I – Não obstante as varandas e janelas de uma fração possam estar implantadas em paredes comuns ou paredes mestras do edifício, as mesmas integram elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fração respeitam e, por isso, são pertencentes ao dono desta.
II – A colocação de rede numa varanda e janelas da fração integra uma obra levada a cabo pelo condómino na sua própria fração, sendo-lhe aplicável o regime previsto nos nºs 2 e 3 do art. 1422º do C. Civil.
III – Prejudicando aquela obra o arranjo estético do edifício, a mesma está vedada ao condómino [art. 1422º nº2 a) do C. Civil]; por outro lado, só podendo o condómino realizar obras que modificam o arranjo estético do edifício com prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio (nº3 do art. 1422º), a deliberação da assembleia de condóminos que, por maioria, ordenou a retirada da rede, está em consonância com a lei, não havendo fundamento para a sua anulação.
(Comarca do Porto – Juízo de Execução da Maia – Juiz 1)
Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Ana Paula Amorim
2º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
AA e BB instauraram ação declarativa comum contra Condomínio do “Edifício ...” representado pelo seu administrador “A... Unipessoal, Lda.”, formulando os seguintes pedidos:
a) Deve a deliberação sobre a rede colocada nas janelas e varanda da sua fração, aprovada na Assembleia de Condóminos de 18-11-2022, ser anulada por ser contrária à lei, o que se peticiona nos termos do artigo 1433º do Código Civil;
b) Deve, ainda, a deliberação sobre a rede colocada nas janelas e varanda da sua fração, aprovada na Assembleia de Condóminos de 18-11-2022, ser anulada por não depender da prévia autorização da Assembleia de Condóminos, o que se peticiona nos termos do artigo 1433º do Código Civil;
c) Cumulativamente, deve a deliberação sobre a rede colocada nas janelas e varanda da sua fração, aprovada na Assembleia de Condóminos de 18-11-2022, ser anulada porque não se trata de obra nova, nem causa prejuízo à linha arquitetónica e/ou o arranjo estético do edifício;
d) E deve ser ainda reconhecido o direito dos Autores de manter a rede na janela e varanda da sua fração, por não causarem prejuízo à linha arquitetónica e/ou arranjo estético do edifício;
e) Ou subsidiariamente, deve ser reconhecido o direito dos Autores a manter a rede na janela e varanda da sua fração porque, analisado um alegado conflito de direitos, sempre terá de prevalecer aquele seu direito.
Alegaram para tal, em síntese, o seguinte:
- são proprietários de fração autónoma sita no prédio que identificam e colocaram redes nas janelas e na varanda da mesma;
- em assembleia de condóminos realizada em 18-11-2022, foi emitida deliberação determinando a remoção dessas redes no prazo de 60 dias;
- defendem que não estão impedidos de manter tais redes, dado que as mesmas não constituem inovação (nos termos do art. 1425º do CC), nem prejudicam a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício (nos termos do art. 1422º, nº 2, al. a), do CC);
- mais referem que, caso assim não se entenda, sempre tal deliberação configurará um abuso de direito, dado que existem, no edifício, marquises que alteram a estrutura do edifício;
- defendem igualmente que tais redes devem ser mantidas, uma vez que sempre deverá prevalecer o seu direito à segurança sobre o interesse da manutenção da linha estética do edifício.
O réu deduziu contestação, a qual, na sequência do estabelecimento de prévio contraditório entre as partes quanto a tal, veio a ser considerada fora de prazo e, nessa sequência, ordenado o seu desentranhamento e declarados confessados os factos articulados pelos autores por despacho de 21/4/2023.
De tal despacho veio a ser interposto recurso de apelação, o qual veio a ser admitido com efeito meramente devolutivo e seguiu os seus termos em separado.
Os autos prosseguiram, tendo a 20/10/2023 vindo a ser proferida sentença na qual se julgou totalmente improcedente a ação e se absolveu o R. Condomínio dos pedidos formulados pelos autores.
A 15/2/2024, o réu Condomínio veio a desistir do recurso do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação por si apresentada, desistência essa que veio a ser julgada válida e que levou à declaração de extinção da instância de tal recurso.
Os autores vieram interpor recurso da sentença proferida nos autos da ação a 20/10/2023, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso versa sobre matéria de Direito e matéria de Facto, pois entendem ainda os recorrentes que a sentença do Tribunal a quo violou normas jurídicas imperativas, mormente os artigos 615.°, n.° 1, alíneas c) e d) do CPC, 335º do CC, 17º, 18.° e 62.° da CRP.
II. Os recorrentes não se conformam com a douta decisão do Tribunal a quo, por considerar que a mesma é nula nos termos do art. 615°, n.° 1, alíneas c) e d) do CPC.
III. Entendem os recorrentes que a Tribunal de quo se recorre não se pronunciou sabre questões que devia apreciar.
IV. Entendem ainda os recorrentes que o juiz deixou de verificar os elementos de facto indispensáveis a apreciação do objeto do litígio, o que determina a nulidade da sentença.
V. O tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe são dadas a conhecer e, caso não se pronuncie sabre questões que devesse apreciar, porquanto lhe foram dadas a conhecer, a sentença deve considerar-se nula à luz do disposto no artigo 615º nº1 do CPC.
VI. Para elaborar a sentença de que se recorre, a Tribunal a quo não ouviu quaisquer testemunhas arroladas, não considerou nem se pronunciou de uma forma crítica sobre os meios de prova documentais juntos pelos aqui recorrentes.
VII. O Tribunal a quo considerou como não relevante todos e quaisquer factos alegados pelos aqui recorrentes, nomeadamente a facto de as referidas redes, para além de terem em vista a proteção da filha menor, visarem outrossim a proteção dos animais de estimação e para impedir a entrada de gaivotas e pombas.
VIII. Os recorrentes alegam no artigo 54º da petição inicial que “Em nada a colocação da rede impacta com a linha arquitetónica, ou configura uma obra de inovação sujeita a comunicação prévia de início de trabalhos ou licenciamento”.
IX. Tais factos não foram impugnados, devendo os mesmos considerar-se como admitidos por acordo nos termos do artigo 574º, n.° 2 da CPC, e como tal, dados por assentes e provados.
X. Tal matéria de facto deve ser alterada pois, conjugada com a restante matéria de facto dada como provada, a mesma aponta em direção diversa da decisão de que se recorre.
XI. Nos termos do artigo 640.º do CPC, a alteração da matéria de facto dada coma provada afigura-se útil para a boa decisão da causa. Portanto, quando a factualidade indicada é relevante para a decisão da causa, deve o tribunal ad quem apreciá-la.
XII. Cumprindo ao tribunal para que se recorre ordenar a decisão proferida pelo tribunal de primeira instância e ordenar a baixa dos autos para que elabore a competente decisão de direito, em conformidade com a factualidade que os recorrentes pretendem que venha a ser tida coma provada.
XIII. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sabre essas questões com relevância para a decisão de mérito, o que, in casu, se verificou como acima se refere.
XIV. Outrossim, a decisão da Tribunal a quo é ambígua, na medida em que entende que as redes são uma inovação, quando de facto deveria ter resultado provado exatamente a seu contrário.
XV. Por não o ter feito, o Tribunal violou o preceituado no artigo 615º, nº 1, alíneas c) e d) do CPC, devendo a sentença ser considerada nula nos termos das disposições enunciadas.
XVI. Na verdade, sempre que foi solicitado aos AA. a retirada das referidas redes, o R., aqui recorrido, invocou que as mesmas prejudicavam a linha arquitetónica do edifício, mas não o logrou provar, como é seu ónus.
XVII. No caso dos autos, as redes de proteção não constituem uma inovação, dado que não se encontram fixas na parede, antes sendo amovíveis, pelo que a instalação daquelas redes de proteção e segurança não se enquadra em uma “obra nova”, uma vez que a sua estrutura é amovível, suscetível de ser retirada.
Tem sido entendimento na jurisprudência que inovação “é tudo aquilo que sob a forma de construção ou escavação tirar o aspeto primitivo a uma coisa, tanto as alterações introduzidas na forma como na substância da coisa, como as modificações introduzidas na afetação ou destino da coisa diversamente do estabelecido”.
XVIII. Perante a existência de uma colisão de direitos (segurança vs linha arquitetónica), é indiscutível que deverá sempre sobrepor-se a segurança à linha arquitetónica, sobretudo tratando-se da segurança de pessoas e animais.
XIX. Analisados os direitos em conflito, importa trazer aqui à colação o disposto no artigo 335.° do Código Civil.
XX. No caso dos autos, estamos perante direitos desiguais ou de espécie diferente, isto é não harmonizáveis entre si, pelo que, segundo o disposto no nº 2 do citado preceito, há-de prevalecer o direito que deva considerar-se superior - o direito à segurança.
XXI. Destarte, prevalecendo o direito dos AA., por violação do preceituado no artigo 335.° do CC, tem de improceder a pretensão do R.
XXII. Ademais, atento o resultado prático da decisão da sentença, há um total aniquilamento do direito dos recorrentes, violando, assim, os artigos 17.°, 18.° e 62.° da Constituição da República Portuguesa.”
O réu Condomínio apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar das nulidades imputadas à sentença recorrida;
b) – apurar da ampliação da matéria de facto provada propugnada pelos recorrentes;
c) – apurar se as redes colocadas pelos autores nas janelas e varanda da sua fração constituem inovação nos termos do art. 1425º do CC ou se prejudicam a linha arquitetónica ou arranjo estético do edifício nos termos do art. 1422º, nº 2, al. a), do C. Civil;
d) – apurar se ocorre uma situação de colisão de direitos, devendo prevalecer, por via do direito à segurança, o direito dos autores em colocar tais redes.
Vamos às questões enunciadas sob a alínea a).
Os recorrentes imputam à sentença recorrida as nulidades previstas nas alíneas c) e d) do nº1 do art. 615º do CPC.
A primeira porque, no seu entender (é o que se extrai da motivação do recurso), “a decisão que considera as redes como uma inovação (…) é ambígua, na medida em que entende que as redes são uma inovação, quando de facto deveria ter resultado provado exatamente o seu contrário”.
A segunda porque, defendem, “o Tribunal, ao não averiguar o facto de as redes serem ou não amovíveis”, deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar.
Analisemos.
Sob a alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC, prevê-se que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
O vício previsto na primeira parte de tal alínea verifica-se sempre que a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e, depois, surge um dispositivo que de todo não se coaduna com as premissas, sendo assim um vício lógico na construção da sentença.
Já o vício previsto na segunda parte da aludida previsão legal, ocorre sempre que alguma ambiguidade ou obscuridade torne a decisão ininteligível.
Compulsando a sentença recorrida, verifica-se que nela constam bem elencados e especificados os fundamentos de facto (pontos 1 a 18 dos factos provados, com menção posterior a estes de que não existem factos não provados), consta dela, em sede de fundamentação de direito (sob a epígrafe com o mesmo nome), a aplicação aos factos das normas jurídicas e sua interpretação que se tiveram por pertinentes e verifica-se ainda que o seu dispositivo final constitui conclusão e repositório fiel daquela aplicação do direito feita em sede de fundamentação jurídica e do que se concluiu nesta quanto às questões analisadas.
Assim, não se verifica o vício previsto na primeira parte da alínea em causa.
Por outro lado, não se deteta na sentença em causa – nem vem assinalada pelos recorrentes – qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, isto é, que torne incompreensível o raciocínio e/ou os argumentos que foram aduzidos para chegar à mesma, pois os raciocínios utilizados pelo tribunal e que dali constam estão perfeitamente explicados e fundamentados e é utilizada linguagem clara e bem percetível.
Aliás, independentemente da adesão ou não a tal decisão e ao caminho jurídico pelo qual enveredou o tribunal recorrido para a ela chegar, é até bem patente da argumentação utilizada pelos recorrentes na sua peça de recurso, que estes, embora dela discordem, percebem bem tal decisão e o seu alcance.
Assim, também não se verifica o vício previsto na segunda parte da alínea em causa.
Os recorrentes, tanto quanto se percebe, subsumem a nulidade em apreço a uma sua discordância quanto aos factos provados, pois entendem que deveria ter sido dado como provado o que alegam no artigo 54º da petição inicial (cujo conteúdo é “Em nada a colocação da rede impacta com a linha arquitetónica, ou configura uma obra de inovação sujeita a comunicação prévia de início de trabalhos ou licenciamento”).
Ora, como se viu, a nulidade em apreço não contende com qualquer falta ou insuficiência de factualidade ou com a sua prova ou não prova, situações estas que, a considerarem-se existir, devem ser equacionadas/resolvidas, conforme os casos, em sede de impugnação da matéria de facto (art. 640º do CPC) e/ou da previsão da alínea c) do nº2 do art. 662º do CPC.
Como tal, improcede a arguição de tal nulidade.
Passemos agora à nulidade da alínea d).
Existe tal nulidade “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Com tal expressão, na sequência do que aliás se prevê no art. 608º do CPC, pretende referir-se a discussão e análise jurídica, em sede de fundamentação de direito da respetiva peça processual, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que caiba ao juiz conhecer oficiosamente [neste sentido, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 737, em anotação ao art. 615º do CPC].
Isto é, as questões a que se refere a alínea d) do nº1 do art. 615º do CPC, por correlação com o artigo 608º do mesmo diploma, são apenas questões de direito.
Ora, compulsada a sentença e os termos do seu dispositivo final, verifica-se que a mesma se debruçou sobre todos os pedidos deduzidos em articulação com as questões postas sobre os mesmos.
Portanto, conclui-se, não há falta de pronúncia.
Faz-se notar que referindo-se a previsão em análise, como já se disse, a questões de direito, a mesma, ao contrário do que parecem entender os recorrentes, não contende com questões de consideração de factualidade, pois estas, como já se disse na análise da nulidade anterior, a existirem, devem ser resolvidas no âmbito da impugnação da matéria de facto (art. 640º do CPC) e/ou da previsão da alínea c) do nº2 do art. 662º do CPC.
Além disso, diga-se, mesmo em sede de consideração de factualidade e relativamente ao facto de as redes serem amovíveis ou não, não há sequer qualquer omissão por parte do tribunal, pois os autores nem sequer em concreto alegam na sua petição inicial que as redes que colocaram sejam amovíveis [o único artigo de tal peça em que falam de rede amovível é no artigo 47 e apenas para referir um entendimento ou conclusão jurídica quanto a tal tipo de rede que, segundo referem, é veiculado pela revista “Decoproteste” – no sentido de que tal tipo de rede “não prejudica a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, nem a colocação de tal rede se enquadra no conceito de obra nova” –, ainda para mais sem dizerem qual o número/mês/ano da revista e sem dizerem de quem é a autoria do entendimento ali veiculado].
Ora, não estando factualmente alegada aquela matéria, o tribunal, como nos parece óbvio, não tinha que se pronunciar sobre ela.
Assim, pelo que se vem de expor, improcede a nulidade em apreço.
Vamos à questão enunciada sob a alínea b).
Os recorrentes defendem que deve ser considerado em sede de factualidade da sentença, e aí dado como matéria de facto provada, o por si alegado no artigo 54º da petição inicial (já acima por nós transcrito), pois não tendo tal matéria sido impugnada deve considerar-se como admitida por acordo nos termos do artigo 574º nº2 do CPC.
Mas não pode proceder tal pretensão.
Ainda que a matéria alegada naquele artigo 54º não tenha sido impugnada – aliás, não foi impugnada nenhuma da matéria alegada na petição inicial, pois, como decorre dos autos, a contestação deduzida pelo réu veio a ser considerada fora de prazo e, nessa sequência, ordenado o seu desentranhamento e declarados confessados os factos articulados pelos autores por despacho de 21/4/2023 –, daí não decorre que a mesma deva ser considerada como factualidade.
Efetivamente, a matéria constante daquele ponto é manifestamente conclusiva e integrada ainda por matéria de direito (na parte em que ali se diz que “Em nada a colocação da rede impacta com a linha arquitetónica”, pois tal remete diretamente para a previsão da alínea a) do nº2 do art. 1422º do C. Civil), e, por isso, contrária à matéria estritamente factual que deve ser selecionada para a fundamentação de facto, como explicitamente decorre do nº4 do art. 607º do CPC.
A confissão de factos decorrente da não contestação, prevista no art. 567º nº1 do CPC, ou da admissão por acordo, nos termos previstos no art. 574º nº2 do CPC, ocorre, como naqueles preceitos se prevê, quanto a factos e, como tal, não quanto a conclusões, juízos valorativos ou opinativos e/ou raciocínios de direito efetuados nos autos.
Deste modo, o juízo ou raciocínio opinativo que consta alegado sob aquele artigo 54º só é suscetível de poder eventualmente ser retirado ou considerado pelo tribunal em sede de fundamentação de direito e não em sede puramente factual.
Como tal, improcede esta questão recursória.
Passemos para as questões enunciadas sob a alínea c).
É a seguinte a matéria de facto a ter em conta:
Factos provados
1 - Os Autores são donos e legítimos proprietários da fração “AZ”, situada no 1º andar, designada pelo nº ..., do prédio sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho do Porto, descrito no Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o nº ....
2 - A referida fração destina-se à habitação própria permanente e é onde os Autores residem com a sua família.
3 - Os Autores têm uma filha menor, CC, nascida a ../../2009.
4 - Os Autores têm, ainda, consigo a residir os seguintes animais de estimação: três gatos e um cão.
5 - Os Autores instalaram uma rede nas janelas e na varanda da sua habitação.
6 - As referidas redes foram instaladas para a proteção da filha menor e dos animais de estimação, com vista a evitar a sua queda, bem como para impedir a entrada de gaivotas e pombas.
7 - As referidas redes foram instaladas antes de existir uma deliberação da Assembleia de Condóminos a proibir a sua instalação.
8 - A 20 de janeiro de 2022, realizou-se Assembleia de Condóminos do Edifício ....
9 - Da respetiva ata constava que tinha sido aprovado, por unanimidade dos presentes, que a rede que foi colocada no exterior da janela e varanda da habitação dos AA. deveria ser retirada no prazo de 60 dias e, caso não fosse retirada a rede no prazo de 60 dias, seriam os Autores condenados no pagamento de uma multa no valor de 150 €.
10 – Anteriormente à instauração da presente ação, os Autores intentaram ação de processo comum no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no Juízo Local Cível, sob o número de processo nº 4642/22.5T8PRT.
11 – Nessa ação, os Autores peticionaram o seguinte:
“Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser considerada procedente por provada e, em consequência, devem as deliberações e ata, alegadamente aprovadas a 20 de Janeiro, da Assembleia de Condóminos do Condomínio Nove de Abril ser:
a) Anuladas por incumprimento do artigo 1432/1º ex vi artigo 1433º ambos do Código Civil, por falta de convocatória por carta registada ou mediante aviso convocatório com a antecedência mínima de 10 dias.
b) Anuladas por incumprimento do artigo 1432/2 ex vi 1433º ambos do Código Civil, por não serem os Autores informados sobre a ordem de trabalhos e assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade de votos.
c) Anuladas por incumprimento do artigo 1432/6 ex vie artigo 1433º ambos do Código Civil porquanto as deliberações não foram comunicadas aos Autores por Carta Registada no prazo de 30 dias.
d) Ou, serem consideradas nulas nos termos gerais de direito porquanto os Autores desconhecem quem eram os condóminos presentes e quais as frações de que eram proprietários.
e) E, ser ainda reconhecido o direito aos Autores de manter a rede na janela e varanda da sua fração.”
12 - Em audiência prévia realizada naquele processo em 23-6-2022, Autores e Ré acordaram nos seguintes termos:
“1º - Autores e Ré acordaram em considerar anuladas todas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos ocorrida no dia 20-01-2022.
2º - Os Autores desistem da instância relativamente ao pedido formulado sob a alínea e), na parte final da petição inicial.
3º - A Ré declara não se opor à aludida desistência da instância.
4º - As custas a meias, prescindindo Autores e Ré de custas de parte.”
13 - A referida transação/desistência da instância foi homologada por sentença proferida em 23-6-2022 e, em consequência, foram as partes condenadas e absolvidas nos seus precisos termos.
14 - No dia 18 de novembro de 2022, reuniu na garagem do Edifício sito na Rua ..., concelho do Porto, a Assembleia de Condóminos do prédio “Edifício ...”, a qual foi convocada para deliberar sobre os seguintes assuntos:
“1. Confirmação das deliberações da assembleia de dia 20 de janeiro de 2022.
2. Deliberação sobre a rede colocada nas janelas e varanda da habitação ....
3. Ponto de situação e deliberação sobre as obras de reabilitação do edifício.
4. Outros assuntos de interesse geral.”
15 - No que respeita à colocação da rede nas janelas e varanda da habitação dos ora Autores, ficou descrito em ata o seguinte:
“Foi deliberado por maioria dos presentes com o voto contra da habitação ... e que a rede foi colocada no exterior da janela e varanda da habitação ... com a abstenção da habitação ..., ..., ..., ... e ... da deverá ser retirada no prazo de 60 (sessenta dias) a contar da presente data”.
16 - A 26 de Dezembro de 2022, os Autores receberam a ata da Assembleia de Condóminos.
17 - As redes instaladas pelos Autores mantêm-se no perímetro da sua fração.
18 – No edifício existem marquises que não se encontram licenciadas.
Factos não provados:
Inexistem
Na decisão recorrida, considerou-se que aquela colocação de redes integrava uma inovação levada a cabo em partes comuns do edifício e que não se tendo provado que a mesma tenha sido autorizada pela assembleia de condóminos nos termos previstos no nº1 do art. 1425º, daí decorre que a deliberação da assembleia de condóminos realizada em 18-11-2022, que determinou a remoção dessas redes, não é ilegal, não tendo por isso os autores direito a manter tais redes.
No entanto, naquela mesma decisão, para a hipótese de se entender que as janelas e a varanda não integram partes comuns e antes são parte integrante da fração dos autores, considerou-se ainda que a colocação daquelas redes prejudica o arranjo estético do edifício e, face ao disposto no art. 1422º nº2 a), não seria também ilegal a deliberação da assembleia de condóminos que determinou a sua remoção, não tendo, também com base nela, os autores direito a manter tais redes.
Analisemos.
Desde já se adianta que não se perfilha a orientação do tribunal recorrido no sentido de que as janelas e varanda em que foram colocadas as redes integram partes comuns do edifício.
Não obstante as varandas e janelas de uma fração possam estar implantadas em paredes comuns ou paredes mestras do edifício, as mesmas integram elementos destinados ao uso exclusivo do condómino a cuja fração respeitam e, por isso, são pertencentes ao dono desta[1].
Efetivamente, tanto quanto alcançamos, se o legislador quisesse considerar tais elementos – tão normais e recorrentes nos prédios constituídos em propriedade horizontal – como partes comuns do edifício, facilmente os teria referenciado como tais no art. 1421º do C. Civil, como o faz, por exemplo, para os terraços de cobertura destinados ao uso de alguma fração.
Além disso, como argumento claramente adjuvante no sentido do acima concluído, veja-se a própria alínea c) do nº1 daquele mesmo preceito, de onde se retira que as entradas existentes no edifício – que, como as janelas e varandas, estão implantadas nas suas paredes comuns – também só são parte comum se forem de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos.
Portanto, se a entrada de uso exclusivo de um condómino, não obstante implantada em parede comum, não é parte comum, também, pelo menos por identidade de razão, a varanda ou janela de uma fração ali também implantada o não é.
Na decorrência do que se vem de analisar, é de concluir que a colocação de rede na varanda e janelas da fração levadas a cabo pelos autores não integra inovação ou obra nova levada a cabo em partes comuns do edifício, mas sim uma obra levada a cabo por aqueles na sua própria fração.
Como assim, a tal obra não é aplicável o regime previsto no art. 1425º nº 1 do C. Civil, pois este é restrito para as obras levadas a cabo nas partes comuns, mas sim o regime previsto nos nºs 2 e 3 do art. 1422º[2].
Aqui chegados, há que, acompanhando a sentença recorrida quanto a essa sua parte, reconhecer que a referida colocação de rede na varanda e nas janelas da fração dos autores prejudica o arranjo estético do edifício, considerado este como o “conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática” ao mesmo[3].
Efetivamente, como ali se diz, quanto às janelas, “onde antes só existia vidro, existe agora, adicionalmente, uma rede sobre esse elemento, assim se alterando visualmente a imagem do edifício”, e, quanto à varanda, “onde anteriormente existia uma abertura, a mesma encontra-se tapada por uma rede”.
Por outro lado, como ali igualmente se faz notar, cabia aos autores, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC, “porque constitutiva do invocado direito à manutenção dessas redes, a prova da factualidade demonstrativa de que as mesmas não prejudicam a linha estética do edifício”.
Ora, nada se apurou no sentido de abalar aquela conclusão, pois os autores nada alegaram, por exemplo, sobre as características da rede (por exemplo, material de que é feita, cor, espessura…) nem sobre se a mesma é amovível ou não, embora quanto a este último detalhe – que, como vimos acima, foi inclusivamente erigido pelos autores como motivo de imputação de nulidade à sentença recorrida – se possa dizer que o mesmo sempre seria irrelevante, pois estando a rede aplicada, e assim permanecendo de dia para dia, produz efeito sobre o arranjo estético do prédio.
Por outro lado, e como se refere no acórdão desta mesma Relação de 14/11/2022 (desta mesma secção de processos, proferido no proc. nº17469/19.2T8PRT.P2, relatado pela Sra. Desembargadora Teresa Maria Sena Fonseca e em que estava em causa a colocação de rede em varandas), “É natural que os condóminos em geral desejem um aspeto bem arranjado, atrativo, para o edifício em que residem, para o que é de todos e de cada um, sem quebra do equilíbrio visual exterior. Este desejo tem uma componente estética e urbanística, como tem uma componente patrimonial, de valorização e de não desvalorização do edifício, no seu conjunto, e de cada fração em particular”, pelo que transigindo-se com uma obra similar à referida nos autos “estar-se-ia a abrir o precedente para que os outros condóminos pudessem fazer igual, baixando-se a fasquia do nível urbanístico”.
Assim, porque aquela colocação de rede prejudica o arranjo estético do prédio, a mesma está vedada aos autores, como previsto no art. 1422º nº2 a) do C. Civil.
Por outro lado, como previsto no nº3 daquele mesmo art. 1422º, só com prévia autorização da assembleia de condóminos aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio é que os autores podiam realizar obras que modificam o arranjo estético do edifício, sendo que tal prévia autorização não ocorreu.
Como tal, a deliberação da assembleia de condóminos de 11 de novembro de 2022 que, por maioria, ordenou a retirada da rede, está em consonância com a lei, não havendo fundamento para a sua anulação.
Passemos à questão enunciada sob a alínea d).
Os autores defendem que, no caso, ocorre colisão de direitos entre o direito do réu em não ver desvirtuado o arranjo estético do edifício e o seu direito à segurança na sua fração, devendo prevalecer este último, porque superior, por via do disposto no nº2 do art. 335º do C. Civil.
Analisemos.
Ainda que a rede colocada pelos autores na varanda e janelas o tenha sido, como provado sob os nºs 4, 5 e 6, para a proteção da filha menor e dos animais de estimação (três gatos e um cão), com vista a evitar a sua queda, nada se apurou, como se defende no recurso, no sentido de se poder concluir por uma qualquer falta de segurança na fração quanto a tal filha dos autores nem quanto a animais se não estiver colocada a rede nas janelas e varanda em causa.
Desde logo, não se mostram apuradas – porque não alegado – as concretas dimensões e configuração nem das janelas nem da varanda.
Ora, como se sabe, as janelas são constituídas pela caixilharia e respetivos vidros e, conforme se pretenda, podem abrir-se ou fechar-se, pelo que não se vê em que é que a colocação de rede lhes confira segurança que não tenham.
Quanto à varanda, nada se sabendo sobre a sua concreta delimitação – nomeadamente, muro, vidro ou gradeamento – e altura, também não se vê, sem mais, em que é que a colocação da rede lhe confere segurança que, enquanto varanda, não tenha.
Note-se, relativamente à varanda, que não obstante nada se ter apurado quanto a à sua configuração, dimensões e delimitação, verifica-se até da fotografia junta com a p.i. como documento nº2 que, tanto quanto dali é percetível, a mesma é delimitada por muro compacto e talvez com cerca de 1 metro de altura e que a rede está colocada no vão que existe entre a parte de cima de tal muro e o piso da varanda da fração superior. Isto é, a rede não visa vedar um qualquer espaço com aberturas pelo qual possa passar uma criança ou animal de estimação (o que poderia ocorrer se, como acontece em muitos casos, a varanda fosse delimitada por um gradeamento) – se assim fosse estar-se-ia a conferir à varanda uma segurança que ela por si poderia não ter –, mas sim a tapar o espaço que existe entre o muro que delimita a varanda e a fração de cima, criando uma vedação que acresce à varanda e que configura uma autêntica “marquise” de rede.
Face ao que se vem de expor, é de concluir que não se fez prova de que a colocação de rede nas janelas e varanda seja necessária para conferir segurança a estas em relação a animais ou pessoas, nomeadamente da filha dos recorrentes – que à data da prolação da sentença recorrida já tinha quase 14 anos de idade (nº3 dos factos provados) –, o que basta para concluir pela inexistência da colisão de direitos por si defendida.
Por tudo quanto se referiu, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.