EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DIREITO ABSOLUTO
DIREITO DE PERSONALIDADE
RENDIMENTO NECESSÁRIO À SUBSISTÊNCIA DO DEVEDOR
RENDIMENTO INDISPONÍVEL DO INSOLVENTE
Sumário

O rendimento indisponível visa garantir a satisfação de direitos absolutos de personalidade do insolvente e seu agregado familiar, como são o direito à habitação, à saúde, alimentação e despesas elementares a uma vida minimamente condigna, devendo fixar-se casuisticamente o seu valor ponderando o número de pessoas que integram o agregado familiar do insolvente e que dele dependam, pelo que, sendo o agregado familiar composto pelo insolvente, por dois filhos menores e companheira que não aufere rendimentos, o rendimento mínimo de subsistência adequado ao caso concreto não deverá ser inferior a 2 SMN.

Texto Integral

Processo n.º 1079/24.5T8VNG.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO

1. AA apresentou-se à Insolvência em 1.02.2024, declarando pretender a exoneração do passivo restante.

2. Por sentença proferida em 8.02.2024, Ref Citius 456653247, já transitada em julgado, foi decretada a Insolvência de AA

3. No relatório apresentado pelo Administrador de Insolvência nos termos do art. 155º do CIRE foram relatadas as condições socio-económicas do insolvente e respectivo agregado familiar, tendo sido dado parecer positivo à exoneração do passivo restante e encerramento do processo por insuficiência da massa, secundado pelo Magistrado do MP, sem que tenha havido oposição pelos credores.

4. Por despacho proferido em 8.05.2024, Ref. Citius 459851144, foi determinado o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, tendo sido liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante e sido fixado o rendimento mensal indisponível ao insolvente, tendo o seguinte teor (transcrição):
Determino o encerramento do processo de insolvência visando AA, por insuficiência da massa(art.232º nº2 do CIRE).
Mais sou a admitir liminarmente a impetrada exoneração do passivo restante,fixando o rendimento mensal indisponível do insolvente no valor correspondente a 1 (um)SMN (acrescido de 400 euro para prover ao sustento dos Meninos seus filhos),iniciando-se o período de cessão com a prolação do presente despacho.
Exmo.Fiduciário: o actual Exmo.A.I.
À míngua de indícios de culpa na causação da Insolvência, julgo a presente como fortuita – cfr. art. 186º a contrario sensu e art. 233º/6 do CIRE.”

5. Inconformado com a decisão que lhe fixou o rendimento indisponível, o insolvente interpôs recurso de apelação da decisão, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A – Andou mal o Meritíssimo Juiz a quo na prolação do referido despacho de exoneração do passivo restante, desde logo na apreciação concreta da situação do aqui Apelante, oportunamente retratada nos presentes autos.
B – O legislador foi peremptório na salvaguarda da sobrevivência dos Insolventes, ao estipular a possibilidade de se fixar um montante mínimo mensal que permita ao Insolvente ter um rendimento disponível que permita o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
C – O insolvente tem uma companheira, mãe dos seus dois filhos menores de 14 e 5 anos, respetivamente, desempregada de longa duração e que quase não aufere rendimentos, tendo no ano de 2022 auferido apenas o montante de € 240,60.
D – A companheira do insolvente não comparticipa financeiramente nas despesas dos menores, pois não consegue sequer prover ao seu próprio sustento, necessitando da ajuda do aqui insolvente e de familiares para sobreviver.
E - Todas as despesas do lar são suportadas pelo insolvente, incluindo renda de casa, seguro obrigatório, luz, água, gás, telefone, alimentação, educação, vestuário, higiene e transporte dos seus filhos, bem como todas as despesas médicas e medicamentosas relativas aos seus filhos.
F – A soma de todas as despesas documentadas juntas com a P.I. perfaz a quantia de mais de € 900,00, pelo que a acrescer às despesas mensais que o insolvente tem de suportar com os seus filhos, tais como vestuário e calçado, higiene e despesas médicas e medicamentosas, concluindo-se que o valor atribuído pelo Meritíssimo Juiz como rendimento mensal é insuficiente para fazer face às mesmas.
G - O insolvente embora destacado em trabalho no estrangeiro, vem a Portugal várias vezes para poder acompanhar e estar com os seus filhos, suportando as inerentes despesas com transporte e alimentação.
H - A decisão que fixou a quantia mensal em um salário mínimo nacional acrescido de € 400,00, para prover ao sustento dos seus filhos menores, como montante suficiente para o sustento do insolvente e do seu agregado familiar, viola claramente o regime excepcional previsto no Art. 239º nº 3 alínea b) subalíneas i) e ii) do C.I.R.E..
I – Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que "conjuga (…) o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica.", o recorrente não terá acesso a essa reabilitação económica, nem a essa nova oportunidade, porque não fica garantido o seu sustento e dos seus filhos.
J – É a oportunidade, prevista naquele dispositivo legal e que o insolvente requereu em pedido de exoneração do passivo restante, que se pretende seja efetivamente consagrada, ou seja a de viver juntamente com os seus filhos com a dignidade pessoal que o legislador expressamente plasmou.
K - Dando-se provimento à apelação, deve ser revogado o douto despacho, substituindo-se o mesmo por outro que fixe o valor excluído do rendimento disponível em dois ordenados mínimos tendo em consideração as despesas do lar do insolvente e dos seus dois filhos menores.
Concluiu pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho que determina a atribuição ao insolvente aqui Apelante de um salário mínimo nacional acrescido de € 400,00 para os filhos menores substituindo-o por outro que atribua ao Apelante o montante equivalente a duas vezes o salário mínimo nacional.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Foram observados os Vistos.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
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A questão a decidir é a seguinte:
- Se deve ser aumentado o rendimento indisponível fixado ao insolvente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para a decisão a proferir relevam todos os factos, inerentes à tramitação processual e respectivas peças processuais, constantes do relatório acima elaborado, tendo-se procedido à consulta integral dos autos principais para prolação da presente Decisão.
Não constando da decisão recorrida quais os factos em que se alicerçou, suprindo essa omissão, por recurso aos factos verificados pelo AI no relatório, que não foram objecto de impugnação, consideram-se assentes os seguintes factos com relevo para a presente decisão:
1. O Requerente nasceu a ../../1986, tem 37 anos de idade, e encontra-se no estado civil de solteiro;
2. No entanto, o Requerente mantém uma relação com BB;
3. Desta união nasceram dois filhos, ainda menores:
a) CC, nascida em ../../2009 (tem 14 anos de idade), e
b) DD, nascido em ../../2018 (tem 6 anos de idade);
4. O agregado familiar do Requerente é composto pelo próprio, pela sua companheira e pelos dois filhos menores;
5. Residem em casa arrendada, sita na Rua ..., ... Porto;
6. Despendem mensalmente a quantia de 275,00€, para pagamento da renda, acrescida de seguro obrigatório no montante de 21,14€;
7. O Requerente é trabalhador da construção civil;
8. Trabalha para a empresa “A..., Unipessoal, Lda.”, onde exerce as funções inerentes à categoria profissional de Chefe de Equipa;
9. Aufere um vencimento mensal de 900,00€, acrescido de Subsídio de Alimentação, Subsídios de Férias e de Natal (em duodécimos), e sobre o qual recaem ainda os devidos descontos legais;
10. Ao abrigo do Contrato de Trabalho, o Requerente encontra-se deslocado em França;
11. Por esse motivo, recebe ajudas de custo (Subsídios específicos para a deslocação em França + Subsídio de Alimentação) ajudas essas que são utilizadas unicamente para suportar o custo de vida naquele país, superior ao de Portugal.
12. Actualmente a única fonte de rendimentos do agregado familiar respeita ao vencimento auferido pelo Requerente;
13. A companheira do Requerente está desempregada de longa duração, tendo parcos rendimentos esporádicos;
14. Relativamente à satisfação das necessidades básicas mensais, o Requerente suporta as seguintes despesas:
-Renda da Casa – 275,00€
-Seguro Obrigatório – 21,14€
-Botija de Gás – cerca de 33,00€
- Água – cerca de 20,00€
- Eletricidade – cerca de 55,00€
- Telecomunicações – cerca de 50,00€
- Despesas de educação do filho menor – cerca de 47,75€
15. A estas acrescem as despesas mensais que variam consoante as necessidades do agregado familiar, com a alimentação, higiene pessoal e do lar com os seus filhos em montante mínimo de 400,00€ mensais.
16. Somam-se ainda as despesas com transportes, despesas de educação da filha menor e de saúde do agregado familiar.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
O CIRE consagrou algumas medidas inovadoras quanto aos devedores singulares insolventes, sendo caso paradigmático a possibilidade de exoneração do passivo restante, figura que não é aplicável às pessoas colectivas.
Decorre do disposto no art. 235º do CIRE que, se o devedor for uma pessoa singular, pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste (redação introduzida pela Lei nº 9/2022 de 11/1), desde que verificado o condicionalismo previsto nos preceitos subsequentes.
Foi propósito assumido pelo legislador que, após a liquidação do seu património no processo de insolvência ou após o decurso de 3 anos após o encerramento do processo, o devedor tenha a possibilidade de um «fresh start», de recomeçar de novo, sem o peso das obrigações que ainda permaneçam por liquidar.
No preâmbulo desse diploma legal fez-se constar que o Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência (…).
Tal como escreve Assunção Cristas, “apurados os créditos da insolvência e uma vez esgotada a massa insolvente sem que tenha conseguido satisfazer totalmente ou a totalidade dos credores, o devedor pessoa singular fica vinculado ao pagamento aos credores durante cinco anos, findos os quais, cumpridos certos requisitos, pode ser exonerado pelo juiz do cumprimento do remanescente. O objectivo é que o devedor pessoa singular não fique amarrado a essas obrigações.“ [1]
A exoneração do passivo restante permitirá ao devedor, sob certas condições e em função do seu comportamento sério e honesto no denominado período da cessão, “a possibilidade de não viver o resto da vida (ou, pelo menos, até ao decurso do prazo de prescrição) sob o peso de dívidas que tornariam impossível o retomar de uma vida financeiramente equilibrada. “
Essa exoneração do passivo restante inicia-se com o denominado despacho inicial, que determina a obrigação de cessão do rendimento disponível pelo período de três anos após o encerramento do processo (artigo 237º, al. b) do CIRE), e por regra seguir-se-á o denominado despacho de exoneração, que determinará a final, a concessão da exoneração, decorrido o mencionado prazo e a verificação do integral cumprimento de todas as obrigações constantes do despacho inicial (arts. 237º, al. b), 244º e 245º n.º 1 do CIRE).
No art. 239º nº 4 al. c) do CIRE está consagrado que, durante o período da cessão, o devedor fica obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.
De entre os rendimentos excluídos da cessão do rendimento disponível, estão os montantes que sejam razoavelmente necessários para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional, nos termos do art. 239º nº 3 al. b) i)do CIRE.
O critério para a determinação do mencionado “sustento minimamente digno do devedor e do agregado familiar” não tem sido tratado de forma consensual na jurisprudência, no entanto a larguíssima maioria da jurisprudência e doutrina tem vindo a aceitar que a valoração deve ser casuística, ainda que tomando por referência o valor do salário mínimo nacional, tendo como patamar mínimo o valor de um salário mínimo nacional e o máximo de três salários mínimos nacionais, devendo ser ponderado designadamente o número de pessoas que integram o agregado familiar do insolvente e que dele dependam.[2]
Como se decidiu no recente Ac RP de 8.10.2024 (que a aqui Relatora subscreveu como Adjunta), “Ainda que deva entender-se que a remuneração mínima mensal garantida contém a ponderação do ordenamento jurídico sobre o que se deve ter por mínimo de remuneração estritamente indispensável à satisfação das necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador (e assim que a remuneração mínima mensal garantida é tida pelo ordenamento como o montante estritamente indispensável mínimo à satisfação das necessidades impostas pela sobrevivência digna do devedor), sempre o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar terá de ser determinado pela valorização casuística das concretas e peculiares necessidades do devedor, actuando a cláusula do razoável e o princípio da proibição do excesso, a ideia de justa medida e de proporção.”[3]
A esse propósito, entre vários outros, citamos ainda o Ac RL de 21.03.2023, que embora se reporte a dois insolventes casados entre si, não deixa de ser transponível de alguma forma para o presente caso pois que a companheira do insolvente não aufere rendimentos que contribuam para fazer face às suas despesas básicas e muito menos às dos dois filhos menores (de 6 e 14 anos de idade), onde claramente se fez constar que “o limite mínimo do sustento minimamente digno do devedor abaixo do qual não se poderá descer, situa-se no montante equivalente a um salário mínimo nacional ou regional, sem que isso signifique ser esse valor o critério base de aferição e, que quando dois devedores casados entre si em regime de comunhão se apresentam conjuntamente à insolvência pedindo a exoneração do passivo restante, terá que ser fixado como rendimento indisponível, pelo menos o valor equivalente a uma retribuição mínima garantida por cada um. “[4]
Já o mesmo havia sido explicitado no Ac RG de 10.07.2019, de que “é jurisprudência assente no Tribunal Constitucional que o salário mínimo nacional tem subjacente o juízo de ser a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades decorrentes da sobrevivência digna do trabalhador. Será o mínimo dos mínimos que consinta a um trabalhador um nível de vida acima do nível de sobrevivência que, entre nós, é dado pelo rendimento social de inserção.
É, de resto, a própria Constituição a impor ao Estado o dever de estabelecer e actualizar o salário mínimo nacional “tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento” – cfr. alínea a) do nº. 2 do artº. 59º., da Constituição.
Estas considerações conduzem à conclusão de ser contrária à Constituição a fixação de um rendimento indisponível de valor inferior ao do salário mínimo nacional, já que o direito ao salário se afirma como um direito fundamental de qualquer trabalhador, sendo de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, e aquele valor mínimo é o havido pelo próprio Estado como estritamente necessário a satisfazer as necessidades decorrentes da alimentação, preservação da saúde e habitação do trabalhador e do seu agregado familiar, necessidades que, inegavelmente, estão correlacionadas com a dignidade da pessoa humana.”[5]
Devemos ter presente, como critério orientador, que a cessão do rendimento disponível visa harmonizar dois interesses em conflito, os quais se devem comprimir mutuamente de forma a encontrar um equilíbrio justo, entre a proteção dos credores do insolvente e o próprio insolvente, resultando que, por princípio, este último não poderá manter o mesmo nível de rendimentos que tinha, sendo necessário uma diminuição da disponibilidade dos mesmos para que os credores possam ver satisfeito, na medida do possível, parte dos créditos de que são titulares, os quais, decorridos os três anos da cessão serão pura e simplesmente extintos ainda que não tenham sido satisfeitos.
Não obstante, se é suposto que os insolventes façam um esforço de contenção das despesas no período da cessão por forma a merecerem a exoneração do passivo restante, de modo a começarem do zero sem dívidas, não é menos certo que não devem ser condenados à mera sobrevivência ou mesmo indigência durante esse período, devendo ser-lhes asseguradas as condições mínimas de subsistência, possibilitando-lhes manterem a capacidade de pagarem uma renda de casa, a alimentação, vestuário, despesas de transporte, de saúde suas e do agregado familiar que comprovadamente estejam exclusivamente a seu cargo.
O rendimento indisponível visa garantir a satisfação de direitos absolutos, de personalidade, como são o direito à habitação e à saúde, garantindo-se a alimentação e despesas elementares a uma vida minimamente condigna, pelo que, na determinação do seu valor ter-se-á de tentar compatibilizar os interesses dos credores e o que deva ser considerado necessário para a satisfação das necessidades subjacentes aos direitos de personalidade do insolvente e pessoas que dele dependam em absoluto (como são os filhos menores e companheira que no caso sob apreciação não aufere rendimentos), direitos esses constitucionalmente protegidos, e caso isso não seja possível face às circunstâncias socioeconómicas do insolvente e seu agregado familiar a avaliar casuisticamente, deverá ser dada prevalência a este último.
Atenta a factualidade apurada, o aqui Apelante e o seu agregado familiar, composto por si, pela companheira que é desempregada de longa duração e dois filhos menores, despendem mensalmente a quantia de €275,00 para pagamento da renda de casa, acrescida de seguro obrigatório no montante de €21,14, cerca de €33,00 de botija de gás, €20,00 de água, cerca de €55,00 de electricidade, €50,00 de telecomunicações e €47,75 com despesas de educação do filho menor, a que acrescem as despesas mensais de alimentação e higiene pessoal de 4 pessoas em montante mínimo de €400,00 mensais a que se somam as despesas com transportes e educação da outra filha menor, bem como as despesas de saúde do agregado familiar.
Tendo o tribunal a quo fixado o rendimento indisponível do insolvente no valor correspondente a 1 SMN, acrescido de €400,00 para prover ao sustento dos seus filhos, resulta que actualmente o rendimento indisponível atribuído corresponde ao valor global de €1.220,00 (SMN de 820,00 em 2024, que passará a ser de €870,00 em 2025).
Atendendo às circunstâncias particulares do Apelante, que na prática tem a seu cargo mais 3 pessoas, afigura-se-nos parco e insuficiente para os patamares mínimos de subsistência o rendimento disponível que lhe foi fixado, até porque afigura-se-nos consensual na jurisprudência que no mínimo a cada insolvente (mesmo que viva sozinho) deverá ser fixado o valor equivalente a uma retribuição mínima garantida, que como o nome indica é o valor que o Estado considera adequado para que uma pessoa consiga suprir minimamente as suas próprias necessidades ao nível da alimentação, saúde e habitação, vivendo condignamente.
Deste modo, atendendo ao facto de o insolvente ser o único que faz face com o seu rendimento do trabalho às despesas básicas de um agregado familiar composto por 4 pessoas, duas delas menores, considera-se ser de alterar o rendimento indisponível que lhe foi fixado na sentença recorrida, passando a ser fixado em 2 SMN conforme pretendido, por se afigurar ser, no caso concreto, o rendimento mínimo de subsistência adequado ao caso concreto, ponderado designadamente o número de pessoas que integram o agregado familiar do insolvente e que dele dependem.

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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Apelante/Insolvente, revogando-se a sentença recorrida, fixando-se em 2 SMN o rendimento indisponível atribuído ao insolvente.

Custas a cargo da massa insolvente.

Notifique.





Porto, 22.10.2024
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra
(Relatora)
Márcia Portela
(1º Adjunto)
Alexandra Pelayo
(2ª Adjunta)
(A presente Decisão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)

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[1] Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante, Revista Themis, Edição Especial, 2005, pág. 167 e Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução, 2010, pág. 133.
[2] Entre outros, Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, pág. 569; Ac RP de 10.09.2024, Proc. Nº 1264/24.0T8VNG.P1; Ac RP de 21.05.2024, Proc nº 9929/23.7T8VNG.P1; Ac RL de11.07.2024, Proc. Nº 28333/23.0T8LSB-E.L1, todos www.dgsi.pt. 
[3] Proc. Nº 2865/24.1T8VNG-B.P1, www.dgsi.pt
[4] Proc. Nº 4479/22.1T8FNC-C.L1-1, www.dgsi.pt
[5] Proc. Nº 4201/09. 8TBGMR.G2, www.dgsi.pt