tal diligência, apenas é obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
13. Assim e sem mais considerandos, o tribunal ao actuar da forma supra descrita, cometeu uma nulidade insanável, que expressamente requer com fundamento nos artºs. 119º, al. c), e 122º do CPP.
(...)”.
*
6. Em 21/03/2023 a  Exma. Procuradora da República pronunciou-se acerca dessa questão, nos termos que contam de fls. 34/36, que se transcrevem:
“(…)
Por requerimento datado de 19.03.2024, veio o arguido invocar uma nulidade que denomina de insanável, com fundamento nos artigos 119.º, alínea c) e 122.º, ambos do Código de Processo Penal.
Para o efeito, em síntese, alega que, no dia 6 de março de 2023 realizou-se, no âmbito dos presentes autos, a tomada de declarações para memória futura do menor CC e que, pese embora a presença no Tribunal de todas as pessoas notificadas para o efeito, a tomada de declarações realizou-se por videoconferência, não tendo sido explicado às Mandatárias e ao Arguido o motivo pelo qual a tomada de declarações para memória futura do menor CC iria realizar-se por videoconferência.
Concluiu que se verifica uma nulidade insanável, com fundamento nos artigos 119.º, alínea c) e 122.º, ambos do Código de Processo Penal, por, estamos em crer, considerar ausente o arguido, não tendo podido o mesmo, por intermédio da sua Ilustre Defensora, fazer perguntas à testemunha.
Sob a epigrafe “Recurso à videoconferência ou à teleconferência”, preceitua o nº. 1 do artigo 23.º da Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro que “Os depoimentos e declarações das vítimas especialmente vulneráveis, quando impliquem a presença do arguido, são prestados através de videoconferência ou de teleconferência, por determinação do Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento da vítima, durante a fase de inquérito, e por determinação do tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou da vítima, durante as fases de instrução ou de julgamento, se tal se revelar necessário para garantir a prestação de declarações ou de depoimento sem constrangimentos.”
Por sua vez, sob a epigrafe “Declarações para memória futura”, o nº. 3 do artigo 271.º do C.P.P., preceitua que “Ao Ministério Público, ao arguido, ao defensor e aos advogados do assistente e das partes civis são comunicados o dia, a hora e o local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.
Posto isto, avançaremos desde já que, salvo o devido respeito por melhor opinião, não assiste razão ao arguido.
Com efeito, como resulta do Auto de declarações para memória futura, a Mma. Juiz determinou, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro, que a criança CC fosse ouvida com recurso à videoconferência, por ter momentos antes manifestado encontrar-se constrangido na sala de audiências, o que, foi comunicado aos intervenientes processuais, tendo sido observadas todas as formalidades legais na audição da criança, pelo que, e ao contrario do que alegam, foi comunicado às I. Mandatárias do arguido a razão pela qual a audição da criança se realizou por videoconferência, não se verificando qualquer nulidade.
Acresce que, como resulta do Auto de declarações para memória futura, na diligência realizada no pretérito dia 6 de março de 2024, estiveram presentes o Ministério Público e as Ilustres Defensoras do arguido, não estando o arguido presente, porquanto, nos termos do artigo 271.º, nº. 3 do C.P.P., não é obrigatória a presença do arguido, aliás, pode mesmo, por lei ser determinado o afastamento do mesmo, o que sucedeu in casu, considerando o objeto do processo - vide. fls. 301.
Assim, considerando que na diligência de tomada de declarações para memória futura estavam presentes o Ministério Público e as Ilustres Defensoras do arguido, e que, as mesmas exerceram o contraditório, não se verifica qualquer nulidade e muito menos a invocada.
A existir alguma desconformidade, que não existe, seria reconduzida a uma irregularidade, a qual, tinha de ser invocada até ao termo do ato, o que não foi, estando, pois, sanada (cfr. artigo 123.º, nº. 1 do C.P.P.)
Face ao exposto, e sem necessidade de outras considerações, não se verifica a invocada nulidade a qual deve ser julgada improcedente.
Remeta os autos à Meritíssima Juiz de Instrução Criminal para se pronunciar sobre a invocada nulidade.
(…)”.
*
7. E no dia 23/04/2024 a Mmª Juíza proferiu o despacho cuja cópia se mostra junta a fls. 38/43, com o seguinte teor (transcrição):
Da invocada nulidade prevista no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal:

AA, arguido neste processo veio invocar a nulidade insanável do acto de tomada de declarações para memória futura da criança, sua filha, CC.
Invocam que a recolha de tais declarações através de videoconferência em sala contígua à sala de audiências violou o disposto no artigo 119.º, al. c), do CPP, com as consequências p. no artigo 122.º do mesmo diploma legal.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da invocada nulidade, nos termos e com os fundamentos constantes da douta promoção que antecede e a assistente nada disse.

Apreciando e decidindo:
Nos termos do disposto no artigo 118.º do CPP “a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” (n.º1). “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” (n.º 2) e ainda dispõe que “as disposições referentes às nulidades não prejudicam as normas relativas a proibições de prova” (n.º3). O citado preceito encerra em cada um dos seus números um princípio geral aplicável à matéria em apreço. Com efeito, o n.º 1 do artigo 118.º traduz o princípio da legalidade e da taxatividade das nulidades; o n. 2 o da irregularidade de todos os demais actos ilegais e o n.º 3 reporta o princípio do tratamento autónomo das proibições de prova (segundo o qual o regime das proibições de prova não se identifica nem se sobrepõe ao das nulidades nem das irregularidades - Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem 3.ª edição actualizada, Lisboa, 2009, pág. 298).
O legislador distinguiu as nulidades insanáveis, também designadas por nulidades absolutas, das nulidades dependentes de arguição ou nulidades relativas. Com efeito, a técnica legislativa adoptada implica que qualquer nulidade diversa das referidas no artigo 119.º, que prevê as nulidades insanáveis (que são as ali expressamente previstas, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais) deve ser arguida, nos termos do artigo 120.º, n.º 1. Desta feita, se a lei não indicar expressamente que determinada circunstância configura uma nulidade insanável, tratar-se-á de uma nulidade dependente de arguição (princípio da subsidiariedade da nulidade sanável).
O regime e efeitos resultantes de uma ou outra nulidade – sanável ou insanável são distintos. A nulidade insanável pode ser conhecida ex officio ou a requerimento do interessado, sendo uma eventual renúncia do interessado quanto à sua arguição irrelevante e pode ser conhecida a todo o tempo até trânsito em julgado da decisão final. As nulidades dependentes de arguição são, inter alia, as previstas no artigo 120.º e devem ser arguidas pelos interessados, dentro dos prazos legalmente estabelecidos no n.º 3 do artigo 120.º do CPP, sob pena de se considerarem sanadas. Ao contrário do que sucede com as nulidades insanáveis, nas nulidades dependentes de arguição o interessado pode renunciar a fazê-lo.
A decisão que declarar a nulidade (sanável ou insanável) tem necessariamente de determinar as consequências da mesma no processo, fixadas no artigo 122.º do CPP- tornam inválido o acto em que se verificaram, bem como os que dele dependem e possam ser afectados. Não obstante por aplicação do princípio do aproveitamento dos actos, a decisão de declaração da nulidade deve determinar, identificando expressamente quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição.
Volvendo a nossa objectiva para o caso em apreço, dispõe o artigo 119.º do CPP, sob a epígrafe “Nulidades insanáveis” que “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais: (…) c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;”.
Conforme decorre do próprio requerimento apresentado pelo arguido, no acto em questão encontrava-se o mesmo representado por duas Ilustres Defensoras.
Acresce que a comparência do arguido, ou no caso o seu afastamento da diligência em causa, foi oportunamente decidido, aquando da determinação da recolha das declarações para memória futura da criança, com arrimo no artigo 352.º, n.º 1, alínea a) e b), ex vi do artigo 271.º, n.º 6, ambos do CPP, sem qualquer oposição.
Isto posto da análise a este quadro legal, facilmente se constata que, manifestamente, não se verifica a nulidade invocada, dado que como se explicitou a presença do arguido não era, no caso mandatória, mas antes excecionada pelas apontadas normas, e o arguido se encontrava representado pelas suas duas Ilustres Defensoras.
Em acréscimo ainda se diga que a nulidade invocada nem encontra expressão em qualquer dos citados artigos 119.º e 120.º do CPP, nem mesmo no artigo 126.º do mesmo diploma, lido à luz do disposto no artigo 32.º, n.º 6 e 8 da Constituição da República Portuguesa.
Aqui chegados, importa atentar que, como já se referiu, no acto processual de tomada de declarações para memória futura o arguido se encontrava representado pelas suas Ilustres Defensoras, as quais nada opuseram à recolha das declarações da criança através de videoconferência e ao contrário do aventado pelas mesmas, se não explicitamente, implicitamente se aperceberam as mesmas da medida equacionada pelo Tribunal, diligenciando pelo acolhimento da criança numa sala contígua à da audiência de julgamento, após a deslocação desta acompanhado com a Senhora técnica ao nosso gabinete manifestando desconforto em ser ouvida no dito espaço e perante todos os indispensáveis intervenientes à realização da diligência.
Ora, o princípio da unidade do sistema jurídico é factor decisivo na interpretação e aplicação da lei - art. 9 e 10 do Cód.Civil -, imposto, até e desde logo, pela própria "coerência valorativa ou axiológico da ordem jurídica".
Decorre do artigo 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que a audição da criança respeita a sua específica condição, garantindo-se, em qualquer caso, a existência de condições adequadas para o efeito, designadamente: a) a não sujeição da criança a espaço ou ambiente intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais; b) a intervenção de operadores judiciários com formação adequada (n.º 4). Sendo que a tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito (n.º 7).
Nos termos do artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 "Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas, ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança."

De acordo com o artigo 22.º da Lei Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro (Direitos das crianças vítimas):

1 - Todas as crianças vítimas têm o direito de ser ouvidas no processo penal, devendo para o efeito ser tomadas em consideração a sua idade e maturidade.
2 - Em caso de inexistência de conflito de interesses, a criança pode ser acompanhada pelos seus pais, pelo representante legal ou por quem tenha a guarda de facto durante a prestação de depoimento.
3 - É obrigatória a nomeação de patrono à criança quando os seus interesses e os dos seus pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto sejam conflituantes e ainda quando a criança com a maturidade adequada o solicitar ao tribunal.
4 - A nomeação do patrono é efetuada nos termos da lei do apoio judiciário.
5 - Não devem ser divulgadas ao público informações que possam levar à identificação de uma criança vítima, sob pena de os seus agentes incorrerem na prática de crime de desobediência.
6 - Caso a idade da vítima seja incerta e existam motivos para crer que se trata de uma criança, presume-se, para efeitos de aplicação do regime aqui previsto, que a vítima é uma criança.”

E nos termos previstos no artigo 23.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Recurso à videoconferência ou à teleconferência”:

1 - Os depoimentos e declarações das vítimas especialmente vulneráveis, quando impliquem a presença do arguido, são prestados através de videoconferência ou de teleconferência, por determinação do Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento da vítima, durante a fase de inquérito, e por determinação do tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou da vítima, durante as fases de instrução ou de julgamento, se tal se revelar necessário para garantir a prestação de declarações ou de depoimento sem constrangimentos.
2 - A vítima é acompanhada, na prestação das declarações ou do depoimento, por técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento previamente designado pelo Ministério Público ou pelo tribunal.”.

É certo que não se mostra atribuído à criança em causa nos autos o estatuto de vítima vulnerável, mas não é menos certo que pese embora assim seja o mecanismo adoptado para a audição da criança teve como fito a protecção da sua integridade psíquica e o seu superior interesse, numa lógica de unidade do sistema jurídico e com vista a evitar a (re)vitimização daquela, princípios legal, constitucional e supra constitucionalmente impostos. A par disto nenhuma garantia de defesa do arguido foi posta em causa, tendo sido recolhido registo audiovisual da diligência e já realizada a comunicação do conteúdo das declarações ao arguido, nos termos do artigo 332.º, n.º 7, aplicável ex vi dos artigos 352.º e 271.º, ambos do CPP.
Por o todo exposto, indefere-se a invocada nulidade, por manifestamente improcedente.
***
Da taxa de justiça sancionatória:

Conforme supra já se referiu, importa reter o seguinte:
No acto de tomada de declarações para memória futura da criança CC o arguido, seu pai, AA, encontrava-se afastado da diligência em virtude de ordem determinada em despacho precedente e que lhe foi oportunamente notificado e que não mereceu por parte do mesmo qualquer oposição.
Nesse acto encontrava-se o arguido representado pelas suas Ilustres Defensoras, as quais nada opuseram relativamente ao facto de a criança ser ouvida noutro compartimento através do sistema de videoconferência, acompanhado por técnica habilitada e com recolha dessas declarações por meios audiovisuais.
Exerceu o arguido, por intermédio daquelas, de modo pleno o seu contraditório, mediante formulação das questões e esclarecimentos que entenderam pertinentes.
Com vista ainda a assegurar o seu pleno contraditório, foi comunicado ao arguido o conteúdo das declarações prestadas pela criança, acto no qual se encontrava, igualmente devidamente, representado por defensora.
Veio agora o arguido, sabedor da fragilidade manifestada pela criança e do conteúdo das declarações pelo mesmo prestadas, requerer a nulidade das declarações para memória futura da criança, invocado que foi violado o disposto no artigo 119.º, n.º 1, al. c), segundo o qual constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, o que como se viu manifestamente não se verifica, porque nem a lei exige a comparência do arguido, antes prevê expressamente a sua dispensa, e esteve sempre o arguido representado pelas suas duas Ilustres Defensoras.
Ora, não contendo o CPP norma expressa relativa à má-fé, encontrando-se o recurso ao CPC, perante a desarmonia de princípios neste particular, não havendo fundamento para sustentar o entendimento de que há lacuna (art. 4.º, do CPP), considerando o estatuto do arguido, não lhe pode ser aplicável o instituto da litigância de má-fé, o legislador no DL 34/2008, de 26-02, criou uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizados, para os intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, “bloqueiam” os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados.
Estamos em crer que é clamorosamente este o caso em mãos.
Constituem pressupostos da aplicação da taxa sancionatória excepcional, prevista no art. 521.º, do CPP, a natureza manifestamente improcedente do requerimento, recurso, reclamação ou incidente, visando-se evitar a prática de actos inúteis, impedindo que o tribunal se debruce sobre questões que se sabe de antemão serem insusceptíveis de conduzir ao resultado pretendido, assim se salvaguardando o princípio da economia processual, e a actuação imprudente, desprovida da diligência, no caso exigível, e como tal censurável, da parte de quem os formula/apresenta.
Com a taxa sancionatória excepcional não se pretende responder/sancionar erros técnicos, pois estes sempre foram punidos através do pagamento de custas; procura-se, isso sim, reagir contra uma atitude claramente abusiva do processo, sancionando o sujeito que intencionalmente o perverte.
Nos termos do artigo 10.º do RCP a taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.
Considerando o comportamento processual do arguido supra elencado e a necessidade de garantir o efeito persuasor desta condenação, entendemos adequado fixar-lhe pela manifestamente improcedência do seu requerimento uma taxa sancionatória de 4 UC.

Nestes termos, face ao supra exposto, condena-se o arguido ao pagamento de uma taxa sancionatória excepcional no montante de 4 unidades de conta.
Notifique.
Transitada, proceda à liquidação da guia e correspondente remessa ao arguido para pagamento em prazo legal.
Devolva os autos ao Ministério Público.
(...)”.
*
8. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que se mostra junta a fls. 2/6, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“a) Nos presentes autos foi o Recorrente condenado numa taxa sancionatória de 4 UC porquanto, entendeu o Tribunal a quo, que o requerimento apresentado por aquele, no qual invoca a nulidade insanável do ato de tomada de declarações para memória futura do seu filho CC por tais declarações terem sido recolhidas através de videoconferência em sala contígua à sala de audiências, constitui uma atitude claramente abusiva do processo.
b) Não podendo o aqui Recorrente concordar com tal entendimento, uma vez que o referido requerimento constituiu, em toda a sua extensão, o exercício do seu direito à defesa, sendo esse um direito fundamental que lhe assiste por via do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no art. 20.º da CRP.
c) Pois que, no dia 06 de março de 2024 realizou-se a tomada de declarações para memória futura do menos CC, filho do aqui Recorrente, e em relação à qual este último se encontrava afastado em virtude de ordem determinada por despacho precedente.
d) Motivo pelo qual apenas compareceram, em representação do Arguido/Recorrente, as mandatárias daquele, notificadas para o efeito.
e) E, sem nada que o fizesse prever, a tomada de declarações para memória futura do menor CC realizou-se por videoconferência, encontrando-se o menor num gabinete do Tribunal a quo, contíguo à sala de audiências onde se encontravam os restantes intervenientes e onde decorria a diligência.
f) Mm momento algum foi explicado às Mandatárias do Arguido/Recorrente, o motivo pelo qual a tomada de declarações para memória futura do menor CC iria realizar-se por videoconferência.
g) O que deu origem aos dois requerimentos (das Mandatárias) datados de 07-03-2024, um a solicitar informações/esclarecimentos, outro a requerer que fosse extraída certidão da diligência realizada no dia anterior, com a gravação das declarações ali prestadas, para os efeitos judiciais legítimos às mesmas.
h) Não existindo, até à presente data, qualquer despacho sobre os mesmos.
i) Face ao silêncio do Tribunal a quo perante tais requerimentos, perante a ausência de explicações, ao Arguido não restou outra alternativa que invocar a nulidade da referida diligência, o que fez por requerimento datado de 18-03-2024.
j) Relativamente a este último requerimento, veio o Tribunal a quo pronunciar-se, indeferindo a invocada nulidade por manifestamente improcedente e, nessa sequência, condenando o arguido numa taxa sancionatória de 4 UC.
k) Note-se que o disposto no art.º 23º, n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro (Estatuto da Vítima) apenas se aplica quando os depoimentos e declarações das vítimas especialmente vulneráveis são prestados na presença do arguido.
l) O que, in casu, não aconteceu!
m) E porque assim é, na opinião do aqui Recorrente, inexistem razões para a tomada de tais declarações ter sido feita com recurso à videoconferência, daí a invocada nulidade.
n) Motivo pelo qual, o requerimento apresentado pelo arguido não é, de todo, manifestamente infundado, nem tão pouco dilatório.
o) Tendo-se limitado a desenvolver uma atividade processual normal, que o é a invocação da nulidade de uma diligência.
p) Sem que se possa considerar que tanto consubstancie uma atuação que assuma um carácter excecionalmente reprovável, por constituir um desvio acentuado e injustificado da tramitação regular e adequada do processo, uma vez que aquele utilizou os meios previstos na lei, não tendo procedido à prática de atos meramente dilatórios e completamente inúteis e infundados, como o Tribunal a quo quer fazer crer – Vejam-se os doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 1573/17.4T9CSC.L1.S1, de 20-05-2021, e proc. n.º 223/20.6TELSB-E.L1.S1 , de 13-01-2022, bem como o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. n.º 343/22.2T8VCT.G1, de 02-02-2023, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
q) Ora, face ao exposto, não se vislumbra em que medida tal requerimento (aliás, o primeiro em todo o processo!) a arguir uma nulidade é suscetível de merecer juízo de censura, como também não é possível identificar materialidade que possa preencher os requisitos legalmente estipulados para a aplicação de tal sanção processual, nomeadamente o disposto no art. 531.º do CPC!
r) Destarte, com o despacho a condenar o aqui Recorrente numa taxa sancionatória de 4 UC, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 521º do CPP, 531º do CPC, 10º do RCP, 23º, n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro e 20º da CRP
s) Porquanto, da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas o Tribunal a quo não poderia ter condenado o Arguido, aqui Recorrente, em qualquer taxa sancionatória, por não se verificarem os requisitos legais aplicáveis.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, ser revogado o despacho que condena o aqui Recorrente ao pagamento de uma taxa sancionatória excecional no montante de 4 unidades de conta, assim fazendo V.ªs Ex.ªs a já acostumada Justiça!”.
*
9. Recebido o recurso, através do despacho de 07/06/2024, e cumprido o disposto no Artº 411º, nº 6, do C.P.Penal [3], apenas se apresentou a responder o Ministério Público, o que fez nos termos da peça processual junta a fls. 48/51, pugnando pela sua procedência, e pela revogação do despacho recorrido, terminando a Exma. Procuradora da República subscritora a sua peça processual com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1. Por despacho datado de 23.04.2024, o arguido AA foi condenado ao pagamento de uma taxa sancionatória excecional no montante de 4(quatro) unidades de conta.
2. Inconformado com esta condenação, dela veio o arguido interpor recurso, pugnando  pela revogação do despacho que o condenou no pagamento da taxa sancionatória excecional no montante de 4 unidades de conta.
3. Assiste razão ao recorrente quando refere que não se vislumbra em que tal requerimento a arguir uma nulidade é suscetível de merecer juízo de censura, que determine a aplicação de tal sanção processual.
4. Com efeito, o direito a invocar nulidades decorre da mais basilar possibilidade de  sindicância das decisões judiciais e da sua regularidade.
5. Pelo que, não constituindo a atuação do arguido qualquer ato contrário à lei, não merece a mesma qualquer censura.
6. Consequentemente, assistindo razão ao recorrente, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, na parte em que condena o arguido no pagamento de uma taxa sancionatória excecional no montante de 4 unidades de conta.
V. Exas., porém, e como sempre, farão
JUSTIÇA.”.
*
10. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o seu parecer, nos termos que constam de fls. 58/63, acompanhando e remetendo para a posição do Ministério Público junto da primeira instância, pronunciando-se, pois, pela procedência do recurso.
E sublinhando, em síntese, que a taxa sancionatória excepcional apenas deve ser aplicada em casos excepcionais, em situações muito próximas da intolerabilidade, o que não se verifica na situação em apreço, sendo aceitável que o arguido tenha invocado a nulidade em causa, que assume natureza insanável, nos termos do Artº 119º, nº 2, al. c), do C.P.Penal, traduzida na ausência (dele, arguido) em diligência a que o mesmo podia aceder.
*
11. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.
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12. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2 [4].
Assim sendo, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, a única questão que importa dirimir é a de saber se estão verificadas as condições para aplicação ao arguido da taxa sancionatória excepcional, tal como se decidiu no despacho recorrido.
Vejamos, pois.
Importando, antes de mais, delimitar correctamente os termos da questão, o que se afigura decisivo para o desfecho do recurso.
Na verdade, e contrariamente ao que se depreende da posição que o Exmo. PGA  veicula no seu douto parecer, o que o arguido questionou através do seu requerimento de 18/03/2024, supra aludido em I.5., não foi a sua ausência na diligência em causa [tendo em vista a recolha das declarações para memória futura das vítimas BB e de CC], mas tão somente a circunstância de a tomada de tais declarações do menor CC, seu filho, ter sido realizada por videoconferência, sendo certo que o mesmo se encontrava num gabinete do tribunal a quo, contíguo à sala de audiências onde se encontravam os restantes intervenientes e onde decorria a diligência, e que – diz – em momento algum esse facto foi explicado quer ao arguido, quer às suas mandatárias.
É isso que claramente decorre quer do dito requerimento do arguido, de 18/03/2024, quer da sua peça recursiva, maxime das respectivas conclusões.
Pelo que, colocadas “as coisas no seu devido lugar”, há que avançar na apreciação da questão suscitada, o que faremos sucintamente, face à simplicidade da mesma.
Atentando-se, antes de mais, no teor das pertinentes normas legais aplicáveis.

Desde logo no Artº 521º do C.P.Penal, inserido no Livro XI, “Da responsabilidade por custas”, que sob a epígrafe “Regras especiais”, estatui:

“1 - À prática de quaisquer actos em processo penal é aplicável o disposto no Código de Processo Civil quanto à condenação no pagamento de taxa sancionatória excepcional.
(...)”.

E, depois, no Artº 531º, do C.P.Civil, que sob a epígrafe “Taxa sancionatória excepcional”, prescreve:
“Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.”.
O transcrito preceito legal (Artº 531º do C.P.Civil) corresponde, com algumas alterações, ao Artº 447º-B do anterior C.P.Civil, tendo sido aditado pelo Dec. Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro.
E, como se referia no preâmbulo desse decreto-lei, trata-se de “um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados”, atribuindo-se ao juiz do processo o poder-dever de, nestas situações, “fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.
Como esclarece o Exmo. Conselheiro Salvador da Costa, in “As Custas Processuais – Análise e Comentário”, 7ª Edição, Almedina, 2018, págs. 25/27, a taxa sancionatória excepcional visa “(...) essencialmente penalizar o uso manifestamente desnecessário do processo pelas partes, em quadro de falta de prudência ou diligência censurável do ponto de vista ético-jurídico”. Devendo estar em causa “(...) pretensões manifestamente improcedentes em que se não vislumbra interesse razoável na formulação, que só foram formuladas por défice de prudência ou diligência média, ou seja, com falta da mínima diligência que teria permitido facilmente ao seu autor dar-se conta da sua falta de fundamento (...), sendo certo que “(...) a mera desconformidade argumentativa das partes com as posições jurídicas antes tidas por pacíficas não justifica a aplicação desta sanção, tal como seria insusceptível de justificar a condenação de alguma das partes por litigância de má-fé.”, e que “Na análise da censurabilidade das partes na formulação das aludidas pretensões, o juiz deve ter em conta o quadro de facto disponível, as normas jurídicas aplicáveis e as várias soluções plausíveis das questões de direito, sem olvidar que o Direito não é uma ciência de comprovação de tipo matemático”.
Na mesma linha de pensamento a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que é exemplo o acórdão de 22/02/2022, proferido no âmbito do Proc. nº 103/06.8TBMNC-E.G1.S1, in www.dgsai.pt, segundo o qual “A figura da taxa de justiça sancionatória excepcional prevista no art. 531º do CPC tem a ver com a dedução de pretensões (substantivas ou processuais), incidentes ou recursos manifestamente improcedentes, revelando, de forma clara e inequívoca, o frontal desrespeito pelas regras de prudência ou diligência que eram exigíveis à parte, dando por isso azo a uma actividade judiciária perfeitamente inútil, com prejuízo para a utilização desnecessária dos (limitados) meios do sistema judicial e absoluto desperdício de tempo, sem que seja verdadeiramente prosseguido qualquer desígnio sério e minimamente entendível e/ou atendível.”.
Isto posto, voltando ao caso vertente, constata-se que o tribunal a quo condenou o arguido em taxa sancionatória excepcional no montante de 4 (quatro) UC por, em síntese, considerar manifestamente improcedente a arguição de nulidade suscitada através do seu requerimento de 18/03/2024.
E adiantando a nossa posição, cremos ser inatacável a decisão em causa, ora impugnada pelo arguido  / recorrente.
Com efeito, como se viu, através do mencionado requerimento de 18/03/2024, invocou nos autos (principais) o arguido expressamente a nulidade a que alude  o Artº 119º, al. c), do C.P.Penal, quando o que estava em causa não era a sua ausência da diligência em causa, ocorrida no dia 06/03/2024, mas sim a sua discordância com o facto de a recolha das declarações para memória futura de seu filho menor, CC, ter sido levada a cabo através de videoconferência, encontrando-se o mesmo num gabinete do tribunal, contíguo à sala de audiências onde se encontravam os restantes intervenientes e onde decorria a diligência.
Ora, como assertivamente se refere no despacho recorrido, em face do quadro legal vigente, constante dos Artºs. 118º, 119º e 122º, facilmente se constata que, manifestamente, não se verifica a nulidade invocada [5], sendo certo que o arguido se encontrava representado em tal diligência pelas suas mandatárias, as quais nada opuseram à recolha das declarações do menor através daquele sistema de videoconferência [que a Mmª Juíza a quo justificou com a circunstância de, momentos antes, a criança ter manifestado encontrar-se constrangida na sala de audiências].
Dúvidas não havendo, pois, que as mandatárias do arguido se aperceberam da medida em causa, equacionada pelo tribunal, nada tendo oposto em relação ao método utilizado (videoconferência) para a recolha das declarações do menor, como dúvidas não há que a diligência em causa decorreu com toda a normalidade, tendo sido formuladas ao menor as perguntas reputadas por pertinentes, incluindo pela defesa do arguido, no cabal exercício do contraditório, como se impunha.
É isso que decorre da análise do respectivo auto, que complementámos com a audição das declarações em causa, gravadas na aplicação informática Citius, que tivemos o cuidado de ouvir integralmente.
Concordando-se, pois, com a Mmª Juíza a quo quando afirma que o comportamento processual do arguido, sabedor da fragilidade manifestada pela criança e do conteúdo das declarações pelo mesmo prestadas, ao requerer a nulidade das declarações para memória futura da mesma, invocando ter sido violado o disposto no Artº 119º, nº 1, al. c), segundo o qual constitui nulidade insanável a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência, o que como se viu manifestamente não se verifica, o faz incorrer na penalização a que alude o Artº 521º do C.P.Penal, já que o seu requerimento assume natureza manifestamente infundada.
Trata-se, na realidade, de uma pretensão manifestamente infundada, que deu origem a actividade processual impertinente, dilatória e inútil. 
O arguido, devidamente patrocinado pelas suas mandatárias, sabia bem da fragilidade da sua argumentação, e apesar disso não se coibiu de invocar um vício processual que claramente inexistiu, revelando culpa grosseira, a merecer sanção efectiva, nos termos constantes do despacho recorrido.
E não se diga – como concede o Ministério Público na sua resposta ao recurso [6] – que está em causa “o direito a invocar nulidades (...) decorrente “(...) da mais basilar possibilidade de sindicância das decisões judiciais e da sua regularidade (...)”.
Pois, claramente, e salvo o devido respeito, não é isso que está em causa: o que está em causa não é o exercício de um direito, mas tão somente o seu exercício manifestamente abusivo, dilatório, imprudente, e até contra legem, como ocorre na situação em apreço.
Assim, mostrando-se a taxa sancionatória fixada [4 UC] dentro da moldura abstracta aplicável [2 a 15 UC] proporcionalmente ajustada à gravidade da conduta processual do arguido, a decisão recorrida não merece qualquer censura.
*
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, conclui-se que não foi violada nenhuma das normas legais e/ou constitucional invocadas pelo arguido, nem qualquer outra, e que nenhuma censura nos merece o despacho recorrido, que se confirma, sendo manifesta a improcedência do presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando, consequentemente, o despacho recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente AA, fixando-se em 4 (quatro) UC a respectiva taxa de justiça (Artºs. 513º e 514º do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo).

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto).
*
Guimarães, 22 de Outubro de 2024

Os Juízes Desembargadores:
António Teixeira (Relator)
Armando Azevedo (Juiz Desembargador Adjunto)
Fernando Chaves (Juiz Desembargador Adjunto)


[1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator.
[2] Consigna-se que, na elaboração do presente acórdão, tivemos também em consideração, para além dos elementos constantes deste Apenso, os elementos que constam do processo principal, electronicamente consultado.
[3] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem.
[4] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.
[5] Como bem refere a Exma. Procuradora da República na sua resposta ao requerimento do arguido, supra aludida em I.6.“A existir alguma desconformidade, que não existe, seria reconduzida a uma irregularidade, a qual, tinha de ser invocada até ao termo do ato, o que não foi, estando, pois, sanada (cfr. artigo 123.º, nº. 1 do C.P.P.)”.
[6] Contraditoriamente com o que aduz anteriormente, quando sustenta ser “manifestamente infundado” o direito invocado pelo arguido!