PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Sumário

Por força do princípio da concentração da defesa na contestação (artigo 573.º do CPC) o caso julgado que se formou na primeira ação implica para a ré vencida naquela ação (autora na presente ação) a preclusão de alegabilidade futura, nomeadamente em ação autónoma, quer dos fundamentos de defesa que deduziu na primeira ação, quer dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido naquela ação relacionados com a concreta causa de pedir invocada pelo autor da primeira ação. O que significa, no caso presente, que o alegado incumprimento do contrato pela autora alegado como exceção na oposição à injunção (primeira ação) não possa voltar a ser alegado pela ré, agora (isto é, na segunda ação) nas vestes de autora, como facto constitutivo da situação jurídica material que pretende aqui fazer valer e ainda que a oposição à injunção tenha sido julgada extemporânea e, como tal, desconsiderada pelo tribunal da primeira ação.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Apelação n.º 2458/22.8T8STR.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntos: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Mário João Canelas Brás


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

I.1.

(…) – Associação de (…) da Região de (…), autora na presente ação de declarativa sob a forma de processo comum que instaurou contra (…), Comunicação Social, Lda. interpôs recurso do despacho saneador-sentença proferido pelo Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, cujo dispositivo é o seguinte:
«Pelo e decidindo, na presente acção de processo comum instaurada pela autora (…) – Associação de (…) da Região de (…) contra a ré (…), Comunicação Social, Lda.:
1. Considerando a autoridade de caso julgado formado no Proc. n.º 119497/21.2YIPRT no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido de condenação na quantia de € 92.225,00;

2. No mais, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a ré do peticionado.
Custas pela autora, fixando-se o valor da acção em € 118.575,00 – artigos 296.º, 297.º, n.º 1, 527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, todos do NCPC e artigo 6.º do RCP, por referência à Tabela I-A anexa».

Na ação a autora pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 118.575,00, acrescida dos juros de mora à taxa comercial desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como dos valores mensais até à cessação do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas, à razão de € 2.635,00 por mês.
Para tal desiderato, alegou, em síntese, o seguinte: mediante contrato celebrado em 31 de janeiro de 2011 a ré obrigou-se a prestar-lhe serviços de assessoria de comunicação social, mediante uma contrapartida mensal de € 2.485,00, valor a que acrescia o IVA à taxa legal; desde finais de dezembro de 2018 a ré deixou de prestar para a autora quaisquer dos serviços contratados, razão pela qual a primeira deixou de liquidar as faturas da avença mensal; a ré acabou por intentar contra a autora uma injunção que corre termos no Juízo Central Cível de Santarém, no âmbito do qual a autora invocou a exceção de incumprimento contratual mas não deduziu pedido reconvencional; a autora já comunicou à ré a cessação da relação contratual mediante carta registada com aviso de receção remetida à ré em 8 de fevereiro de 2022; em virtude do incumprimento da ré, a autora não tem os seus serviços apoiados por qualquer tipo de acessoria, os quais, se realizados, poderiam contribuir para o aumento da procura dos serviços da autora; a ré edita e publica o jornal “(…)” e as publicações deste jornal têm sido cáusticas e depreciativas em relação à (…); o incumprimento contratual da ré, para além de conferir à autora o direito de resolução do contrato, confere-se o direito a uma indemnização pelo interesse contratual positivo, a qual computa em € 118.575,00, valor que engloba as faturas em causa desde janeiro de 2019 até ao momento presente.
Na sua contestação a ré defendeu-se por exceção, invocando a ineptidão da petição inicial, e por impugnação, alegando que cumpriu as obrigações por si assumidas no contrato de prestação de serviços e que foi a Autora que incumpriu a sua obrigação de pagamento do valor mensal acordado, o que motivou a instauração de uma ação para condenação da Autora no pagamento das faturas vencidas e não pagas, a qual corre termos sob o n.º 119497/21.2YIPRT do Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, apresentando-se apresente ação como tentativa da Autora de se furtar ao pagamento dos valores que bem sabe se encontram em dívida. Alegou, ainda, a pendência de causa prejudicial, requerendo, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo acima referido.
A autora pronunciou-se sobre a matéria de exceção invocada pela ré e sobre o pedido de suspensão da instância.
Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho que julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial.
Perante o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo n.º 119497/21.2YIPRT, considerou-se prejudicada a apreciação da existência de causa prejudicial e foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem por se entender que o estado da causa habilitava a conhecer do mérito da ação, por verificação da autoridade de caso julgado obstativa do conhecimento de mérito da presente ação.
As partes pronunciaram-se, após o que foi proferida a decisão objeto do presente recurso.

I.2.

A recorrente formulou alegações que culminam com as seguintes conclusões:

«1 - No âmbito do processo 119497/21.2YTIPRT foi julgado improcedente incidente de justo impedimento deduzido pela ré, e julgada a oposição extemporânea, tendo a mesma sido considerada como não apresentada, pelo que, na prática, a ora Recorrente não deduziu oposição à injunção, na qual iria ser apreciada a exceção de não cumprimento.

2 - O procedimento de injunção, bem como a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias apresentam uma tramitação simplificada e limitações ao nível da produção de prova e da possibilidade do Réu deduzir reconvenção, a qual não é de todo admitida.

3 - Se oposição tivesse sido apresentada tempestivamente, ou o justo impedimento julgado procedente, podia ter sido discutida a questão da exceção de não cumprimento do contrato em causa, não se pode olvidar que tal não se confunde com um pedido de resolução do contrato e indemnização pelo incumprimento da outra contratante, o qual nem sequer podia ser formulado na oposição à injunção, dado que em tal tipo processual não se admite reconvenção.

4 – Consequentemente, não se pode formar nem se verifica caso julgado, dado que mesmo que a oposição tivesse sido tempestivamente apresentada, nem por isso a resolução do contrato e respetivas consequências iriam ser apreciadas pelo Juízo Central Cível de Santarém, uma vez que se traduziria em pedido reconvencional;

5 - No âmbito do processo injuntivo nenhuma das questões suscitadas nos presentes autos, referentes a resolução e incumprimento contratual e ressarcimento dos prejuízos chegou a ser aflorada, não só pelo facto da oposição ter sido considerada intempestiva, mas principalmente porque tal implicaria a dedução de pedido reconvencional, sendo que tal entendimento é sufragado pela maioria da jurisprudência.

6 - A sentença proferida na AECOP em causa não aprecia matéria de incumprimento contratual por parte da ora Recorrente, nem da resolução contratual e respetivas consequências legais, até porque tal não é legalmente admissível, conforme supra explicado.

7 - A circunstância da Recorrente ter sido condenada a pagar à Recorrida um conjunto de faturas, não é impeditivo desta intentar uma ação indemnizatória referente aos danos resultantes do incumprimento contratual.

8 - Entre a sentença proferida e os presentes autos, apenas se verifica uma identidade entre os sujeitos e a existência de um contrato.

9 - Efetivamente na presente ação declarativa a Recorrente vem peticionar o pagamento de uma indemnização de valor não inferior a €118.575,00 (cento e dezoito mil, quinhentos e setenta e cinco euros) em virtude do incumprimento contratual por parte da Recorrida e da prática de atos lesivos em relação ao bom nome e reputação da Recorrente.

10 - Factos esses que não estiveram em apreciação na ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária, nem tinham de lá constar.

11 - Estando alegados nos presentes autos vários factos que vão muito além do processo n.º 119497/21.2YIPRT, pelo que não ser verifica caso julgado em relação aos mesmos.

12 - Não se verificando nem a exceção de caso julgado, nem a autoridade de caso julgado, principalmente considerando as limitações decorrentes do tipo de processo especial em causa, na medida em que aquela última implica a verificação de uma condição objetiva positiva: uma relação de prejudicialidade ou uma relação de concurso material entre objetos processuais ou, pelo prisma da decisão, uma relação entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos, o que não se verifica no caso em apreço.

13 - Motivo pelo qual, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e substituída por outra que conheça do mérito da causa, mostrando-se violado o vertido no artigo 619.º do CPC».

I.3

A resposta às alegações de recurso culmina com as seguintes conclusões:

«I. Argui a Recorrente a não verificação do caso julgado tendo por base, por um lado, a sua alegação, em sede de oposição a requerimento de injunção, da exceção de não cumprimento do contrato, muito embora intempestiva, a qual não foi considerada, o que determinou a prolação de uma decisão que não conheceu do mérito da causa, sendo, portanto, inapta a produzir caso julgado material.

II. Em complemento, a Recorrente entende, ainda, que, mesmo que a sua oposição tivesse sido apresentada de forma tempestiva, nem por isso a pretensão que argui na presente ação – o pedido indemnizatório por conta do alegado incumprimento e respetiva resolução do contrato – seria suscetível de ser conhecida, porquanto não lhe seria admissível, por não corresponder ao meio processualmente adequado, a dedução de reconvenção, nos termos e para os efeitos do artigo 583.º do CPC, uma vez que o processo n.º 119497/21.2YIPRT, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, seguiu as especificidades decorrentes do procedimento de injunção e da Ação Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias (doravante, AECOP).

III. Ora, se, por um lado, a Recorrente tinha o ónus de alegar a referida exceção de não cumprimento do contrato, ao abrigo dos princípios da concentração da defesa e da preclusão, por ser este o meio apto ao conhecimento legítimo por parte do Tribunal, pelo menos, daquilo que a Autora tivesse por conveniente relativamente às razões alegadamente legítimas para o seu incumprimento do contratualizado com a aqui recorrida.

IV. Por outro, não apresenta qualquer fundamento o alegado pela Recorrente no que respeita à sua impossibilidade de deduzir reconvenção.

V. Porquanto, mesmo que estivéssemos perante uma AECOP, seria admitida a dedução de pedido reconvencional – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2023, proferido no âmbito do processo n.º 58938/22.0YIPRT-A.G1, supra citado.

VI. Não obstante, e ainda que assim não se entendesse, deve notar-se que não estamos perante qualquer forma processual que pudesse eventualmente suscitar qualquer divergência jurisprudencial quanto a este aspeto, na medida em que a aquela ação seguiu, corretamente, a forma de processo comum de declaração.

VII. Isto, porque, tendo a aqui Recorrida se socorrido do meio processualmente adequado para a obtenção de título que lhe permitisse a subsequente instauração de ação executiva e correspondente pagamento coercivo dos montantes em dívida, o processo não podia, aquando da sua distribuição, tramitar sob forma processual distinta do processo comum de declaração, em razão do valor e da matéria em causa, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10/05 e artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ.

VIII. Com efeito, sempre que o procedimento de Injunção tenha valor superior a € 15.000,00 e tenha sido deduzida oposição, remetido a tribunal, o regime processual aplicável deixa de ser o estipulado naquele Dec.-Lei n.º 269/98, sendo aplicável a forma de processo comum, nos termos do artigo 548.º do CPC.

IX. E, no âmbito da forma de processo comum, sendo deduzida reconvenção pelo requerido, a mesma é admissível nos termos da lei processual civil – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-01-2015, proferido no processo n.º 8336/14.7YIPRT-A.P1.

X. Deste modo, não pode a aqui Recorrente, vir suscitar a apreciação de questões, que tinha o ónus de alegar e comprovar em sede própria e anterior, numa ação subsequente e diversa, tendo sido proferida, materialmente, uma decisão de mérito quanto ao quesito que nos presentes autos tem autoridade de caso julgado, no âmbito do qual a Autora, ora Recorrente, ao abrigo do princípio do contraditório, teve a possibilidade plena de contestar o pela aqui Recorrida peticionado, não o tendo feito de forma tempestiva.

XI. Assim, tendo a Recorrente, enquanto Requerida, sido devidamente notificada e advertida de que, não deduzindo oposição, se aporia a fórmula executória ao requerimento de injunção, e, mesmo assim, não a deduziu, ficaram precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados (artigo 14.º-A do DL n.º 269/98, de 1 de setembro).

XII. Sendo este o significado processual da sua omissão, a decisão proferida no âmbito daquele processo conheceu de mérito da relação material controvertida, precisamente, porque na sequência da falta de oposição se deram por ficticiamente confessados os factos expostos no requerimento inicial de injunção, condenando a aqui Recorrida no pagamento das mencionadas faturas conforme peticionado.

XIII. Neste sentido, considera a Recorrida que, muito embora o objeto das ações em análise (o pedido e correspondente causa de pedir) seja distinto, o objeto da segunda ação, a correr termos nos presentes autos, insere-se, embora não esgote, no objeto da primeira com decisão já transitada em julgado, devendo o que ficou prescrito naquela servir como pressuposto da situação jurídica a regular e por definir.

XIV. Ora, tendo sido já decidido que o valor peticionado pela Recorrida, na primeira ação, a título de faturas vencidas e não pagas pela aqui Recorrente, emitidas no âmbito do contrato de prestação de serviços de assessoria aqui em causa, é exigível, tendo ao requerimento de injunção sido aposta a correspondente fórmula executória.

XV. Não tendo sido apresentada, inclusivamente, qualquer oposição à execução que se seguiu à prolação e trânsito em julgado da sentença em questão, interposta pela Exequente aqui Recorrida, e sido também liquidado o montante em dívida em sede executiva, sendo extinta a instância pelo pagamento integral da quantia exequenda.

XVI. Dúvidas não existem que tal implica reconhecer, na presente ação, por força da autoridade do caso julgado, que a aqui Recorrida cumpriu com as obrigações contratualmente gizadas, efetuando a sua contraprestação e prestando os serviços a que contratualmente se obrigou, não sendo esta responsável pelo pagamento de qualquer indemnização fundada no inverídico incumprimento alegado pela Recorrente.

XVII. Razão pela qual, atendendo a tudo quanto aqui versado, deverá improceder o presente recurso, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo.

Nestes termos e nos que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, julgando totalmente improcedente o presente recurso e de conformidade com as precedentes conclusões será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA».

I.4.

O recurso foi admitido pelo tribunal de primeira instância.

Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1.

As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.3) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (cfr. artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.

No caso a única questão que se suscita é a de saber se ocorre erro de julgamento de direito.

II.3.

FACTOS

O Tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:

«A) Em 31/12/2021 a aqui ré apresentou requerimento de injunção instaurado contra a aqui autora, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 96.633,92, acrescida de juros de mora, no montante de € 10.389,18, invocando para tanto a celebração entre ambas de um contrato de prestação de serviços de assessoria de comunicação social, mediante a entrega pela autora de determinada retribuição monetária mensal, não tendo a aqui autora procedido ao pagamento dos valores mensais correspondentes aos meses de janeiro de 2019 a novembro de 2021.
B) A referida injunção foi distribuída como acção de processo comum que correu termos sob o n.º 119497/21.2YIPRT no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4.

C) Por decisão proferida em 09/11/2022, transitada em 15/03/2023, foi julgado improcedente o incidente de justo impedimento deduzido pela aí ré e, julgada a oposição como extemporânea, foi a mesma considerada como não apresentada, tendo sido conferida força executória ao requerimento de injunção.

D) Em 24/03/2023 a aqui ré instaurou ação executiva para pagamento de quantia certa contra a autora, apresentando como título executivo a sentença referida em C), e que corre termos sob o n.º 1148/23.9T8ENT no Juízo de Execução do Entroncamento – Juiz 1.

E) Na ação executiva mencionada em D) não foi apresentada qualquer oposição à execução pela aqui autora.

F) Em 20/06/2023 os autos referidos em E) encontravam-se a aguardar a sua extinção pelo Sr. AE com fundamento no recebimento da quantia exequenda».

II.4.

Apreciação do objeto do recurso

Na presente ação a aqui apelante e autora pediu a condenação da apelada e ré no pagamento de uma indemnização, no montante global de € 118.575,00, o qual corresponde «ao conjunto de faturas cuja contraprestação não foi efetuada pela Ré, desde janeiro de 2019 até “ao momento presente”» (sic), num total de quarenta e cinco (45). Pede, ainda, que àquele quantitativo acresçam «os valores mensais até à cessação do contrato, à razão de € 2.635,00 por mês». Invocou para tal desiderato o incumprimento contratual pela segunda do contrato celebrado entre ambas e através do qual a ré se obrigou a prestar-lhe serviços de acessória de comunicação social, mediante o pagamento de uma contrapartida de € 2.485,00 mensais, valor a que acresce o IVA à taxa legal.

Insurge-se a apelante contra a absolvição da ré, argumentando, no essencial, que entre não pode haver caso julgado porque entre a sentença proferida na anterior ação (processo n.º 119497/21.2YIPRT) e os presentes autos apenas se verifica uma identidade entre os sujeitos e a existência de um contrato, na primeira ação a apelante vem peticionar o pagamento de uma indemnização de valor não inferior a € 118.575,00 em virtude do incumprimento contratual por parte da recorrida e da prática de atos lesivos em relação ao bom nome e reputação da recorrente, factos esses que não estiveram em apreciação na ação especial para cumprimento de obrigação pecuniária, nem tinham de lá constar, estando alegados nos presentes autos vários factos que «vão muito além do processo n.º 119497/21.2YIPRT, pelo que não se verifica caso julgado em relação aos mesmos».

O segmento decisório da decisão sob recurso decompõem-se em dois vetores: a absolvição da ré no pedido de condenação da quantia de € 92.225,00 com fundamento na autoridade de caso julgado formado no processo n.º 119497/21.2YIPTR, no Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 4; e a absolvição da ré no pedido de pagamento do valor remanescente peticionado pela autora.

Vejamos o primeiro segmento decisório: absolvição da ré do pedido de condenação do valor de € 92.225,00, o qual corresponde a quarenta e cinco contrapartidas mensais (no valor unitário de € 2.635.00) pela prestação de serviços de acessoria para a comunicação social contratados, os quais a autora afirma não terem sido realizados pela ré e apelada (logo, a causa de pedir daquele valor consiste num (suposto) incumprimento contratual da ré).

Extrai-se da sentença recorrida o seguinte trecho: «a causa de pedir prende-se com o não cumprimento pela ré do contrato de prestação de serviços a partir de janeiro de 2019. Sucede que no âmbito do Proc. n.º 119497/21.2YIPRT no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, por decisão proferida em 09/11/2022, transitada em 15/03/2023, foi julgado improcedente o incidente de justo impedimento deduzido pela aí ré e, julgada a oposição como extemporânea, foi a mesma considerada como não apresentada, tendo sido conferida força executória ao requerimento de injunção, condenando-se, assim, a aqui autora no pagamento da quantia de € 96.633,92, acrescida de juros de mora, no montante de € 10.389,18, pelos serviços prestados pela aqui ré no âmbito do mesmo contrato de prestação de serviços de assessoria de comunicação social no período compreendido entre janeiro de 2019 a novembro de 2021. Como explicita o douto Aresto acima citado, “o alcance do caso julgado formado pela sentença anterior, tem como extensão os precisos limites e termos em que julga, conforme previsto no artigo 621.º do CPC. Mas, se este alcance já foi entendido como reportando-se apenas ao segmento decisório da sentença, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma, a evolução doutrinária e jurisprudencial foi no sentido moderado de entender que “ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado. Daí que, interpretar o conteúdo de uma sentença de mérito seja pressuposto indispensável da determinação do âmbito do caso julgado material. Para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação, sendo ponto assente na doutrina e na jurisprudência mais atual que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado, importando apreciar o contexto, os antecedentes da sentença e outros elementos que se revelem pertinentes, e, bem assim, porque se trata de um ato formal, cumpre garantir que o sentido da decisão tem a devida tradução no texto. (…) Mas o ponto fulcral em todos sublinhado é o de que, formado o caso julgado material sobre a decisão relativa ao objeto da ação, outro tribunal não possa ser colocado na posição de retirar um direito que ali havia sido assegurado ou de conceder um direito que na primeira decisão havia sido negado, importando aquilatar em sede de interpretação do dispositivo, os fundamentos e motivos que levaram à procedência ou improcedência do pedido, para fixar, com precisão, o sentido e alcance da decisão.”

Assim sendo, o alcance do caso julgado formado pela decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 119497/21.2YIPRT no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, instaurado pela ré contra a autora, que condenou esta última a proceder ao pagamento das quantias devidas pela prestação dos serviços a que se refere o contrato em causa na presente ação estão incluídos no cerne do litígio, pelo que não pode agora a autora vir peticionar a condenação da ré no pagamento dessas contrapartidas monetárias no período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021.
Ora, a factualidade alegada na presente ação (exceção de não cumprimento) poderia e deveria ter sido invocada na referida ação e, não o tendo sido (ainda que pelo facto da oposição ter sido considerada extemporânea), não pode agora ser apreciada na presente ação. Com efeito, o caso julgado formado pela decisão proferida naquele processo vincula e aproveita à aqui ré, sendo que ambas as partes dos presentes autos figuravam igualmente como partes na ação onde a decisão foi proferida. As partes na presente ação estão, portanto, vinculadas aos efeitos do caso julgado emergente da decisão proferida na anterior ação, o que significa, à luz das considerações já efetuadas, que, tendo sido ali decidido que foram prestados tais serviços, com a condenação da aqui autora a proceder ao seu pagamento, não poderá voltar a discutir-se nos presentes autos se tais serviços foram prestados. Conclui-se, assim, que, relativamente ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021, definido em ação anterior entre a ré e a autora que os serviços foram prestados, condenando-se a autora a proceder ao pagamento das quantias devidas à ré pela prestação dos mesmos, a questão, uma vez decidida, ficou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não podendo contrariar-se a autoridade do caso julgado, tendo a mesma que ser acatada no presente processo. Portanto, no que respeita ao peticionado pagamento das quantias correspondentes ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021 (35 x € 2.635,00 = € 92.225,00) por verificação da autoridade de caso julgado obstativa do conhecimento de mérito da presente ação, deve a ré ser absolvida da pretensão deduzida pelo autor» (negritos nossos).

Quid juris?

Estabelece o artigo 619.º, n.º 1, do CPC que transitada em julgado a sentença, ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.

O artigo 621.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Alcance do caso julgado, estabelece que, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

Os normativos citados reportam-se ao chamado «caso julgado material» definido por Manuel Andrade[1] da seguinte forma: «Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão».
O caso julgado material impede, portanto, que o mesmo ou outro tribunal, ou até outras autoridades, possam definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada. E visa garantir a certeza e segurança jurídicas, indispensáveis à vida de relação bem como o prestígio dos tribunais.
A impossibilidade de o tribunal, por virtude da força do caso julgado material, apreciar e decidir uma segunda vez a mesma pretensão, revela-se de duas formas, a saber:
1) Na inadmissibilidade da segunda ação, obstando a nova decisão de mérito da causa e impondo ao juiz a absolvição do(s) réu(s) da instância (efeito negativo do caso julgado);
2) Na imposição da primeira decisão de mérito a outras decisões de mérito, ou seja, o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior[2] (efeito positivo do caso julgado).
Enquanto o “efeito negativo do caso julgado” leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual (o que pressupõe que os sujeitos, a causa de pedir e o pedido sejam idênticos em ambas as ações[3]) mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o “efeito positivo do caso julgado” admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão» – Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – Algumas notas provisórias, Revista Julgar On Line, novembro de 2018.
A primeira vertente do caso julgado material (efeito negativo do caso julgado) reconduz-se à exceção de caso julgado e a segunda (efeito positivo do caso julgado) reconduz-se à autoridade de caso julgado.
Ao passo que a exceção de caso julgado pressupõe, nos termos dos artigos 580.º e 581.º do CPC, a «repetição de uma causa», a qual ocorre quando se propõe um ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a qual já foi decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, a autoridade de caso julgado não requer aquela tríplice identidade. Com efeito, como se faz notar no sumário do acórdão do STJ de 15-01-2013[4]: «O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos artigos 497.º e ss. do CPC para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente presentes» e, mais recentemente, no sumário do Ac. do STJ de 12.01.2021, processo n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, «A autoridade do caso julgado não requer a tríplice identidade de sujeitos, de pedidos e de causas de pedir, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam o antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado».
O caso julgado não se estende a todos os fundamentos da decisão e preclude a invocação de questões relacionadas com o thema decidendum, vale enquanto se mantiver inalterada a situação apreciada na decisão e, em princípio, só vincula as partes na ação. Por conseguinte, possui limites objetivos, temporais e subjetivosMiguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa, 1997, págs. 577-578.
Para o caso que nos ocupa, importa referir que o caso julgado abrange a parte decisória da sentença. Porém, como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Destarte, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão. O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo, isto é, a eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada. Excluída está, desde logo, a situação contraditória: se, por exemplo, o autor é reconhecido como proprietário, então não o é o demandado; se o autor é reconhecido como herdeiro, o réu não pode instaurar uma ação de apreciação negativa dessa mesma qualidade. Além disso, está igualmente afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada. Se, por exemplo, o réu foi condenado, como devedor, a cumprir uma obrigação ao autor, aquele não pode demandar este último pedindo a restituição, com base no enriquecimento sem causa, da quantia paga – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa, 1997, págs. 578-579 (negritos nossos).
Por sua vez, os limites temporais do caso julgado implicam que se tome por referência o momento do encerramento da audiência final, findas as alegações orais previstas no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC; ou seja, para efeito do caso julgado apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir em ação posterior. Aquela referência temporal – o termo da discussão na fase da audiência final – implica, nomeadamente, a preclusão da invocação num processo posterior de questões não suscitadas no processo findo mas anteriores ao encerramento da discussão na fase da audiência final e que nele poderiam ter sido apresentadas. Assim, está precludida, num processo posterior, a invocação de factos que contrariem o decidido na sentença transitada. No que respeita ao âmbito da preclusão que afeta o réu[5], incumbe-lhe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação (artigo 573.º do CPC), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal – Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa, 1997.
Retornando ao caso em apreço, parece-nos não ser controvertido existir uma conexão entre os objetos processuais da presente ação e da ação que correu termos sob o n.º 119497/21.2YIPRT na medida em que em ambas está em causa o mesmo contrato de prestação de serviços de acessoria de comunicação celebrado entre a (…) e a (…) e o incumprimento do mesmo. Destarte, não se pode desconsiderar na segunda ação (a presente)
o teor da primeira decisão, sob pena de prolação de efeitos que seriam lógica ou juridicamente incompatíveis com o teor de tal decisão. Explicando: a eficácia do caso julgado operado com o trânsito em julgado da sentença proferida no processo n.º 119497/21.2YIPRT na qual se condenou a ali ré (ora apelante) a pagar à ali autora (ora apelada) a quantia de € 96.633,92, acrescida de juros de mora, no valor de € 10.389,18, com fundamento no incumprimento pela primeira do contrato de prestação de serviços de acessoria de comunicação social reportado ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021, impede que o tribunal da segunda ação possa vir a reconhecer que durante aquele mesmo período temporal foi a aqui recorrida quem incumpriu o (mesmo) contrato de prestação de serviços de acessoria de comunicação social e que com fundamento nesse incumprimento reconheça à aqui apelante o direito de indemnização peticionado nos autos; com efeito, fazê-lo seria manifestamente contraditório com a decisão proferida na primeira ação pois nesta última julgou-se ter existido em relação ao contrato em causa nos presentes autos um incumprimento contratual da ré (ora apelante) e pressupondo o direito de indemnização reclamado nos presentes autos um inadimplemento imputável à aqui ré/apelada, o reconhecimento daquele direito indemnizatório constituiria um efeito incompatível com o que foi definido na primeira ação. Por conseguinte, bem andou o tribunal recorrido ao considerar que «o alcance do caso julgado formado pela decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 119497/21.2YIPRT no Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 4, instaurado pela ré contra a autora, que condenou esta última a proceder ao pagamento das quantias devidas pela prestação dos serviços a que se refere o contrato em causa na presente acção estão incluídos no cerne do litígio, pelo que não pode agora a autora vir peticionar a condenação da ré no pagamento dessas contrapartidas monetárias no período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021. (…) relativamente ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021, definido em acção anterior entre a ré e a autora que os serviços foram prestados, condenando-se a autora a proceder ao pagamento das quantias devidas à ré pela prestação dos mesmos, a questão, uma vez decidida, ficou a ter força obrigatória dentro e fora do processo, não podendo contrariar-se a autoridade do caso julgado, tendo a mesma que ser acatada no presente processo. Portanto, no que respeita ao peticionado pagamento das quantias correspondentes ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021 (35 x € 2.635,00 = € 92.225,00) por verificação da autoridade de caso julgado obstativa do conhecimento de mérito da presente ação, deve a ré ser absolvida da pretensão deduzida pelo autor».
Refira-se, também, que por força do princípio da concentração da defesa na contestação (artigo 573.º do CPC) o caso julgado que se formou na ação n.º 119497/21.2YIPRT implica para a ré vencida naquela ação (autora e apelante na presente ação), a preclusão de alegabilidade futura, nomeadamente em ação autónoma, quer dos fundamentos de defesa deduzidos na primeira ação, quer dos fundamentos de defesa que poderia ter deduzido naquela ação relacionados com a concreta causa de pedir invocada pelo autor na mesma. O que significa, no caso presente, que o alegado incumprimento do contrato pela autora alegado como exceção na oposição à injunção (primeira ação) não possa voltar a ser alegado pela ré, aqui (isto é, na segunda ação) nas vestes de autora, como facto constitutivo da situação jurídica material que pretende aqui fazer valer e ainda que a oposição à injunção tenha sido julgada extemporânea e, como tal, desconsiderada pelo tribunal da primeira ação.

Em face do exposto e concluindo, não merece censura a decisão de absolvição da ré do pedido de condenação da mesma na quantia de € 92.225,00, valor que corresponde à soma das contrapartidas pela prestação de serviços de acessória de comunicação social relativas ao período compreendido entre janeiro de 2019 inclusive e novembro de 2021 (35 meses x € 2.635,00), já que, por força do efeito positivo do caso julgado, tem de prevalecer o sentido decisório da sentença proferida no âmbito dos autos n.º 119497/21.2YIPRT que condenou a (…) no pagamento à (…) daquele valor, correspondente à soma das facturas relativas ao período compreendido entre janeiro de 2019 e novembro de 2021 e com fundamento no incumprimento contratual da (…).

Quanto ao segundo segmento da decisão – absolvição da ré do pedido de condenação no pagamento do valor remanescente – está apenas em causa um valor indemnizatório correspondente ao valor das faturas reportadas aos meses subsequentes a novembro de 2021, o qual a autora diz «puder ver-se na contingência de ser condenada a liquidar e cuja contraprestação não foi realizada pela ré/apelada» (cfr. artigos 60º e 61º da Petição Inicial). Como factos constitutivos do direito de indemnização em causa a autora/apelante invoca o incumprimento contratual da ré/apelada e a prática de atos lesivos em relação ao bom nome e reputação da recorrente (cfr. conclusão n.º 9 das alegações de recurso).

Quanto a esta pretensão da autora/apelante extrai-se da sentença sob recurso o seguinte trecho: «Invoca a autora um pretenso interesse contratual positivo decorrente da resolução do contrato por facto culposo da ré. Dispõe o artigo 801.º do Código Civil que: “1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.” O citado preceito versa sobre o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato. A indemnização pelo interesse contratual negativo destina-se a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. A indemnização pelo interesse contratual positivo destina-se a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2018, Proc. n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. III. No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção. IV. Para tanto, é de considerar, em síntese, que: a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas; b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária. V. A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa-fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo.” Sucede que a autora apenas pretende a condenação da ré no pagamento de quantias constantes de faturas que hipoteticamente lhe venham a ser apresentadas pela ré e por esta exigido o respetivo pagamento, por respeitarem a serviços que, no seu entender, não lhe foram prestados. Ora, tal não se enquadra em qualquer situação de indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil ou a qualquer interesse contratual positivo. Assim, e atendendo aos moldes em que a autora configurou a presente ação, deverá, nesta parte, igualmente improceder o peticionado. Diferente seria se, por exemplo, a autora tivesse peticionado que se declarasse que no período compreendido entre dezembro de 2021 e a data da cessação do contrato a ré não prestou quaisquer serviços e, consequentemente, que se declarasse que não eram devidas quaisquer contrapartidas monetárias nesse período (o que não fez), caso em que a ação teria de prosseguir os seus ulteriores termos. Por fim, relativamente aos artigos 38º a 49º, embora alegue as matérias aí vertidas, das mesmas não retira qualquer consequência ou alega qualquer outra factualidade consubstanciadora de prejuízos indemnizáveis, pelo que tal factualidade, ainda que viesse a provar-se, não conduziria à condenação da ré no pagamento do peticionado» (negritos nossos).

E, em outro passo, afirma-se na sentença recorrida o seguinte: «(…) relativamente aos artigos 38º a 49º, embora alegue as matérias aí vertidas, das mesmas não retira qualquer consequência ou alega qualquer outra factualidade consubstanciadora de prejuízos indemnizáveis, pelo que tal factualidade, ainda que viesse a provar-se, não conduziria à condenação da ré no pagamento do peticionado».
Resulta do exposto que a improcedência do pedido de condenação da ré no pagamento do valor indemnizatório remanescente (2.º segmento decisório) não se fundou no caso julgado formado com o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo n.º 119497/21.2YIPRT. O tribunal a quo entendeu, ao invés, por um lado, que tal pretensão «não se enquadra em qualquer situação de indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil ou a qualquer interesse contratual positivo» e por outro, que dos factos invocados nos artigos 39º a 49º da petição inicial a autora “não retirou qualquer consequência ou alegou qualquer outra factualidade consubstanciadora de prejuízos indemnizáveis”.
Ora, a apelante não apresenta qualquer argumento contra o assim decidido, isto é, não aponta qualquer vício a este julgamento de direito. O que, por si só, conduz à improcedência deste segmento do recurso.
Mas ainda assim, cumpre referir o seguinte:
Apesar de no seu petitório inicial a autora e ora apelante alegar que «a ré edita e publica o jornal “(…)”, (…) cujas publicações “têm sido cáusticas e depreciativas em relação à (…)” (cfr. artigos 38º e 39º das PI), exemplificando, depois, com extratos de algumas notícias publicadas naquele jornal, o que sucede é que a autora/apelante não extrai das condutas que imputa à ré nos artigos 39º a 49º qualquer concreto dano na respetiva esfera jurídica causado por tais condutas, falhando, por isso, a alegação dos necessários pressupostos para uma responsabilidade civil extracontratual da ré (artigos 483.º e 484.º ambos do Código Civil), o que, por si só, levaria à improcedência de um pedido de indemnização com fundamento naquelas (alegadas) condutas da ré.
Acresce que a autora/apelante associa o direito indemnizatório que reclama manifestamente a um (alegado) incumprimento contratual da ré/apelada.
É consabido que em caso de incumprimento contratual (definitivo) o contraente não inadimplente, optando pela resolução do contrato, pode reclamar também uma indemnização à parte faltosa (artigo 801.º do Código Civil). Se se entender que essa indemnização contempla o interesse contratual negativo, a mesma compreenderá o ressarcimento do prejuízo que o credor não sofreria se o contrato não tivesse sido celebrado ou, dito de outra forma, a reposição do seu património no estado em que se encontraria se o contrato não tivesse sido celebrado; se, pelo contrário, se entender que essa indemnização contempla o interesse contratual positivo, a mesma compreenderá o ressarcimento do benefício que normalmente lhe traria a execução do contrato.
Independentemente da posição que se perfilhe acerca do direito de indemnização que nasce na esfera jurídica do credor não inadimplente que resolve o contrato, o “pagamento de quantias constantes de faturas que hipoteticamente venham a ser apresentadas pela ré à autora, respeitantes a serviços que não lhe foram prestadosnão se enquadra quer no conceito de indemnização pelo interesse contratual negativo, quer no conceito de indemnização pelo interesse contratual positivo, como bem fez notar o julgador a quo, pelo que tal pretensão da autora/apelante sempre teria de improceder.
Por todo o exposto, julgamos que a sentença proferida pela primeira instância não merece censura, improcedendo a apelação.

Sumário: (…)

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

As custas na presente instância de recurso são da responsabilidade da apelante, sendo que a esse título apenas é devido o pagamento de custas de parte pois que se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual.

Notifique.

DN.

Évora, 25 de outubro de 2024

Cristina Dá Mesquita

Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite

Mário João Canelas Brás

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[1] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 304.

[2] Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, 1983, págs. 168 e ss.

[3] De acordo com o disposto no artigo 581.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, há identidade de:

a) “Sujeitos” quando as partes são as mesmas ainda que apenas pelo prisma da sua qualidade jurídica, ou seja, são partes para efeitos de caso julgado não apenas aquelas que intervieram no processo como aqueles que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado.

b) “Pedido” quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico;

c) “Causa de pedir”, quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

[4] Proferido na revista n.º 474/04.0TBOAZ-I.P1, consultável em www.dgsi.pt.

[5] Quanto ao autor, ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada e os factos complementares do objeto da ação anteriormente apreciada, mesmo que a decisão haja sido de improcedência.