RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


I - A oposição de acórdãos que é suscetível de justificar um recurso para uniformização de jurisprudência é uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido e o acórdão fundamento, oposição que para além disso deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta.
II – Tal como o acórdão fundamento, também o acórdão proferido nos autos assenta no pressuposto de que a avaliação da idoneidade de certo comportamento para lesar os bens jurídicos protegidos pela figura do assédio moral exige uma abordagem teleológica, global e conjunta do mesmo.
III – Os quadros analíticos utilizados nos dois acórdãos são precisamente os mesmos, sendo que apenas se chegou a conclusões diferentes por serem diversas as situações de facto que em cada um deles estava em causa, pelo não se verifica, minimamente, a invocada oposição de julgados.

Texto Integral


Processo n.º 17592/19.3T8PRT.P1.S1-A

MBM/JES/DM

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I.

1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Instituto Português de Oncologia ...EPE e BB.

2. Na 1ª Instância, a ação foi julgada parcialmente procedente.

3. O Tribunal da Relação do Porto (TRP), concedendo provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, decidiu:

– Reconhecer que a Autora foi vítima de assédio moral e, assim, a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho pela mesma (ao contrário do decidido na 1ª Instância).

– Condenar o R. Instituto Português de Oncologia ...EPE, a pagar à A. a quantia de 29.217,98 €a título de indemnização (por danos patrimoniais e não patrimoniais) decorrente da justa causa de resolução do contrato de trabalho.

– Condenar a R. BB a pagar à A. a quantia de 4.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrente de assédio moral.

4. O R. Instituto Português de Oncologia ...EPE, interpôs recurso de revista, sustentando, essencialmente, não ter incorrido em assédio e não se verificar, por isso, justa causa de resolução do contrato de trabalho.

5. Por acórdão desta Secção Social do Supremo Tribunal (tendo sido entendido, ao contrário do decidido pelo TRP, que a R. BB não incorreu em assédio moral e que não se mostram infringidos os deveres de respeito e urbanidade e de proporcionar boas condições de trabalho do ponto de vista moral a que se encontra adstrito o empregador), foi decidido:

a) conceder a revista daquele réu, cujos efeitos de se declararam extensíveis à ré BB;

b) repristinar a sentença de 1ª instância, absolvendo-se assim os réus dos pedidos em que decaíram no Tribunal da Relação.

6. A Autora/recorrente interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, alegando, essencialmente, nas suas conclusões:

– A decisão recorrida está em contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2022, Processo n.º 252/19.2T8OAZ.P1.S1, desta 4ª Secção, proferido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, já transitado em julgado.

– No Acórdão fundamento, o STJ, na senda do que tem vindo a ser o entendimento da jurisprudência sobre esta matéria, considerou que “Sendo o assédio um processo continuado mais ou menos longo deve ser analisado no seu conjunto e sem segmentá-lo nos momentos que o integram já que o real sentido e gravidade dos mesmos só pode ser apreendido com essa visão de conjunto.”

– O Acórdão recorrido, apesar de partilhar do mesmo entendimento em sede de Considerações Gerais – tanto que cita expressamente o segmento do Acórdão fundamento transcrito –, acaba por valorar segmentada e isoladamente atos praticados pela superior hierárquica e/ou pela entidade patronal que, globalmente considerados, se reconduzem à figura do assédio e justificam a resolução do contrato de trabalho.

7. Foi apresentada resposta, pugnando-se pela rejeição do recurso.

8. Foi proferida decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 692º, nº 1, do CPC.

9. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, alegando, essencialmente, que, ao contrário do entendido na decisão reclamada, o Acórdão recorrido procedeu a uma análise individualizada e fragmentada dos diferentes atos praticados pelo empregador.

10. A reclamação não foi objeto de resposta.

Cumpre decidir.


II.

11. É o seguinte o teor da decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência:

«A contradição de acórdãos que é suscetível de justificar um recurso para uniformização de jurisprudência (art. 688º, nº 1) é uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido e o acórdão fundamento, oposição que para além disso deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5ª edição, 2018, p. 471 - 473.

Todavia, in casu, inexiste qualquer tipo de contradição entre o acórdão fundamento e o acórdão proferido nos presentes autos.

Tal como aquele, também este assenta no pressuposto de que a avaliação da idoneidade (…) de certo comportamento para lesar os bens jurídicos protegidos pela figura do assédio moral exige uma abordagem teleológica, global e conjunta do mesmo, o que é, naturalmente, incompatível com uma análise atomística, individualizada ou fragmentada dos diferentes atos praticados pelo empregador ou que a este sejam imputáveis, que por inteiro se rejeita e não teve lugar no caso vertente.

Na verdade, os quadros analíticos utilizados nos dois acórdãos são precisamente os mesmos, sendo que apenas se chegou a conclusões diferentes por serem diversas as realidades de ordem factual que em cada um deles estava em causa. Em ambos os casos os factos mereceram uma apreciação global, mas, sendo distintos, foram objeto de diversas valorações.

Sem necessidade de considerações complementares, sendo manifesto que no caso vertente não se verifica, minimamente, a invocada oposição de julgados, impõe-se, pois, rejeitar o recurso, ao abrigo do preceituado no art. 692º, n.º 2, do CPC.»

12. Pelas razões expostas na decisão do relator, é manifesto que no caso vertente não se verifica, minimamente, a invocada oposição de julgados, sendo certo que, ao contrário do que a reclamante invoca, o acórdão recorrido, como expressamente se consigna, ponderou “global e conjuntamente – à luz dos princípios e quadros analíticos antes expostos – as concretas circunstâncias da situação em apreço” (sem proceder, pois, ao contrário do alegado, a uma análise individualizada e fragmentada dos diferentes atos praticados pelo empregador).

Reitera-se que em ambos os arestos os factos mereceram uma apreciação global e que os quadros analíticos utilizados são precisamente os mesmos; pelo que apenas se concluiu diferentemente por serem diversas as situações de facto que em cada um dos processos estava em causa.

Sem necessidade de desenvolvimentos complementares, improcede, pois, a pretensão da reclamante.


III.

13. Nestes termos, indeferindo a presente reclamação para a conferência, acorda-se em confirmar a decisão singular de indeferimento do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

Lisboa, 16.10.2024

Mário Belo Morgado (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Domingos Morais