I - A inversão do ónus da prova significa que a parte a quem competia demonstrar os factos que alegou, nos termos das regras sobre a repartição do ónus de prova, deixa de ter esse encargo, passando a recair sobre a parte contrária – que culposamente tornou impossível a prova desses factos - o ónus de provar o facto contrário.
II - Apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art. 417.º, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo.
III - Tendo em conta as consequências decisivas da inversão do ónus da prova para a decisão da causa, impõe-se que a notificação efectuada à parte para proceder à junção de documentos seja acompanhada da advertência de que a sua recusa injustificada implica a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC.
IV - Constituem pressupostos para fazer operar a sanção da inversão do ónus de prova: a) que por acção da parte contrária, a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível; b) que o comportamento dessa parte (contrária), lhe seja imputável a título culposo.
V - A não junção, pela Embargada, dos documentos solicitados pelo Embargante, não reveste as características mínimas que tornam exigível, necessária ou justificada a gravosa aplicação da cominação processual de inversão do ónus da prova quando os documentos em causa se encontram na disponibilidade da parte que requereu a junção ou quando não se encontra demonstrada a impossibilidade de aceder a tais meios de prova.
VI - No contrato de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios, o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da alínea e) do artigo 310º do Código Civil.
VII - Sendo o prazo de prescrição de cada uma das prestações o de cinco anos a contar da data do seu vencimento, impõe-se apurar se alguma das prestações se encontra prescrita, caso em que não pode ser incluída no valor da totalidade da prestação em razão da resolução do contrato.
VIII - Nada constando do pacto de preenchimento quanto à data de vencimento, ao portador da livrança assiste o direito de inscrever, nesse título, no espaço destinado à menção da data do vencimento, qualquer data posterior ao vencimento da obrigação subjacente.
IX - Assim, não havendo violação do pacto de preenchimento, o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 70º da LULL conta-se a partir da data de vencimento que seja aposta na livrança pelo respectivo portador.
Acordam as Juízas da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Mendes Morais
Primeira Adjunta: Desembargadora Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
Segunda Adjunta: Desembargadora Maria Fernanda Fernandes de Almeida
I – Relatório
“A..., Lda.”, AA, BB e CC, por apenso à execução intentada por “B..., S.A.”, vieram deduzir os presentes embargos de executado, pedindo que os mesmos sejam julgados procedentes e, em consequência, seja declarada extinta a execução.
Alegaram, em síntese, que:
_ A exequente apresentou, como título executivo, uma livrança com a data de vencimento em 20/11/2022, nada tendo alegado, no requerimento executivo, quanto à origem da dívida.
_ A livrança foi emitida e assinada pelos executados em 18/06/2013, com a indicação “caução”.
_ A sociedade A... Lda., até meados de 2009, foi titular de um conta corrente caucionada, junto da instituição financeira Banco 1..., S.A., e em 18/6/2013, celebrou com esta instituição, um crédito com o nº ..., para liquidar o saldo dessa conta.
_ O valor mutuado através desse contrato seria pago em prestações mensais, acrescido dos juros contratados. Embora não consigam precisar supõem que foi estabelecido o prazo de 60 meses e estipulado o pagamento de 60 prestações mensais de capital e juros, terminando em Maio de 2018.
_ A livrança dada à execução foi assinada pelos executados para garantia do crédito financeiro subscrito pela sociedade A..., Lda.
_ A devedora A..., Lda. não procedeu ao pagamento de todas as prestações devidas.
_ A partir de 2017, a Executada A..., Lda. deixou de exercer a sua actividade, passando a estar inactiva, situação que se manteve até à presente data.
_ Os Executados/Embargantes “A..., Lda.”, AA, BB e CC, atento o lapso temporal, desconhecem: qual o montante liquidado; qual o montante ainda em dívida; e se foram ou não notificados da resolução do contrato de mútuo.
_ Da antecipação do vencimento: No contrato de mútuo ficou acordado que o pagamento do capital mutuado e dos juros remuneratórios respectivos seria efectuado ao longo de um determinado período de tempo, em prestações de valor pré-determinado, compostas por capital e juros, com prazos de vencimento autónomos. Ocorrendo uma antecipação do vencimento de todas as demais prestações por força do incumprimento do referido plano - artigo 781.º do Código Civil -, aquelas só se tornam exigíveis com a interpelação do devedor, sendo essa interpelação que define o momento do cumprimento pelo devedor, bem como o início do prazo de prescrição. Atento o lapso temporal, os Executados/Embargantes não se recordam se foram ou não notificados do referido vencimento, entendendo, no entanto, que não foram notificados.
_ Quanto à resolução do contrato, cabe ao credor o ónus de alegação (e prova) de ter procedido à comunicação ao devedor da declaração resolutiva, por estar em causa um facto constitutivo, não bastando a situação de incumprimento.
_A Exequente não alegou a falta de pagamento das prestações acordadas, nem que tenha exercido o direito de considerar antecipadamente vencida toda a dívida, provocando o vencimento das prestações, na parte relativa à amortização da quantia mutuada, cujo prazo de pagamento ainda não tivesse decorrido; nem alegou a resolução do contrato.
_ Da prescrição: No caso concreto, verifica-se a prescrição relativa à relação subjacente à livrança dada à execução, com enquadramento no art. 310.º, alíneas d) e), do CC. Uma vez que a livrança dada à execução encontra-se nas relações imediatas, considerando que o exequente é o seu portador imediato (entenda-se, o exequente “B..., S.A.”, que sucedeu na posição do “Banco 1..., S.A.”, incluindo a livrança) e os executados são subscritores da livrança, podem estes opor as excepções decorrentes da relação subjacente.
_ Da prescrição da livrança: Tendo a livrança dada à execução sido entregue em branco, com o propósito de servir de garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de mútuo, no domínio das relações imediatas, a prescrição da obrigação causal determina a necessária extinção da obrigação cartular. Extinta a obrigação garantida, extingue-se a relação jurídica de garantia que lhe é meramente acessória.
Concluem os Embargantes que a livrança dada à execução encontra-se prescrita, por se encontrarem prescritas as prestações decorrentes do contrato de mútuo bancário, bem como os juros.
Pelos embargantes foi requerido, na parte final da sua petição, ao abrigo do artigo 429.º do C.P.C., a notificação da embargada para juntar aos autos: a) cópia do contrato de crédito financeira n.º ...; b) extracto com o número de prestações pagas pelos Embargados; c) cópia das notificações aos Embargantes da resolução do contrato de mútuo; e d) cópia da autorização para preenchimento de livrança em branco emitida pelos Embargantes.
I.1_ A Exequente/Embargante apresentou contestação.
Pronunciando-se sobre a “proveniência da dívida e respectiva resolução do contrato”, advoga a Exequente/Embargante que:
_ Pese embora os Embargados tenham invocado que, no requerimento executivo, nada é alegado quanto à origem ou proveniência da dívida, evidenciaram conhecer a origem da mesma.
_ A sociedade A... Lda., ora Embargante, era titular de uma conta corrente caucionada junto da instituição financeira Banco 1..., S.A, até meados de 2009.
_ A 18 de Junho de 2013, os Embargantes A... Lda., AA, BB e CC (os últimos três na qualidade de garantes/gerentes da sociedade Embargante), celebraram com o Banco 1..., S.A, um contrato de empréstimo destinado à liquidação do saldo da referida conta caucionada ao qual foi atribuído o número ....
_ Pelo contrato foi mutuada a quantia de €15.800,00 (quinze mil e oitocentos euros), pelo prazo de 5 (cinco) anos e vencimento a 18 de Junho de 2018 – cfr. ponto dois e ponto quatro da cláusula primeira do contrato.
_ Ficou, ainda, acordado que o referido valor devia ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, contantes e sucessivas, integrando capital e juros – cfr. ponto nove da cláusula primeira do contrato.
_ Como caução e garantia do bom e integral cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato foi entregue, ao Banco, a 18 de Junho de 2013, uma livrança em branco, outorgada pelos Embargantes, estando aquele autorizado, em caso de incumprimento desse contrato, a preencher a livrança pelo valor que fosse devido.
_ Não se tendo verificada a liquidação de todas as prestações no prazo constante no contrato, encetou a Embargada as diligências extrajudiciais possíveis para a recuperação do crédito restante.
_ Não tendo recuperado os valores, a Embargada procedeu ao envio de cartas de resolução do contrato para cada um dos Embargantes com a menção do valor em dívida (capital e juros).
_ Ainda que a citação tenha sido entregue a pessoa distinta, nos termos do n.º 4 do artigo 225.º do CPC, presume-se o conhecimento dos Embargantes das missivas remetidas, no prazo de 5 (cinco) dias após a sua recepção, com remissão ao artigo 113.º n.º 3 do CPC.
_ Concluem que os Embargantes não têm como desconhecer qual o montante que se encontra em dívida, nem a que contrato se referem os presentes autos.
Pronunciando-se sobre a “alegada prescrição do crédito exequendo”, advoga a Exequente/Embargante que:
_ A divida em causa nos autos resulta da responsabilidade assumida aquando da outorga do referido contrato de empréstimo com o n.º ..., celebrado a 18 de Junho de 2013. Na sequência do incumprimento desse contrato, foi então, preenchida a livrança no valor de €14.755,21 que veio a vencer-se na data de 20 de Novembro de 2022, título que foi admitido na execução.
_ Dissente da aplicação do prazo de prescrição previsto nas alíneas d) e e) do artigo 310.º do Código Civil, defendendo a aplicação do prazo de prescrição ordinária, nos termos do disposto no artigo 309º do CC, bem como no artigo 306º do CC, prazo que tem início na data de resolução do contrato, invocando como apoio da posição por si defendida o Acórdão de 26 de Abril de 2016, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e o Acórdão de 12.11.1996 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 96A452. Conclui que à data da proposição da execução, não se encontrava prescrito o seu direito, só sendo possível considerar quotas de amortização de capital pagáveis com juros se a execução recaísse sobre cada uma das prestações e não quanto às quotas em dívida como um todo.
Sobre a alegada prescrição dos juros, sustenta que os juros estão incorporados no título executivo o que evidência a vontade do credor de receber o montante que lhe é devido, não existindo razão para que haja distinção entre a dívida de juros e a dívida de capital, sendo o prazo prescricional dos juros, por aplicação do disposto no artigo 309.º do CC, de 20 anos. Conclui que o direito aos juros peticionados não prescreveu.
Pronunciando-se sobre a prescrição da livrança, alega a Embargada que:
_ O título executivo apresentado não é um contrato, mas sim, uma livrança que, de acordo com o disposto no artigo 75.º da Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças e atentas as características próprias como a literalidade e a abstração, dispensam o Exequente de fazer apelo à relação jurídica subjacente, razão pela qual não tinha qualquer obrigação de ter anexado ao requerimento executivo, o contrato de empréstimo ou o ónus de alegar a origem da obrigação exequenda, nem a causa do título executivo, sendo suficiente alegar que é legítima portadora do título subscrito pela Embargante A..., Lda. e avalizado pelos Embargantes AA, BB e CC, sendo essa circunstância a causa de pedir da execução.
_ O vencimento da livrança é de 20/11/2022 e os Embargantes foram todos citados em 27/01/2023, logo, ainda não se encontram decorridos os 3 (três) anos de prescrição do título executivo, tendo a mesma sido interrompida com a citação dos Embargados, ora Executados.
Sobre o ónus da prova, sustenta que recai sobre os Embargantes o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2. do CC, dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que o exequente pretende fazer valer através do título que traz à execução.
Pronunciando-se sobre o requerimento dos Embargantes, com fundamento no artigo 429.º do CPC, para juntar aos autos o “…extracto com o número de prestações pagas pelos Embargados …”, a Embargada reiterou que “o título executivo dos presentes autos não é um contrato de crédito, mas sim uma livrança” pelo que não impende sobre si qualquer ónus de, no requerimento executivo, invocar questões que dizem respeito à relação jurídica subjacente, nomeadamente não tem obrigação de discriminar as prestações incumpridas ou a taxa de juros aplicável, acrescentando ainda que sobre o capital em dívida, isto é sobre o valor aposto na livrança, são devidos juros vincendos e correspondente imposto de selo até efectivo e integral pagamento.
Termina, pugnando pela improcedência dos embargos.
I.2_ No requerimento executivo consta, como questão prévia, que:
(a) Por deliberação de 20 de Dezembro de 2015 (Rectificada em 4 de Janeiro de 2017), o Governo e o Banco de Portugal tomaram a decisão de venda da actividade do Banco 1..., S.A. e da maior parte dos seus activos e passivos ao Banco 2....
(b) Por meio de Contrato de Cessão de Créditos celebrado a 25 de Novembro de 2016, a C...,
cedeu à D... S.A.R.L, um conjunto de créditos litigiosos, inicialmente concedidos a diversos mutuários pelo Banco 1..., no seguimento da referida deliberação, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados e todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes.
(c) Posteriormente, por contrato de cessão de créditos celebrado a 12 de Maio de 2022, a D..., S.A.R.L., cedeu à E..., S.À.R.L, os créditos que detinha sobre os ora Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas.
(d) Por fim, por contrato de cessão de créditos celebrado a 29 de Junho de 2022, a E..., S.À.R.L., cedeu à Exequente B... STC, S.A., os créditos que detinha sobre os ora Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas.
_ Por virtude da actividade a que se dedica, o Banco cedente era portador legítimo da livrança com o n.º ..., subscrita pela sociedade A..., LDA. e avalizada por AA, CC e BB.
_ Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, o citado título não foi liquidado, então ou posteriormente.
_ Em consequência do incumprimento, foi o exequente obrigado a preencher a mencionada livrança pelo valor de € 14.755,21 (quatorze mil, setecentos e cinquenta e cinco euros e vinte e um cêntimos).
Conclui a Exequente que devem os Executados liquidar o montante da livrança, acrescido dos (a) juros calculados à taxa legal de 4,00 % desde a data do preenchimento da livrança – 20/11/2022 -, até à data de entrada do requerimento, a 21-12-2022, no valor de € 50,13 (cinquenta euros e treze cêntimos); (b) dos juros de mora que se vençam desde a data do requerimento executivo até integral e efectivo pagamento; perfazendo, na data da apresentação do requerimento, o valor de € 14.805,34 (quatorze mil, oitocentos e cinco euros e trinta e quatro cêntimos).
I.4_ Por despacho de 9/5/2023, foi decidido:
“ I – Ao abrigo dos poderes/deveres de gestão processual e adequação formal (cf. arts. 6.º, n.º 1, e 547.º, ambos do CPC, aplicáveis por via do seu art. 732.º, n.º 2), comunico aos Embargantes para, no prazo de 10 dias, responderem à contestação e se pronunciarem sobre os documentos juntos em anexo àquela peça processual (cf. art. 3.º, n.º 3, CPC).
II – Ao abrigo do disposto no art. 590.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, do CPC, aplicável por via do seu art. 732.º, n.º 2, comunico à Exequente/ Embargada para que, no prazo de 10 dias, proceda à junção (i) do extrato detalhado da conta empréstimo, que reflita o número de prestações pagas pelos embargantes quanto ao contrato fundamental, e, bem assim, (ii) o plano de pagamento das prestações que foi acordado aquando da formalização do empréstimo bancário.
III – Ao abrigo do disposto no art. 726.º, n.º 4, do CPC, comunico à Exequente/ Embargada para que, no prazo de 10 dias, alegue quando é que os Executados deixaram de pagar as prestações do empréstimo e qual o número da última prestação paga, por referência àquele plano de pagamento. Esta informação é necessária por força do "ónus de alegação secundário" do Embargado.
Notifique.”.
Í.5_ Notificada desse despacho – expediente enviado pelo Citius, em 23/5/2023 -, a Exequente/Embargada nada disse.
I.6_ Por despacho de 23/6/2023, foi fixado o valor da acção em €14.805,34; foram reiterados “os pontos II. e III. do despacho datado de 9/05/2023, para a Embargada responder, em 10 dias, sob pena de ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPC.”; e designada data para realização da audiência prévia.
I.7_ Por requerimento de 6/7/2023, a Embargada/Exequente apresentou a seguinte resposta:
“B..., S.A, Exequente/Embargada nos presentes autos, notificada dos despachos datados de 09/05/2023 e de 23/06/2023, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1. Foi a Exequente/Embargada notificada para proceder à junção aos autos do extrato detalhado da conta de empréstimo, que reflita o número de prestações pagas pelos Embargantes quanto ao contrato fundamental, e, bem assim, o plano de pagamento das prestações que foi acordado aquando da formalização do empréstimo bancário.
2. Sucede, porém, que a ora Exequente não dispõe, nem tem como dispor, do referido extrato detalhado da conta de empréstimo, que reflita o número de prestações pagas pelos Embargados.
3. Acresce ainda que, salvo devido respeito por opinião diversa, in casu o ónus da prova recai sobre os Executados.
4. São os Executados que têm que demonstrar/provar ter procedido ao pagamento das prestações a que estavam adstritos.
5. Nesse sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 371793/08.5YIPRT.C1 de 07/12/2011 (…).
6. E ainda, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 2882/07.6TBGMR.G1, de 23/04/2009(…) .
7. Ademais, veja-se o artigo 342.º n.º 1 do Código Civil, quanto ao ónus da prova: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”.
8. A Exequente fez prova do direito constituído, que se encontra espelhado nas peças processuais, bem como nos documentos juntos às mesmas, o que para desde já se remete.
9. Ora, fazendo o Exequente prova do seu direito, o ónus de provar quais os valores pagos e não pagos, fica a cargo dos Executados que se constituíram em mora.
10. Além disso, foi ainda a Exequente/Embargada notificada para alegar quando é que os Executados deixaram de pagar as prestações do empréstimo e qual o número da última prestação paga, por referência àquele plano de pagamento, sendo a informação necessária por força do “ónus de alegação secundário” da Embargada.
11. Quanto ao plano de pagamento das prestações, o mesmo vem explanado no contrato de empréstimo (doc. 1) junto com a Contestação de Embargos de Executado, onde foi acordado o pagamento da quantia de 15.800,00€ (quinze mil e oitocentos euros) em 60 (sessenta) prestações mensais, constantes e sucessivas, conforme cláusula primeira, número nove.
12. Não obstante, os Executados/Embargantes receberam a missiva de preenchimento da livrança, onde vinha mencionado que o valor do capital já não se encontrava no valor acordado no contrato, mas sim em 11.269,88€ (onze mil duzentos e sessenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), logo, claramente encontra-se explanado que os Executados deverão ter procedido ao pagamento das prestações iniciais ao credor originário.
13. In casu, e salvo devido respeito por opinião diversa, é aos Executados que compete apresentar nos presentes autos, prova disso mesmo, não podendo recair sobre a Exequente/Embargante, o ónus de um facto que não foi trazido por si à colação.
14. Razão pela qual, não vê a Exequente necessidade de apresentação dos documentos ora requeridos, pelo que, requer-se a V.Exa. que sejam os Executados notificados para vir fazer prova dos valores pagos, bem como para procederem à junção dos documentos que os comprovem, entendendo a aqui Embargada/Exequente, com o devido respeito, serem estes necessários para a descoberta da verdade material e, consequente a prossecução da presente ação executiva com vista ao pagamento dos valores ainda em dívida.
I.8_ Realizada a audiência prévia, foi definido o objecto dos autos, fixados os temas da prova e reiterados “os pontos II. e III. do despacho datado de 09/05/2023, para a Embargada responder, em 10 dias, sob pena de ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPC.”.
I.9_ Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do dispositivo:
“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decido os Embargos do Executado totalmente improcedentes, devendo a execução, em consequência, prosseguir os seus termos para a cobrança das quantias liquidadas no requerimento executivo.
Custas pelos Embargantes, por terem ficado vencidos (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, Novo Código de Processo Civil).
Registe e notifique, incluindo o Agente de Execução.”.
I.10_ Inconformados com essa decisão, os Embargantes interpuseram recurso da mesma, formulando a s seguintes conclusões:
(…)
I.11_Notificada, a Embargada/Recorrida apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
(…)
Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Assim, perante as conclusões dos Recorrentes há que apreciar as seguintes questões:
1_Da inversão do ónus da prova.
2_ Aditamento dos seguintes factos, à matéria de facto considerada provada:
_ A última prestação paga foi a correspondente a Janeiro de 2015.
_ Não tendo sido pagas as prestações n.º 18 e seguintes.
_ Foram pagas 17 prestações e não foram pagas 43 prestações.
3_ Da prescrição do direito da Embargada decorrente da relação jurídica subjacente à emissão da livrança.
4_ Da prescrição da livrança.
Pelo Tribunal a quo foram considerados os seguintes factos:
“Factos provados:
Com relevância para a boa decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A Exequente é portadora de uma livrança emitida em 18/06/2013, assinada pelos Executados na qual foi aposta o valor de € 14.755,21 e a data de vencimento de 20/11/2022.
2. A sociedade A... Lda. era titular de uma conta corrente caucionada junto da instituição financeira Banco 1..., S.A, até meados de 2009.
3. Em 18 de Junho de 2013, a Executada A... Lda., na qualidade de mutuária, e os Executados Executado AA, BB e CC, na qualidade de garantes, celebraram com o Banco 1..., S.A., um crédito financeiro para liquidar o saldo da conta caucionada, contrato n.º ..., no valor de € 15.800,00.
4. Este valor mutuado seria pago em sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros.
5. Tal crédito foi concedido pelo prazo de cinco anos, vencendo-se em 18 de Junho de 2018.
6. Em caução e garantia do bom e integral cumprimento de todas as obrigações emergentes, do contrato, foi entregue ao Banco a 18 de Junho de 2013, uma livrança em branco, outorgada pelos Embargantes, estando o Banco autorizado em caso de incumprimento a preenchê-la pelo valor que fosse devido.
7. Não se tendo verificada a liquidação de todas as prestações no prazo constante no contrato, a Embargada procedeu ao envio de cartas de resolução, datadas de 10 de Novembro de 2022, para cada um dos Embargantes, com a menção do valor em dívida (capital e juros).
8. As respetivas missivas foram recepcionadas pela Sra. DD.
9. Pelo menos, a partir de 2017 a Executada A..., Lda. deixou de exercer a sua actividade, passando a estar inactiva, sem actividade, desde 2017 até à presente data.
10. Por deliberação de 20 de Dezembro de 2015 (rectificada em 4 de Janeiro de 2017), o Governo e o Banco de Portugal tomaram a decisão de venda da atividade do Banco 1..., S.A. e da maior parte dos seus ativos e passivos ao Banco 2....
11. Por meio de Contrato de Cessão de Créditos celebrado a 25 de Novembro de 2016, a C..., cedeu à D... S.A.R.L, um conjunto de créditos litigiosos, inicialmente concedidos a diversos mutuários pelo Banco 1..., no seguimento da deliberação referenciada no ponto 11, incluindo os créditos que aquela instituição bancária detinha sobre os ora Executados, incluindo todos os direitos, garantias e acessórios a eles inerentes.
12. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 12 de Maio de 2022, a D..., S.A.R.L., cedeu à E..., S.À.R.L, os créditos que detinha sobre os ora Executados.
13. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 29 de Junho de 2022, a E..., S.À.R.L., cedeu à B... STC, S.A., os créditos que detinha sobre os ora Executados.
Factos não provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa designadamente:
a) – O número de prestações pagas pelos embargantes no que se refere ao contrato de mútuo n.º ..., datado de 18/06/2013;
b) – A última prestação paga pelos Embargantes.”.
IV_ Fundamentação de direito
1ª Questão
Insurgem-se os Recorrentes com a decisão recorrida sustentando que o Tribunal a quo devia ter declarado que a Exequente/Embargada “tornou culposamente impossível a prova dos factos alegados pelos Executados/Embargados” e consequentemente, devia ter “declarado a inversão do ónus da prova, por força e por efeito dos artigos 430.º do C.P.C. e do n.º 2 do artigo 417.º”.
Advoga a Recorrida que é desprovido de qualquer fundamento fáctico e jurídico todo o argumentário expendido pelos Recorrentes, persistindo os mesmos em desvirtuar os factos para impedir a descoberta da verdade material e evitar o cumprimento da obrigação.
Importa, então, apurar se existe fundamento legal para a cominação sancionatória da inversão do ónus da prova, nos termos conjugados do artigo 344º, nº 2, do Código Civil e do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 344º do Código Civil, no seu nº 2, que “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”.
Nos termos do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Civil: “Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus de prova decorrente do preceituado no nº 2 do artigo 344º do Código Civil”.
Nos termos do nº1 artigo 429º do CPC. “Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar”, dispondo o nº2, “Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação”.
Por sua vez, dispõe o artigo 430º do CPC que “Se o notificado não apresentar o documento, é-lhe aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 417.º.”.
A inversão do ónus da prova significa que a parte a quem competia demonstrar os factos que alegou, nos termos das regras sobre a repartição do ónus de prova, deixa de ter esse encargo, passando a recair sobre a parte contrária – que culposamente tornou impossível a prova desses factos - o ónus de provar o facto contrário.
Apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art. 417.º, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo.
Escrevem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[1], “...vigorando o princípio da livre apreciação das provas, não está vedado, antes se justifica com toda a pertinência, que se extraiam dos comportamentos processuais das partes elementos que interfiram na formação da convicção. Tal princípio não vigora apenas para efeitos de apreciação crítica dos meios de prova, devendo estender-se à apreciação da conduta processual, designadamente à que respeita à instrução da causa. Daí que, mesmo sem inversão do ónus da prova, mecanismo que deverá ser resguardado para casos de maior gravidade, o juiz poderá sustentar a sua decisão sobre matéria de facto provada e não provada também na ponderação do modo como as partes se posicionaram no que concerne ao exercício do ónus da prova e de contraprova e ao acatamento do princípio da cooperação em matéria probatória.”.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[2], “O comportamento do recusante pode, mais drasticamente, determinar, quando verificado o condicionalismo do artigo 344º, nº 2, do Código Civil, a inversão do ónus de prova. Tal acontece quando a recusa impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.art. 313-1CC; art. 364ºCC) já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos”. Indica como exemplos de situações que conduzem à inversão do ónus da prova, a destruição, pelo condutor do automóvel, logo após o acidente, dos indícios da sua culpa no acidente de viação; quando uma das partes impede a testemunha oferecida pela outra de se deslocar ao tribunal; quando a parte notificada para apresentar um documento que está na sua posse, não o apresenta, se outra prova dos factos em causa não existir ou existindo, for insuficiente.
Constituem pressupostos para fazer operar a sanção da inversão do ónus de prova:
a) que por acção da parte contrária, a prova de determinada factualidade se tenha tornado impossível;
b) que o comportamento dessa parte (contrária), lhe seja imputável a título culposo.
A dificuldade na produção da prova de um facto não é suficiente para preencher o primeiro dos apontados pressupostos, sendo imprescindível que a prova se tenha tornado impossível.
Por esta Relação, no Acórdão de 15/11/2021[3], foi decidido:
“O princípio violado é o do dever de cooperação para a descoberta da verdade que, visando uma sã administração da justiça e a obtenção de uma decisão de mérito, o mais possível correspondente, em termos judiciários, à verdade material subjacente, vincula todas as pessoas e que se encontra explicitado no art. 519,º, nº1 do CPCivil, nos seguintes termos: “Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que foram determinados”.
A 2ª parte do nº 2 do art. 519.º sugere a mesma ideia da culpa na violação de tal dever de cooperação por quem seja parte, ao referir que aqueles que recusem a colaboração devida serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do Código Civil.
…
Como observa o Ac. do STJ de 21-04-2016 [proc.º 64/10.0TTLSB.L1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt], “Não basta pois que a parte recuse ou não justifique a falta de colaboração. É ainda necessário que essa falta de colaboração tenha tornado impossível a prova do facto ao onerado com essa prova, [….] e que esse comportamento tenha sido culposo”.
A dificuldade na produção da prova de um facto não é suficiente para preencher o primeiro dos apontados pressupostos, sendo imprescindível que a prova se “tornado impossível”. Como assinala o acórdão da Relação de Évora, de 25-05-2017 [Proc.º 1216/15.0T8TMR.E2, Desembargador João Luís Nunes, disponível em www.dgsi.pt], é entendimento reafirmado pela jurisprudência, nomeadamente do STJ [p.ex. nos acórdãos 04.07.02, Proc.º n.º 1411/02; de 26-02-03, Revista n.º 2084/02; e, de 12-01-2006, Recurso n.º 2655/05] «(..) e pela doutrina [entre outros, Manuel de Andrade (obra citada, pág. 203), de acordo com o qual a dificuldade da prova de um facto não altera a repartição do ónus das prova, e Vaz Serra (RLJ 106-315), que considera haver inversão do ónus da prova quando “...a prova não for possível ou for extremamente difícil àquele que, segundo as regras do artigo 342.º, teria de a fazer (...)”], só a impossibilidade de prova dos factos pela parte com ela onerada, determina a sua inversão, nos termos do art.º 344, n.º 2, do CC».
Transpondo tais princípios e salvo o devido respeito por entendimento diverso, a situação de facto, exposta no relatório, o comportamento assumido pela Embargada não reveste as características mínimas que tornam exigível, necessária ou justificada a gravosa aplicação da cominação processual sancionatória em referência.
Pelos embargantes foi requerido, na parte final da sua petição, ao abrigo do artigo 429.º do C.P.C., a notificação da embargada para juntar aos autos: a) cópia do contrato de crédito financeira n.º ...; b) extracto com o número de prestações pagas pelos Embargados; c) cópia das notificações aos Embargantes da resolução do contrato de mútuo; e d) cópia da autorização para preenchimento de livrança em branco emitida pelos Embargantes.
O Tribunal a quo acedeu ao pedido dos Embargantes e por despacho de 29/5/2023, foi decidido:
“II – Ao abrigo do disposto no art. 590.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, do CPC, aplicável por via do seu art. 732.º, n.º 2, comunico à Exequente/ Embargada para que, no prazo de 10 dias, proceda à junção (i) do extrato detalhado da conta empréstimo, que reflita o número de prestações pagas pelos embargantes quanto ao contrato fundamental, e, bem assim, (ii) o plano de pagamento das prestações que foi acordado aquando da formalização do empréstimo bancário.
III – Ao abrigo do disposto no art. 726.º, n.º 4, do CPC, comunico à Exequente/ Embargada para que, no prazo de 10 dias, alegue quando é que os Executados deixaram de pagar as prestações do empréstimo e qual o número da última prestação paga, por referência àquele plano de pagamento. Esta informação é necessária por força do "ónus de alegação secundário" do Embargado...”.
Notificada desse despacho – expediente enviado pelo Citius, em 23/5/2023 -, a Exequente/Embargada nada disse.
Por despacho de 23/6/2023, foram reiterados “os pontos II. e III. do despacho datado de 09/05/2023, para a Embargada responder, em 10 dias, sob pena de ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPC.”.
Por requerimento de 6/7/2023, a Embargada/Exequente apresentou resposta, alegando não dispor do extracto detalhado da conta de empréstimo que reflita o número de prestações pagas pelos Embargados e que recai sobre os Executados o ónus de demonstrar/provar ter procedido ao pagamento das prestações a que estavam adstritos. Fez prova do direito constituído que se encontra espelhado nas peças processuais, bem como nos documentos juntos às mesmas, o ónus de provar quais os valores pagos e não pagos, fica a cargo dos Executados que se constituíram em mora.
Refere, ainda, que o plano de pagamento das prestações vem explanado no contrato de empréstimo junto com a contestação de Embargos de Executado, onde foi acordado o pagamento da quantia de 15.800,00€ (quinze mil e oitocentos euros) em 60 (sessenta) prestações mensais, constantes e sucessivas, conforme cláusula primeira, número nove. Não obstante, os Executados/Embargantes receberam a missiva de preenchimento da livrança, onde vinha mencionado que o valor do capital já não se encontrava no valor acordado no contrato, mas sim em 11.269,88€ (onze mil duzentos e sessenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), logo, claramente encontra-se explanado que os Executados deverão ter procedido ao pagamento das prestações iniciais ao credor originário.
Conclui, afirmando que não vê necessidade de apresentação dos documentos requeridos.
Por despacho de 23/6/2023, foram reiterados “os pontos II. e III. do despacho datado de 09/05/2023, para a Embargada responder, em 10 dias, sob pena de ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPC.”.
Por requerimento de 6/7/2023, a Embargada/Exequente apresentou resposta, alegando não dispor do extracto detalhado da conta de empréstimo que reflita o número de prestações pagas pelos Embargados e que recai sobre os Executados o ónus de demonstrar/provar ter procedido ao pagamento das prestações a que estavam adstritos. Fez prova do direito constituído que se encontra espelhado nas peças processuais, bem como nos documentos juntos às mesmas, o ónus de provar quais os valores pagos e não pagos, fica a cargo dos Executados que se constituíram em mora.
Refere, ainda, que o plano de pagamento das prestações vem explanado no contrato de empréstimo junto com a contestação de Embargos de Executado, onde foi acordado o pagamento da quantia de 15.800,00€ (quinze mil e oitocentos euros) em 60 (sessenta) prestações mensais, constantes e sucessivas, conforme cláusula primeira, número nove. Não obstante, os Executados/Embargantes receberam a missiva de preenchimento da livrança, onde vinha mencionado que o valor do capital já não se encontrava no valor acordado no contrato, mas sim em 11.269,88€ (onze mil duzentos e sessenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), logo, claramente encontra-se explanado que os Executados deverão ter procedido ao pagamento das prestações iniciais ao credor originário.
Por despacho de 11/7/2023, foi determinado, novamente, a notificação da Embargada, nos termos ordenados no despacho de 9/5/2023.
Consta da sentença recorrida, “Uma vez que o Exequente/Embargado veio responder ao solicitado (cfr. Ref.ª Elect.ª 14889364, de 6.7.2023), entende-se inexistir litigância de má-fé fundada na violação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil, por violação do princípio da cooperação.”.
A primeira observação que se impõe é a seguinte. Os Embargantes requereram a notificação da Embargada para juntar aos autos os seguintes documentos: a) cópia do contrato de crédito financeira n.º ...; b) extracto com o número de prestações pagas pelos Embargados; c) cópia das notificações aos Embargantes da resolução do contrato de mútuo; e d) cópia da autorização para preenchimento de livrança em branco emitida pelos Embargantes. Todavia, não indicaram quais os factos por si alegados que pretendiam demonstrar com tais documentos.
Em segundo lugar, o contrato foi subscrito pela Embargante “A..., Lda”, sendo, à data, gerente desta sociedade o Embargante AA. Os três embargantes, pessoas singulares, intervieram no contrato. Em suma, todos tiveram acesso ao contrato, tendo este documento sido junto com a contestação.
O plano de pagamento das prestações consta do próprio clausulado do contrato.
A autorização para o preenchimento da livrança consta da cláusula 9ª do contrato.
A conta bancária através da qual foi efectuado o pagamento das prestações tem como titular a Embargante “A..., Lda.”. Sendo esta uma sociedade, não pode deixar de conter, na sua contabilidade, os documentos referentes ao pagamento das prestações, nomeadamente os extractos da conta bancária da qual é titular e que reflectem os pagamentos efectuados.
Não se vislumbra, assim, qualquer razão para os Embargantes não terem na sua posse tais documentos, o mesmo sucedendo com as cartas recebidas e através das quais foi comunicada a resolução do contrato de mútuo, documentos que a Embargada juntou aos autos, com a sua contestação.
Em terceiro lugar, pelos Embargantes não foi demonstrado que a Embargada estava na posse de extractos bancários, emitidos pelo Banco 1... e referentes a conta bancária aberta nesta instituição bancária.
Em quarto lugar, no caso dos autos, não estando a Embargada obrigada a alegar factos atinentes à relação jurídica subjacente à emissão da livrança, não havia fundamento para a aplicação do disposto no artigo 726º, nº4, do CPC. Como observa o Acórdão proferido por esta Relação, em 18/3/2024 [4]:
“I - Na ação executiva, não tem cabimento falar em causa de pedir, pelo menos com o sentido em que é utilizado na ação declarativa, quando se trata de executar títulos que têm como características da incorporação, literalidade, autonomia e abstração, sendo desnecessária a alegação de qualquer relação extracartular ou causa de pedir.
II - Embora atualmente (com as alterações legais ao elenco dos títulos executivos) se defenda que a causa de pedir na ação executiva assenta na obrigação exequenda, que constitui o seu fundamento substantivo, tratando-se, no entanto, de títulos que valham como títulos de crédito, verificando-se a unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente (princípio da incorporação) e valendo a relação cambiária independentemente da causa que lhe deu origem (princípio da abstração), uma letra, enquanto título de crédito, pode ser dada à execução de per si, sem a alegação da relação jurídica subjacente, da qual o título cambiário se abstrai.
III - Por assim ser, não existe a ineptidão do requerimento executivo se nele não existe enquadramento factual da relação subjacente.”.
Em suma, aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, cabendo ao demandado a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo demandante. No caso, incumbia aos Embargantes a alegação dos factos materiais pertinentes para a apreciação da excepção de prescrição, o que não sucedeu.
Por força da inversão do ónus da prova, pretendem os Embargantes que recaia sobre a Embargada a prova da data na qual deixaram de pagar as prestações do empréstimo (facto que não se mostra alegado pelos Embargantes, apesar de se tratar de facto pessoal cujo conhecimento não podiam deixar de ter); qual o número da última prestação paga, por referência ao plano de pagamentos e o número de prestações que não foram liquidadas e o número de prestações que foram liquidadas (factos não alegados pelos Embargantes, apesar de se tratar de factos pessoais cujo conhecimento não podiam deixar de ter).
Não se encontrando demonstrado que se encontravam na posse da Embargada os extractos bancários referentes à conta bancária da titularidade da Embargante “A..., Lda.”. Não ficou demonstrada a impossibilidade de os Embargantes acederem a tais meios de prova, nomeadamente através da instituição bancária ou da contabilidade da própria Embargante, titular da conta bancária.
Pelo exposto e salvo o devido respeito por entendimento diverso, não se encontra demonstrado que a Embargada “tornou culposamente impossível a prova dos factos alegados pelos Executados/Embargados”.
Por último, tendo em conta as consequências decisivas da inversão do ónus da prova para a decisão da causa, impõe-se que a notificação efectuada à parte para proceder à junção de documentos seja acompanhada da advertência de que a sua recusa injustificada implica a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC[5]. A notificação da Embargada para proceder à junção dos documentos solicitados pelo Embargantes, não foi acompanhada da advertência de que a sua recusa injustificada implica a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do Código Civil.
Improcede, assim, esta pretensão recursória.
2ª Questão
Insurgem-se os Recorrentes contra a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, pretendendo que sejam incluídos, nos factos provados, os seguintes:
_ A última prestação paga foi a correspondente a Janeiro de 2015.
_ Não tendo sido pagas as prestações n.º 18 e seguintes.
_ Foram pagas 17 prestações e não foram pagas 43 prestações.
Sustentam os Recorrentes que dos extractos bancários da Executada A... Lda. - documentos nºs 1 a 10 - juntos com a petição, “retiramos que a última prestação paga pelos Executados/Embargantes (no valor de €317,35), foi a de 18/01/2015” e que “em Junho de 2015 já se encontrava em incumprimento quanto ao contrato em causa nos autos, num montante de €1.383,48, o qual se encontrava em recuperação central”.
De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
O Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que existe matéria de facto alegada pelas partes, essencial à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas e que não foi conhecida pelo tribunal recorrido. Além de tais factos, articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Percorrendo a petição dos embargos de executado, não resulta desse articulado, qualquer dos factos que os Recorrentes pretendem ver incluídos na matéria de facto provada.
Tratando-se de facto extintivo do direito invocado pela Embargada/Exequente/Recorrida, recai sobre os Embargantes o ónus de alegar - e provar - o pagamento das prestações e a data em que ocorreu esse facto extintivo.
A prescrição é um instituto que se funda no decurso do tempo e, quando invocada com êxito, gera a paralisação dos direitos sempre que estes não sejam exercitados sem uma justificação legítima durante um certo lapso de tempo fixado por lei. Decorre do disposto no artigo 303.º do Código Civil que a prescrição tem de ser invocada por aquele a quem aproveita, ou seja, pelo seu beneficiário ou sujeito passivo da relação, em regra, o devedor. Constituindo a prescrição um facto extintivo do direito, recai igualmente sobre os Executados/Embargantes/Recorrentes o ónus de alegar, na sua petição de embargos, todos os factos materiais pertinentes para a apreciação desta excepção – cfr. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil e artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Em suma, pretendem os Recorrentes aditar, à matéria de facto provada, factos que não se mostram alegados devendo sê-lo. Ainda que resultassem da instrução da causa e fossem considerados factos complementar dos alegados pelas partes, não podiam os mesmos serem tomados em consideração pelo Tribunal ad quem por não se mostrar cumprido o exercício do contraditório (artigo 2º, alínea b) do artigo 5º).
Ainda assim, dir-se-á o seguinte. Salvo o devido respeito, da análise crítica dos documentos juntos pelos Embargantes não se extrai, necessariamente, a conclusão pretendida pelos mesmos, ou seja, que a última prestação paga foi a 17ª, vencida em Janeiro de 2015. Dos extractos bancários, constata-se que o capital em dívida, após o pagamento da prestação [no valor de €336,68] vencida em 18 de Janeiro de 2015, perfazia a quantia de €11.873,66. Porém, a livrança foi preenchida com o valor de €14.755,21, correspondendo a quantia de €11.269,88 ao capital em dívida. Dos extractos juntos não resulta o pagamento de qualquer prestação entre 19 de Janeiro e 30 de Junho de 2015. Significa que entre Junho de 2015 e a data de preenchimento da livrança foi efectuado o pagamento de prestações. Da leitura dos extractos respeitantes ao período de Dezembro de 2014 a 30/6/2015 – documentos nºs 1 a 10 juntos com os embargos - não pode extrair-se a conclusão que, após esta data, não existiu qualquer pagamento de capital em dívida, bem como qual ou quais as prestações pagas. O valor com o qual se encontra preenchida a livrança também não permite aferir quais as prestações vencidas e não pagas.
Como já foi referido, os factos que os Embargantes pretendem aditar não foram alegados. Entendendo os embargantes “A..., Lda.”, AA, BB e CC que dos documentos por si juntos se extrai a data da última prestação paga e o número de prestações pagas, não se encontravam impedidos de alegar tal factualidade.
Por último, o Tribunal a quo incluiu nos factos não provados:
“a) – O número de prestações pagas pelos embargantes no que se refere ao contrato de mútuo n.º ..., datado de 18/06/2013;
b) – A última prestação paga pelos Embargantes.”
Não se tratando de factos, não pode o conteúdo dos pontos a) e b) ser introduzido na matéria de facto, devendo eliminar-se do texto[6].
Improcede, assim, a pretensão recursória.
3ª Questão
A questão a decidir é a de saber se na situação objecto destes autos o prazo de prescrição aplicável é o ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309.º do Código Civil, ou o de 5 anos, previsto no art.º 310.º, alínea e), do Código Civil.
O título executivo consiste na livrança emitida em 18/06/2013, assinada pelos Executados na qual foi aposta o valor de €14.755,21 e a data de vencimento de 20/11/2022.
A relação material subjacente à emissão desse título consiste no contrato de mútuo com o n.º ..., celebrado em 18 de Junho de 2013, entre o Banco 1..., S.A. e a Executada A... Lda., na qualidade de mutuária, através do qual o primeiro concedeu-lhe um crédito no valor de € 15.800,00, pelo prazo de cinco anos que se venceu em 18 de Junho de 2018, a pagar em sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas, integrando capital e juros.
Como garantia do bom e integral cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato, foi entregue ao Banco, em 18 de Junho de 2013, uma livrança em branco, assinada pelos Embargantes, estando o Banco autorizado, em caso de incumprimento do contrato de mútuo, a preenchê-la pelo valor que fosse devido. Não se tendo verificada a liquidação de todas as prestações nos termos previstos no contrato, a Embargada procedeu ao envio de cartas de resolução, datadas de 10 de Novembro de 2022, para cada um dos Embargantes, com a menção do valor em dívida (capital e juros).
Estão sujeitos à prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição – n.º 1, do art.º 298.º do Código Civil.
Conforme já referido, a prescrição é uma forma de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjetivos, tornando-os inexigíveis, ou seja, é um mecanismo legal que impede o normal exercício de direito, transformando obrigações jurídicas em meras obrigações naturais.
Ela representa o sacrifício do valor da justiça em favor da prevalência do valor da certeza ou segurança, na medida em que impede o credor de exigir o cumprimento do seu direito, para além de um certo período de tempo.
Ensinava Manuel Domingues de Andrade[7], “a prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos”, tendo o seu fundamento “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (ao titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus non succurrit ius)”.
Em regra, as prescrições são extintivas, o que significa que, completado o prazo de prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (artigo 304º, nº 1 do CC).
Os prazos de prescrição variam conforme as circunstâncias, fixando a lei um prazo geral de prescrição de 20 anos (art. 309º do CC).
Dispõe o artigo 310º do Código Civil que “Prescrevem no prazo de cinco anos (e) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros…”.
A decisão recorrida acompanha o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça aos de 22/09/2022, e publicado no D.R. n.º 184/2022 Série I de 22/9/2022.
Refere o Tribunal a quo, “na sequência do entendimento predominante nos Tribunais Superiores, mormente pelo Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022, publicado no Diário da República n.º 184/2022, I.ª Série de 22-09-22, fixou-se jurisprudência no sentido de que «I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas».
Deste modo, à luz da tese jurisprudencial seguida pelo aludido Acórdão Uniformizador, os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição quinquenal previsto no art.º 310.º, al, e), do Código Civil, sendo que a circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.”.
Ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no referido Acórdão:
«A considerar-se, como em diversas decisões das Relações, que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).
Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam.
Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros.
E pese embora devermos considerar que, "no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados", como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., n.º 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a "acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor" que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor.
Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o artigo 310.º alínea e) do Código Civil considera que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis.
"Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º".
Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado.
A "ratio" das prescrições de curto prazo, se radica na protecção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47).
III. A posição doutrinal que, em II, entendemos a mais adequada, ou seja, a aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artigo 781.º CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações.».
Acompanha-se o entendimento perfilhado no Acórdão citado, pelo que se concorda com a decisão recorrida quanto à aplicação do prazo de prescrição previsto na alínea e) do artigo 310º do Código Civil: no mútuo celebrado pela Embargante A..., Lda., a obrigação de reembolso do capital mutuado foi objecto de um plano de amortização consistente na fixação de determinado número de quotas de amortização que integram uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios vencidos, originando uma prestação unitária e global, cada uma dessas prestações mensais.
Importa, no entanto, referir o seguinte. Não resulta dos autos que pela Exequente tenha sido usada a faculdade conferida pelo artigo 781º do Código Covil, interpelando a Embargante mutuária no sentido de converter o incumprimento das prestações vencidas em vencimentos de todas as prestações. Da matéria de facto assente resulta que a Exequente optou pela resolução do contato, o que comunicou por carta de 10/11/2022.
Como ensina o Supremo no Tribunal de Justiça, no Acórdão de 2/2/2023[8], «não sendo devida no caso a soma das prestações antecipadamente vencidas nos termos do art. 781º do C.Civil (…) o facto de se estar perante uma obrigação decorrente da resolução do contrato e não simples antecipação do vencimento evidencia que quer num caso quer noutro o fundamento se desprende sempre do incumprimento das mesmas prestações fracionadas compostas de capital e juros, sendo os mesmos os pressupostos que permitem ao credor escolher entre a resolução do contrato e a antecipação do vencimento das prestações, preenchendo ambas as situações a mesma razão que preside ao art. 310 al. al. e) do CCivil – cfr. neste sentido entre outros os acs. citados na decisão recorrida do STJ de 11/03/2020, no processo 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 e o de 07/06/2021, no processo 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1 onde se diz expressamente que “nas situações de contratos de mútuo com acordo de reembolso periódico de capital e juros remuneratórios o prazo de prescrição aplicável às duas componentes (capital e juros), mesmo que ocorra resolução do contrato e vencimento antecipado ou exigibilidade antecipada da totalidade das prestações, é o de 5 anos, sendo aplicável à situação o regime da al. e) do art. 310º do Código Civil”.»
Conclui o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão citado, «[n]estes termos no concreto da contagem do início do prazo da prescrição, que sabemos agora ser de cinco anos, começa a correr quando o direito puder ser exercido como antes dissemos o vencimento das prestações ao abrigo do art. 781 do CCivil é um benefício e não uma imposição concedido ao credor para que, assim o querendo, beneficiar dele, manifestando a sua expressa vontade nesse sentido, com a interpelação para que o devedor cumpra imediatamente a totalidade da obrigação (…).
Percebe-se que no âmbito do prazo da prescrição a importância da contagem do seu início sofra alteração consoante o que seja exigido decorra do vencimento antecipado ou da resolução. Se for entendido que o prazo de prescrição se inicia no momento em que o credor pode usar da faculdade de considerar vencida toda a prestação (ou de resolver o contrato) isso importaria que caso o credor deixasse correr mais de cinco anos sobre o primeiro incumprimento, não só não poderia exigir as prestações em dívida vencidas e prescritas por aplicação do art. 310 al. e) do CCivil como não poderia exigir também a resolução do contrato por ter de se considerar que esse direito, no entendimento de a totalidade da dívida se vencer com o vencimento da primeira prestação, se encontrava prescrito (o direito de resolução) pelo decurso do mesmo prazo (de cinco anos).»
Esclarece o Supremo Tribunal de Justiça, no citado Acórdão, «Se no caso em decisão está em causa a dívida decorrente da resolução do contrato e não do vencimento antecipado da totalidade da obrigação ao abrigo do art. 781 do CCivil a questão relevante, sendo o prazo de prescrição de cada uma das prestações o de cinco anos a contar da data do seu vencimento, é a de apurar qual o valor da totalidade da prestação em razão da resolução do contrato. Mais concretamente, se não se tendo vencido a totalidade das prestações por perda do beneficio do prazo, se alguma das prestações se encontra prescrita e não pode incluir o pedido de pagamento.”
Transpondo tais princípios para os presentes autos, como refere o Tribunal a quo “o contrato foi celebrado em 18/06/2013, pelo prazo de cinco anos, prevendo o pagamento de 60 prestações mensais de capital e juros, tendo terminado em 18 de Junho de 2018, significando, portanto, que o credor optou por manter o plano prestacional inicialmente acordado até ao seu termo.
Assim sendo, o termo inicial do prazo prescricional de cinco anos, previsto na alínea e) do artigo 310 do Código Civil, tem-se de aferir relativamente a cada uma das prestações em dívida, por se ter mantido o plano prestacional inicialmente estabelecido até ao final do contrato.”
Concorda-se com o decidido pelo Tribunal a quo que “a falta de prova do momento da data do incumprimento a que se reporta cada uma das prestações em dívida impede que se descortine o início do prazo da prescrição.
Consequentemente, à mingua de tal prova, os Embargantes não lograram demonstrar quais, de entre as prestações em dívida, se poderiam considerar prescritas. Logo, não se comprovando os factos constitutivos da excepção peremptória, cujo ónus da prova impendia sobre os Embargantes (art. 342.º, n.º 2 Código Civil), haverá que atender aos elementos constantes dos autos, concretamente a data do termo de vigência do contrato e que remonta a 18 de Junho de 2018.”.
Pelo exposto, não se encontra prescrito o direito da Embargada pois, como decidido pelo Tribunal a quo, «a execução foi instaurada em 21/12/2022 e, segundo a regra interruptiva resultante do disposto no artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”, sendo certo que tal norma é aplicável à execução…».
Improcede, assim, a excepção de prescrição do direito da Embargada decorrente da relação jurídica subjacente à emissão da livrança.
4ª Questão
Invocam os Embargantes a prescrição da livrança.
O artigo 10º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável à livrança por força do disposto no artigo 77º da mesma lei, prevê a possibilidade de letra em branco, ou seja, sem ter sido preenchido algum dos espaços que devam sê-lo, ficando o portador autorizado a preenchê-la mais tarde. O critério do preenchimento posterior, com a data ou o valor que ficaram em branco, deve ser feito de acordo com o “pacto de preenchimento” que consiste numa convenção pela qual se estipula o modo como o título virá a ser preenchido mais tarde. É o “pacto de preenchimento” subjacente à emissão da livrança em branco que define os termos do preenchimento, sendo este, não um pressuposto da existência da letra ou da livrança, mas “apenas da exigibilidade do seu pagamento, é uma condição de eficácia [9].
Decorre do exposto que verificado o incumprimento do contrato subjacente à livrança, por parte do devedor, ao portador assiste o direito de preencher a livrança. Nada constando do pacto de preenchimento quanto à data de vencimento, ao portador assiste o direito de inscrever, nesse título, no espaço destinado à menção da data do vencimento, qualquer data posterior ao vencimento da obrigação subjacente.
Como ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 06/9/2022[10]:
“I - A LULL não fixa o prazo dentro do qual deve ser preenchida a livrança entregue em branco, tão pouco o fazendo qualquer outro dispositivo legal. Será normalmente o acordo de preenchimento subjacente à emissão da livrança em branco que define os termos do preenchimento.
II - Nada tendo sido estabelecido diversamente em sede de acordo de preenchimento, é direito potestativo do portador preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento da subscritora...”.
Assim, não havendo violação do pacto de preenchimento, o prazo de prescrição de três anos previsto no art. 70º da LULL conta-se a partir da data de vencimento que seja aposta na livrança pelo respectivo portador.
Revertendo aos presentes autos, pelos Embargantes/Recorrentes não foi alegado ter sido convencionada uma data particular de vencimento a apor na livrança aquando do seu preenchimento nem a violação do pacto de preenchimento quanto à data de vencimento aposta na livrança.
Dispõe o artigo 70º, I, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, aplicável à livrança por força do disposto no artigo 77º da mesma lei, que “Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”, prazo igualmente aplicável ao avalista, por força do disposto no artigo 32º do mesmo diploma legal.
Em anotação a este artigo, refere Abel Delgado[11], “Na letra em branco, a prescrição decorre desde o dia do vencimento aposto pelo cumpridor, desde que não haja infracção do contrato de preenchimento”.
Pronunciando-se sobre a questão do início da contagem do prazo de prescrição, previsto no artigo 70º, nº 1, da LULL, se afere ou não em função da data de vencimento inscrita na livrança, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 30/3/2023[12]:
“No Ac. do STJ de 04-07-2019, Rel. Maria da Graça Trigo, Proc. nº 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1, em www.dgsi.pt, exarou-se o seguinte:
«II. A questão de saber se o início da contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LULL (aplicável ex vi art. 77º da LULL) se afere em função da data de vencimento inscrita na livrança tem sido respondida em sentido afirmativo pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada.».”.
Como refere o Tribunal a quo, “quer o subscritor, quer os avalistas, intervieram e foram partes no pacto de preenchimento”, competindo-lhes “alegar e provar ter sido violado pelo portador da livrança, aqui embargado, o pacto de preenchimento, nos termos do art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil, por se tratar de matéria de excepção. Sucede que os Embargantes não lograram demonstrar tal factualidade, conforme lhes competia”.
Assistindo à Exequente/Embargada o direito potestativo de preencher a livrança com uma qualquer data de vencimento ulterior ao momento do alegado incumprimento do contrato subjacente à emissão desse título e tendo a mesma decidido apor na livrança como data de vencimento o dia 20 de Novembro de 2022, não se esgotou o prazo prescricional de três anos estabelecido no art. 70.º da LULL (ex vi art. 77.º), que associa o início do prazo de prescrição à data do vencimento do título.
Improcede, assim, o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas são integralmente da responsabilidade dos Recorrentes, considerando a total improcedência do recurso (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC), .
Pelos fundamentos acima expostos, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo dos Recorrentes (artigo 527º do CPC).
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