- A instrução é legalmente inadmissível quando no requerimento de abertura de instrução não são alegados factos susceptíveis de integrarem os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime cuja prática o assistente imputa ao arguido, devendo tal requerimento ser rejeitado.
No processo nº 319/22.0T9MRA que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo de Competência Genérica de …, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, datado de 17/01/24, na sequência do qual veio o assistente AA requerer a abertura de instrução, imputando aos arguidos BB, CC e DD, na qualidade de inspetores da …, a prática de um crime de falsificação.
Alega, para tanto, que numa acção inspetiva, datada de 2/17/2017, realizada junto ao recinto da feira de …, os arguidos procederam à apreensão de peças de roupa pertencentes ao assistente, por entenderem que as mesmas eram peças contrafeitas e/ou similares às peças de roupa que ostentavam a marca “…”, quando as mesmas não eram confundíveis, pelo que, com a respectiva apreensão e elaboração de auto de apreensão, praticaram o crime de falsificação de documento.
O requerimento de abertura de instrução foi rejeitado, por despacho datado de 21/03/2024, por se ter considerado que a instrução é legalmente inadmissível, nos termos previstos no art.º 287º, nº 3 do Cód. Proc. Penal.
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Inconformado com esta decisão, veio o assistente interpôr o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
“ 1. O objeto deste recurso, que versa única e exclusivamente sobre matéria de direito, à luz do n.º 2 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, é o despacho proferido no dia 21-03-2024 com a referência citius n.º…, na parte em que não admitiu o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente.
2. No requerimento para abertura da instrução, o assistente expõe as razões pelas quais entende que deveria ter sido proferido despacho de acusação – artigos 10.º a 34.º do requerimento –, evidencia os motivos que o levam a divergir da argumentação aduzida pelo Ministério Público no despacho de arquivamento – artigo 35.º a 55.º do requerimento – e explicita os termos em que os arguidos devem ser pronunciados, deduzindo uma acusação alternativa – artigo 56.º do requerimento.
3. Neste seguimento, o tribunal a quo proferiu, no dia 21-03-2024, o despacho com a referência …, no âmbito do qual decidiu rejeitar o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente por inadmissibilidade legal, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 286.º, no n.º 2 do artigo 287.º a contrario e no n.º 3 do artigo 287.º, todos do Código de Processo Penal.
4. Afirma o tribunal que o requerimento é omisso quanto aos elementos objetivos do tipo de ilícito, dado que, correspondendo os factos vertidos no auto de notícia e no auto de apreensão à verdade apresentada pelo assistente, não foram alegados factos subsumíveis ao conceito de falsidade previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 256.º do Código Penal – aquilo que se atesta nos documentos em causa é que se verificou a existência de peças de vestuário similares às da marca … e o assistente não desmente, antes confirma, essa realidade, sustentando tão-só que tal não se verifica em relação às mil cento e quinze peças que foram apreendidas.
5. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo, além de ter desconsiderado grande parte dos enunciados factuais aduzidos pelo assistente, entrou no mérito da questão, tendo analisado o auto de notícia e o auto de apreensão e sobreposto a sua interpretação destes documentos àquela que o assistente verteu no articulado que apresentou.
6. Em primeiro lugar, o assistente deixou claro, no articulado que apresentou, que a falsificação se traduz na circunstância de os arguidos terem atestado no auto de notícia e no auto de apreensão que as mil cento e quinze peças de vestuário que apreenderam são similares às da marca …, quando, na verdade, grande parte das peças apreendidas não apresenta qualquer semelhança, por mínima que seja, com os artigos daquela marca – veja-se, a título de exemplo, os artigos 10.º a 13.º, 22.º, 23.º, 26.º a 29.º, 39.º a 42.º e 56.º (especificamente 4.º a 7.º) do requerimento para abertura da instrução.
7. O assistente jamais referiu, como o tribunal a quo parece sustentar, que a falsificação reside no facto de os arguidos terem atestado no auto de notícia e no auto de apreensão que existiam peças de vestuário semelhantes às da marca …, o assistente afirma, tal como consta do requerimento para a abertura da instrução, que a falsificação se traduz no facto de os arguidos terem afirmado que tal se verificava em relação às mil cento e quinze peças que apreenderam.
8. Em segundo lugar, o tribunal a quo, em vez de se limitar a verificar se a factualidade que o assistente alegou é suscetível de integrar o tipo objetivo do crime de falsificação de documento previsto e punido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, como se impunha, procedeu a uma análise da documentação constante dos autos.
9. O procedimento do tribunal consistiu em analisar a documentação e comparar o seu teor com o do requerimento para a abertura da instrução, tendo sustentado que, ao contrário daquilo que o assistente afirma, os arguidos não atestaram que as mil cento e quinze peças são semelhantes às da marca …, mas que existiam peças com parecenças às desta marca, o que, bem vistas as coisas, é confirmado pelo próprio assistente, verificando-se, assim, que não foi praticado qualquer crime.
10. Todavia, o tribunal a quo não poderia ter procedido desta forma, posto que a interpretação a fazer da documentação contante dos autos contende com o mérito da causa, extravasando, assim, em grande medida, a análise que deve ser feita para admitir ou rejeitar o requerimento para abertura da instrução.
11. Mais, ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que as afirmações que constam do auto de notícia e do auto de apreensão dizem, obviamente, respeito às mil cento e quinze peças. E isto porque as mil cento e quinze peças só puderam ser apreendidas porque se atestou que as mesmas eram similares às da marca …, caso contrário inexistiria fundamento para a apreensão.
12. O n.º 3 do artigo 287.º indica, de forma taxativa, os fundamentos que podem conduzir à rejeição do requerimento para abertura da instrução, os quais devem ser apreciados única e exclusivamente com base na leitura do próprio requerimento, ficando as questões relacionadas com a prova da alegação do assistente relegadas para a fase de instrução propriamente dita.
13. Descendo ao caso concreto, no articulado apresentado pelo assistente são, conforme já se demonstrou, alegados factos suscetíveis de integrar o tipo objeto do crime de falsificação de documento previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 256.º do Código Penal, razão pela qual, ao rejeitar o requerimento para abertura da instrução, o tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 287.º do Código de Processo Penal.
14. Nestes termos, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro em que o requerimento para abertura da instrução seja admitido, declarando-se aberta a fase da instrução.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida, sem formular conclusões.
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância e defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2 – Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)
A questão a decidir neste recurso consiste, assim, em saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a admissão do requerimento de abertura de instrução, por não existir inadmissibilidade legal da mesma.
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3- Fundamentação:
3.1. – Fundamentação de Facto
É a seguinte a decisão recorrida:
“ (…) Nos presentes autos AA, na qualidade de assistente e arguido, requereu a abertura de instrução na sequência da prolação do despacho final de arquivamento proferido de harmonia com o disposto no artigo 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, relativamente a factos imputados a BB, CC e DD, e da prolação de acusação contra si.
No requerimento de abertura de instrução manifestou as suas razões de discordância relativamente ao despacho de arquivamento, tendo requerido produção probatória no sentido de serem apurados os factos constantes da queixa. Para o efeito invocou que os arguidos expuseram nos autos de notícia e de apreensão que peças de vestuário detidas por si eram similares às da marca …, o que não corresponde à verdade porquanto apenas algumas o eram, tendo-o feito para o prejudicar pois ficaria impossibilitado de as comercializar.
Mais manifestou os fundamentos pelos quais diverge da acusação pública deduzida contra si, indicando os meios de prova que determinam uma decisão contrária.
Cumpre apreciar e decidir.
i. Requerimento de abertura de instrução deduzido na qualidade de assistente
Como resulta do teor do artigo 287.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura da instrução deduzido pelo assistente deve conter as menções previstas no artigo 283.º, n.º 3, al. b), e d), do mesmo diploma legal, ou seja, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena e a indicação das disposições legais aplicáveis. Por conseguinte, opera como uma verdadeira acusação, devendo, por isso, conter todos os elementos factuais subsumíveis ao tipo de crime por que pretende a sua pronúncia – neste sentido, a título exemplificativo, vide, Ac. TRL de 22/02/2023, desembargadora relatora Carla Francisco, proc. n.º 228/19.0T9OER.L1-5, in www.dgsi.pt.
A própria jurisprudência do Tribunal Constitucional igualmente já se pronunciou no sentido de “a estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia a concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.” – in Ac. do TC n.º 358/2004, de 19 de Maio, publicado na 2.ª série do D.R. n.º 150, de 28 de junho de 2004.
Dispõe o artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.”
Não havendo dúvidas quanto à tempestividade e competência do presente Tribunal para apreciar o requerimento ora em apreço, resta aferir da sua admissibilidade legal.
É entendimento uniforme da jurisprudência, inclusive dos Tribunais superiores, que a falta de enunciação de factos suficientes para integrar o tipo objetivo e subjetivo de crime no requerimento de abertura de instrução do assistente configura uma causa de rejeição do mesmo por “inadmissibilidade legal” pois os mesmos não poderão ser aditados a posteriori pelo juiz de instrução criminal – e, após, pelo juiz de julgamento – por implicarem uma alteração substancial dos descritos na acusação / despacho de pronúncia – cfr. artigos 309.º, n.º 1 e 359.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 25/11/2020, desembargador relator José Carreto, proc. n.º 4043/16.4T9VNG.P1, in www.dgsi.pt.
Ora, da análise do requerimento de abertura de instrução constata-se que o mesmo é omisso quanto aos elementos objetivos do tipo de ilícito pelo qual pretende a prolação do despacho de pronúncia.
Com efeito, pese embora a par de justificar a discordância com a apreciação probatória efetuada pelo Ministério Público apresente um elenco de factos pelos quais o arguido deve ser levado a julgamento, certo é que os mesmos não consubstanciam a prática do crime imputado.
Vejamos.
Refere o assistente que do auto de notícia resulta que “nos artigos expostos verificou-se a existência de peças de vestuário que ostentavam imagens bordadas e gravadas em etiquetas de cartão apostas nas peças, similares à presente nos artigos de vestuário da marca …”, resultando do auto de apreensão que “AA, supra identificado, expunha para venda ao público vários artigos de diversas marcas, concretamente os constantes na lista anexa ao presente auto, que suscitaram fortes suspeitas da prática do crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos.”
Ademais, o próprio não discute a existência das referidas peças, como é evidente, nomeadamente, da leitura dos artigos 13, 17, 18 e 42 do seu requerimento de abertura de instrução – este último que consubstancia uma transcrição das suas declarações –, antes sustentando que não o são as 1115 peças apreendidas.
Ora, tendo sido atestada nos documentos cuja genuinidade é colocada em causa pelo assistente “a existência de peças de vestuário” e “vários artigos de diversas marcas” com imagens similares a artigos da marca …, dúvidas não há que dos mesmos não resulta que os arguidos aí verteram que todos os artigos se encontram em tal situação – como interpreta o assistente –, antes, tal como é admitido por este, que alguns o estão.
Prevê o artigo 256.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, que “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime (…) fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante”, comete o crime de falsificação ou contrafação de documento.
Uma vez que os factos vertidos nos documentos em apreço correspondem à verdade – pelo menos à verdade apresentada pelo assistente no seu requerimento de abertura de instrução – pois deles resultam a existência de peças de vestuário similares à marca …, precisamente aquilo que é por aquele admitido, não estão alegados factos subsumíveis ao conceito de falsidade previsto no referido preceito legal.
Pelo exposto, entende o Tribunal que inexistem no requerimento de abertura de instrução quaisquer factos passíveis de preencher o elemento objetivo do tipo de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. d) e 4, do Código Penal, uma vez que não se encontram alegados quaisquer factos que consubstanciam a desconformidade dos factos constante dos documentos com a realidade, estando verificada uma situação de inadmissibilidade legal nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Ademais, constata-se que o que pretende o assistente com a dedução da denúncia que deu origem ao presente processo é alterar o desfecho do processo n.º 47/17.8… que foi arquivado por ter sido cumprida a injunção a que a suspensão provisória do processo ficou condicionada, colocando em causa documentos que estiveram na base daquela decisão o que não é o escopo dos processos crime.
Termos em que se rejeita o requerimento de abertura de instrução do assistente AA com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286.º, n.º 1, 287.º, n.º 2 a contrario e 3, do Código de Processo Penal.
Custas pelo assistente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Notifique com cópia.”
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3.2.- Mérito do recurso
Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que rejeitou o requerimento do assistente para abertura de instrução, com fundamento na inadmissibilidade legal da mesma, face ao disposto no art.º 287º, nº 3 do Cód. de Proc. Penal.
Segundo o previsto no art.º 286º, nºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Penal, a instrução é uma das fases preliminares do processo, com carácter facultativo, que visa a comprovação judicial do despacho de encerramento do inquérito, ou seja, da decisão de deduzir acusação ou despacho de arquivamento, em ordem a submeter ou não uma causa a julgamento.
Diz-nos o citado art.º 287º, nos seus nºs 1 e 2, que a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de vinte dias, a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, não estando o requerimento sujeito a formalidades especiais, mas devendo conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que se justifique, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do art.º 283º do mesmo diploma.
Prevê-se nesta norma que:
“ 3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
(…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis; (…)”.
Ora, a instrução a requerimento do assistente, na sequência da não acusação do arguido, tem por finalidade conseguir a submissão deste a julgamento pelos factos que, no entender do assistente, consubstanciam a prática de uma actividade criminosa e que podem levar à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.
Por esta razão, e em obediência aos princípios do acusatório e do contraditório que regem o processo penal, o requerimento de abertura de instrução do assistente tem que ter uma estrutura semelhante a uma acusação, dado que, à semelhança do que é exigido para a acusação, o citado art.º 287º, nº 2 impõe que o requerimento contenha a descrição clara e ordenada, ainda que sintética, de todos os factos susceptíveis de responsabilizarem criminalmente o arguido, ou seja, dos factos que preencham todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime e que permitam conduzir a uma decisão de pronúncia.
Este requerimento, em caso de arquivamento do inquérito pelo Ministério Público, equivalerá em tudo a uma acusação, condicionando e limitando, da mesma forma, a actividade de investigação do juiz e a própria decisão final instrutória.
Tal como acontece com a acusação, também o requerimento de abertura da instrução tem em vista delimitar o thema probandum desta fase processual, ou seja, determina o âmbito e o limite da intervenção do juiz em sede de instrução.
A vinculação do Tribunal aos factos alegados, limitadora da atividade instrutória, decorre não só da natureza judicial desta fase processual, como também da estrutura acusatória do processo penal e das garantias de defesa do arguido, consagradas no art.º 32º, nºs 1 e 5 da CRP, e não só funciona como mecanismo de salvaguarda do arguido contra o alargamento arbitrário do objecto do processo, como lhe permite a preparação da defesa, no respeito pelo princípio do contraditório.
É que na instrução não se pode fazer uma verdadeira investigação, porquanto a mesma não é um novo inquérito, nem se pode através dela alcançar os objetivos próprios do inquérito, havendo outros meios processuais adequados a esse efeito, como sejam a intervenção hierárquica e a reabertura do inquérito, previstos nos art.sº 278º, nº 2 e 279º do Cód. Proc. Penal.
Admitir entendimento diverso, levaria a transferir para o juiz o exercício da ação penal, ao arrepio de todos os princípios constitucionais e legais em vigor, e a transformar a natureza da instrução de contraditória em inquisitória. ( Confrontar, neste sentido, o Acórdão do TRP de 15/09/2010, proferido no processo nº 167/08.0TAETR-C1.P1, em que foi relator Vasco Freitas, in www.dgsi.pt, onde se pode ler que: “(…) De facto, a liberdade de investigação conferida ao juiz de instrução pelo art. 289º como decorrência do princípio da verdade material que enforma o processo penal, e que lhe permite levar a cabo, autonomamente, diligências de investigação e recolha de provas, não é absoluta, porque está condicionada pelo objecto da acusação. A actividade processual desenvolvida na instrução é uma actividade “materialmente judicial e não materialmente policial ou de averiguações”. Entre as causas de rejeição do requerimento para abertura de instrução previstas taxativamente no nº 3 do art. 287º conta-se a “inadmissibilidade legal da instrução”. Neste conceito cabem apenas as deficiências do conteúdo de tal requerimento, nomeadamente quando dele resultar falta da tipicidade da conduta - e já não as suas deficiências formais. Devendo a pronúncia descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (nº 1 do art. 308º), se o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente não contiver tais factos - e sendo nula a pronúncia que os viesse a incluir a despeito de tal omissão -, então temos que, em tais casos, a instrução é inútil, porque não pode legalmente conduzir à pronúncia do arguido. Ora, não admitindo a lei a prática de actos inúteis (arts. 137º do C.P.C. e 4º do C.P.P.), será “legalmente inadmissível a instrução quando seja requerida pelo assistente e este não descreva no seu requerimento os factos integradores do crime pelo qual pretende a pronúncia do arguido (…)”).
Relacionado com estas exigências está também o regime de nulidades previsto no art.º 309º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, o qual comina com a nulidade a decisão instrutória “na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”.
De tudo o exposto decorre que o legislador quis efectivamente conferir ao requerimento para abertura da instrução uma feição e estrutura similares a uma acusação, devendo o mesmo conter todos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e ter o seu objecto definido de uma forma clara e suficientemente rigorosa, a fim de permitir a organização da defesa.
É o que defende Germano Marques da Silva, in “ Curso de Processo Penal III”, págs. 136 e 137: “Em tal caso, de instrução requerida pelo assistente, o seu requerimento deverá, a par dos requisitos do nº1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e à elaboração da decisão instrutória”.
Nesta matéria, também se pronunciou Souto Moura, in “ Jornadas de Direito Processual Penal “, págs. 120 e 121: “Se o assistente requerer a abertura da instrução sem a mínima delimitação do campo factual sobre que há-de versar, a instrução será inexequível”.
E ainda Henriques Gaspar, in “As exigências da investigação no processo penal durante a fase de instrução” - “Que Futuro para o Processo Penal”, 2009, pág. 92 e 93: “ (…) a estrutura acusatória do processo determina que o thema da decisão seja apresentado ao juiz, e que a decisão deste se deva situar dentro da formulação que lhe é proposta no requerimento para a abertura de instrução. (…) Os termos em que a lei dispõe sobre a definição do objecto da instrução através do requerimento para abertura desta fase processual têm de ser compreendidos pela estrutura e exigências do modelo acusatório. (…) O requerimento para a abertura de instrução constitui pois o elemento fundamental de definição e de determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz na instrução: investigação autónoma, mas delimitada pelo tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura de instrução.”
É também este o sentido em que vem decidindo a jurisprudência maioritária, referindo-se a título de exemplo o acórdão do STJ de 13/01/2011, proferido no processo nº 3/09.0YGLSB.S1, em que foi relator Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt e onde se pode ler que: “ I - O requerimento para abertura da instrução, quando apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento do MP, deve observar o disposto no art. 283.º, n.º 3, als. b) e c), do CPP, quer dizer, deve conter a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis. II - Não tendo sido formulada acusação pelo MP, o requerimento para a abertura da instrução funciona como equivalente dessa acusação, do qual decorre a vinculação factual que o juiz tem de respeitar, pautando a sua conduta no processo, por força do princípio do acusatório, dentro dos parâmetros fornecidos por aquela delimitação factual, uma vez que o juiz não actua oficiosamente e não investiga por conta própria, embora dirija e conduza a instrução de forma autónoma. III -Nestes casos, o requerimento para a abertura de instrução subscrito pelo assistente, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, resultando da falta de indicação dos factos essenciais à imputação da prática de um crime ao agente a inutilidade da fase processual de instrução. IV -Um dos princípios que presidem às normas processuais é o da economia processual, entendida como a proibição da prática de actos inúteis (art. 137.º do CPC). O CPP não contém norma equivalente, mas tal não impede a aplicação deste preceito nos termos do art. 4.º do CPP, por se harmonizar em absoluto com o processo penal, havendo afloramentos do referido princípio no art. 311.º, ao permitir ao juiz rejeitar a acusação manifestamente infundada e no art. 420.º ao prever a rejeição do recurso quando for manifesta a sua improcedência. V - Se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente, concluir que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que narra jamais constituirão crime, deve rejeitar tal requerimento, por o debate instrutório nenhuma utilidade ter, porque “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, … quando este for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido” (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/2005). VI -A instrução é de considerar legalmente inadmissível quando, pela simples análise do requerimento para a abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se concluir que os factos narrados pelo assistente jamais podem levar à aplicação duma pena ao arguido. VII - Nos casos em que exista um notório demérito do requerimento de abertura de instrução, a realização desta fase constitui um acto processual manifestamente inútil por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. VIII - O assistente indicou, com minúcia, a conduta do denunciado que, na sua óptica, era integradora dos tipos de crime que entende preenchidos; porém, claudicou quanto ao elemento subjectivo, ficando-se pelo mero uso de expressões conclusivas, sem alegar qualquer facto capaz de pôr em evidência o motivo por que o denunciado voluntariamente assim agiu. IX -Como os poderes de indagação do juiz de instrução se encontram limitados pelos factos alegados, vedado lhe fica indagar das razões por que aquele teria agido contra direito com a finalidade de prejudicar o assistente e de beneficiar a contra-parte, o que constitui verdadeiramente um dos pressupostos do requerimento de abertura de instrução.(…).”
Voltando ao caso dos autos, do requerimento de abertura da instrução em apreço decorre que o crime cuja prática o assistente pretende imputar aos arguidos é o de falsificação de documento.
O crime de falsificação ou contrafacção de documento vem tipificado no art.º 256º do Cód. Penal pela seguinte forma:
“1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito;
é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.
4 - Se os factos referidos nos n.ºs 1 e 3 forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”
Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, in “ Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ”, 5ª edição atualizada, UCP, págs. 1029 a 1035, este crime caracteriza-se, em suma, pela seguinte forma:
- os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a segurança e a credibilidade na força probatória de um documento destinado ao tráfico jurídico;
- o bem jurídico só é atingido pela utilização do documento falso, mas não ainda pela fabricação ou falsificação do documento;
- no que respeita ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos, este crime é um crime de perigo abstrato quando cometido nas modalidades previstas nas alíneas a) a d) do nº 1, e um crime de dano quando cometido nas modalidades previstas nas alíneas e) e f) do mesmo número;
- quanto à forma de consumação, trata-se de um crime de resultado nas modalidades previstas nas alíneas a) a d) do nº 1, e um de crime de mera actividade nas modalidades previstas nas alíneas e) e f) do mesmo número;
- o tipo objectivo pode assumir uma das seguintes modalidades: fabricação ex novo do documento; modificação a posteriori de um documento já existente; integração no documento de uma assinatura de outra pessoa; declaração de um facto falso juridicamente relevante; integração no documento de uma declaração distinta daquela que foi prestada; circulação do documento falso;
- o tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo;
- o tipo inclui ainda um elemento típico subjectivo que é a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime;
- é um crime de resultado cortado, dado que não se exige que se verifique o prejuízo efectivo de outra pessoa ou do Estado, o benefício ilegítimo do agente ou de terceira pessoa ou o cometimento de outro crime.
Como se viu, este crime é doloso quanto ao seu elemento subjectivo.
De acordo com o disposto no art.º 14º do Cód. Penal, o dolo pode assumir uma das seguintes modalidades:
“1 - Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar.
2 - Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta.
3 - Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização.”
Para preenchimento do crime de falsificação de documento alega o assistente que os arguidos, no decurso de uma acção inspectiva, procederam à apreensão de 1115 peças de vestuário que o assistente tinha expostas para venda, tendo escrito no auto de notícia que os produtos apreendidos ao assistente ostentavam imagens bordadas e gravadas em etiquetas de cartão apostas nas peças similares às presentes nos artigos de vestuário da marca “…”, sendo tais declarações falsas, pois grande parte das peças apreendidas não apresenta qualquer semelhança, por mínima que seja, com as peças da referida marca.
Para o assistente é aqui que reside a falsificação, considerando que as afirmações que os arguidos inseriram no auto de apreensão são falsas.
Quanto ao preenchimento do elemento subjectivo, o assistente referiu que os arguidos sabiam que estavam a falsificar um documento e, apesar disso, decidiram fazê-lo, agindo com intenção de garantir que o assistente ficava desapossado das peças de vestuário e que, dessa forma, não conseguiria vendê-las e ainda com a finalidade de realizar uma apreensão considerável, obtendo para si benefício ilegítimo.
Ora, analisado o requerimento de abertura de instrução, verifica-se que no mesmo o assistente se limita a alegar, genericamente, que os arguidos exararam no auto de apreensão de produtos declarações que não correspondem à verdade.
Sucede, porém, que não são aí alegados quaisquer factos dos quais se possa concluir que as declarações constantes do auto são falsas, ou seja, o assistente não alegou factos que expliquem porque é que as declarações em causa são falsas.
E tanto assim é, que o próprio assistente aceitou que eram seus os artigos apreendidos, que os mesmos se destinavam a ser vendidos e que parte deles ostentavam símbolos similares ou confundíveis com os da marca “…”, não todos os artigos apreendidos, mas apenas parte deles.
Também não se mostram alegados factos que permitam concluir pelo preenchimento do elemento subjectivo do tipo, consubstanciado no conhecimento e vontade da prática daquelas condutas.
Mas, ainda que tal ocorresse, também teria que estar especificado o elemento subjetivo adicional que consiste na intenção do agente de obter, para si ou para outra pessoa enriquecimento ilegítimo ou de causar prejuízo a terceiro.
Esta ausência de alegação revela uma insuficiência de factos impossível de suprir pelo Juiz de Instrução, como supra referido.
Apesar de não existirem “fórmulas sacramentais” de descrição de factos, há mínimos de descrição factual que o recorrente não cumpriu relativamente a todos os elementos deste tipo legal de crime.
Ora, a ausência da descrição dos referidos factos no requerimento de abertura da instrução constitui motivo para a sua rejeição, sendo de aplicar aqui a doutrina fixada pelo STJ no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, publicado no D.R. nº 18/2015, Série I de 27/01/2015, por identidade de razão, e que é a seguinte: «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal.» ( neste sentido decidiu também o Acórdão do TRE, datado de 17/03/2015, proferido no processo nº 1161/12.1GBLLE.E1, em que foi relator Sérgio Corvacho, in www.dgsi.pt ).
Não tendo sido articulados no requerimento de abertura da instrução todos os factos necessários a uma eventual decisão de pronúncia, impõe-se concluir que o assistente não cumpriu o ónus previsto no art.º 283º, nº 3, al. b) do Cód. Proc. Penal, o que importa a rejeição liminar do requerimento de abertura da instrução, nos termos do art.º 287º, nº 3 do mesmo diploma, por inadmissibilidade legal desta fase processual.
É que ao não serem elencados todos os factos necessários a uma decisão de pronúncia, é inútil iniciar a fase de instrução, segundo o princípio constante do art.º 130º do Cód. Proc. Civil, aplicável por remissão do art.º 4º do Cód. Proc. Penal (cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2007, página 737).
O STJ tem entendido que na densificação do conceito da «inadmissibilidade legal da instrução» se integram os casos em que, pela simples apreciação do requerimento de abertura de instrução, e sem recurso a qualquer elemento externo, o juiz possa concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à pronúncia do arguido e à eventual aplicação de uma sanção após o julgamento, seja por falta de pressupostos processuais, seja pela não verificação de condições objectivas de punibilidade, seja porque os factos invocados não constituem um crime.
Neste contexto, há ainda que ter em conta a seguinte jurisprudência fixada no acórdão do STJ nº 7/2005, de 12/05/2005, in www.dgsi.pt: “ Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.”
Por estar vedado ao juiz o convite ao aperfeiçoamento do requerimento do assistente, torna-se necessário que este alegue no requerimento de abertura de instrução todos os factos concretos suscetíveis de integrar os elementos, objetivos e subjetivos, do tipo de crime que imputa ao arguido, pois a sua posterior adição constituirá uma alteração substancial dos factos, nos termos previstos no art.º 1º, al. f) do Cód. Proc. Penal, que a lei não permite.
Em suma, estaremos perante um caso de inadmissibilidade legal da instrução, que dará lugar à sua rejeição, nos termos do nº 3 do citado art.º 287º do Cód. Proc. Penal, quando da análise do requerimento para abertura da instrução resulta que o assistente não cumpriu o ónus de descrever com clareza os factos dos quais decorre o cometimento pelo arguido de determinado ilícito criminal, pelo que, em consequência, também não delimitou o objeto do processo, não permitiu o exercício do direito de defesa e não forneceu ao Tribunal os elementos sobre os quais teria que proferir um juízo de suficiência ou insuficiência dos indícios da verificação dos pressupostos da punição.
Foi o que sucedeu no caso dos presentes autos.
Impõe-se, assim, concluir que a decisão recorrida não merece censura, julgando-se o presente recurso improcedente.
*
4 – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo-se integralmente a decisão do Tribunal a quo.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Évora, 22 de Outubro de 2024
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94º, nº 2 do Código de Processo Penal)
Carla Francisco
(Relatora)
Laura Goulart Maurício
Manuel Soares
(Adjuntos)