RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DEVER DE VIGILÂNCIA
Sumário

I - O dever de vigilância previsto no art. 493.º do CC, cuja omissão pode fundar responsabilidade civil extracontratual, consiste numa obrigação de supervisão, controlo, monitorização e informação sobre as fontes de risco de produção e eclosão de prejuízos das coisas detidas, no sentido da prevenção desse especial perigo enquanto origem de danos para terceiros e da precaução necessária para evitar o dano.
II - Não trata aquele normativo de uma responsabilidade pelo risco pelo que na avaliação daquele dever não pretendeu o legislador que só pelo facto de deter os bens à sua guarda o proprietário deva exercer sobre os mesmos deveres de vigilância tais que, na prática, transformem a responsabilidade civil subjetiva em responsabilidade pelo risco
III - Tendo um incêndio tido origem num frigorífico acondicionado numa fração destinada ao comércio, apurando a Polícia Judiciária que o mesmo, apesar de apenas ter pouco mais de três anos de uso, ardeu de forma acidental, considera-se inexistir responsabilidade do dono do eletrodoméstico e do imóvel onde o mesmo se achava, no tocante aos danos ocasionados noutras frações pelo alastramento do incêndio, por resultar daquelas conclusões periciais e da juventude do equipamento suficientemente ilidida a presunção de culpa (ou mesmo de ilicitude) decorrente do art. 493.º, n.º 1 do CC.

Texto Integral

Proc. n.º 362/00.3T8AMT.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

AUTORES: AA e BB, casados entre si, ele empresário, e ela funcionária de limpeza, residentes na Rua ..., freguesia ..., ....

RÉUS: CC e mulher, DD, comerciantes, residentes na Rua ..., ..., ....

Companhia de Seguros A..., S.A., com sede na Rua ..., ....

Por via da presente ação declarativa, pretendem os AA. a condenação dos RR. a indemnizá-los em € 9.218,83, valor que despenderam na reconstrução da sua fração imóvel destinada a comércio e em €100,00, valor que descontaram na renda devida pela sociedade arrendatária que ocupa, em virtude de arrendamento comercial, aquela fração.

Alegam serem proprietários de uma fração destinada a comércio em prédio no qual os 1.ºs RR. são donos de uma outra fração contígua. Mais afirmam que, na fração dos RR. foi iniciado um incêndio que se alastrou ao resto do prédio, tendo consumido a fração dos AA. que, assim, foram obrigados a fazer obras de reparação e reconstrução. A segunda Ré é responsável mercê da existência de contrato de seguro.

Contestaram os primeiros RR., defendendo-se por exceção, invocando a prescrição por decurso do prazo de três anos previsto no art. 498.º CC.

No mais, dizem que o incêndio em causa teve origem em acidente, como ficou demonstrado em processo criminal que foi arquivado por tal motivo. O frigorífico cujo sistema elétrico deu causa ao sinistro era recente e achava-se em local que dispunha de adequada ventilação.

Também a seguradora contestou, argumentando com a prescrição do direito dos AA., mais alegando não poder ser-lhe exigida responsabilidade por dos termos do contrato de seguro resultar que apenas responde por factos ilícitos. Refere, ainda, que tratando-se de seguro facultativo é parte ilegítima, só podendo o lesado demandar diretamente os tomadores do seguro.

Convidados a exercer o contraditório, os AA. pugnam pelo prazo mais dilatado de prescrição, por se tratar da prática de um crime de incêndio, nos termos dos arts. 498.º, n.º 3 do CC e 272.º, n.º 1 a) do CP. Disseram, além disso, que mesmo a tratar-se de prazo de três anos, esteve suspenso enquanto permaneceu pendente o processo criminal.

Afirmam a legitimidade a seguradora, não obstante tratar-se de seguro facultativo, porque se verifica a situação prevista no art. 140.º do Regime Jurídico do Contrato de seguro – ter o segurado informado da existência de seguro e terem-se iniciado negociações diretas com o segurador.

Em despacho saneador foram julgadas improcedentes a exceção de ilegitimidade da Ré e a de prescrição.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 27.2.2024, a qual julgou a ação improcedente e absolveu os RR. do pedido.

Desta sentença recorrem os AA., visando a sua revogação, com base nos argumentos que assim concluíram:

1-O ponto 10 dos factos provados foi incorretamente julgado, impondo-se a correção da mesma, porquanto da prova produzida e carreada para os autos, designadamente a prova documental junta aos autos, dos depoimentos de parte prestados pelos 1.ºs Réus, bem como da prova testemunhal ouvida em sede de audiência de julgamento, resultou provado que o incêndio ocorrido no dia 26 de janeiro do ano de 2017, por volta das 05h40, deflagrou, não no edifício ..., outrossim na fração autónoma designada pela letra “K” que faz parte do prédio constituído em regime de propriedade horizontal denominado edifício ..., da propriedade dos 1.ºs Réus e na qual estes exploram um estabelecimento comercial de florista -, matéria esta que deve ser dada como provada.

2- Desde logo, da prova documental junta aos autos, designadamente da certidão judicial extraída do processo-crime com o NUIPC ...5/17.0JAPRT, que correu termos pelo DIAP de Amarante e dos respetivos Relatórios Periciais elaborados pela Polícia Judiciária, datados respetivamente de 26.01.2017 e de 31.01.2017, ficou apurado que o incêndio em causa nos autos teve o seu inicio numa parte concreta do edifício ..., designadamente na fração K da propriedade dos 1.ºsRéus/Recorridos e na qual estes exploram um estabelecimento comercial de florista, conforme excertos que se passam a transcrever: “Local de início do incêndio-Num frigorífico que existia num compartimento pequeno sem ventilação (casa de banho) na loja onde funcionava uma florista; Propriedade: DD (leia-se, 1.ª Ré)”; Resultado do exame: (…) apurou-se que o início do incêndio ocorreu nas instalações da Florista ..., mais precisamente numa pequena casa de banho onde existia um aparelho frigorífico”; Do exame realizado numa superfície comercial (florista) inserida no piso térreo de um prédio urbano, sita na Av.ª..., edifício ..., ..., ... (…), foi identificada uma única zona onde terá deflagrado o ponto de inicio do incêndio – o frigorifico vertical que se encontra instalado no w.c./arrumos. (…)

3- No mesmo sentido, no douto despacho de arquivamento proferido pelo Sr. Procurador do Ministério Público – D.I.A.P. ..., datado de 01.03.2017, que se transcreve: “resulta que o incêndio em causa terá tido origem (...), concretamente na parte inferior de um frigorífico existente nu pequeno compartimento, sem ventilação, sito no interior da loja onde funcionava a florista “...”.

4- De igual modo, das declarações de parte dos 1.ºs Réus, proferidas em sede de audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 13.01.2023, foram os próprios a confessar tal facto, ou seja, que o incêndio teve a seu origem num frigorifico que tinham colocado na casa de banho da fração de que são donos designada pela letra “K” na qual exploram uma florista, cujas declarações supra se transcreveram e para as quais se remete por uma questão de economia processual: Réu – CC (entre os minutos 1.49 a 1.52; minutos 3.21 a 3.28; minutos 4.58 a 5.00 e minutos 29.53 a 29.5). Ré – DD, entre os minutos 1.36 a 1.37; (1.37 a 1.40, 2.42 a 2.52, 2.56 a 2.57 e 3.39 a 4.07.

5- De igual modo, provado, pelos depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 15.06.2023, EE - Especialista da Policia Cientifica da PJ – (depoimento entre os minutos 03.58 a 4.35), e FF (da PJ) – (depoimento entre os minutos 2.26 a 3.22), cujos depoimentos supra se transcreveram e para os quais se remete por uma questão de economia processual.

6- Por todo o exposto, impõem-se aqui esta chamada de atenção prévia para a incorreção da matéria de facto provada quanto ao referido aspeto do ponto 10 dos factos dados como provados.

7- O ponto 21 dos factos provados foi incorretamente julgado porquanto entendeu o Tribunal recorrido que “Tais elementos (leia-se, danos na fração “J) resultaram totalmente destruídos tendo sido necessária a sua reparação e cujo custo ascendeu ao valor de 9.219,83€, correspondente ao valor das obras efetuadas para a aludida reparação”.

8- Todavia, da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, resultou ainda provado que foram os Recorrentes quem mandaram executar as referidas obras e quem as custearam.

9- Com efeito, resulta do documento n.º 6 junto aos autos pelos Autores com a PI, uma fatura da empresa de construção civil denominada GG emitida ao Recorrente marido, com o n.º 54, datada de 22/03/2017, com referência aos trabalhos realizados na aludida fração autónoma da sua propriedade designada pela letra “J”, no valor de 9.219,83€.

10- Em abono da verdade, fruto do incêndio dos autos e da consequente destruição da fração autónoma designada pela letra “J” da propriedade dos Recorrentes, estes viram-se obrigados a mandar executar os trabalhos melhor descriminados na aludida fatura e a pagar o respetivo preço.

11- Tal facto resulta provado ainda do depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 13.01.2023, a saber: HH (depoimento entre os minutos 7.17 a 7.18, 7.31 a 7.32, 7.33 a 7.57, 8.31 a 8.34, 8:38 a 8:58), da testemunha II (depoimento entre os minutos 6:26 a 6:55, 7:06 a 7:08, 8:21 a 8:23, 8:25 a 8:29), da testemunha GG (depoimento entre os minutos 1:25 a 1:26, 1:32 a 2:13,:14 a 2:46, 3:00 e 3:03 a 3:04) e que supra se transcreveram e para os quais se remete por uma questão de economia processual.

12- Por considerarem ser matéria controvertida com relevância para a boa decisão da causa e, bem assim entenderem dela terem feito prova, pugnam os Recorrentes pelo acréscimo do seguinte ponto à matéria de facto dada como provada: “Os Autores repararam e custearam as obras realizadas na sua fração designada pela letra “J”.

13- O ponto 34 dos factos provados foi incorretamente julgado porquanto, o Tribunal recorrido considerou que “Após tais averiguações, a aludida empresa concluiu que o frigorífico no qual teve origem o incêndio era de marca Indesit e havia sido adquirido em Outubro de 2013 e que o evento decorreu de anomalia de caracter súbito e ou imprevisto dos componente instalados na base do eletrodoméstico, apresentando-se como acidental”.

14- Os Recorrentes entendem que da prova produzida e carreada para os autos, designadamente da testemunhal, não resulta a prova da referida matéria, na parte em que se refere, ao “caracter súbito e ou imprevisto” da avaria (sublinhado nosso), pelo que a mesma deve ser dada como não provada.

15- Desde logo, porque na data da recolha e posterior perícia, os restos do eletrodoméstico já se encontravam carbonizados, não podendo resultar da perícia se a avaria ocorreu no momento imediatamente anterior ao início do incêndio, e aí súbita, ou se já existia previamente.

16- Conforme resulta provado do depoimento das testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, realizada no dia 15.06.2023, EE - especialista na Polícia Cientifica na PJ- (depoimento entre os minutos 4:44 a 4.56, 4.57 a 05.06, 5.18 a 5.22, 6.04 a 6.22, 6.39 a 6.45, 6.55 a 7.11), e FF- Inspetor da PJ – (depoimento entre os minutos 3.00 a 3:22, 3:38 a 3:42, cujos depoimentos supra se transcreveram e para os quais se remete por uma questão de economia processual.

17- Ante o exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter dado como não provada a parte do ponto 34 da matéria de facto provada, que faz referência ao “carácter súbito e imprevisto” da anomalia, dado que os Recorridos não lograram fazer prova de tal facto, e por este motivo sempre deverá passar a figurar na factualidade não provada.

18- O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos art. 483 e 493, n.º 1, do Código Civil.

19- Os Recorrentes, na sua petição inicial, filiam a sua concreta pretensão de tutela jurisdicional com base na alegada omissão pelos 1.ºs Réus, proprietários do imóvel onde deflagrou o incêndio, do dever de tomar as precauções necessárias para evitar o risco de incêndio no seu imóvel e o respetivo alastramento aos prédios contíguos, nos quais se inclui o prédio dos Autores.

20- Mais alegam que em virtude dessa omissão os Autores sofreram danos que descreveram na petição inicial e que foram dados como provados na douta sentença de que se recorre.

21- Para fundamentar juridicamente a sua pretensão os Autores projetam o disposto nos arts. 48.3º e 493.º, n.º 1, do Código Civil (presunção da culpa) alegando que da conjugação destes normativos resulta para os Réus a obrigação de indemnizar os danos causados pelo incêndio proveniente do prédio de que são proprietários e utilizadores.

22- O art. 483º do CC estabelece a regra geral da responsabilidade por factos ilícitos, aí se prevendo a violação de direito de outrem e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

23- Assim, dispõe o art. 483 do CC que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

24- São, pois, pressupostos cumulativos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (dolo ou mera culpa), o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 416).

25- Sendo a culpa do lesante um elemento constitutivo do direito à indemnização, é ao lesado que incumbe fazer a sua prova, de acordo com a repartição do ónus da prova previsto no n.º 1 do art.º 342 do C.C.

26- Por outro lado, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 487º do C.C., em matéria de responsabilidade civil extracontratual é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, exceto se houver presunção legal de culpa.

27- As coisas, sobretudo imóveis, são passíveis de causar dano, carecendo de vigilância com a inerente prevenção, através da sua atenta manutenção e conservação, a cargo do seu proprietário ou possuidor.

28- Uma das situações em que a lei estabelece precisamente uma presunção legal de culpa está prevista no n.º 1, do art.º 493º do C.C., e que decorre do dever de vigilância do detentor material da coisa causadora do dano.

29- A responsabilidade decorrente deste normativo reporta-se aos danos que a coisa causar, os quais se devem distinguir dos danos causados com a coisa quando esta funcionou simplesmente como instrumento parcial da ação danosa empreendida pelo sujeito – Cfr. Ana Maria Taveira da Fonseca, in Novas Tendências da Responsabilidade Civil, Responsabilidade Civil por Danos causados pela Ruina de Edifício ou outras Obras”.

30- As coisas, móveis e imóveis, mesmo que não sejam por natureza perigosas, são susceptíveis de causar danos a terceiros, motivo pelo qual, para evitar a sua ocorrência, devem ser vigiadas.

31- Partindo deste pressuposto, dispõe o art.º 493º, n.º 1 do C.C. que deve responder pelos danos causados por uma coisa todo aquele que a detém com o dever de a vigiar.

32- O proprietário ou o possuidor só podem ser responsabilizados, enquanto tais, com base neste art.º 493 do C.C., se e, quando tiverem a detenção da coisa com o dever de a vigiar.

33- Com efeito, a culpa presume-se, nos termos do art.º 493, n.º 1 do C.C. o qual prescreve que “quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel com o dever de a vigiar (…) responde pelos danos que a coisa (..) causar”.

34- Este preceito responsabiliza, assim, quem tem a vigilância de coisa imóvel pelos danos que essa coisa causar a terceiros.

35- Deve entender-se por vigilância – no caso de imóveis – todo o acto do proprietário (ou do obrigado a vigilância) necessário a cuidar do seu estado de conservação e bom estado, de modo a que os mesmos não ponham em risco a integridade das pessoas e das coisas.

36- Tal como escreve Ana Prata em anotação ao art. 493 n.º 1 do C.C. “embora neste preceito pareça clara a letra da lei no sentido de consagrar uma presunção de culpa, o STJ já afirmou que a norma do art.º 493 n.º 1 do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte das pessoas que detêm a coisa incumprimento do dever de a vigiar (Ac. de 10.12.2013, 68/10.1TBFAG, S1, Nuno Cameira)”.

37- A maioria da jurisprudência dos tribunais superiores que têm vindo a acolher a corrente que atribui uma presunção simultânea de culpa e ilicitude, bastando ao lesado provar o evento e os danos por ele causados, presumindo-se ter existido por parte da pessoa que detém a coisa imóvel (proprietário e ou/locatário) o incumprimento do dever de vigilância.

38- A presunção de culpa no âmbito de responsabilidade delitual é indissociável da presunção da própria ilicitude, pelo que abrange ambos os pressupostos.

39- Neste veja-se Acórdão do TRP de 8.07.2015, que ora se transcreve: “I- Se o Autor provar que o incêndio que se propagou ao prédio e que o danificou proveio do interior do prédio do réu, mostra-se preenchido o ónus da sua prova (art. 342 do C.C.) de que o facto danoso teve origem ou causa na coisa sob vigilância do reu (art.º 493 n.º 1 do CC), não lhe cumprindo provar ainda a razão (sub-causa) desse incêndio (que poderá ter tido origem em variadas causas como um bico aceso do fogão, um curto circuito na instalação elétrica, etc); II – Estabelecendo o art.º 493 n.º 1 do C.C. uma presunção de culpa- que, em bom rigor, é simultaneamente uma presunção de ilicitude – face à ocorrência de danos, presume-se ter existido o dever de vigiar a cargo do proprietário onde deflagrou o incêndio (…).”.

40- Ora, entendeu a Meritíssima Juiz a quo o seguinte:“ No caso vertente, e assente o pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, sempre teria que ser cogitada a aplicação do regime geral previsto no art.483º do Código Civil – atuação culposa do agente lesante – ou e aqui, beneficiando da culpa presumida em que assenta ao abrigo do regime previsto do art. 493º, nº1 do CC, r3egra que disciplina a responsabilidade extracontratual baseada na culpa daquele que causa danos a outrem pelos danos que a coisa ou animais que o agente detém e relativamente à qual, dadas as suas caraterísticas tem o dever de vigiar evitando qualquer atuação danosa provinda da sua utilização/detenção. Se chamada à colação esta norma especial, o agente responderá pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa. Para concluir que não estando demonstrado, que o equipamento em causa apresentava avaria ou dano evidente, nada fazendo prever o evento, defender o contrário…implicaria para o lesante que a elisão da presunção de culpa apenas seria lograda no cenário absurdo de demonstração de permanente vigilância de um eletrodoméstico, o que, num cenário de normalidade em que o cidadão comum pode confiar que um frigorífico, com quatro anos, não se incendiará a qualquer momento, não temos por minimamente defensável”.

41- Assim, entende-se neste segmento da fundamentação que ficou ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 493, nº1 do C.C. porque nada se provou – no entendimento da Meritíssima Juíza a quo – sobre a existência de avaria ou anomalia que fosse visível para os Recorridos.

42- Na verdade consta dos relatórios da Polícia Científica e da entidade que efetuou perícia por conta da 2.ª Ré, que o evento foi acidental, espontâneo, afastando a possibilidade de atuação dolosa ou até negligente, em termos de se configurar responsabilidade criminal.

43- Estas perícias são efetuadas no âmbito de Inquérito Judicial, a primeira, e de investigação para definir eventual causa de exclusão de responsabilidade, a segunda.

44- Contudo, entendemos que estes resultados não relevam para efeito de ilidir a presunção de culpa do artigo 493.º, n.º 1 do C.C.

45- Sendo certo que, se nada se provou sobre atuação dolosa, a qualquer título, por parte dos réus, também é certo que se um incêndio se inicia na parte inferior do frigorífico, por sobreaquecimento, e daí prossegue para o resto da fração e se estende a outras, alguma avaria ou anomalia existiu.

46- E aquele frigorífico era dos Réus e encontrava-se ao serviço dos mesmos no interior da sua fração “K”.

47- Nem tão pouco se pode aceitar, sem mais, “a anomalia de carácter súbito e imprevisto nos componentes instalados na base do eletrodoméstico” referida no relatório da B..., já que na data da recolha e posterior perícia, os restos do eletrodoméstico se encontravam carbonizados. Não podendo resultar da perícia se a avaria ocorreu no momento imediatamente anterior ao início do incêndio, e aí súbita, ou se já existia previamente.

48- Mas é certo que o facto danoso se inicia na fração dos réus e vem causar danos na fração dos autores.

49- Daí que, se de um prédio, designadamente do seu interior, provém um incêndio, cabe ao respetivo proprietário responder pelo danos decorrentes da propagação desse incêndio, provocados nos prédios contíguos, visto que, feita a prova de que o incêndio provém de determinado prédio e localizado no seu interior, como é o caso dos autos (interior da Fração “K”), isso significa que foi nesse prédio e no seu interior que teve origem, estando apenas indeterminado o facto concreto que levou à sua deflagração, mas não estando indeterminado o local de origem do mesmo.

50- Ora, conseguindo os lesados, leia-se Autores/Recorrentes provar que o incêndio teve a sua origem, proveniência ou causa, no interior do imóvel dos 1.ºs Réus/Recorridos (que é quem tem o poder de facto sobre a coisa), os lesados produziram a prova necessária e suficiente para ser imputada a estes últimos a responsabilidade pelos danos causados, não sendo exigível que os Autores provassem a causa, ou melhor a sub-causa que, em concreto, originou o dito incêndio, porventura a avaria do frigorifico por sobreaquecimento.

51- É o proprietário do imóvel/lesante que tem o dever de o vigiar, assim como o estado da sua conservação, de sorte a impedir que nele se ocasionem fogos danosos.

Veja-se neste sentido,

52- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.07.2023, da relatora Maria da Luz Seabra, acessível em www.dgsi.pt, que se transcreve: “I- Quanto ao âmbito exato da presunção estabelecida no art. 493.º n.º 1 do CC, acolhemos a corrente jurisprudencial que atribui uma presunção simultânea de culpa e de ilicitude, bastando ao lesado provar o evento lesivo e os danos por ele causados, presumindo-se ter existido por parte da pessoa que detém a coisa imóvel (proprietário e/ou locatário) o incumprimento do dever de vigilância. II- Na ausência de prova de incêndio doloso praticado por terceiro, estaremos perante combustão acidental, onde se inclui qualquer origem casual ou fortuita, meramente negligente (do segurado ou de outrem), que fará recair a responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados a terceiros, sobre a proprietária/locatária do imóvel onde o incêndio teve inicio e, sobre a seguradora que garantiu por meio de seguro o pagamento das indemnizações decorrentes desse tipo de sinistro”.

53- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.02.2023., da relatora Eugénia Cunha, acessível em www.dgsi.pt, que se transcreve: “(…) II-O ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, incluindo o dos factos a consubstanciar a culpa, cabe ao lesado (n.º 1 art.º 342º, art.º 483 e art.º 487), salvo existindo presunção de culpa, o caso do n.º 1 do art.º 493, todos do C.C., a dispor “Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os mesmos se teriam igualmente produzidos ainda que não houvesse culpa sua”, em materialização da responsabilidade por violação dos deveres de prevenção de perigo. III-E no âmbito da responsabilidade delitual por danos causados por coisas ou animais, por quem tem o dever de os vigiar, a presunção de culpa é indissociável da ilicitude, pelo que a presunção abrange estes dois pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, consagrado no n.º 1 do art.º 493 do C.C., uma presunção de culpa que, em rigor, é, também, uma presunção de ilicitude, presumindo-se, por isso, nos termos do referido preceito, perante a ocorrência de danos, a existência de incumprimento do dever de vigiar por parte da pessoa que detém a coisa, respondendo a mesma civilmente pelos danos causados (…); IV- Assim, perante um incendio em fração locada pela ré lesante, o ónus da prova de que o facto ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância desta cabe ao autos (n.º 1 do art. 342.º, do C.C.) e mostra-se cumprido com a prova de que o incendio que danificou o seu imóvel começou na fração detida pela ré lesante, não sendo exigível a prova da sub-causa, isto é, do que concretamente o originou, para que esta responda pelos danos, a não lograr afastar a presunção de culpa, o caso, e consequentemente, perante a existência de contrato de seguro de responsabilidade civil, também a seguradora seja responsável nos termos e limites estabelecido no contrato de seguro de responsabilidade civil entre ambos celebrado”.

54- Acórdão do STJ de 10.12.2013, do relator Nuno Cameira, proferido no processo 68/10.1TBFAG.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt:, que ora se transcreve: “A norma do art. 493.º, n.º 1 do C.C. estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar. E acrescenta-se: “O ónus da prova de que o facto danoso ocorreu foi causado pela coisa sob vigilância incumbe ao Autor, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do C.C., e mostra-se cumprido com a prova de que o incêndio que destruiu o imóvel teve origem na cada das rés, mais precisamente, na sala onde a salamandra colocada foi acesa, não é exigível a prova da sub-causa que, em concreto, originou o incêndio (sobreaquecimento, etc)”.

55- Ora, na decisão recorrida fez-se errada interpretação do conceito de culpa a que se refere o artigo 493, nº 1 do CC que deve ser preenchido com a qualidade de dono, possuidor ou detentor a título legítimo da coisa, no sujeito, e com a ligação dos danos à coisa ou a ocorrência nela verificada.

56- Também o nexo entre os danos e a sua causa, é estabelecido com a coisa na qual ocorreu o evento que lhes deu causa, ou a coisa que diretamente os provocou.

57- Ao contrário do que se refere na fundamentação o estabelecimento deste nexo não depende da atuação reprovável, por omissão ou ação, do sujeito.

58- Neste caso, estaríamos a submeter a situação concreta ao âmbito do artigo 483.º do Código Civil que exige o dolo ou mera culpa do sujeito, a sua atuação violadora de normas legais destinadas a proteger interesses de terceiros, a existência de danos e o nexo de causalidade entre a atuação do sujeito e os danos.

59- A aceitarmos o entendimento da Meritíssima Juíza expresso “(….) sempre se dirá que, quanto a nós a pretensão dos autores, sempre soçobraria a montante, por não resultar demonstrado sequer o necessário nexo de causalidade pois que, num e noutro caso, a afirmação da responsabilidade civil dos primeiros réus continua a exigir como pressupostos de afirmação os demais elementos da obrigação de indemnizar – o facto, o dano e o nexo de imputação objetiva do facto ao dano ou nexo de causalidade” seriam submetidos ao regime geral do artigo 483.º do Código Civil, todos os casos de ocorrências danosas, tornando-se inútil a norma do artigo 493.º do Código Civil.

60- Em termos de fundamentação de Direito, a sentença incorreu em errada interpretação do n.º 1 do artigo 493.º e em errada interpretação e aplicação do artigo 483.º, ambos do Código Civil.

61- Sendo inegável concluir que na ausência de prova que o incêndio tenha sido dolosamente deflagrado por terceiro, os 1.º Réus não lograram ilidir a presunção da culpa e de ilicitude que sobre eles impendido por força do art. 493.º, n.º 1 do C.C.

62- Assim, por aplicação do art. 493.º, n.º 1, do C.C. – destinado a proteger interesses alheios-, podemos concluir, de acordo com o princípio geral do 483.º e 562.º, ambos do C.C., que os Réus são estão obrigados a indemnizar os Autores.

Os RR. contra-alegaram, opondo-se à procedência do recurso.

Objeto do recuso:

- da impugnação da decisão de facto;

- da responsabilidade civil por factos ilícitos.

FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentos de facto

Em primeira instância, foram dados como provados os seguintes factos:

1) Os AA. são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “J”, destinada a comércio e/ou serviços, sita no rés-do-chão, área ampla - 50, 20m2, na fachada oeste, que faz parte do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal denominado por “edifício ...”, sito na Av.ª..., na União de Freguesias ... (...), ..., ... e ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ...08-“J”, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob a descrição n.º ...2/19920302-J, e aí inscrita a propriedade a seu favor pela inscrição Ap. 22 de 2004/03/30.

2) Desde tal data, os AA. vêm, na qualidade de seus legítimos proprietários, gozando de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição sobre aquela.

3) Os AA., por si e antecessores, mantêm a posse e detenção material do aludido prédio, das suas partes integrantes, há mais de vinte e três anos, de forma pública, pacífica, contínua e de boa-fé.

4) E sempre e há mais de vinte e três anos que os autores, por si e antecessores, vêm usando e retirando do identificado prédio todos os frutos e utilidades, tratando da sua manutenção e conservação.

5) O que acontece ininterruptamente e à vista de toda a gente.

6) Pacificamente, sem entrave ou oposição de ninguém

7) Na convicção de quem exerce um efetivo e justificado direito de propriedade sobre o referido prédio.

8) Os RR. são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “K”, sita ao nível do rés-do-chão, na fachada oeste do edifício que também faz parte do já identificado prédio constituído em regime de propriedade horizontal denominado edifício ..., sito na Av.ª..., União de Freguesias ... (...), ..., ... e ..., concelho ..., inscrita na matriz sob o art. ...08..., e descrita na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob a descrição n.º ...12/19920302-K.

9) Os RR., na fração referida em 8), exploram o estabelecimento comercial denominado “Florista ...”.

10) Na madrugada do dia 26 de Janeiro do ano de 2017, deflagrou, por volta das 05h40, um incêndio no edifício denominado “...”.

11) Este incêndio rapidamente se propagou e alastrou a várias lojas e apartamentos daquele mesmo edifício.

12) Em poucas horas o incêndio destruiu a fração designada pela letra “K”, da propriedade dos 1.ºs RR.

13) Para além de ter destruído, em quase todo o seu interior, algumas lojas contíguas, tornando-as sem condições de utilização, e portanto, inaptas para o fim a que se destinavam.

14) O mesmo incêndio danificou, de forma grave, as partes comuns do predito edifício, designadamente, as paredes exteriores do edifício, quer ao nível do rés-do-chão, quer dos pisos superiores, o chão dos passeios exteriores e o chão dos corredores interiores.

15) Em virtude de tal sinistro, foi instaurado no dia 28 de Janeiro de 2017, um processo de inquérito ao qual foi atribuído o n.º ...5/17.0JAPRT, que correu termos pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Amarante, pelo crime de Incêndio/Fogo Posto em edifício, construção ou meio de transporte, em que é Autor o Ministério Público e outros, e Arguido “Desconhecidos”.

16) Do relatório do exame pericial elaborado pela Polícia Judiciária, Diretoria do Norte, no âmbito daquele inquérito, consta o seguinte: “Das leituras efetuadas aos vários indicadores, através da observação do sentido da propagação do incêndio (zonas de exposição/proteção), dos danos provocados pelo fogo nos vários objetos ali existentes, foi identificado uma única zona onde terá deflagrado o ponto de início do incêndio- o frigorífico vertical que se encontra instalado no espaço do wc/arrumos. Neste objeto, mais concretamente na parte interior da sua caixa metálica é observável a direção da evolução para um nível superior dos danos ali presentes e provocados no sentido de orientação da ação do fogo (ver fotos 44 a 46). Após a ignição e nomeadamente por fenómenos de radiação e/ou convecção, existiu posteriormente a propagação do incêndio para o restante espaço do estabelecimento comercial, bem como para o espaço correspondente à galeria comercial tendo causado danos nas estruturas de outros espaços comerciais contíguos e adjacentes pela ação do calor”.

17) No âmbito do inquérito referido em 15), foi determinado o respetivo arquivamento dado que foi apurado que “o incêndio em causa terá tido origem acidental, sem intervenção de terceiros (…), concretamente na parte inferior de um frigorífico”.

18) O incêndio teve origem na parte interior da caixa metálica do frigorífico vertical que se encontrava localizado no espaço do wc/arrumos do estabelecimento comercial denominado “Florista ...”, e daí se alastrou, tendo-se rapidamente estendido às partes comuns do edifício e às frações contíguas estabelecimento comercial denominado “Florista ...” era explorado e da responsabilidade dos 1.º RR.

19) E daí se estendeu às frações contíguas, designadamente à fração “J” da propriedade dos AA.

20) Do descrito sinistro resultaram danos para os AA., na sua fração, na caixilharia em alumínio e os vidros, a instalação elétrica, o soalho, as portas interiores e o pladur.

21) Tais elementos resultaram totalmente destruídos tendo sido necessária a sua reparação cujo custo ascendeu ao valor de 9.218,83 euros, correspondente ao valor das obras efetuadas para a aludida reparação.

22) Tais obras foram realizadas durante cerca de um mês.

23) Em razão do descrito em 22), e dado que a fração autónoma dos AA. se encontrava arrendada a uma sociedade denominada C..., Lda., os AA., considerando a privação do uso do locado decorrente do período de obras, fizeram um desconto de 100 euros na renda mensal devida pela arrendatária.

24) Os Autores participaram o aludido sinistro à 2.ª Ré, através de e-mail, datado de 10.03.2017.

25) Contudo, não obtiveram qualquer resposta.

26) As obras referidas em 21) e 22) foram executadas após os AA. terem sido instados para tanto pela sociedade arrendatária de forma a que pudessem retomar a exploração do seu estabelecimento comercial.

27) Pois de outro modo não seria possível à arrendatária explorar o seu estabelecimento comercial e de auferir os respetivos rendimentos.

28) Por força de contrato de seguro titulado pela apólice n. ...16, o 1.º R. marido transferiu para a 2.ª R. D... a responsabilidade civil emergente da atividade de desenvolvida em imóvel destinado a comércio, indústria ou mistos, de construção posterior a 1960, até 500 m2.

29) Sendo o local do risco a fração dos 1.º RR.

30) Tal contrato encontrava-se válido e eficaz à data do sinistro.

31) A cláusula 1.ª das condições especiais sob a epígrafe “Âmbito de Cobertura” dispõe o seguinte: “A seguradora garante as indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que sejam causados a terceiros por actos ou omissões do segurado (…) Este contrato tem por objecto a garantia de responsabilidade que ao abrigo da lei civil seja imputável ao segurado (…) A seguradora garante a responsabilidade civil pelos danos causados: alínea f) por incêndio ou explosão desde que da responsabilidade do segurado ou pelas providências para combater os efeitos respectivos”.

32) A cláusula 2.ª das Condições Especiais, sob a epígrafe “Exclusões”, tem a seguinte redacção: “1. Ficam excluídos das garantias deste contrato os danos: (…)

l) Causados por incumprimentos de normas legais ou regulamentares em vigor, nomeadamente por falta de assistência técnica e de manutenção dos equipamentos;

m) Causados aos veículos e respectivos conteúdos, que se encontrem recolhidos em garagens.

2. Ficam excluídos das garantias deste contrato os danos:

a) Decorrentes de actos ou omissões dolosas do segurado ou de pessoas por quem seja civilmente responsável ou das pessoas cuja responsabilidade seja garantida por esta apólice bem como os actos ou omissões que constituem violação dolosa de normas ou regulamentos e quaisquer multas ou coimas. Entende-se por acto doloso, todo o acto intencional praticado com o intuito de produzir dano ou com a representação da possibilidade desse resultado; (…)

i) A título de responsabilidade criminal, contraordenacional ou disciplinar bem como quaisquer despesas em processo disciplinar, criminal ou contra-ordenacional;”

33) Após a participação do sinistro, pelo 1.º R., à 2.ª R., o que ocorreu a 27.01.2017, esta incumbiu a empresa de peritagem B... para apurar das circunstâncias em que o mesmo ocorrera.

34) Após tais averiguações, a aludida empresa concluiu que o frigorífico no qual teve origem o incêndio era da marca Indesit e havia sido adquirido em Outubro de 2013 e que o evento decorreu de anomalia/avaria de carácter súbito e imprevisto nos componentes instalados na base do electrodoméstico, apresentando-se como acidental.

35) Após o que declinou, comunicando-o ao 1.º R., por carta registada de 29.05.2017, a responsabilidade pelos danos causados.

Factos considerados não provados:

a) O incêndio foi resultado exclusivo do comportamento dos 1.º RR. pelo facto de terem colocado o frigorífico, onde o mesmo teve origem, num compartimento fechado, de dimensões exíguas e sem ventilação.

b) E por não o terem vigiado.


*

Os AA. iniciam o recurso pela discordância da matéria de facto, mormente no que tange aos pontos provados em 10, 21 e 34.

O que expressam a estes respeito é, todavia, imprestável para lograr alterar o que quer que seja na descrição factual que acima ficou exposta, com exceção do que se expõe infra quanto ao ponto 34.

Quanto ao ponto 10, diz-se aqui que o incêndio deflagrou no edifício ....

Os AA. entendem que o incêndio não deflagrou no edifício ..., mas sim na fração autónoma “K”.

O que assim expõem é incompreensível.

Com efeito, deu-se como provado que a fração “K” pertence aos RR. e que esta se acha dentro do edifício ... (ponto 8).

Mais se deu como provado que nesta fração está instalado o estabelecimento comercial denominado Florista ... (ponto 9).

Acrescentou-se de forma sobeja que o sinistro ocorreu por força de um frigorífico vertical instalado nuns arrumos/WC daquela Florista ... (ponto 18).

Com esta descrição factual, o que pretendem os recorrentes se dê como provado ou não provado? É que a origem do incêndio que é causa de pedir resulta absolutamente inequívoca da descrição contida na sentença.

Sendo assim, é improcedente a impugnação da matéria de facto neste tocante.

Do mesmo modo, é absolutamente inequívoco terem sido os AA. quem suportou a reparação dos danos que para a sua fração resultaram do incêndio, estando especificamente demostrado serem eles os donos da fração “J” (ponto 1) que ficou destruída e, por isso, os titulares de um qualquer direito a obter reparação por estes danos, como está literalmente escrito no ponto 20.

O recurso é também nesta parte espúrio e, por isso, se indefere.

Finalmente, no que tange ao ponto 34, o que resulta da matéria constante deste ponto, na sequência do ponto 33, não é que o tribunal tenha apurado ou se tenha convencido que o evento ocorreu de forma súbita e imprevista, apresentando-se como acidental.

Na verdade, o que se escreveu em 34 é que a empresa B..., que a Ré seguradora contratou para fazer uma peritagem ao sinistro, se convenceu desse desfecho, mas isso não significa que o tribunal tenha ele próprio dado como provada essa circunstância.

Dito de outro modo: o que se deu como provado foi que uma empresa foi ao local e efetuou a peritagem, tendo concluído de um determinado modo. Ou seja, o facto é que a empresa concluiu determinada circunstância e não que a circunstância se verificou.

Em retas contas e no rigor do que deveria ser a enunciação fáctica contida numa sentença, dar-se como provado que determinada testemunha disse isto ou aquilo ou determinada empresa pensa isto ou aquilo acerca dos factos é, afinal, não decidir de facto e apenas enunciar meios de prova que, em si, não são factos, mas formas de alcançar os factos.

Ademais, dizer-se que um sinistro ocorreu por forma súbita, imprevista ou acidental é escrever-se conclusões sobre factos e não enunciar factos. O acidente foi súbito porquê? Imprevisto porquê? Acidental porquê?

Se fosse admissível tal adjetivação na matéria de facto, nem precisaríamos de subsumir os factos ao direito pois a conclusão estava tomada: tratou-se de um evento súbito e imprevisto!

De forma que o conteúdo do ponto 34 terá de ser alterado no sentido de nele apenas se conter o que de verdadeiramente factual se apurou em audiência, e o que se apurou foi o seguinte:

- o frigorífico havia sido adquirido em 2013, como referiu o perito ao serviço daquela empresa, a testemunha JJ, a quem o R. forneceu a fatura relativa à aquisição.

- de acordo com os testemunhos dos inspetores da Polícia Judiciária, FF e EE, que efetuaram perícia ao local, incluindo ao frigorífico, tendo-se ali deslocado no próprio dia do sinistro, conforme relatório pericial junto aos autos de inquérito (doc. 2 junto com a contestação dos 1.ºs RR.), o motor do frigorífico foi o elemento onde se desencadeou o incêndio. A primeira referiu que tal incêndio poderia explicar-se se o frigorífico fosse antigo. Não sabia a idade do equipamento, mas, como referimos, teria cerca de quatro anos, pelo que não seria a ação do tempo a explicar os problemas elétricos do frigorifico donde resultou a anomalia. O segundo disse não ter sido detetada qualquer situação que evidenciasse falta de cuidado.

De modo que o ponto 34 passa a ter a seguinte redação:

34 – O frigorífico havia sido adquirido em outubro de 2013 e o sinistro decorreu de anomalia nos componentes elétricos deste eletrodoméstico.

Fundamentos de Direito

O Tribunal de primeira instância enquadrou devidamente a ação sob a égide da responsabilidade civil extracontratual (art. 483.º CC) cujos requisitos elencou.

Não resulta dos factos provados que os RR. tenham, de forma dolosa ou negligente, causado o incêndio que, tendo origem no frigorífico, se propagou a outras frações do prédio, mormente à fração dos AA.

Por isso, o tribunal a quo chamou à colação o disposto no art. 493.º, n.º 1 do CC, norma que se refere aos danos causados por coisas, animais ou atividade, afastando a inclusão da factualidade nesta previsão por considerar não demostrada a violação do dever de vigilância.

Escreveu-se, por isso, na sentença:

« Ora, o funcionamento desta presunção tem como pressuposto o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar.

Importa, por clareza na exposição, referir, desde logo, que na detenção de um electrodoméstico corrente como um frigorífico, nas condições em que os 1.º RR. o detinham – numa fracção destinada a estabelecimento comercial e tratando-se de um equipamento recente, sem qualquer sinal de desconformidade ou decrepitude do equipamento – com muita dificuldade se pode afirmar a inobservância de um dever de vigilância por parte dos 2.º RR. quanto ao funcionamento daquele equipamento pois que “este dever de vigilância, deve ser entendido como compreendendo a prática de todos os actos necessários a assegurar o estado de conservação da coisa, o seu funcionamento em condições de segurança e na forma correcta e os actos tendentes à sua reparação em caso de avaria”1, e que, no caso, não se mostrou minimamente evidenciado como desatendido pelos 2.º RR.

Com efeito, não tendo resultado demonstrado que o equipamento em causa apresentava avaria ou dano evidente, nada fazendo prever o evento, defender o contrário, e sendo consequente, implicaria, para o lesante, que a elisão da presunção de culpa apenas seria lograda no cenário, salvo o devido respeito, absurdo, de demonstração de permanente vigilância de um electrodoméstico, o que, num cenário de normalidade em que o cidadão comum pode confiar que um frigorífico, com quatro anos, não se incendiará a qualquer momento, não temos por minimamente defensável.»

O art. 493.º CC refere-se a coisas, móveis ou imóveis, que causam danos e à responsabilidade daqueles que têm o dever de os vigiar.

No caso, os RR. são proprietários do frigorífico que causou o incêndio e, bem assim, proprietários do imóvel onde tal equipamento se encontrava.

O n.º 1 daquele preceito não refere literalmente coisas dotadas de uma perigosidade imanente, mas essa suscetibilidade é considerada por alguns como estando ali pressuposta. Neste sentido, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2016, p. 317-321.
Do mesmo modo, Ac. STJ de 22-09-2021, proferido no Processo n.º 19707/18.0T8LSB.L1.S: a “responsabilidade delitual prevista no art. 493.º, n.º 1, do CC, assenta na omissão de um dever de vigilância a cargo do proprietário-detentor com poder sobre coisa imóvel ou móvel na qual têm origem os danos causados na esfera jurídica alheia. Esse dever de vigilância consiste numa obrigação de supervisão, controlo, monitorização e informação sobre as fontes (nomeadamente se possíveis e/ou previsíveis) de risco de produção e eclosão de prejuízos das coisas detidas, no sentido da prevenção desse especial perigo enquanto origem de danos para terceiros e da precaução necessária para evitar o dano. Afigura-se como dever (de segurança) no tráfico, integrado em norma legal de protecção que visa prevenir um perigo abstracto, e dever instrumental para a decisão e a execução de medidas e providências – mesmo que a realizar por terceiro e a solicitação do vigilante – para evitar essa produção de danos e promover a protecção de terceiros, danos esses relativos ao especial risco da coisa que ultrapassa o “limiar da normalidade”. Esse dever de vigilância corresponde a uma manifestação de um mais amplo dever de cuidado (na veste de dever de conduta), enquanto obrigação de os proprietários e detentores de coisas, potencialmente munidas de risco na sua fruição ou utilização, cumprirem com diligência as faculdades jurídicas atribuídas pelo título que lhes permite gozar da coisa “arriscada” ou “perigosa”, de acordo com a bitola que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares.”
Sobre a presunção que daqui decorre, pode entender-se que a mesma abrange apenas a culpa, no sentido da censura dirigida ao agente por ter omitido o dever de vigilância, cabendo ao lesado demonstrar a ilicitude. Assim Ana Prata, Código Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., p 675, nota 1, sendo esta a orientação tradicional, como explicam Maria da Graça Trigo e Rodrigo Moreira, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP, 2018, p. 321, nota II.
Ou, por outro lado, considerar-se que abarca, de igual modo, a ilicitude (Menezes Cordeiro, Código Civil Anotado, Vol. II, Das Obrigações em Geral, 2021, p. 434, nota 2), posição que vem ganhando terreno[1], como se vê, v.g., no ac. STJ, de 10.12.2013, Proc.68/10.1TBFAG.C1.S1:
A norma do art. 493.º, n.º 1, do CC estabelece uma presunção de culpa que, em bom rigor, é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido, por parte da pessoa que detém a coisa, incumprimento do dever de vigiar. É de concluir que as proprietárias do imóvel (1.ª e 2.ª rés) não observaram o dever de vigilância que sobre elas recaía, se se provou que deflagrou um incêndio na sala do seu prédio, o qual se propagou para o prédio dos autores, fazendo-o arder totalmente, e que a 3.ª ré acendeu uma salamandra existente na referida sala, sem que aquelas lhe tivessem dado qualquer instrução para que não deixasse a casa logo a seguir ao acendimento do aparelho. Existe um nexo de causalidade adequada entre tal omissão – salamandra acesa sem vigilância – e o incêndio que sobreveio, já que, por um lado, este constitui uma sua consequência normal, típica, provável, e, por outro lado, as rés não alegaram nem provaram a verificação de qualquer circunstância excepcional ou anómala, imprevisível e fora do seu controle, que, em termos causais explique o sucedido. O ónus da prova de que o facto danoso ocorreu ou foi causado pela coisa sob vigilância incumbe ao autor, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do CC, e mostra-se cumprido com a prova de que o incêndio que destruiu o imóvel teve origem na casa das rés, mais precisamente, na sala onde a salamandra estava colocada e foi acesa; não é exigível a prova da sub-causa que, em concreto, originou o incêndio (sobreaquecimento ou rebentamento da salamandra, inopinada libertação duma acha do seu interior, etc.).

Sendo assim, aos lesados cabe apenas a prova do facto danoso – mormente a eclosão do incêndio no imóvel ou móvel do lesante. Depois, a este último não cabe propriamente uma situação de responsabilidade objetiva, mas sim a demonstração de que cumpriu um dever de vigilância de modo compatív el com a natureza da coisa, isto porque não podemos pretender – e o legislador, razoavelmente informado sobre estes fenómenos, não o pretendeu seguramente – que, só pelo facto de ter os bens à sua guarda, o proprietário deva exercer sobre os mesmos deveres de vigilância tais que, na prática, transformem a responsabilidade civil subjectiva, ainda que assente em culpa presumida, em responsabilidade objectiva ou pelo risco que apenas seria arredada em casos de força maior. Um tal entendimento tornaria praticamente impossível ilidir aquela presunção, já que, como a realidade o demonstra com frequência, por mais diligência que fosse exercida para prevenir a ocorrência de sinistros, jamais se esgotariam as medidas que, em abstracto, seriam susceptíveis de o evitar … se acaso tivessem sido adoptadas (…) o legislador fez uma opção política, assumindo que há riscos na vida em sociedade, que por isso mesmo ser do conhecimento geral, todos podem contar com a possibilidade desses riscos, assim se justificando equilibrar os eventuais prejuízos com uma abordagem não excessivamente rigorosa dos deveres de vigilância que, na impossibilidade prática de serem exaustiva ou minuciosamente cumpridos, acabaria por importar numa responsabilidade objectiva. Se pensarmos que mesmo relativamente a aparelhos novos não há garantia de não terem defeito, o Réu, para tomarmos esse exemplo, teria de se manter perto de todos os aparelhos para verificar que eles não pegariam fogo. Se pensarmos em alguém que tem uma casa com 20 anos de idade, essa pessoa não poderia abandonar a casa para cumprir com rigor o seu dever de a vigiar, de modo a que não ocorressem danos: - a partir de “x” anos o proprietário tem de mudar os canos (norma que não se encontra em lado algum) ou então tem de ficar em casa para garantir que não há inundações que venham a afectar os vizinhos. Por esta impossibilidade, o acórdão citado prossegue com mais uma ideia importante:

- “Ora, uma tal solução não pode ser contrariada através da adopção de critérios de tal modo rigoristas no que concerne à ilisão da presunção de culpa que acabem por produzir resultado idêntico ao que o legislador pretendeu evitar, o que se traduziria, em concreto, na responsabilização do proprietário dos bens móveis ou imóveis (maxime árvores) pelo respectivo risco. A apreciação das condutas (acções ou omissões) dos agentes, designadamente dos proprietários do imóvel de que emergem os danos não pode ser feita num plano puramente abstracto, devendo incidir sobre as circunstâncias concretas que envolveram o sinistro. E para a eventual exoneração da sua responsabilidade, não devem ser descuradas sequer as dificuldades de demonstração das específicas condições que se verificavam na ocasião do sinistro. (…) Por isso, na apreciação dos deveres de vigilância ou de guarda que recaem sobre os onerados, assim como na ponderação dos efeitos decorrentes de circunstâncias de ordem externa causalmente ligadas ao sinistro, os Tribunais não podem exigir dos interessados aquilo que é humanamente inexigível, bastando apreciar os factos apurados à luz da experiência comum”.

Digamos então que para não aportar a um resultado de responsabilidade pelo risco – que a lei não preveniu para este tipo de casos, antes reservou para outros em que o perigo é mais evidente e também, de algum modo, mais inevitável, como o caso da condução automóvel ou do “transporte” de energia eléctrica ou gás (o que não é manifestamente aqui o caso) – os deveres de vigilância do proprietário de coisa imóvel exigíveis não podem exceder o que seja mediana e humanamente razoável, medida ou critério que se estende à apreciação do cumprimento do dever de vigilância. (ac. STJ, de 10.3.2016, citado no ac. RL, de 28.2.2019, Proc. 18/17.4T8CSC.L1-6).

De regresso à situação, verificamos que o incêndio que ocasionou prejuízos aos AA. teve origem nas componentes elétricas do frigorífico que os RR. detinham na sua fração. Não está provado que o local não detivesse condições de falta de ventilação ou que o sinistro tivesse ocorrido por tal circunstância. A Polícia Judiciária não refere essa circunstância como determinante do sinistro, aludindo a um evento acidental.

Tratando-se de um eletrodoméstico de uso corrente, de que todos dispomos nas nossas casas ou maioria dos estabelecimentos, estaria verificada uma situação de violação do dever de vigilância se se tratasse, por exe., de um eletrodoméstico antigo, com maior probabilidade de sofrer sobreaquecimento ou com danos evidentes que não estão reportados e não são expectáveis face aos pouco mais de três anos de uso.

Todavia, os RR. efetuaram a demonstração da pouca idade do equipamento, tendo a autoridade policial, que efetuou perícia do local, descartado qualquer atuação de terceiro, incluindo dos RR. (ativa ou omissiva) como causadora ou potenciador do problema verificado.

Ademais, não se trata de atividade perigosa, não sendo as instalações elétricas que estão em causa ou as de gás que, em si, implicam maior cuidado de vigilância.

Sendo assim, não vemos como afirmar não terem os RR. ilidido da presunção de culpa que sobre si impendia, não decorrendo tal culpa, obviamente, do simples facto de deterem na sua fração um frigorífico que se incenderia cerca das 5 horas da madrugada.

Diferente seria se, por exemplo – como ocorre nos acórdãos desta Relação citados no recurso, nomeadamente o proferido por esta secção a 27.2.2023 (Proc. 641/20.0T8PVZ.P1) – apenas se tivesse apurado que determinado incêndio se iniciou numa dada fração, ignorando-se a sua causa. Nesse caso, propagando-se o incêndio às demais frações e ignorando-se o que se passou (onde eclodiu), dificilmente se poderá considerar ter o dono da primeira fração afastado a presunção de culpa que sobre si incidia.

Porém, no caso que apreciamos, os RR. juntaram a conclusão pericial a que conduziu a perícia efetuada pela Polícia Judiciária e esta verificou que o sinistro foi causado por um frigorífico que estava regularmente colocado na fração dos demandados e que estes o tinham comprado haviam menos de três anos.

Sendo assim, não vemos como censurar a posição manifestada pelo tribunal de primeira instância que, assim, se mantém.

Dispositivo

Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Porto, 21.10.2024

Fernanda Almeida

Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo

José Nuno Duarte

____________________________
[1] Embora tenha mais acuidade para os casos do nº 2 do art. 493.º (atividade perigosa), situação em que pode entender-se estar consagrada a faute, o que constitui um desvio à operacionalidade dos demais requisitos da responsabilidade delitual, incluindo da imputação objetiva, Cfr. David Magalhães, A PRIMAZIA DA RECONSTITUIÇÃO NATURAL SOBRE A INDEMNIZAÇÃO POR EQUIVALENTECONTRIBUTOS JURÍDICO-HISTÓRICOS PARA A ANÁLISE DO DIREITO PORTUGUÊS, in, Responsabilidade Civil, Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil, Coord. Mafalda Miranda Barbosa e Francisco Muniz, Vol. II, 2018, p. 105 e ss.