NOTIFICAÇÃO
EFICÁCIA
RESIDÊNCIA EFECTIVA
Sumário

Tendo sido enviadas as comunicações de inclusão da devedora no PERSI e de extinção deste procedimento para a morada indicada no contrato, a qual coincide com a morada onde a mesma foi citada para os termos do processo e que a devedora admite ser a sua morada no requerimento de oposição apresentado, tal permite inferir com suficiente segurança, à luz das regras de experiência comum, que chegaram à sua esfera de conhecimento, sendo-lhe imputável se delas não chegou a tomar efectivo conhecimento, não deixando de se considerarem eficazes, por força do disposto no art. 224º nº 2 do CC.

Texto Integral

Processo n.º 34254/23.0YIPRT.P1--Apelação

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. Banco 1..., SA intentou Injunção, que passou a seguir os termos de acção declarativa sob processo comum, contra AA, tendo peticionado a condenação da Ré a pagar-lhe o valor de capital de €4.743,26 acrescido de juros de mora vencidos entre 6.07.2022 a 31.03.2023 no valor de €413,14 à taxa contratual de 11,700% (taxa nominal de 8,700% e sobretaxa de 3%) mais imposto de selo no valor de €16,53 acrescido de encargos de cobrança no valor de €84,00 mais taxa de justiça.
Como fundamento da referida pretensão a Autora alegou em síntese que, no exercício da sua actividade e a pedido da requerida, celebrou um contrato de crédito imediato no valor de €6000,00, que foi creditado na sua conta de depósitos à ordem com o nº ... em 5.04.2021, tendo sido acordado que o crédito seria liquidado em 60 prestações mensais e sucessivas com aplicação de uma taxa de juro nominal de 8,700%, as quais a requerida deixou de pagar a partir da prestação 16 cujo vencimento ocorreu em 5.08.2022, apesar de interpelada para pôr fim à mora.

2. A Ré deduziu oposição, alegando a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e requerendo a sua absolvição da instância e, sem prescindir, impugnou os factos alegados pela Autora, negando ser devedora das importâncias peticionadas.

3. A Autora exerceu o contraditório, por escrito, relativamente à matéria de excepção suscitada na oposição, concluindo como no requerimento inicial.

4. Foi proferido despacho em 15.09.2023, que julgou improcedente a excepção da ineptidão do requerimento inicial, mas convidou a Autora a aperfeiçoar o seu requerimento inicial suprindo a insuficiência na exposição dos factos que integram a causa de pedir, indicando se procedera à integração da Ré em PERSI e para juntar aos autos os documentos comprovativos de tal facto, o que a Autora fez, tendo sido exercido o contraditório pela Ré, que impugnou ter recebido as comunicações juntas aos autos pela Autora a esse propósito.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção procedente e em consequência condeno a Ré a pagar á Autora a quantia de 5.121,65 €, acrescida de juros de mora vencidos desde 1.04.2023 e vincendos até efectivo e integral pagamento, sobre a quantia de 4.743,26 €, à taxa de 11,700%.
Condeno Autor e Ré no pagamento das custas da acção.
Notifique e Registe (electronicamente).
Valor: 5.256,93 €”

6. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos em epígrafe que julga a presente acção procedente e em consequência condena a Ré a pagar à Autora a quantia de 5.121,65 €, acrescida de juros de mora vencidos desde 1.04.2023 e vincendos até efectivo e integral pagamento, sobre a quantia de 4.743,26 €, à taxa de 11,700%. Condena Autor e Ré no pagamento das custas da acção.
2- Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto com reapreciação a prova gravada, pelo que, em conformidade com o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 640º do C.P.Civil, pelo que, a recorrente especifica:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
Dos factos considerados provados;
Impugna-se a decisão correspondente aos pontos 7. e 8. Dos factos considerados provados, por referência direta ao que consta da respetiva sentença.
“7. A Ré foi incluída no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.09.2022 enviada para a morada do contrato.”
“8. Decorrido o prazo de 91 dias atenta a ausência de resposta o respectivo procedimento PERSI foi extinto, o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.12.2022 enviada para a morada do contrato.”
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunha decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
Dos depoimentos das testemunhas BB e CC, cujos depoimentos se encontram registados no sistema Media Studio, conforme consta da ata da audiência de julgamento do dia 05-02-2024, resulta que se impõe decisão diversa da que é objeto da presente impugnação, pelo que, infra se reproduzem as passagens dos depoimentos que justificam o entendimento da recorrente;
Assim, do depoimento da testemunha BB;
00:01:08 a 00:01:18
00:01:23 a 00:01:26
00:02:18 a 00:02:40
00:03:10 a 00:03:14
00:11:22 a 00:12:35
00:14:18 a 00:14:34
00:14:45 a 00:15:13
Do depoimento da testemunha CC;
00:00:42 a 00:00:45
00:01:59 a 00:02:46
00:04:11 a 00:04:57
00:06:13 a 00:06:49
00:07:42 a 00:07:56
c)A decisão;
Da fundamentação da sentença recorrida sobre a decisão de facto, relativamente aos pontos objeto da presente impugnação consta o seguinte;
“Quanto à inclusão no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), teve-se em consideração o teor das cartas juntas aos autos em 28.09.2023, ambas com registo simples e remetidas para a morada constante do contrato. Ora, não obstante a Ré alegar que a morada se encontra incompleta certo é que a morada é exactamente a mesma onde a mesma foi citada nos presentes autos. Ademais, alega a Ré que não recebeu as referidas cartas, juntando para o efeito a pesquisa efectuada junto dos CTT (requerimento de 16.10.2023). Ora, em contraposição juntou o Autor a mesma pesquisa (requerimento de 25.10.2023) e da qual resulta que a carta de Dezembro foi colocada no receptáculo postal da R em 12.12.2022, não sendo já possível efectuar a pesquisa do destino da primeira carta.”
“Acresce que na ausência de qualquer resposta o Autor interpelou a Ré para fazer cessar a mora e posteriormente comunicando a resolução do contrato, o que fez por cartas registadas com aviso de recepção enviadas para a mesma morada do contrato e na qual a Ré foi citada nos autos, juntas em 15.06.2023, e que não foram recepcionadas porque não foram reclamadas.”
As testemunhas BB e CC, revelaram não ter conhecimento direto e pessoal sobre o cumprimento do procedimento PERSI.
E, contrariamente ao entendimento da Mº Juiz que proferiu a sentença recorrida, não há qualquer evidência nos autos que a recorrente tenha recebido a carta no âmbito do cumprimento do regime do PERSI.
Pelo que, estamos perante uma clara situação de ausência de prova que permita considerar os pontos 7. e 8. Dos factos como provados.
Consequentemente, esta factualidade deve passar a constar dos factos não provados.
4 - O DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro aprovou o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), estabelecendo, nomeadamente, um procedimento de regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios, por parte dos clientes bancários, respeitantes a contratos de crédito – artigo 1.º do referido Decreto-Lei.
5 - O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento encontra-se consagrado nos artigos 12.º a 17.º, do citado Decreto-Lei, sendo de aplicação obrigatória, por parte das entidades bancárias (cf. entre outros,artigos 12.º e 36.º, n.º 1, do mesmo diploma).
6 - Tendo em consideração a data do alegado incumprimento contratual é aplicável o DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, a entidade mutuante encontra-se obrigada a integrá-lo no PERSI, no prazo de quinze dias, nos termos previstos no seu artigo 39.º, n.º 2. Só após a extinção do procedimento poderia a entidade bancária demandar judicialmente a recorrente, com vista a obter o pagamento do seu crédito.
7 – Ora, conforme explanamos supra, a falta de integração do cliente bancário no PERSI, quando se verifiquem os respetivos pressupostos, impede o credor de demandar judicialmente o mesmo, consubstanciando uma excepção dilatória inominada e insuprível, de conhecimento oficioso, que importa a absolvição da instância.
8 – A decisão recorrida viola as disposições legais supra identificadas.
9 – Consequentemente o presente recurso deve ser julgado procedente e por via disso revogada a sentença recorrida.
Concluiu, pedindo que o presente recurso mereça provimento e por via disso, revogada a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a presente ação totalmente improcedente, por não provada, com todas as demais consequências.

7. A Autora ofereceu contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado.

8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada;
-se a Apelante não foi incluída no PERSI.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. No exercício da sua actividade, e a pedido da Ré, o Banco 1..., S.A., celebrou com a mesma, um contrato de crédito imediato, no valor de 6.000,00 €, que foi creditado na sua conta depósitos à ordem com o n.º ... em 05.04.2021.
2. O referido contrato foi celebrado á distância, na data de 5.04.2021, através do serviço BPI Net do mutuário, exarado em suporte electrónico, e depositado na pasta dos documentos digitais da página pessoal do BPI Net do depositário.
3. No âmbito do referido contrato, acordaram as partes que o referido crédito fosse liquidado em 60 prestações mensais e sucessivas, de capital, juros e imposto de selo, com aplicação de uma taxa de juro nominal de 8,700%.
4. As obrigações pecuniárias emergentes do referido contrato eram efectuadas por débito na conta bancária nº ..., titulada pela Ré junto da Instituição Bancária Banco 1....
5. A Ré deixou de liquidar os montantes prestacionais a que se encontrava adstrita a partir da prestação 16 cujo vencimento correu em 05.08.2022.
6. O referido contrato não se encontra assinado pela Ré.
7. A Ré foi incluída no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.09.2022 enviada para a morada do contrato.
8. Decorrido o prazo de 91 dias atenta a ausência de resposta o respectivo procedimento PERSI foi extinto, o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.12.2022 enviada para a morada do contrato.
9. Face ao incumprimento da Ré, foi a mesma interpelada pelo Autor em 09.01.2023, por carta registada com aviso de recepção, enviada para a morada do contrato, a fim de regularizar a situação de mora em que se encontrava, tendo sido concedido o prazo para o efeito de 20 dias, mora essa que ascendia, à data, ao valor de 824,61 €, correspondente às prestações de 05.08.2022 a 05.01.2023.
10. A Ré nada pagou, o que levou o Autor a remeter-lhe, em 20.02.2023, nova carta registada com aviso de recepção para a mesma morada, comunicando que se considerava resolvido o contrato em crise, ao abrigo do disposto na cláusula 7.ª das condições gerais do contrato.

O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1. A Ré recebeu as cartas remetidas pelo Autor.
2. A morada constante das cartas enviadas pelo Autor está incompleta.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”([2])
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas só o deve efectuar se da fundamentação vertida na sentença recorrida for evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada.
Quanto aos concretos pontos de facto que a Apelante considera incorrectamente julgados, alegou-os a Apelante sob as Conclusões de recurso 2 e 3 requerendo que os pontos 7 e 8 dos factos provados transitem para os factos não provados, socorrendo-se da prova testemunhal, fazendo menção aos exactos trechos da gravação do depoimento das testemunhas BB e CC, alegando que os mesmos revelaram não ter conhecimento directo e pessoal sobre o cumprimento do procedimento PERSI e, que contrariamente ao que consta da sentença recorrida não há qualquer evidência que a Apelante tenha recebido a carta no âmbito do cumprimento do regime do PERSI, concluindo que estamos perante uma clara situação de ausência de prova que permita considerar os pontos 7 e 8 como provados, dando assim cumprimento aos ónus de impugnação previstos no art. 640º nº 1 al. a), b) e c) do CPC.
Em suma, a Apelante não sustentou que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impusesse decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo, mas que contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo não foi produzida qualquer prova sobre cada um dos factos impugnados.
Para melhor compreensão da impugnação apresentada pela Apelante, reproduz-se aqui o teor dos pontos de facto impugnados:
7. A Ré foi incluída no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.09.2022 enviada para a morada do contrato.
8. Decorrido o prazo de 91 dias atenta a ausência de resposta o respectivo procedimento PERSI foi extinto, o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.12.2022 enviada para a morada do contrato.
Vejamos o que escreveu o tribunal a quo na fundamentação desses pontos de factos impugnados:
“Quanto à inclusão no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), teve-se em consideração o teor das cartas juntas aos autos em 28.09.2023, ambas com registo simples e remetidas para a morada constante do contrato. Ora, não obstante a Ré alegar que a morada se encontra incompleta certo é que a morada é exactamente a mesma onde a mesma foi citada nos presentes autos. Ademais, alega a Ré que não recebeu as referidas cartas, juntando para o efeito a pesquisa efectuada junto dos CTT (requerimento de 16.10.2023). Ora, em contraposição juntou o Autor a mesma pesquisa (requerimento de 25.10.2023) e da qual resulta que a carta de Dezembro foi colocada no receptáculo postal da Ré em 12.12.2022, não sendo já possível efectuar a pesquisa do destino da primeira carta.
Acresce que na ausência de qualquer resposta o Autor interpelou a Ré para fazer cessar a mora e posteriormente comunicando a resolução do contrato, o que fez por cartas registadas com aviso de recepção enviadas para a mesma morada do contrato e na qual a Ré foi citada nos autos, juntas em 15.06.2023, e que não foram recepcionadas porque não foram reclamadas.
Aliás, conforme relatou a testemunha CC foram várias as tentativas de contacto da Ré nomeadamente telefónico e que se revelaram infrutíferas. Da conjugação da prova produzida resultou a convicção de que a Ré se alheou da situação e que nada fez para receber as comunicações dirigidas.”
Como veremos de seguida, está correcta esta análise da prova produzida, à luz das regras da experiência comum e da lógica, não padecendo a decisão recorrida de erro de julgamento que importe sanar.
A Apelante pugna pela total ausência de prova que permita considerar os pontos 7 e 8 como provados, com base em dois argumentos:
i. as testemunhas BB e CC revelaram não ter conhecimento directo e pessoal sobre o cumprimento do procedimento PERSI;
ii. não há evidência nos autos que a recorrente tenha recebido a carta no âmbito do cumprimento do regime do PERSI.
Nenhum desses argumentos conduz, a nosso ver, à alteração dos pontos impugnados, desde logo quanto ao primeiro argumento porque o tribunal a quo não afirmou ter dado como provados aqueles factos com base em algum dos depoimentos das referidas testemunhas.
Não obstante, procedemos à audição integral da gravação daqueles depoimentos testemunhais, tendo ambas as testemunhas feito referência ao que é procedimento habitual no banco, às reiteradas dificuldades de contacto com a Apelante, não se recordando a testemunha BB se em concreto esta cliente foi contactada para efeitos de inclusão no PERSI, mas a testemunha CC que trabalha na área de recuperação de crédito, apesar de ter afirmado não se lembrar deste processo em concreto, referiu que a comunicação para inclusão no PERSI é automática após o 30º dia de incumprimento, sendo a comunicação enviada sob correio registado, mas como só acompanha o incumprimento decorridos mais de 90 dias de incumprimento e não consultou o processo desta cliente não sabe esclarecer o que de concreto aconteceu.
Como vemos nenhuma das testemunhas tinha conhecimento directo e pessoal que lhe permitisse afiançar nem que não havia sido cumprido o procedimento PERSI, nem que tinha sido cumprido, apenas sabendo dizer que o procedimento resulta automaticamente do sistema do banco, pelo que é lícito inferir que o mais provável, de acordo com as regras da experiência comum, é que o procedimento automático também tenha sido cumprido assim que houve incumprimento da Apelante, incumprimento esse que ficou dado como provado sob o ponto 5 dos factos provados e que a Apelante não impugnou.
Sintomático desse automatismo afigura-se-nos também resultar da articulação dos pontos 5 a 8 dos factos provados, uma vez que deles se extrai uma sequência de envio de comunicações todas ao dia 5, que coincide com os timings estabelecidos na lei para inclusão no PERSI e extinção do mesmo, deles resultando que a Apelante deixou de liquidar os montantes prestacionais a que se encontrava adstrita a partir da prestação 16 cujo vencimento correu em 05.08.2022, que lhe foi comunicado a sua inclusão no âmbito do PERSI por carta registada e datada de 5.09.2022 enviada para a morada do contrato e, decorrido o prazo de 91 dias atenta a ausência de resposta o respectivo procedimento PERSI foi extinto, o que lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.12.2022 enviada para a morada do contrato.
De todo o modo, conforme decorre da transcrição da motivação do tribunal a quo, este fundamentou a decisão de considerar provados aqueles factos essencialmente com base na prova documental junta aos autos- cartas registadas cujo teor se mostra junto aos autos e pesquisa dos respectivos registos no site dos CTT- conjugada com o facto de a carta a comunicar a resolução ter sido enviada com A/R para a mesma morada e estar demonstrado que foi a Apelante que não a reclamou, mas mais do que isso, que a morada para onde todas aquelas cartas foram enviadas é a mesma morada onde a aqui Apelante foi citada para estes autos e a própria indica como sendo o seu domicílio.
Deste modo, tal como o fez o tribunal a quo, também nós entendemos que aquela prova documental devidamente articulada com as regras da experiência comum e os demais elementos acima relatados, não demonstra apenas o envio para a morada indicada no contrato de crédito das comunicações previstas para a inclusão da Apelante no PERSI e para a extinção do mesmo procedimento, uma das quais comprovadamente depositada na sua caixa postal, mas que tais cartas chegaram ao poder da Apelante, que delas podia ter tomado conhecimento, porque apenas dela dependia recebê-las.
A questão relativa ao não recebimento das cartas foi devidamente abordada na motivação da sentença recorrida, para a qual remetemos por com ela concordarmos, no entanto não podemos deixar de realçar que como consta do teor das referidas cartas todas elas, quer as relativas ao PERSI enviadas de forma registada, quer as de comunicação da resolução do contrato de crédito, esta última registada com A/R não reclamada pela Apelante, foram remetidas registadas para a mesma morada, morada essa constante do contrato como sendo a da Apelante.
Também é de salientar que nas condições particulares do contrato de crédito junto aos autos, contrato esse dado como provado e cujas condições a Apelante não pôs em causa, na cláusula 13ªdas condições gerais a Apelante obrigou-se a comunicar à Apelada qualquer alteração ocorrida nos elementos de informação disponibilizados para efeitos da sua identificação, mediante comunicação escrita, nomeadamente a sua residência, sem o que se considerava sempre válida a morada constante do contrato, declarando ter conhecimento que, em caso de litígio, se considerava notificado nessa mesma morada, existindo como que um domicílio convencionado para todas as comunicações entre as partes, mormente em situação de litígio, o que ocorre em situação de incumprimento.
Assim como é certo que a morada para a qual as comunicações atinentes ao PERSI foram enviadas sob registo coincide com a morada onde a Apelante foi citada para os termos deste processo e que a Apelante admite como sendo a sua morada no requerimento de oposição apresentado, o que nos permite inferir com suficiente segurança que chegaram ao seu poder, à sua esfera de conhecimento e, se delas não tomou conhecimento a ela apenas será imputável, não deixando por isso de se considerarem eficazes, por força do disposto no art. 224º nº 2 do CC.
“As declarações recetícias, porque se destinam a alguém, só começam a produzir efeitos a partir do momento em que são recebidas ou conhecidas pelo(s) destinatário(s). Entende-se que a chegada ao poder deste ocorre quando a declaração se encontra na esfera de poder material da pessoa do destinatário: a sua caixa de correio (postal ou eletrónico), o seu telemóvel, a sua sede ou domicílio (consoante se trate de uma pessoa coletiva ou singular).
(…) O nº 2 admite que uma declaração recipienda produza os seus efeitos, mesmo que não tenha sido recebida pelo destinatário: assim é, sempre que a não receção seja causada por ato culposo dele. Não são raras as situações em que o destinatário de uma declaração se furta a recebê-la ou, por descuido ou desatenção, a não recebe.”[3]
Em anotação ao referido preceito legal, Fernando A. Ferreira Pinto escreveu que, “para a lei, basta, no entanto, que a declaração chegue ao poder do destinatário, em condições de ser por ele conhecida, para se tornar eficaz, revelando-se indiferente que tome ou não efetivo conhecimento do seu conteúdo. Consagra-se, portanto, um desvio a favor da teoria da receção, que se mostra totalmente razoável: trata-se de considerar a declaração eficaz a partir do momento em que, segundo as regras da experiência comum e os usos do tráfego, fique apenas a depender de ato do destinatário entrar no seu conhecimento.
(…) A lei procura, desta forma, repartir de forma equilibrada, quer a prova das comunicações quer os riscos a que as mesmas se expõem. E consagra uma perspetiva intermédia, conjugando e temperando a teoria do conhecimento com a da receção.(…) a declaração chega ao poder do destinatário quando atinge a sua esfera pessoal, ficando ao seu alcance, de modo a que, em condições normais e segundo as regras da experiência comum, o declaratário possa, por atos que dependam apenas dele próprio (e que se espere que ele pratique nessas circunstâncias), tomar conhecimento da vontade manifestada pelo declarante. Assim, por ex., se é entregue uma carta, em sobrescrito fechado, na caixa do correio da morada correspondente à residência habitual do destinatário, espera-se que o mesmo a vá recolher, que a abra e que leia a comunicação dela constante.”[4]
À Apelada competia demonstrar por qualquer meio duradouro ter comunicado à Apelante a sua inclusão no PERSI - entendendo a jurisprudência de forma consolidada que a carta simples basta para essa demonstração, sendo que no caso em apreço até o foi por carta registada- estando demonstrado o envio dessa comunicação sob registo para a morada comprovadamente da Apelante, estando por isso em condições normais e segundo as regras da experiência comum de chegar ao poder da Apelante, de ficar ao alcance de por ela ser recebida.
Por tais razões não vemos razões para dissentir do entendimento perfilhado na decisão sobre a matéria de facto que foi impugnada, não podendo ser afirmado como o fez a Apelante que haja total ausência de prova dos pontos 7 e 8 dos factos dados como provados.
Em suma, os factos impugnados estão devidamente justificados com base no referido suporte documental nos termos expressamente invocados na decisão recorrida, aliado às regras da experiência comum atinentes às comunicações enviadas por via postal sob registo para o domicílio que é comprovadamente o da Apelante, razão pela qual se mantêm inalterados os pontos 7 e 8 dos factos provados.
Omissão de inclusão da Apelante no PERSI
É incontroverso que, tal como sustenta a Apelante, o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI), instituído pelo Dec. Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro tem aplicação obrigatória, quando o cliente bancário consumidor incorre numa situação de incumprimento de obrigações resultantes de contratos de crédito, tal como se verificou no caso sob apreciação.
Também não existe dissenso entre as partes, e como tal não é objecto deste recurso, que a integração da devedora no PERSI e a comunicação de extinção desse procedimento funciona como condição de admissibilidade da ação judicial a instaurar pela instituição bancária para cobrança judicial do seu crédito, pois que falhando por parte da instituição bancária-aqui Apelada- essa obrigação prévia tal consubstanciaria uma exceção dilatória inominada, insuprível, de conhecimento oficioso, impeditiva da instauração da presente ação e que conduziria à absolvição da instância da aqui Apelante (art. 18º, nº1, al. b) do referido diploma legal).
Não obstante, atendendo a que a argumentação recursiva quanto a esta matéria dependia em absoluto da alteração da decisão sobre a matéria de facto quanto aos pontos impugnados, mantendo-se como provado que a Apelante foi incluída no âmbito do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), conforme lhe foi comunicado por carta registada e datada de 5.09.2022 enviada para a morada do contrato e, que decorrido o prazo de 91 dias atenta a ausência de resposta o respectivo procedimento PERSI foi extinto, extinção que também lhe foi comunicada por carta registada e datada de 5.12.2022 enviada para a mesma morada do contrato, deve concluir-se que a Apelada logrou provar, conforme lhe competia, por consubstanciar uma condição de admissibilidade desta ação de cobrança judicial do seu crédito[5], que previamente incluiu a aqui Apelante no PERSI e que este foi extinto porque no âmbito desse procedimento não foi regularizado o incumprimento contratual, tendo disso mesmo dado conhecimento à Apelante mediante suporte duradouro.
Assim sendo, a Apelada estava em condições de poder accionar judicialmente a Apelante para dela exigir o valor do crédito bancário de que aquela beneficiou e que permanece em dívida, nos moldes determinados na sentença recorrida, que nenhuma censura merece e, como tal se mantém.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela Apelante, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida.
Notifique.

Porto, 22.10.2024
Maria da Luz Seabra
Rui Moreira
Alberto Taveira

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, pág. 277
[4] Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP pág. 505
[5] Entre outros, sobre esta matéria, Ac. STJ de 13.04.2021, Proc. Nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1; Ac STJ de 17.10.2023, Proc. Nº 2419/21.4T8VNF-A.G1.S1; Ac STJ de 2.02.2023, Proc. Nº 1141/21.6T8LLE-B.E1.S1; Ac STJ de 9.12.2021, Proc. Nº 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1; Ac RP de 9.09.2024, Proc. Nº 462/21.2T8OVR.>P1 e Ac RP de 9.05.2024, Proc. Nº 341/22.6T8LOU-A.P2, www.dgsi.pt