I - Na interpretação de uma cláusula de um acordo de suspensão do contrato de trabalho/pré-reforma há que ter presente não só a letra do acordo firmado pelas partes, mas também as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, e a interpretação da vontade das próprias partes, em face das circunstâncias que levaram àquele acordo.
II - Na integração de declaração negocial deve prevalecer a solução que melhor salvaguarda os princípios da boa-fé, civil e laboral.
Recurso de revista
Acordam os Juízes na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça
I. – Relatório
AA intentou acção com processo comum contra
Meo Serviços de Comunicação e Multimédia, S.A., pedindo:
- A R. ser condenada a reconhecer o direito do A. a receber as atualizações das prestações de suspensão do contrato de trabalho e de pré-reforma, apuradas com base na aplicação do valor percentual idêntico, em termos médios, ao das alterações das tabelas salariais dos trabalhadores da R.
- E a pagar ao A., a título de diferenças pela ausência das atualizações devidas, que se venceram desde o dia 1 de janeiro de 2016 até 30 de abril de 2021, a quantia de 122 677,10 € (cento e vinte e dois mil, seiscentos e setenta e sete euros e dez cêntimos).
- E, ainda, a título de juros de mora, à taxa legal, que se venceram nos anos de 2006 até 2020, a quantia de 30 232,55 € (trinta mil, duzentos e trinta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos).
- Bem como as diferenças e juros que se venham a vencer até decisão final e a liquidar em execução de sentença.
2. - A Ré contestou, concluindo pela total improcedência da acção e absolvição do pedido.
3. - Foi proferida sentença com a seguinte decisão:
“(J)ulgo a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a ré do pedido.”.
4. - Por acórdão de 14 de Dezembro de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:
“(A)corda-se em revogar a sentença recorrida e, em consequência, condenar a R.:
a) A reconhecer o direito do autor a receber as actualizações das prestações de suspensão do contrato de trabalho e de pré-reforma, apuradas com base na aplicação do valor percentual idêntico, em termos médios, ao das alterações das tabelas salariais dos trabalhadores da ré;
b) A pagar ao autor a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação (dentro dos limites peticionados) relativa à diferença entre os montantes recebidos mensalmente pelo autor, a título prestações de suspensão do contrato de trabalho e de pré-reforma (que se vencerem desde o dia 1 de Janeiro de 2006 até decisão final) e os resultantes da aplicação das actualizações nos termos indicados sob a);
c) A pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada prestação até integral pagamento.
Custas em ambas as instâncias pela R.”.
5. - A Ré interpôs recurso de revista, concluindo, em síntese:
1. O Douto Acórdão em crise, sempre com o devido respeito, além de não ser totalmente conforme à lei e ao direito, subverte princípios elementares estruturantes do pensamento jurídico, de que é exemplo a omissão de fundamentação quanto à eliminação da alínea R dos Factos Provados.
4. Quer ainda porque não encerra juízos de valor ou conclusivos antes a uma concreta ocorrência da vida real, traduzida na circunstância dos aumentos salariais nunca terem sido estabelecidos num valor percentual médio de actualização da tabela salarial, impõe-se que seja reposta a alínea R dos Factos Provados.
5. De qualquer modo e sempre com o devido respeito, jamais poderá ser acolhida a interpretação da cláusula 4ª do Acordo de Pré-Reforma, sufragada pelo Tribunal, com base no facto do Autor ter sido ... e por isso não estar sujeito à tabela salarial.
6. Ora, não só tal argumento constitui grave violação do princípio do dispositivo, uma vez que se trata de justificação, que não só não foi alegada, como não foi objecto de discussão.
7. Acresce que esse argumento jamais poderia colher, uma vez que caso o Autor mantivesse as funções de ..., não poderia celebrar o Acordo de Suspensão do Contrato de Trabalho, que implicaria sempre a cessação daquelas funções de gestão.
8. Assim, não era possível que um homem mais do que medianamente informado e esclarecido como o Autor (dado que enquanto ... tinha certamente acesso a informação privilegiada) que até 2005 teve sempre conhecimento de que a percentagem de atualização da remuneração (dos trabalhadores no ativo) e da compensação ou da prestação de pré-reforma (dos trabalhadores em regime de suspensão do contrato de trabalho ou de pré-reforma) foi sempre a mesma para todos eles (facto S) pudesse ter “pensado” em acordar um regime de atualização que não fosse aquele que era aplicado há décadas.
9. Além de não ser compreensível que a atualização fosse fixada em termos médios, quando até essa data e também durante décadas, a percentagem de aumento salarial foi única e igual para todos os trabalhadores da Ré (facto S).
10. Ou seja, a informação de que o Autor – declaratário concreto – era conhecedor, para perceber o sentido da declaração negocial inserta na cláusula 4ª, era que nos seus NOVE anos de antiguidade da Empresa, a percentagem de aumento salarial tinha sido sempre igual para todos os trabalhadores.
11. Donde, a referência à atualização em termos médios só pode equivaler à atualização que o Autor teria como qualquer trabalhador no ativo e não a qualquer valor “médio”, mas ao valor percentual concretamente fixado para aumento da tabela salarial dos trabalhadores do ativo, nunca a um valor percentual “médio” da percentagem de aumento da tabela salarial.
12. Aliás, no artigo 29 da petição inicial o Autor aceita o critério de atualização da prestação nos termos que lhe seriam devidos como se estivesse no ativo, uma vez que não reclama a atualização da sua prestação nos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, períodos em que a Ré não atualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador no ativo.
13. É este o único sentido interpretativo que resulta da aplicação das regras da interpretação da declaração negocial, constantes do artigo 236º, do Cód. Civil, que apela ao sentido obtido do ponto de vista do destinatário concreto.
14. Dado que, como se infere do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 13/10/2021, relatado pelo Senhor Conselheiro Chambel Mourisco, na esteira do Acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2018, relatado pela (actual) Senhora Conselheira Maria Paula Sá Fernandes e confirmativo da Sentença proferida pelo actual Desembargador Dr Pedro Maurício, a proceder a interpretação acolhida pela Decisão em apreço, os trabalhadores em pré-reforma, em geral e o Autor em particular, beneficiariam de um regime duplamente mais favorável do que aquele do que beneficiaria caso estivessem no ativo e do que os trabalhadores no ativo.
15. Uma vez que o Autor não só beneficiaria de atualização da sua prestação, quando não teria atualização caso estivesse no ativo, como até de uma percentagem de atualização superior aquela de que beneficiariam os trabalhadores no ativo.
16. Dado que, auferindo o valor mensal de 10.055,60€ (facto I) e não tendo a Ré, após o ano de 2006, voltado a atualizar a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a 2.873€ (factos T a AF) o vencimento do Autor não seria passível de ser actualizado.
17. Com a agravante de, nos anos de 2011, 2012, 2014, 2015, 2016 e 2017, a Ré não ter atualizado a remuneração de nenhum seu trabalhador;
18. De qualquer modo, ainda que assim se não entenda, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, não existe fundamento legal para que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor quaisquer diferenças pecuniárias.
19. Pela simples e singela razão do Autor não ter sequer alegado quais as percentagens de actualização da tabela salarial dos trabalhadores do activo, verdadeiro e único facto constitutivo da sua pretensão.
20. O que facilmente estava ao seu alcance, bastando para tanto atentar nos Acordos de Empresa e nos Acordos Colectivos de Trabalho identificados nas alíneas P) e Q) dos Factos Provados.
21. Pelo que essa possibilidade, a prevalecer, constituiria uma clara violação do princípio da igualdade, dado que permitiria ao Autor, de novo, voltar a alegar os factos essenciais e fundantes da sua pretensão.
22. Aliás, nesta concreta situação afigura-se ser processualmente vedado relegar para posterior liquidação, as (supostas) diferenças resultantes da atualização da prestação de pré-reforma do Autor.
23. Uma vez que, como é sublinhado na jurisprudência citada, a liquidação em execução de sentença só é legalmente admissível quando não existam elementos que permitam determinar o quantum devido, jamais quando os factos que consubstanciam a causa de pedir não tenham sequer sido invocados, como constituía ónus exclusivo do Autor.
24. Como se verifica in casu, pois em 2021, data da interposição da ação, o Autor conhecia ou podia conhecimento de todo os coeficientes de actualização verificados entre 2006 e 2018.
25. Donde, sempre seria ilegal a Decisão que relegou o apuramento das diferenças pecuniárias para liquidação de sentença, quando antes e tão deveria absolver a Ré dos pedidos, dado o disposto no artigo 609º, do Cód. de Proc. Civil, que proíbe a renovação de prova.
26. Resulta assim manifesto que o Douto Acórdão proferido é merecedor de objetiva censura, por ter infringido o disposto nos artigos 236º e 342º, do Cód. Civil e os artigos 609º e 674º, nº 1, alínea b), do Cód. de Proc. Civil, devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro, que dando provimento ao presente recurso, julgue a ação improcedente e absolva a Ré de todos os pedidos.
6. - O Autor contra-alegou, concluindo pela improcedência da revista.
7. - O Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso de revista.
8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto.
1. - O Tribunal da Relação proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
A) - O autor foi contratado em Julho de 1996 para exercer as funções de...Central Administrativo e Financeiro da Companhia Portuguesa de Rádio Marconi, S.A., cujo capital social era já então totalmente detido pela Portugal Telecom.
B) - Na vigência dessa relação laboral, o autor passou a exercer, a partir do final do ano de 1999, funções como ... da TV Cabo Portugal.
C) - Simultânea ou sucessivamente e a partir dessa data, o autor integrou os conselhos de administração de várias outras empresas do Grupo Portugal Telecom, nomeadamente da Lisboa TV Informação e Multimédia S.A., PT Conteúdos, S.A., PT Multimédia, SGPS, Lusomundo Audiovisuais, S.A., Sport TV Portugal, S.A. e PT PRO, S.A.
D) - À semelhança do que então acontecia com todos os altos quadros do Grupo PT, o autor auferia pelo exercício dessas funções, uma única remuneração mensal, fixada pela Comissão de Vencimentos da sociedade em que exercia predominantemente a sua actividade, de acordo com as orientações da holding do Grupo, a Portugal Telecom, SGPS, S.A., e paga, formalmente, pela PT Comunicações, S.A., à qual sucedeu a sociedade ré.
E) - Essa remuneração era complementada por subsídios de refeição e diuturnidades, nos moldes estabelecidos nos instrumentos de regulação colectiva das relações de trabalho que abrangiam a PT Comunicações, pelos benefícios que, em cada momento, estavam definidos para os quadros superiores do Grupo Portugal Telecom (v.g. carro de serviço e de uso pessoal e combustível, comunicações gratuitas, etc.) e, ainda, por prémios de desempenho deliberados anualmente.
F) - No mês de Dezembro de 2005, a PT Comunicações, S.A., abonou e descontou ao autor as verbas discriminadas na nota discriminativa de retribuições, cuja cópia consta de fls. 15 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzidas.
G) - No dia 30 de Junho de 2005, o autor e a ré outorgaram um Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma (ASCTPR), cuja cópia consta de fls. 16 e 17 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, com produção de efeitos a 31 de Dezembro de 2005.
H) - Nesse acordo ficou estabelecido que o contrato de trabalho entre o autor e a ré ficava suspenso e, em consequência, o autor dispensado da prestação efectiva de trabalho.
I) - Nos termos da cláusula 2ª do ASCTPR, referido em G), a ré obrigou-se a pagar ao autor, durante o período de suspensão e catorze vezes por ano, uma prestação no valor de € 10.055,60, correspondente a 100% da sua retribuição mensal ilíquida.
J) - No dia 30 de Junho de 2005, o autor e a ré outorgaram um Acordo, cuja cópia consta de fls. 18 e vº dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, através do qual o autor se obrigou a não exercer quaisquer funções em empresas concorrentes das do Grupo PT, após o início do processo de suspensão de contrato e por um período de 2 anos a contar da data de abandono efectivo de cargos de administração executiva do Grupo PT.
K) - A cláusula 4ª do ASCTPR, referido em G), tem a seguinte redacção:
“O montante da prestação referida na clª 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.”
Na cláusula 10º, 3 do acordo referido em G) foi consignado que a prestação de pré-reforma será igualmente actualizada de acordo com o previsto na clª4ª.
L) - Logo que o autor preenchesse as condições para a pré-reforma, então fixadas no art. 356.º do Código do Trabalho (e hoje, com idêntica redacção, no art. 318.º do mesmo Código, na versão aprovada em 2009) – o que aconteceu no dia 03/08/2010, data em que o autor completou os 55 anos – este passaria a auferir uma prestação mensal de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do Anexo I do mencionado Acordo.
M) - Prestação que seria paga catorze vezes por ano e cujo valor seria determinado pela aplicação da seguinte fórmula:
Prestação de pré-reforma = valor da prestação mensal de SCT à data da pré-reforma x 0,85.
N) - O Acordo prevê a obrigação para o autor de requerer a pensão de velhice, logo que completasse a idade mínima para a reforma, o que ainda não sucedeu.
O) - A ré apenas actualizou a prestação paga ao autor pelo valor correspondente à actualização do valor das diuturnidades, nos anos de 2006, 2011 e 2016.
P) - A partir do dia 4 de Agosto de 2010, o autor passou à situação de pré-reforma, com as consequências acima indicadas.
Q) - Eliminado.
R) - Eliminado.
S) - Desde 1996 até 2005 (inclusive) os Acordos de Empresa negociados pela R. fixaram apenas uma percentagem única de actualização para os aumentos da tabela salarial.
No âmbito dos Acordos de Empresa por si celebrados, a R. procedeu da forma infra indicada sob T) a AP):
T) - Em 2006 a ré não actualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a € 2.873,00.
U) - E estabeleceu três diferentes percentagens de actualização, uma para os trabalhadores com salários até € 756,40, outra para os com salários entre esse valor e € 1.892,30 e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este valor e € 2.873,00.
V) - O mesmo se verificou em 2007, ano em que a ré não actualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a € 2.887,30.
W) - Tendo também estabelecido duas diferentes percentagens de actualização, uma para os trabalhadores com salários até € 804,30 e outra para os com salários entre este valor e o valor indicado no artigo anterior.
X) - Idêntico procedimento se verificou em 2008, ano em que a ré não actualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a € 2.930,71.
Y) - E em que actualizou os salários dos restantes trabalhadores em quatro e diferentes percentagens, uma para os trabalhadores com salários até € 1.080,00, outra para os com salários entre esse valor e € 1.280,00, uma outra para os trabalhadores com salários entre esse valor e € 2.000,00 e uma última para os trabalhadores com salário compreendido entre este valor e € 2.930,71.
Z) - Em 2009, a ré não actualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a € 2.966,10.
AA) - E apenas actualizou o salário dos trabalhadores com salários até € 1.350,00.
AB) - Em 2010, a ré não actualizou a remuneração dos trabalhadores cujo vencimento fosse igual ou superior a € 2.966,10.
AC) - E estabeleceu duas diferentes percentagens de actualização, uma para os trabalhadores com salários até € 1.425,00 e outra para os com salários entre esse valor e € 2.966,10.
AD) - Nos anos de 2011 e 2012, a ré não actualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador.
AE) - E em 1 de Julho de 2013, apenas actualizou o salário dos trabalhadores com salários até € 2.527,49.
AF) - Entre 2014 e Junho de 2018, a Ré não actualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador.
AG) - A R. aplicou as regras e os critérios de actualização referidos sob T) a AF) aos trabalhadores cujo contrato estava suspenso, por via de acordo de suspensão ou de pré-reforma.
III. - Fundamentação de direito.
1. - O objecto do recurso de revista é o de saber:
1 - Se foi incorreta a eliminação da alínea R) dos factos dados como provados;
2 - Qual a interpretação a dar à cláusula 4.ª do Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma;
3 - Se inexiste fundamento legal para a condenação da recorrente, por falta de alegação dos factos constitutivos da pretensão do autor, no que respeita às percentagens de atualização da tabela salarial;
4 - Se ocorre uma impossibilidade processual de relegação para ulterior liquidação do apuramento dos valores devidos.
2. - Da incorreta eliminação da alínea R) dos factos dados como provados
2.1. - Nas conclusões 1.ª, 3.ª e 4.ª da revista, a Recorrente alegou que o acórdão recorrido “subverte princípios elementares estruturantes do pensamento jurídico, de que é exemplo a omissão de fundamentação quanto à eliminação da alínea R dos Factos Provados”.
Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o acórdão recorrido decidiu:
“Defende o recorrente que deverá ser eliminada a alínea R) dos factos provados, porque não percebe o seu conteúdo.
Sob R) dos factos provados foi consignado: «A actualização salarial dos trabalhadores da ré no activo (ou não) nunca foi fixada em valores médios.»
Percebe-se que esta alínea tem como principal escopo os Acordos de Empresa, onde não eram consignadas as médias dos aumentos.
Discute-se nos presentes autos (tal como se discutia nos processos indicados na petição inicial – proc. nº 7491/17.9... e proc. nº 2399/19.6...) se devem ser atendidas às médias dos aumentos verificados, para efeitos de actualização.
Assim e dado que consta dos Acordos de Empresa a forma como a ora recorrida procedeu à actualização, entendemos que a referida alínea deverá ser eliminada do acervo fáctico.”.
2.2. - É entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode apreciar a matéria de facto julgada na 2.ª Instância, dado que a sua intervenção no âmbito do erro de julgamento na matéria de facto é meramente residual, pois, tem como finalidade exclusiva apreciar a observância das regras de direito material probatório ou determinar a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, nos estritos termos dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.ºs 2 e 3, ambos do CPC.
No dizer de António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pp. 325 e 326, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar “erros de apreciação da prova resultantes da violação de direito probatório material, podendo constituir fundamento da revista a violação de disposição legal expressa que exija certa espécie de prova ou que fixa a respectiva força probatória.”
Na jurisprudência, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de junho de 2023, proc. n.º 1136/17.4T8LRA.C2.S1, relator Conselheiro Júlio Gomes: “E não se tratando de prova tabelada ou legalmente tarifada, mas de prova sujeita à livre apreciação das instâncias está vedado a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a factualidade dada como assente (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/11/2020, processo n.º 288/16.5T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco). Com efeito, resulta do n.º 3 do artigo 674.º do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.”.
[cfr., ainda no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 14.01.2015 proc. n.º 488/11.4TTVFR.P1.S1; de 30.03.2017 proc. n.º 5188/15.3T8LSB.L1; de 15.09.2021, proc. n.º 559/18.6T8VIS.C1.S1; de 17.03.2022, proc. 6947/19.3T8LSB.L1.S1; de 17.01.2023, proc. 286/09.5TBSTS.P1.S1; e de 04.07.2023, proc. 2991/18.6T8OAZ.P1.S1, todos in www.dgsi.pt].
Para além disso, consta no acórdão recorrido a fundamentação para a eliminação da alínea R) dos factos dados como provados na 1.ª instância, já que fez constar que a mesma foi eliminada porque, sendo uma das questões a resolver, devem ser atendidas as médias dos aumentos verificados, dado que consta dos Acordos de Empresa a forma como a ora recorrida procedeu à actualização salarial.
Se “devem ser atendidas as médias dos aumentos verificados”, ou não, é questão de direito a conhecer em sede própria, que não na decisão sobre a matéria de facto.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso de revista.
3. - Da interpretação da cláusula 4.ª do Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma.
3.1. - Legislação aplicável ao caso dos autos:
Atendendo a que o Acordo de Pré-Reforma, em causa, data de 06.10.2005, são aplicáveis as disposições relativas à pré-reforma constantes dos artigos 356.º a 362.º do Código do Trabalho de 2003 (CT/2003) – actuais 318.º a 322.º do CT/2009 - e não o Decreto-Lei nº. 261/91, de 25.07 - Lei da pré-reforma -, o qual foi revogado pelo artigo 21.º n.º 1 alínea o) da Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto.
Embora no Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma seja feita referência ao DL n.º 87/2004 de 17.04, que repristinou os artigos 8.º - direitos em matéria de segurança social -; 9.º - regime contributivo -; 12.º - situações especiais de pré-reforma antecipada - e 15.º - regiões autónomas - todos do DL n.º 261/91, tais normativos são inaplicáveis ao caso dos autos.
3.1.1. - O artigo 359.º - Prestação de pré-reforma - do CT/2003 dispunha:
“1 - A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição.
2 - Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.
3 - A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição”.
Por sua vez, o artigo 320.º - Prestação de pré-reforma - do Código do Trabalho de 2009, estatui:
1 - O montante inicial da prestação de pré-reforma não pode ser superior à retribuição do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25 % desta ou à retribuição do trabalho, caso a pré-reforma consista na redução da prestação de trabalho.
2 - Salvo estipulação em contrário, a prestação de pré-reforma é atualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse em pleno exercício de funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação.
3 - A prestação de pré-reforma goza das garantias dos créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho.” (negritos nossos)
Decorre dos citados normativos que a actualização da prestação da pré-reforma deve ser feita, salvo estipulação em contrário, por referência ao aumento da retribuição que o trabalhador teria se estivesse a trabalhar, ou não havendo tal aumento, à taxa da inflação.
3.1.2. - A cláusula 4.ª do Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma, celebrado pelas partes, no dia 30 de junho de 2005 e com produção de efeitos a 31 de dezembro de 2005 – ponto K) dos factos dados como provados -, é do seguinte teor:
“O montante da prestação referida na clª 2ª será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.”. (negrito nosso)
Analisando o estipulado na citada cláusula 4.ª e o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do CT/2003 e no n.º 2 do artigo 320.º do CT/2009, facilmente, se constata a não coincidência entre o teor daquela cláusula e o estipulado nestes normativos.
3.1.3. – Num caso similar ao dos presentes autos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de outubro de 2021, proc. n.º 2399/19.6T8LSB.L1.S1, relator Conselheiro Chambel Mourisco, in www.dgsi.pt, que revogou o inerente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, consignou:
“(…), o que A. e R. pretenderam, como já vimos supra, foi fazer com que o Trabalhador não ficasse prejudicado, pelo facto de aceitar o acordo de suspensão e, ficar em igualdade de circunstâncias, com os seus colegas, que continuassem no ativo.
Mas, como nos parece elementar, quer o A., quer a R., não pretenderam no momento da celebração do acordo, estabelecer um paralelo entre a situação deste A. e a de qualquer outro trabalhador da R., mas sim, entre o A. e os demais trabalhadores da R., no ativo, que correspondessem à categoria do trabalhador.
Só essa interpretação nos parece válida, porque há que atender às circunstâncias e ao momento específico em que ocorreu a celebração do referido acordo.
Aliás, este acordo, representava uma garantia para o A., que ao aceitar o mesmo, não se via privado dos aumentos a que teria direito, caso optasse antes por continuar ao serviço. Isto é, de que, do ponto de vista financeiro, a sua situação se mantinha inalterada: com aumentos iguais aos que receberia se se mantivesse ao serviço e de que recebê-los-ia nos mesmos momentos em que era suposto recebê-los, caso o contrato de trabalho não se encontrasse suspenso.
Quer-nos parecer que foi essa a teleologia que presidiu à celebração do acordo em causa, e que foi por causa dessa preocupação, que A. e R. acordaram nos termos em que o fizeram.
O que se passou em seguida, foi que a R. deixou de poder aumentar anualmente todos os seus trabalhadores e que anos houve em que teve mesmo que optar por não aumentar ninguém. Noutros anos, a opção passou por aumentar apenas aqueles que tinham retribuições mais baixas.
Ora, este foi um cenário não previsto, nem salvaguardado no referido acordo. O que o acordo salvaguarda é apenas a garantia de o A. ser aumentado nas mesmas circunstâncias, na mesma percentagem e no mesmo momento do que os seus pares.
(…).
Na verdade, o entendimento perfilhado pelo A., levaria a uma situação não contemplada por nenhuma das partes, aquando da celebração do acordo e é a esse momento que temos de atender, recordando aqui a teoria da interpretação e integração do negócio jurídico.
Situações posteriores, que não foram equacionadas aquando da celebração do acordo, não podem agora ser introduzidas no acordado, sob pena de nos conduzir a uma situação de perversão do acordado, mas também a uma desproporcionada injustiça para a R., que não acordou, pensando nesta possibilidade, como também para todos os outros trabalhadores da R., que se encontrando no ativo, a prestar serviço, viam a sua retribuição manter-se inalterada, enquanto o A., dispensado de prestar trabalho, via a sua prestação aumentada, sem fundamento legal ou social que o justificasse, beneficiando assim de uma percentagem de aumento, que foi fixada apenas e tão-só para as retribuições mais baixas.
A interpretação do A. (…), não é nem conforme à vontade das partes aquando da celebração do acordo, nem às circunstâncias em que o mesmo foi celebrado.
Recordando mais uma vez, Mota Pinto (Obra citada, pág. 451): “Quando a interpretação leve a um resultado duvidoso, o problema deve ser resolvido nos termos do art.º 237.º, (…): nos negócios gratuitos prevalece o sentido menos gravoso para o disponente e, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Este é o único critério consagrado no Código, para a hipótese de, no termo da atividade interpretativa, se nos deparar um resultado equívoco ou ambíguo.”
Na verdade, impõe ter-se presente que quando as empresas decidem aumentar as retribuições dos seus trabalhadores, que o fazem de acordo com a sua capacidade financeira, tendo presentes os diferentes níveis salariais, o número de trabalhadores e o custo financeiro que vão representar esses aumentos. Ao aplicar-se percentagens mais elevadas a retribuições mais baixas, e ao não se aumentar os trabalhadores com retribuições mais elevadas, ou, ao aumentar-se menos estes últimos, há toda uma operação de cálculo que é efetuada, obedecendo a uma lógica não só de racionalidade, mas também de justiça e responsabilidade social e que tem que ter o necessário cabimento orçamental.
Se trabalhadores que ficaram de fora dos critérios que permitem beneficiar desses aumentos, fossem agora beneficiados, quando nada o fazia prever, estaríamos perante uma situação injusta que desrespeitaria o acordado.”.
3.1.4. – Com particular interesse consta da matéria de facto dada como provada nos autos:
G) - No dia 30 de Junho de 2005, o autor e a ré outorgaram um Acordo de Suspensão de Contrato de Trabalho/Pré-Reforma (ASCTPR), com produção de efeitos a 31 de Dezembro de 2005, que aqui transcrevemos para melhor análise:
“ACORDO SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO/PRÉ-REFORMA
Entre a PT COMUNICAÇÕES, S.A., com sede em ..., na Rua ..., pessoa coletiva n.º ...47, inscrita na ....a Secção da Conservatória do Registo Comercial de ... sob o n.º ...06, com o capital social de 150.000.000 Euros, adiante designada por Primeira Outorgante, neste ato representada por BB, com poderes necessários e bastantes para o efeito,
E
AA, empregado n.º....., contribuinte n.º ......., residente na ...........-... ....., portador do Bilhete de Identidade n.º....... c subscritor da Segurança Social n.º........, adiante designado como Segundo Outorgante ou trabalhador, é celebrado o presente Acordo, que se regerá pelas cláusulas seguintes e pelas disposições do DL 261/91, de 25 de julho, repristinadas pelo DL 87/2004, de 17 de Abril, e pelo regime da pré-reforma previsto nos artigos 356.° e 357.° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.°99/2003, de 27 de Agosto, logo que o trabalhador preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no referido artigo 356.°:
1.ª Por efeito do presente Acordo, celebrado por iniciativa do trabalhador, o contrato de trabalho do 2.º outorgante considera-se suspenso, ficando o trabalhador dispensado da prestação de trabalho, com a inerente suspensão dos direitos e das obrigações decorrentes daquela.
2.ª
Durante o período de suspensão anterior à pré-reforma, a 1.ª outorgante pagará ao 2. ° outorgante uma prestação mensal de € 10.355,60 (dez mil trezentos e cinquenta e cinco euros e sessenta cêntimos) correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades), auferida à data da celebração do presente acordo.
3.ª
A título substitutivo dos subsídios de Férias e de Natal, será igualmente pago ao segundo outorgante, em cada um dos meses de julho e de novembro, respetivamente, uma prestação de montante igual ao previsto na cláusula anterior, exceto no ano de início de vigência do presente Acordo, se já lhe tiverem sido pagas as importâncias referentes a cada um daqueles subsídios.
4.ª
O montante da prestação referida na cláusula 2.a será atualizado anualmente, simultaneamente com a atualização dos salários dos trabalhadores do ativo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos.
5.ª
As prestações previstas nas cláusulas 2.a e 3.a do presente Acordo ficam sujeitas aos descontos legais aplicáveis, nomeadamente, IRS, Taxa Social Única e contribuições/quotas ou outras despesas previstas no Plano de Saúde da PT COMUNICAÇÕES ou do que o venha a substituir no âmbito da PT COMUNICAÇÕES, S.A.
6.ª
Durante a vigência do presente Acordo, o trabalhador usufruirá das regalias em vigor para os trabalhadores reformados, sem prejuízo dos que especificamente se encontrem definidas para os trabalhadores na situação de suspensão do contrato de trabalho e, a partir de data em que ingresse na situação de pré-reforma, aos trabalhadores pré-reformados.
7.ª
A partir da data de produção de efeitos deste Acordo, o trabalhador não tem direito aos subsídios de doença, maternidade ou paternidade e desemprego, mantendo direito às restantes prestações da Segurança Social.
8.ª
No caso de falta de pagamento da prestação mensal ou da prestação de pré-reforma por parte da Empresa, o trabalhador poderá optar entre:
a) Rescindir o contrato com justa causa, tendo direito a uma indemnização correspondente ao montante das prestações que receberia até perfazer a idade mínima legal de reforma; ou,
b) Retomar o pleno exercício das suas funções, sem prejuízo da antiguidade, se a falta for culposa ou se a mora se prolongar por mais 30 dias.
9.ª
O tempo da suspensão do contrato do trabalho, nestes termos acordada, conta exclusivamente como tempo de serviço para efeitos de atribuição de diuturnidades, reforma e prémio de aposentação.
10.ª
1. Logo que o 2. ° outorgante preencha as condições de pré-reforma estabelecidas no artigo 356.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, ou noutro diploma que venha a alterar, modificar ou substituir o referido diploma, o trabalhador passará à situação de pré-reforma, regida pelo disposto em tal diploma e neste acordo.
2. A partir da data referida no número anterior, o trabalhador auferirá uma prestação de pré-reforma calculada de acordo com as regras constantes do anexo ao presente acordo e que deste fez parte integrante.
3. A prestação de pré-reforma será igualmente atualizada de acordo com o previsto na cláusula 4.a.
4. A prestação de pré-reforma ficará sujeita aos descontos legais, os quais incidem, no que respeita a contribuições para a Segurança Social, sobre a retribuição mensal ilíquida sujeita às atualizações decorrentes da aplicação do disposto na cláusula 4.a, ficando ainda aquela prestação sujeita aos descontos relativos às contribuições/quotas ou outras despesas previstas no Plano de Saúde da PT COMUNICAÇÕES ou do que o venha a substituir no âmbito da PT COMUNICAÇÕES, S.
11.ª
Sob pena de caducidade do presente Acordo, o trabalhador obriga-se a requerer a pensão de reforma por velhice logo que complete a idade mínima legal de reforma, data em que cessará o contrato de trabalho que a vincula à primeira outorgante, garantindo-lhe, então, a Empresa, condições idênticas às que usufruiria se se mantivesse no ativo até essa altura no que respeita ao “prémio de aposentação” e ao complemento de pensão de reforma, que serão atribuídos nos termos regulamentares.
12.ª
O presente Acordo caducará se, eventualmente, o trabalhador for reformado por invalidez, evento que o trabalhador se obriga a comunicar à Empresa no prazo de 30 dias, obrigando-se igualmente a comunicar à Empresa o início do respetivo processo de reforma por invalidez, sendo-lhe então atribuído o "prémio de aposentação" e o complemento de pensão de reforma nos termos regulamentares, em condições idênticas às que usufruiria se se mantivesse no ativo até essa altura.
13.ª
O presente Acordo é irrevogável e qualquer alteração ao mesmo só produzirá efeitos caso revista forma escrita e seja subscrito igualmente por ambas as partes.
14.ª
Em tudo o que se encontrar omisso neste Acordo será aplicável o disposto no Código do Trabalho.
15.ª
O presente Acordo de Pré-Reforma produz efeitos a partir do dia 31 de dezembro de 2005.
Lisboa, 30 de junho de 2005”.
Cfr. ainda o teor das alíneas S), T), U), V), W), X), Z), AA), AB), AC), AD), AF), AG), da matéria de facto, supratranscritas.
3.1.5. - Perante tal factualidade, impõe-se saber qual o sentido que deve ser dado à cláusula 4.ª do Acordo Suspensão/Pré-Reforma, relativamente aos anos em que os trabalhadores da Ré no activo, que tinham a mesma categoria do Autor, não tiveram qualquer aumento, enquanto os trabalhadores com menores retribuições foram aumentados.
Dito de outra forma: sabendo-se com base na matéria de facto dada como provada que se o Autor se tivesse mantido no activo não teria qualquer atualização salarial, deverá este, na qualidade de trabalhador suspenso de funções e na pré-reforma beneficiar de atualizações que a Ré só destinou aos trabalhadores com retribuições mais baixas do que a dele?
A resposta é negativa, como passamos a explicar.
O artigo 236.º do C. Civil prescreve:
“1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
E o artigo 238.º do mesmo Código estabelece:
“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.
Estamos perante a teoria da impressão do destinatário acolhida no Código Civil, mas com a limitação contida no artigo 238.º no que respeita aos negócios formais.
Como escrevem Fernando Pires de Lima e João Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, pág. 224, “A doutrina formulada no n.º 1 identifica-se com a regra de interpretação da lei estabelecida no n.º 2 do artigo 9.º (…). A base é comum: não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei (n.º 2).”.
Porém, o artigo 239.º - Integração - do mesmo diploma, determina:
“Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou, de acordo com os ditames da boa-fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”.
No dizer dos mesmos Autores, obra citada, pág. 239-240, “Nos artigos antecedentes definem-se as regras de interpretação da declaração negocial. Neste preceito prevêem-se as lacunas da declaração e procura-se fixar o critério geral que deve ser adoptado para a sua integração.
Como regra, deve atender-se à vontade presumível dos declarantes. Mas pode acontecer que, por esse meio, se chegue a uma solução contrária aos princípios da boa-fé. Neste caso, deve prevalecer a solução que melhor salvaguarda esses princípios. O recurso aos ditames da boa-fé reveste, no entanto, especial interesse prático para os casos de não coincidência entre a vontade presumível de uma das partes e a vontade presumível da outra”.
Em síntese: foi dado como provado que em 2005, Autor e Ré celebraram um acordo escrito de suspensão contrato de trabalho/pré-reforma, com efeitos reportados a 31 de dezembro de 2005, em que o objetivo era o Autor deixar de trabalhar, ainda antes de reunir as condições para beneficiar do regime da pré-reforma, mas não ficar com isso prejudicado em termos de retribuição, razão pela qual, lhe foi fixada a prestação mensal de 10.355,60 €.
E razão pela qual, também, ficou previsto que a prestação que o Autor receberia, seria atualizada anualmente em conformidade com as atualizações que os trabalhadores no ativo recebessem.
Resulta também da factualidade dada como provada, que até 2005, todos os trabalhadores da Ré receberam aumentos percentuais idênticos.
Todavia, a partir de 2006, (i) a Ré deixou de fazer aumentos percentuais idênticos – cfr. ponto T) dos factos provados -; (ii) anos houve em que não procedeu mesmo a quaisquer aumentos - cfr. pontos AD), AF) dos factos provados -; (iii) noutros anos, procedeu a aumento dos trabalhadores abrangidos por níveis salariais mais baixos – cfr. Z), AA), AB) -; (iv) e mesmo dentro desses, diferenciou os aumentos, através de diferentes níveis percentuais - cfr. pontos U), W), Y), AC) -, por forma a que aqueles que menor retribuição recebiam, pudessem, proporcionalmente, ser um pouco mais aumentados, por comparação com os demais trabalhadores da Ré.
Ora, tendo presente a letra do acordo firmado pelas partes, as circunstâncias em que o mesmo foi celebrado, e a interpretação da vontade das próprias partes, face às circunstâncias que levaram àquele acordo, o Autor, quer na qualidade de trabalhador suspenso de funções, quer no período da pré-reforma – cfr. cláusula 10.ª, n.º 3 do acordo – não pode beneficiar das atualizações que a Ré destinou, apenas, aos trabalhadores no activo, com retribuições mais baixas do que a dele.
É a conclusão que melhor salvaguarda os princípios da boa-fé - cfr. artigo 227.º C. Civil, artigo 119.º CT/2003 e artigo 126.º CT/2009 -, atenta a realidade fáctico-jurídica supra descrita.
Assim, procedendo o recurso de revista, com a inerente revogação do Tribunal da Relação, é de repristinar a sentença do Tribunal da 1.ª Instância.
4. - Considerando a fundamentação supra exposta e a conclusão final, fica prejudicado o conhecimento das questões 3) e 4) incluídas no objecto do recurso de revista.
IV. - Decisão
Atento o exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social, julgar procedente o recurso de revista, revogar o acórdão recorrido, repristinar a sentença do Tribunal da 1.ª Instância e absolver a Ré de todo o peticionado.
Custas a cargo do Autor.
Lisboa, 16 de outubro de 2024
Domingos José de Morais (Relator) - [revejo o entendimento subscrito na qualidade de 1.º Adjunto, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15.12.2016, Proc. n.º 13/14.5TTVNG.P1, in www.dgsi.pt].
Albertina Pereira
José Eduardo Sapateiro